15 de setembro de 2025

Máximas, Pensamentos e Reflexões

 
A Obra Clássica dos Anos 1840 na sua Melhor 
Edição, Publicada por Sousa da Silveira em 1958
 
 Marquês de Maricá




1 - Uns homens sobem por leves como os vapores e gases, outros como os projéteis  pela força do engenho e dos talentos.

2 - A beneficência é sempre feliz e oportuna quando a prudência a dirige e recomenda.

3 - O pródigo pode ser lastimado, mas o avarento é quase sempre aborrecido.

4 - O interesse explica os fenômenos mais difíceis e complicados da vida social.

5 - Os maldizentes, como os mentirosos, acabam por não merecerem crédito ainda mesmo dizendo verdades.

6 - Há muitos homens que se queixam da ingratidão humana para se inculcarem benfeitores infelizes, ou se dispensarem de ser benfazentes e caridosos.

7 - Ninguém considera a sua ventura superior ao seu mérito, mas todos se queixam das injustiças dos homens e da fortuna.



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O livro “Máximas, Pensamentos e Reflexões”, do Marquês de Maricá, está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 15 de setembro de 2025.

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* Veja a seção temática

* Examine a seção Cristianismo e Teosofia.

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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 

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10 de setembro de 2025

Elogio às Pedras no Caminho

 
O Lado Sagrado dos Obstáculos e
do Desconforto, em Filosofia Esotérica
 
Carlos Cardoso Aveline




Apesar das aparências, o peregrino que avança pelo caminho da sabedoria não tem adversários pessoais, e a compreensão deste fato traz um grande alívio para ele.

Nenhuma pessoa pode impedir o seu progresso na direção da sabedoria divina. Ao contrário: todos são seus professores, e ele tem motivos para agradecer interiormente a cada um. A sabedoria ensina através dos obstáculos, por mais incômodos que sejam.

Em suas tentativas de avançar, o aprendiz da Lei vê que os desafios enfrentados são principalmente padrões vibratórios inferiores, dele próprio e dos grupos a que ele está ligado.

Cada vez que ele se ergue, a ignorância coletiva vem contra ele assumindo muitas formas diferentes. Algumas delas parecem agradáveis no curto prazo. Outras se apresentam como se fossem o seu destino definitivo e inapelável; ou talvez como deveres pessoais que ele não pode recusar. Tais forças cármicas sutis devem ser observadas em paz, até que sejam compreendidas na sua falsidade, desmascaradas, transcendidas, e usadas como valiosa matéria-prima na produção de substância celeste, que é sempre vitoriosa.

Deste modo o peregrino ganha força de vontade suficiente e reúne poder magnético para dar novos passos adiante. 

O caminho do saber eterno consiste em transmutar pedras em pássaros, em transformar ignorância em luz, em romper a rotina da raiva e do medo para que surjam invencivelmente a confiança, a boa vontade, e a vitória.

O pensamento positivo só pode ter como alicerce o sóbrio conhecimento das leis da vida. Indivíduos ou circunstâncias que tornem mais difícil a caminhada - inclusive de maneira aparentemente deliberada - são manifestações externas e secundárias da necessidade de ele ser mais forte. São campainhas tocando de maneira estridente para que ele cresça.  

Da dinâmica alquímica indicada acima surgem novos padrões de vibração, compatíveis com os próximos passos da marcha do peregrino.

O avanço no caminho da luz será testado até à exaustão pelos fantasmas da ignorância coletiva, assim como pelas ilusões do passado. Tais armadilhas podem fazer com que ele caia não poucas vezes. Mas quando as presenças desafiantes no seu mundo interior se desfizerem por falta de base, e tiverem cumprido finalmente a sua missão, o horizonte estará limpo como nunca antes.

Todas as pessoas e situações incômodas na vida do peregrino serão utilizadas pela Lei do Carma como instrumentos secundários do seu crescimento em saber.

Ao perceber este fato, o peregrino bem informado agradece ironicamente aos obstáculos. Ele agora vê a verdade: é mudando a si mesmo para melhor - um processo lento e anônimo porém visível - que ele poderá levar algum bom senso ao mundo e alcançar o contentamento interior.

As dificuldades que enfrentamos são, pois, lições e bênçãos disfarçadas de desconforto. Elas nos arrancam das ilusões. Abrem caminho para uma visão mais correta e luminosa da vida infinita que está presente aqui e agora. Desde o ponto de vista da ação prática, o bom exemplo - essencialmente anônimo e silencioso - é a base de todo esforço teosófico.   

