Um Conto Místico Sobre o Conflito
Entre Coerência e Diversidade na Vida

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Nota Editorial de 2025:
O texto a seguir é um exemplo do fato de
que as obras de Kahlil Gibran (1883-1931) têm
pontos essenciais em comum com a Teosofia.
“Os Sete Eus” pode ser lido desde pelo menos
três pontos de vista diferentes. Primeiro, ele examina a
diversidade de níveis de consciência dos seres humanos.
Em segundo lugar, ele descreve a vida na sua relação
com Dukkha, ou Sofrimento, a primeira nobre verdade
do budismo filosófico. Finalmente, pode ser considerado
um poema sobre Maya, Ilusão. Reproduzimos o texto do
volume “O Profeta e a Arte da Paz”, de Kahlil Gibran,
Ed. Sinais de Fogo, Portugal, pp. 196-199. A tradução é de
Inês Fraga. Em outras edições, faz parte do volume “O Louco”.
(Carlos Cardoso Aveline)
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No momento mais silencioso da noite, estando eu deitado semiadormecido, os meus sete eus sentaram-se e assim conversaram, murmurando:
Primeiro Eu:
Aqui, neste louco, habitei todos estes anos, sem nada para fazer senão renovar a sua dor de dia e recriar a sua mágoa de noite. Não suporto mais o meu destino e agora rebelo-me.
Segundo Eu:
Irmão, o teu destino é melhor do que o meu, pois cabe-me a mim ser o eu feliz deste louco. Rio o seu riso e canto os seus momentos felizes e com pés três vezes alados danço os seus pensamentos mais brilhantes. Sou eu quem se quer revoltar contra a fatigante existência.
Terceiro Eu:
E então eu, o dominado pelo amor, a marca flamejante da paixão selvagem e dos desejos fantásticos? Sou eu, o doente de amor, quem se quer revoltar contra este louco.
Quarto Eu:
De entre todos vós, sou o mais infeliz, porque nada me foi dado senão ódio abominável e aversão destrutiva. Sou eu, o eu semelhante à tempestade, o que nasceu nas cavernas negras do Inferno, quem deveria protestar contra servir este louco.
Quinto Eu:
Não, sou eu, o pensador, o eu pleno de fantasias, o eu da fome e da sede, o que está condenado a deambular sem descanso em demanda de coisas desconhecidas e ainda por criar; sou eu, não vós, quem se deveria revoltar.
Sexto Eu:
E eu, o que trabalha, o obreiro que inspira piedade, que, com mãos pacientes, e olhos sonhadores, molda o dia em imagens e dá aos elementos novas e eternas formas - sou eu, o solitário, quem se deveria revoltar contra este louco irrequieto.
Sétimo Eu:
Que estranho que todos vós vos queirais revoltar contra este homem, tão-só porque cada um tem um destino pré-determinado a realizar.
Ah! Pudesse assemelhar-me a um de vós, um eu com um destino determinado! Mas não tenho nenhum, sou o que nada faz, aquele que se senta no nenhures e no nunca mudos e vazios, enquanto vós estais ocupados a recriar a vida. Sois vós ou eu, vizinhos, quem se deveria revoltar?
Quando o sétimo eu assim falou os outros seis olharam-no com piedade, mas nada proferiram; e à medida que a noite se tornava mais profunda, um após outro foi dormir envolto numa nova e feliz submissão.
Mas o sétimo eu ficou a observar e a mirar o nada por detrás de todas as coisas.
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O texto acima está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 14 de agosto de 2025. Ele também faz parte da edição de maio de 2012 de “O Teosofista”, páginas 7-8.
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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