6 de dezembro de 2016

Formando Bons Hábitos

A Criatividade na Teosofia da Vida Diária

Joaquim Duarte Soares



O caminho da sabedoria é fonte de paz e felicidade e começa com o conhecimento de si mesmo.

A filosofia esotérica ensina que aquilo a que chamamos personalidade, o quaternário inferior, é um aglomerado de skandhas, ou o conjunto de registos cármicos de vidas passadas. Os skandhas constituem a nossa herança cármica. Estão compostos pela soma de tendências, hábitos, defeitos e qualidades, e são ativados a cada nova encarnação. De um ponto de vista oculto, podemos dizer que somos filhos de nós mesmos.

Um dos efeitos do estudo sério da teosofia clássica e do esforço por viver o ensinamento é que passamos a desafiar a ignorância acumulada em nós próprios. 

O ser humano é complexo. Trazemos em nós hábitos e tendências que alimentam a ignorância, produzindo sofrimento desnecessário. Ao mesmo tempo, também possuímos em maior ou menor grau padrões energéticos sintonizados com a sabedoria e que produzem felicidade.

O desafio está em concentrar nossa energia e vontade naquilo que é positivo e deixar de alimentar o que é negativo. A arte de substituir hábitos nocivos por hábitos saudáveis é central na aprendizagem da sabedoria. [1]

Um pequeno poema intitulado “Hábito” (“Habit”, no original em inglês) descreve a importância de nos mantermos vigilantes em relação aos nossos hábitos:

“O hábito no princípio é apenas um fio de seda,
Belo como as delicadas teias aladas que balançam
Nos raios quentes de sol de um dia de verão;
Um riacho raso, ondulando sobre o seu leito;
O broto da planta, antes de suas raízes se espalharem;
Um espinho em teu caminho, ainda não endurecido;
Um filhote de leão que ainda não fareja a presa;
Uma pequena criança risonha obedientemente conduzida.
Cuidado! Esse fio pode prender-te como um grilhão;
Esse riacho se acumular num mar fatal;
Essa muda se transformar numa árvore cheia de nós;
Esse espinho, crescido e duro, pode ferir-te e trazer dor;
O filhote brincalhão revelar seus dentes assassinos;
A criança, um gigante, esmagar-te sob seus pés.” [2]

Ao adquirirmos consciência dos hábitos instalados e das suas consequências para nós e para os outros, temos a possibilidade de tomar a vida em nossas mãos e decidir qual o tipo de carma que queremos plantar a cada dia.

Avançar no caminho pressupõe o plantio de bons hábitos e de padrões vibratórios corretos. Devemos elevar-nos acima dos velhos skandhas da ignorância individual e coletiva. Este processo é probatório e contém múltiplos desafios e lições valiosas. O progresso acontece quando aprendemos com os erros e acertos enquanto perseveramos no esforço. O caminho é percorrido ao longo de várias vidas, no ritmo e no modo de cada um. Podemos ler no texto “Uma Batalha Diária”:

“A luta por agir de modo correto é simultaneamente física, emocional e mental. Deve-se estabelecer melhores hábitos. É necessário reduzir ou eliminar padrões errados de vibração. Ao preparar a si próprio através de intenções nobres, pensamentos adequados e ações justas, o indivíduo purifica seu instrumento - o eu inferior - e se liberta gradualmente de ilusões e sofrimentos desnecessários. Assim ele alcança uma paz que é interna, e não externa. O sofrimento humano será seu até o final, mas ele aprenderá a ser maior que a dor.” [3]

Desenvolvendo a capacidade de auto-observação, começamos a discernir os mecanismos psicológicos de apego a um variado conjunto de hábitos inconscientes que trazemos do passado. Esses elementos funcionam em nossa aura como bloqueios à expansão do magnetismo curativo do amor que emana do coração.

Passo a passo, vamos percebendo, não só mentalmente mas de forma vivencial, que nós não somos o nosso corpo, nem o que sentimos, nem o que pensamos.[4] A nossa “personalidade”, o eu inferior, é sim um valioso instrumento - o templo da Alma imortal. Nossa tarefa sagrada é purificá-lo para que nele brilhe a luz do Eu Superior.

O fato de que tudo é cíclico na vida é um aspecto a levar em conta em nossos esforços. Robert Crosbie afirma:

“O jeito de corrigir hábitos é reconhecer que os pensamentos errados irão retornar, e que mesmo os pensamentos que não são bem-vindos retornam obrigatoriamente devido à lei. Por isso, estabeleça um pensamento oposto - ou um sentimento oposto, ou comece uma ação na direção oposta. Continue fazendo isso da melhor maneira que puder, e finalmente você vai destruir o velho ciclo e estabelecer outro, novo.” [5]

Algumas linhas mais adiante Crosbie comenta:

“...É observando o retorno das impressões mentais que podemos corrigir os hábitos. Hábitos de qualquer espécie são criados por repetição. Na primeira vez que fazemos algo, ainda não há um hábito; mas se repetirmos a ação, e continuarmos repetindo, ela finalmente se tornará automática. Com o conhecimento da lei dos ciclos, os hábitos ficam dentro dos limites do nosso controle inteligente.”

Uma visão de longo prazo e uma meta elevada contribuem para aumentar o desapego em relação às marés e aos diferentes ciclos da vida. Mesmo pequenos passos dados são valiosos e todas as tentativas de viver um ideal altruísta são importantes. Nada se perde. O que importa é tentar, sempre.

Bons hábitos em relação a pensamento, estudo, alimentação e saúde, assim como a dedicação a uma causa nobre, abrem espaço para a vivência do que é bom, belo e verdadeiro. A cada dia, temos a possibilidade de viver interiormente a paz e a felicidade.

NOTAS:

[1] Vale a pena ler o texto “Vivendo na Atmosfera da Teosofia”, de Carlos Cardoso Aveline, que pode ser encontrado em nossos websites associados. 

[2] O poema, de autor anônimo, foi publicado na revista “Lucifer”, edição de maio de 1890, editada por HPB. (A palavra “Lúcifer” significa “portador da luz” e se refere ao planeta Vênus: foi distorcida na Idade Média por teólogos ignorantes.) O original em inglês do poema está disponível em nossos websites.

[3] O texto foi escrito por C. C. Aveline e está publicado em nossos websites.

[4] A ideia está colocada em um trecho de Robert Crosbie que encontramos no artigo “A Ioga do Dever”, de C. C. Aveline. 

[5] Reproduzido do artigo “Os Ciclos dos Hábitos”, de Robert Crosbie, que pode ser lido em nossos websites associados.

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O artigo acima é reproduzido da edição de maio de 2015 de “O Teosofista”, pp. 16 a 18.

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