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O artigo “Elogio às Pedras no Caminho” foi publicado pelos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia 10 de setembro de 2025.

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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.

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8 de setembro de 2025

Lições Espirituais de Manuel Bernardes

 
Disciplina Diária: o Jejum e o Desapego 
No Fortalecimento da Vontade Espiritual
 
Carlos Cardoso Aveline
 

Visão parcial da página de abertura da edição de 1725 de “Direcçam”, de M. Bernardes




A teosofia transcende as fronteiras convencionais de tempo e espaço. A pedagogia do espírito é em grande parte atemporal e suas dimensões espaciais são flexíveis, podendo chegar ao infinito em seus níveis superiores.

Um exemplo disso é dado pelo religioso oratoriano Manuel Bernardes. Nascido em Lisboa em 20 de agosto de 1644, e tendo vivido até o ano de 1710, Bernardes é no século 21 um autor cujos textos inspiram e ajudam a quem estuda os ensinamentos esotéricos do movimento teosófico, fundado em 1875.   

O religioso da Congregação do Oratório nasceu quase 200 anos antes de Helena. Nascida como ele sob o signo de Leão, Blavatsky era discípula de sábios orientais e não leu as obras de Bernardes nem conhecia o idioma português. Ainda assim, encontramos nos escritos do religioso ibérico grande quantidade de informações úteis para os estudantes da Loja Independente de Teosofistas, cuja principal referência é dada pelas Cartas dos Mestres de Helena Blavatsky e pelos escritos dela. Os escritos de Bernardes são úteis para quem busca o discipulado junto aos Mahatmas orientais. Vale a pena examinar alguns fatos básicos da caminhada esotérica.

O Que Significa Fazer um Retiro

Digamos que você queira passar uns dias retirado e dedicando-os completamente à busca da sabedoria mística.

O que é exatamente “afastar-se da vida externa” para mergulhar por alguns dias no mundo do espírito? 

Em um Aviso aos participantes de um retiro de nove dias, o místico de Lisboa recomenda:

“[Cabe] abstrair-se durante o tempo dos Exercícios de tudo o que é negócios, cartas, visitas, conversações, notícias, preocupações, estudos, curiosidades, e qualquer outro emprego [de energia] que costuma impedir a devoção e dissipar o recolhimento do espírito. Porque a oração não é outra coisa (como disse Santo Astério Bispo) do que um esquecimento das coisas terrenas, para subir, o espírito, às coisas celestiais: Oratio est oblivio terrenorum, ascensus in Coelum.” [1]

O caminho da alma implica um desligar-se parcial do mundo externo. Bernardes afirma que o momento da prática espiritual deve ser um “tempo vazio” a ser preenchido com o espírito da Oração - que um teosofista chamaria de espírito da Contemplação.

Tais conselhos são bastante parecidos aos que encontramos nas Cartas dos Mahatmas e nas Cartas dos Mestres de Sabedoria.

Um instrutor oriental escreveu:

“Como pode você discernir o real do irreal, o verdadeiro do falso? Só através do autodesenvolvimento. Como conseguir isso? Primeiro, precavendo-se contra as causas do autoengano. E isso você pode fazer dedicando-se, em determinada hora ou horas fixas, a cada dia, totalmente só, à autocontemplação, a escrever, a ler, a purificar suas motivações, a estudar e corrigir seus erros, ao planejamento do seu trabalho na vida externa. Estas horas deveriam ser reservadas como algo sagrado para este propósito, e ninguém, nem mesmo o seu amigo ou seus amigos mais íntimos, deveriam estar com você naquele momento. Pouco a pouco sua visão ficará clara, você descobrirá que as névoas se dissipam, que suas faculdades interiores se fortalecem, sua atração por nós ganha força e a certeza toma o lugar das dúvidas.” [2]

São numerosos os paralelos e pontos em comum entre as obras de Manuel Bernardes e a teosofia clássica. Uma vez que se compreenda filosoficamente a linguagem mística do Portugal e Brasil do século 18, os livros de Bernardes são uma reserva técnica valiosa para o estudo prático do discipulado em língua portuguesa.  

Entre os numerosos temas em que Bernardes ajuda o movimento teosófico está a prática regular da abstenção de alimentos.

A Renúncia Como Base da Caminhada

O jejum ocupa lugar de destaque entre as austeridades ou penitências recomendadas no mundo cristão. Está presente no judaísmo e no islamismo, e constitui uma prática regular entre as religiões orientais.

