27 de setembro de 2012

Lições das Cartas dos Mahatmas

Em Dez Passagens Selecionadas, Mestres
Ensinam Sobre o Caminho Espiritual Sem Ilusões

Carlos Cardoso Aveline (Ed.)



Reproduzimos a seguir trechos das cartas dos sábios orientais que inspiraram a criação do movimento teosófico moderno em sete de setembro de 1875.     

Comentários explicativos antecedem cada trecho. 

1) O primeiro fragmento mostra que a noção de dever é sagrada e fundamental para os seres que transcenderam a atual etapa da humanidade. A citação também revela que a ideia de que “viver é aprender” se aplica a todos os seres. Embora os mestres de Sabedoria tenham esgotado basicamente o aprendizado humano, eles continuam aprendendo sobre a vida universal e possuem os Seus próprios mestres. Diz o sábio dos Himalaias: 

“.... Meu primeiro dever é para com o meu Mestre. E o dever, deixe-me dizer-lhe, é para nós mais forte do que qualquer amizade ou mesmo amor; já que sem este princípio permanente, o cimento indestrutível que tem unido durante tantos milênios os guardiães esparsos dos grandes segredos da natureza - nossa Fraternidade, e mais, a nossa própria doutrina - teriam se desmanchado há muito em átomos irreconhecíveis.”

(“Cartas dos Mahatmas”, Ed. Teosófica, Brasília, volume 2, Carta 126, p. 273.)

2) Em seguida temos um trecho que é considerado por alguns teosofistas como “um resumo do discipulado”. O estudante deve lê-lo várias vezes, observando repetidamente cada uma das suas ideias, até começar a perceber as camadas mais profundas de significado. Um iogue dos Himalaias afirma: 

“Já foi dito a você (.....) que o caminho para as Ciências Ocultas tem de ser trilhado laboriosamente e percorrido com perigo de vida; que cada novo passo nele, que leva à meta final, é rodeado por armadilhas e espinhos cruéis; que o peregrino que se aventura por ele é obrigado primeiro a confrontar e vencer as mil e uma fúrias [1] que guardam seus portões e sua entrada adamantinos [2] - fúrias chamadas Dúvida, Ceticismo, Desprezo, Ridículo, Inveja e finalmente Tentação - especialmente a última; e que aquele que quiser ver mais além tem primeiro de destruir este muro vivo; deve ter um coração e uma alma vestidos de aço e uma determinação de ferro, que nunca falha, e no entanto deve ser amável e gentil, humilde, e deve ter expulsado do seu coração toda paixão humana, que leva ao mal.”

(“Cartas dos Mahatmas”, volume 2, Carta 126, p. 274.)

3) O trecho a seguir avança na mesma linha. Deixando de lado as ilusões, ele amplia a visão do caminho teosófico como uma missão e um desafio em que não faltam obstáculos:

“Olhe ao seu redor, meu amigo: veja os ‘três venenos’ devastando o coração dos homens - o ódio, a cobiça e a ilusão; e as cinco escuridões: a inveja, a paixão, a hesitação, a preguiça e a descrença, sempre impedindo-os de ver a verdade. Eles nunca se verão livres da poluição dos seus corações vaidosos e maldosos, nem perceberão a parte espiritual que há neles mesmos. Irá você tentar - para diminuir a distância entre nós - libertar-se da rede da vida e da morte em que todos eles estão presos ......?” 

(“Cartas dos Mahatmas”, volume I,  Carta 47, p. 214.)

4) O trecho número quatro talvez seja um dos mais significativos de todo o acervo de cartas de que dispõe a literatura teosófica.

Ele mostra a necessidade de optar entre dois caminhos. Um deles é fácil. O outro coberto de desafios e dificuldades: 

“Um chela em provação tem permissão para pensar e fazer o que quiser. Ele é advertido e informado previamente: ‘Você será tentado e enganado pelas aparências; dois caminhos se abrirão diante de você, os dois levando à meta que você está tentando alcançar; um, fácil, e este o levará mais rapidamente ao cumprimento das ordens que você pode receber; o outro, mais árduo, mais longo; um caminho cheio de pedras e espinhos que o farão pisar em falso mais de uma vez; e no final do qual você pode, talvez, chegar a um fracasso, depois de tudo, e ser incapaz de executar as ordens dadas para um pequeno trabalho particular - mas, enquanto este caminho fará com que as dificuldades enfrentadas por você devido a ele sejam todas contabilizadas a seu favor a longo prazo, o outro, o caminho fácil, só pode oferecer a você uma gratificação momentânea, uma realização fácil da tarefa’. O chela tem toda liberdade, e frequentemente muitas razões, do ponto de vista das aparências, para suspeitar que seu Guru é ‘um impostor’, uma palavra elegante. Mais que isso: quanto maior e mais sincera sua indignação - seja ela expressada com palavras ou esteja fervendo em seu coração - tanto mais adequado ele é, e mais qualificado para tornar-se um adepto. Ele é livre para usar, e não terá que responder pelo fato de empregar até mesmo as palavras e expressões mais abusivas em relação às ações e ordens do seu guru, uma vez que ele saia vitorioso da provação; uma vez que ele resista a todas e cada uma das tentações; que rejeite todas as seduções; e comprove que nada, nem mesmo a promessa daquilo que ele considera mais valioso que a vida, daquela bênção extremamente preciosa, seu futuro adeptado - é capaz de fazer com que ele se desvie do caminho da verdade e da honestidade, ou forçá-lo a tornar-se um enganador.