O testemunho de todos é semelhante. Fisicamente, o jejum feito com bom senso fortalece a saúde e cura diversas doenças. O jejum ocupa lugar de destaque na medicina da antiguidade. Seu efeito curativo é bem conhecido até hoje. No entanto, é boicotado pelas medicinas que giram em torno da farmácia e servem o interesse das indústrias de remédios.

No plano do pensamento e do sentimento, a abstenção parcial ou total de alimentos promove a humildade, purifica os sentimentos, aumenta a lucidez, expande a atividade cerebral e reconstitui a harmonia interior da alma.  

No plano do espírito, ele recupera ou amplia o contato com o eu superior, com a alma imortal, com o mundo divino, o Mestre. O jejum é também um instrumento central na tradição religiosa do mundo lusófono. Está enraizado na história luso-brasileira. E é recomendado pela literatura teosófica clássica.

Nas Cartas dos Mahatmas, um raja iogue dos Himalaias afirma que a prática do jejum é um dos fatores básicos na caminhada espiritual.

O instrutor enumera diversos fatores inseparáveis do jejum: a prática do silêncio e da meditação; a prática da castidade em pensamento, em palavra e ação; o domínio das paixões e dos impulsos animais; a busca de uma completa ausência de egoísmo nas intenções - e também o uso de  certos tipos de incenso. O Mestre acrescenta que estes instrumentos do aprendizado espiritual são amplamente conhecidos desde a antiguidade, e que o seu uso deve ser regulado e dirigido pelo estudante, individualmente, ouvindo a sua própria consciência e consultando suas fontes de inspiração.[3]

Otimizando o Uso do Prana

O  livro “Direçam para Ter os Nove Dias de Exercicios Espirituaes”, de Manuel Bernardes, foi publicado cerca de trezentos anos atrás, em Lisboa no ano de 1725, vários anos depois da morte do autor.

Empregando a linguagem do final do século 17 e começo do século 18, Bernardes aborda ali o uso de quase todos os fatores que foram citados no século 19 pelo Mestre de Sabedoria.

Para Bernardes, as práticas espirituais dão vida e alimento ao corpo e à alma. Depois de deixar claro este ponto, Bernardes examina a possibilidade de o praticante, mesmo depois de ser nutrido espiritualmente com o Manjar Divino, ingerir também alimentos físicos, durante o seu Retiro.  

Cabe aqui um comentário.

A ideia de “nutrição espiritual” está ligada ao fato de que, conforme a Ioga ensina, a prática moderada de jejum amplia a capacidade natural que o corpo possui de absorver Prana através da respiração e de outros meios. O prana, a energia vital presente na natureza, é absorvido através da respiração, através dos alimentos, e também por osmose, quando o estado de espírito é elevado.   

Perceber a existência do prana está ao alcance de todos. Ao nascer do Sol, em um ambiente natural, podemos sentir diretamente a intensa energia vital presente no ar. O mesmo acontece durante a maior parte da manhã, especialmente num dia ensolarado.

Transcendendo um pouco mais o plano físico, há também uma espécie superior de prana que ocorre na meditação e na atmosfera da consciência mística. Este prana sutil, a vitalidade da vitalidade, é vivenciado como resultado da prática espiritual. Ter acesso a ele reduz a necessidade de alimentos físicos.

Há, portanto, dois níveis de prana ou vitalidade que, se forem reforçados em nossa vida,  podem tornar mais fácil a prática do jejum.

O primeiro é o prana da vitalidade física, absorvido via respiração (especialmente em exercícios de respiração ao ar livre e com atmosfera pura). O segundo é o prana espiritual, obtido em oração e meditação, mas que absorvemos também ao obter prana físico ao ar livre ou em exercícios de respiração.

Há uma certa simetria entre o físico e o espiritual. A prática regular do jejum físico moderado estimula e abre caminho para a alma buscar com mais eficiência o alimento sutil da energia vital presente na atmosfera elevada da oração. Em outras palavras, o jejum físico estimula uma sublimação do prana, tornando a vitalidade mais espiritual.  