(“Cartas dos Mahatmas”, volume I, pp. 343-344.)

5) A próxima passagem das Cartas mostra que é indispensável estabelecer uma linha de coerência entre o sonho do ideal e as ações práticas da vida cotidiana. Além disso, sugere a ideia de que a humanidade está hoje a um passo de uma nova era que será marcada pela paz e pela sabedoria. 

Diz o Mestre:

“Aquele que quiser erguer alto a bandeira do misticismo e proclamar que o seu reino está próximo tem que dar o exemplo aos outros. Ele deve ser o primeiro a mudar os seus próprios modos de vida; e, com relação ao fato de que o estudo dos mistérios ocultos é o degrau mais alto da escada do Conhecimento, tem que proclamar isso em voz alta, apesar da ciência exata e da oposição da sociedade. O Reino do Céu é obtido pela força, dizem os místicos cristãos.”

(“Cartas dos Mahatmas”, volume I, Carta 2, p. 43.)

6) O trecho número seis permite compreender que os contatos verbais e externos entre os Mestres de Sabedoria e a humanidade ocorreram experimentalmente e como uma exceção à regra durante os primeiros anos do movimento teosófico, tendo cessado no final do século 19. As “canalizações”, começadas sob a liderança de Annie Besant e outras pessoas desinformadas, pertencem ao ramo da fantasia. As palavras do Mestre se referem nesta passagem à Sociedade Teosófica original, que deixou de existir poucos anos após a morte de Helena Blavatsky, devido à fragmentação do movimento provocada por Annie Besant. 

O desafio de curto prazo de que fala o Mestre na Carta foi superado, e os Mahatmas continuaram em contato externo e verbal com alguns teosofistas durante mais algum tempo.

Foi a Carta de 1900 - disponível em nossos websites associados sob o título de “A Carta de 1900, na Íntegra” - que estabeleceu o silêncio final. A mesma carta antecipou, profeticamente, o abandono da verdadeira teosofia por parte da Sociedade de Adyar.

Diz o Mestre, formulando já nos anos 1880 uma advertência preliminar:

“Dentro de mais alguns meses terminará o período de provação [3]. Se naquele momento a posição da Sociedade em relação a nós - a questão dos ‘Irmãos’ - não tiver sido resolvida definitivamente (seja eliminando-a do programa da Sociedade ou aceitando as nossas condições), não haverá mais notícias dos ‘Irmãos’ de quaisquer formas, cores, tamanhos ou graus. Desapareceremos da vista do público como um vapor desaparece no oceano. Só àqueles que provaram ser fiéis a nós e à verdade em todos os momentos será permitido contato futuro conosco. E nem mesmo eles, a menos que, desde o presidente para baixo, prometam, com os mais solenes compromissos de honra, guardar um segredo inviolável, de agora em diante, sobre nós, sobre a Loja [4] e os assuntos tibetanos, e não responder sequer perguntas dos seus amigos mais próximos, embora o silêncio possa, provavelmente, dar a aparência de que tudo que foi revelado seja ‘fraude’.”

(“Cartas dos Mahatmas”, volume I, pp. 207-208.)

7) No sétimo trecho, o Mestre avalia o processo da correspondência com seu discípulo leigo Alfred P. Sinnett. A correspondência serviu como base para o livro “O Mundo Oculto” (publicado em português pela Editora Teosófica) e para a obra “O Budismo Esotérico” (disponível pela Editora Pensamento).

O mestre admite que os livros ficaram aquém do esperado, e atribui isso ao fato de que Sinnett não havia passado por nenhuma grande iniciação. Em seguida, o mestre afirma que é necessário alguém ter alcançado a terceira iniciação para escrever corretamente sobre assuntos ocultos e temas cósmicos. Sabendo-se que mais tarde os Mestres destinaram a H.P. Blavatsky a tarefa de escrever sobre estes temas, na obra “A Doutrina Secreta”, pode-se deduzir que H. P. B. tinha, pelo menos, a terceira grande iniciação. 