O Jejum é a Alma da Oração

Tendo examinado a nutrição espiritual,  que reduz a necessidade de alimentos materiais, Manuel Bernardes escreve sobre o jejum de alimento físico:  

“Depois de dar graças, o Exercitante pode tomar alguma refeição corporal, se a sua compleição é muito fraca e ao Diretor parece razoável esta permissão. Porém é necessário que seja muito limitada e melhor será que a evite totalmente, não havendo claros inconvenientes. Porque de outro modo o espírito da Oração é atrasado sensivelmente, sobre a qual disse o anjo a Tobias que era boa em companhia do jejum, e S. Pedro Crisólogo [4] chamou ao jejum alma da Oração.”

Manuel prossegue:

“Porque os antigos monges sabiam esta verdade; por isso, para terem muita e boa Oração, tinham muita e boa abstinência, e a punham como primeiro passo da vida espiritual, para consumir os vícios: E S. Nilo Abade (que foi um Oráculo celebérrimo nos seus tempos) disse que se espantaria se alguém fartando-se de pão, e água, pudesse alcançar o império sobre suas paixões; e o que dizer da abundância de outros manjares mais saborosos, e menos necessários? Muitas pessoas entendiam não poder evitar estes subsídios, as quais, fazendo-se depois violência, descobriram que podiam; porque Deus coloca a sua ajuda sobre os que se esforçam, e o costume se transforma em natureza.” [5]

A força de vontade permite abrir caminho, ali onde parece não haver caminho.

Conforme vimos mais acima, o Mestre de Sabedoria afirma que cabe a cada um, consultando as suas fontes de orientação, achar o caminho mais eficaz nesta e em outras questões. A palavra “jejum” é flexível, e pode incluir desde uma restrição parcial nas refeições, até uma ausência total de nutrição.

A prática concreta deve ser adaptável à realidade específica, mas o princípio geral está solidamente estabelecido.

O jejum, definido como o exercício da abstenção parcial ou total de alimentos, constitui um fator básico no caminho da sabedoria. Promove a saúde, aumenta a vitalidade e melhora a qualidade da vida nos vários níveis de consciência. Deve ser reconhecido como parte importante dos ensinamentos espirituais e como um elemento-chave da vida teosófica.

NOTAS:

[1] Página 8 da obra “Direcçam Para Ter os Nove Dias de Exercicios Espirituaes”, do padre Manoel Bernardes, da Congregação do Oratório de Lisboa, edição de 1725.

[2] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, editadas por C. Jinarajadasa, Editora Teosófica, Brasília, DF. Ver página 146.

[3] Veja “Cartas dos Mahatmas”, Ed. Teosófica, Brasília, volume I, Carta 20, metade superior da p. 135.

[4] Venerado por católicos e ortodoxos, Pedro Crisólogo nasceu no ano de 380 da era cristã e viveu até o ano de 450. 

[5] “Direçam para Ter os Nove Dias de Exercicios Espirituaes”, Manuel Bernardes, Lisboa Ocidental, 1725, Impresso na Oficina da Música, 280 páginas, ver pp. 39-40.

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O artigo “Lições Espirituais de Manuel Bernardes” foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia 08 de setembro de 2025. Uma versão anterior e bastante menor dele faz parte da edição de março de 2023 de “O Teosofista”, pp. 3-4, sob o título “O Treinamento Esotérico Segundo Manuel Bernardes”. 

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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 

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2 de setembro de 2025

A História de um Planeta: Vênus

 
O Portador da Luz Nada Tem a Ver Com
Escuridão, e Tem Tudo a Ver com a Luz
 
Helena P. Blavatsky




“Vênus-Lúcifer [é] a irmã
oculta e alter-ego da nossa Terra.”

(Helena P. Blavatsky em “A Doutrina Secreta”,
Edição Online da LIT, Parte I do Volume I, p. 320)




Entre as incontáveis miríades de estrelas que cintilam sobre os campos siderais do céu noturno, nenhuma brilha tão ofuscantemente quanto o planeta Vênus - nem mesmo Sirius-Sótis, a estrela-cão, amada por Ísis. Vênus é a rainha entre os nossos planetas, a joia da coroa do nosso sistema solar. Vênus é a inspiração do poeta, a guardiã e companheira do pastor solitário, é a adorável estrela da manhã e da tarde. Pois,

As estrelas ensinam tanto quanto brilham”,

embora os seus segredos ainda não tenham sido contados nem revelados à maioria dos homens, nem mesmo aos astrônomos.

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O artigo “A História de um Planeta: Vênus” está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 02 de setembro de 2025. Ele foi publicado pela primeira vez em inglês pela revista “Lucifer”, em Londres, em setembro de 1887. Veja o texto original em inglês: “The History of a Planet: Venus”.

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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 

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31 de agosto de 2025

Trauma, Iluminação e Sabedoria

 
O Mistério Alquímico da
Transmutação da Dor em Luz
 
Carlos Cardoso Aveline
  
A luz do Sol, ou fogo, queima o que é inferior
para iluminar as camadas superiores da alma



Todos têm traumas, grandes ou pequenos. Quem pensa que não tem trauma é porque está desinformado.

Trauma é uma ferida inegociável: um fato ou situação que traz intensa dor e que não há como digerir.

O trauma acontece, e nós o absorvemos ou engolimos: ele faz parte da vida do indivíduo, mas não pode ser processado, nem compreendido, tampouco transformado, elaborado, ou visto em suas numerosas partes constituintes.

Trauma é uma situação súbita, no sentido de que surge como algo inevitável, produzindo uma grande mudança dolorosa.  

O trauma é uma ruptura entre a dinâmica da vida individual e a dinâmica da vida coletiva. Mas também pode ser um choque frontal entre o carma de curto prazo e o carma de longo prazo. O poder do carma de longo prazo é muito maior.

O trauma ocorre quando o carma remoto do indivíduo surge de repente para atropelar com violência o ritmo estabelecido da vida. Ou quando o carma coletivo esmaga de súbito uma situação aparentemente estável do carma individual. Mas não há apenas traumas: há traumas e iluminações. Todos temos iluminações, grandes ou pequenas.

Cada trauma torna necessária uma iluminação, e a recíproca é verdadeira: com frequência a iluminação vem antes, tornando necessário o trauma quando a energia renovadora irreprimível atinge um eu inferior despreparado.

Iluminação Causa Sofrimento

Assim, uma iluminação súbita dos setores superiores do eu pessoal causa situações traumáticas para as camadas inferiores da alma.

É conveniente aceitar o fato de que trauma e iluminação ocorrem muitas vezes em paralelo. A luz do Sol ou fogo queima e ilumina. A súbita expansão de horizontes espirituais traz uma grande bênção para a parte superior da consciência, e provoca ao mesmo tempo um trauma doloroso para os setores terrestres e básicos do ser individual.

Veja como exemplo o texto A Intensa Dor da Felicidade Suprema, do filósofo brasileiro Farias Brito.

O trauma raramente é um momento isolado na linha do tempo. Ao contrário, ele costuma provocar uma situação restritiva durável. É o caso do trauma do medo de abandono ou desamparo na infância.

Traumas acontecidos em uma geração com frequência repercutem até duas ou três gerações mais tarde, na mesma família.

Cada indivíduo tem um patrimônio genético e subconsciente familiar (e social). Este conjunto de experiências acumuladas é feito de dores e oportunidades, de talentos e obstáculos, feridas cicatrizadas ou não, bênçãos e maldições. O carma do grupo em que nascemos passa a ser automaticamente nosso. Mas também possuímos um patrimônio cármico individual, resultado de vidas anteriores. A alma deve abrir caminho novo em meio ao cruzamento destes dois tipos de influência. Este cruzamento, constante ao longo do tempo, provoca de vez em quando grandes surpresas e transformações.   

O carma acumulado nas encarnações prévias incide - e às vezes desaba subitamente - sobre o processo da vida atual. Mas com muito mais frequência ele salva, guia, inspira, ilumina e abençoa a vida do peregrino. Também corrige o rumo quando necessário, atuando com rigor.

A compreensão, o processamento e a reintegração harmônica do fato traumático na alma do indivíduo provocarão a cura: mas esta transformação alquímica pode esperar décadas, ou talvez aguarde pela encarnação seguinte. Enquanto isso, a iluminação correspondente será o tempo todo um fato concreto, saudável e eficiente, em outros níveis de consciência e nos diferentes setores da alma.

O peregrino avançará evoluindo pelo caminho da luz, e ao mesmo tempo carregará suas cicatrizes, levando consigo a ferida ainda aberta do trauma que aguarda pelo momento da cura.

As feridas da alma fazem parte da cruz que o peregrino arrasta consigo, isto é, do carma que nos acompanha.

O trauma opera como uma maldição macabra e parece dizer ao peregrino: “Você está derrotado agora e será sempre um derrotado.”