Diz o trecho da Carta do Mestre:

“Quando começou a nossa primeira correspondência, não havia nenhuma ideia sobre quaisquer publicações que fossem baseadas nas respostas que você recebesse. Você continuou colocando perguntas ao azar, e as respostas - que foram sendo dadas em ocasiões diferentes para perguntas desconjuntadas, e, digamos, sob um semiprotesto - eram necessariamente imperfeitas, muitas vezes em vários aspectos. Quando foi permitida a publicação de algumas delas em O Mundo Oculto, esperava-se que alguns dos seus leitores fossem capazes, como você, de montar todas as peças e desenvolver a partir delas o esqueleto, ou uma sombra do nosso esquema, o qual, embora não fosse exatamente o original - isto seria uma impossibilidade - constituiria uma abordagem tão próxima dele quanto possível para um não-iniciado. Mas os resultados foram quase desastrosos! Nós havíamos feito uma experiência e fracassado lamentavelmente! Agora vemos que ninguém, exceto aqueles que passaram pelo menos pela sua terceira iniciação, é capaz de escrever de modo compreensível sobre estes assuntos. Herbert Spencer teria feito uma confusão nas circunstâncias em que você atuou. Mohini certamente não está de todo correto, em alguns detalhes ele está claramente errado, mas você também está, meu velho amigo, embora o leitor externo não seja o mais capacitado a perceber, e ninguém, até agora, tenha reparado nos erros realmente vitais em O Budismo Esotérico e em Man [5], e provavelmente ninguém o fará.” 

(“Cartas dos Mahatmas”, volume II, Carta 128, p. 282.)

8) O oitavo trecho mostra que o verdadeiro movimento teosófico não está preso a nenhuma organização. Ele transcende qualquer agrupamento de pessoas, porque a sabedoria e a ética universais são intuitivas e podem surgir em todo lugar: 

“A Europa é grande, mas o mundo ainda é maior. O sol da Teosofia tem que brilhar para todos, não para uma parte. Há muito mais neste movimento do que o que você percebeu até agora...”

(“Cartas dos Mahatmas”, volume I, p. 220, Carta 48.)

9) Os trechos nove e dez pertencem à mesma Carta. No nono trecho, vemos como os discípulos eram testados e treinados em épocas anteriores à nossa:

Meu amigo, nas Lojas Maçônicas dos tempos antigos, o neófito era submetido a uma série de testes espantosos, em que estavam em jogo a sua constância, sua coragem e sua presença de espírito. Através de impressões psicológicas provocadas por máquinas e substâncias químicas, ele era levado a acreditar que estava caindo em precipícios, que seria esmagado por rochas, que caminhava através de pontes de teia de aranha no meio do ar, que atravessava fogo, que se afogava na água e era atacado por animais selvagens. Esta era uma reminiscência e um programa tomado por empréstimo dos Mistérios Egípcios.[6] Como o Ocidente havia perdido os segredos do Oriente, ele tinha, digamos, que fazer uso de um artifício. Mas nos dias atuais a vulgarização da ciência tornou obsoletos estes testes triviais.”

(“Cartas dos Mahatmas”, volume II, Carta 136, p. 316.)

10) O décimo trecho continua o anterior. Aqui o Mestre indica de que modo se desdobra o discipulado desde a criação do movimento teosófico moderno, em 1875. O fato antecedeu e preparou o ingresso da humanidade na era de Aquário, o que ocorreu no ano de 1900. 

Fica claro que os rituais são inúteis, porque o desafio é o autoconhecimento na linha da Raja Ioga: 

“O aspirante é agora atacado inteiramente no lado psicológico da sua natureza. O processo de testes - na Europa e na Índia - é o da Raja Ioga, e o seu resultado é, como tem sido explicado frequentemente, o desenvolvimento de todos os germes, bons e maus, que há nele e em seu temperamento. A regra é inflexível, e ninguém escapa, quer ele apenas escreva uma carta para nós, ou formule, na privacidade do seu próprio coração, um forte desejo de comunicação e conhecimento ocultos. Assim como a chuva não pode fazer frutificar a rocha, tampouco o ensinamento oculto surte efeito sobre a mente que não é receptiva; e assim como a água aumenta o calor da cal cáustica, também o ensinamento coloca em impetuosa ação todas as insuspeitadas potencialidades latentes no aspirante.”

(“Cartas dos Mahatmas”, volume II, Carta 136, mesma p. 316.)

NOTAS:

[1] Fúrias - na mitologia clássica, divindades femininas que puniam crimes, instigadas pelas vítimas, e vingavam os deuses.

[2] Adamantinos - isto é, feitos de diamante.

[3] Provação: isto é, o período de teste ou experiência.

[4] Loja dos Adeptos.

[5]Man” - Menção ao livro “Man: Fragments of Forgotten History” (Homem: “Fragmentos de Uma História Esquecida”), escrito por Mohini Chatterjee e Laura Holloway e publicado nos anos 1880.

[6] Cabe destacar neste ponto que o “rito egípcio” inventado artificialmente por líderes da Sociedade de Adyar na primeira metade do século vinte nada tem a ver com a tradição egípcia, embora dela faça em parte uma imitação ingênua, e não possui qualquer relação tampouco com o Rito Egípcio da maçonaria de Alessandro Cagliostro, na França do século 18. Cagliostro foi um sábio e trilhou um caminho autêntico.

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O texto acima foi publicado pela primeira vez na edição de setembro de 2011 de O Teosofista”.

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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.

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