A autoimagem é afetada por este script fatalista. A derrota traumática fica impressa na aura do peregrino, e convida subconscientemente as pessoas com quem ele se relaciona e que entram em contato com sua aura a verem-no também como um derrotado no aspecto da vida que foi atingido pelo trauma. Isto recriará e reafirmará a ferida do trauma inicial. Porém, as pessoas fortes e saudáveis ficarão de fora do cumprimento cármico desta “profecia” negativa, e, ao invés de reforçar a ferida, irão apoiando de modo espontâneo a tendência natural da alma no sentido de curar-se e recuperar a força da vitória.

A cura do trauma está em digerir lentamente o fato rejeitado, vendo e compreendendo os seus numerosos fatores constituintes. No tempo certo, a bênção substitui a maldição. O primeiro passo para isso é observar com calma o trauma e observar os seus efeitos e a sua realimentação ao longo do tempo.

O trauma tem várias camadas, assim como o solo possui diversas camadas. Por baixo do trauma visível que ocorreu em determinado momento, o processo de observação revelará outros fatores debilitantes que tornaram possível o trauma; que o tornaram mais grave; e que o sustentam, confirmam e renovam até muito depois de o “fato principal” acontecer. 

O Trauma e a Culpa

Trauma tem a ver frequentemente com um sentimento de culpa. Ele gera medo, raiva, separatividade, isolamento e outras emoções semelhantes.

Carregar nossas feridas dando a elas condições para que sua cura lentamente ocorra, faz parte da nossa responsabilidade à medida que avançamos pelo caminho para o alto. 

Exigir demasiado de si mesmo gera principalmente tropeços - que no entanto fazem parte, eles também, da aprendizagem.

O fato traumático rompe o esquema conceitual, referencial e operativo do peregrino. Ele revela a precariedade do sistema de auto-orientação usado até ali. Com frequência o trauma ocorre quando um carma familiar pesado destrói o sentido de segurança que a criança - ou adulto - tinha. O trauma fecha uma porta, e isso torna necessária uma iluminação correspondente. 

A reintegração do fato traumático na alma não é algo que se possa acelerar ou provocar artificialmente, de fora para dentro. Ocorrerá cedo ou tarde, mas ocorrerá de dentro para fora. As condições para esta cura e reintegração surgirão aos poucos, lentamente e quase sempre em silêncio.

De fora para dentro, se possível, devem vir o zelo para preservar a boa evolução da ferida na direção da cura, e um estímulo para o salto à frente quando as circunstâncias necessárias estiverem presentes. Até lá, é um dever reforçar a presença das condições favoráveis para a digestão do trauma.

O mero fato de tratar de compreender e digerir o trauma, gerando bom carma na direção oposta, começa a reduzir o seu impacto. Digerir significa decompô-lo em suas partes constituintes e absorver a energia vital presa ali, eliminando os dejetos ou energias inúteis. Assim se substitui lentamente a estrutura da dor por uma nova estrutura que produz segurança e contentamento. 

Durante este processo de digestão ou substituição, cabe evitar o excesso de raciocínios e informações. A cura necessita da quantidade adequada de um silêncio confiante. Cabe alimentar o subconsciente com força vital luminosa, sem expectativas de curto prazo.

A Disciplina da Cura

A boa vontade estável possui um grande poder de cura.

Pensemos por exemplo na prática diária consistente de leituras teosóficas combinadas com exercícios de respiração profunda e de fortalecimento da vontade de vencer - incluindo exercícios psicofísicos com frases-mantras e autoprofecias sobre vitória sem alusão a situações específicas de qualquer tipo. Cabe registrar que a respiração iogue profunda, o Pranayama (sem retenção) e o Bhastrika são exemplos de exercícios diários de respiração que têm profundo efeito positivo. Examine também Jatru Trataka, o Exercício. Veja nos websites da Loja Independente de Teosofistas a seção temática Autodisciplina e Concentração: Para Fortalecer a Vontade Espiritual.

Uma disciplina diária firme e flexível, que atue sobre o corpo e sobre a alma, remove o lixo recebido no subconsciente devido ao convívio desde a infância com uma sociedade materialista e decadente. A disciplina construtiva substitui os venenos da ignorância herdada por material novo e saudável nos diferentes planos da vida, físico, vital, emocional, mental concreto e mental superior. Trata-se de uma transmutação do magnetismo: uma transfusão da vitalidade.

O efeito curativo do esforço correto pode tardar, mas não falha.
  
O processo precisa ser constantemente renovado nos seus aspectos externos concretos, sempre com base na observação dos resultados obtidos. Porém, deve ser desenvolvido de modo sustentado, com perseverança e numa perspectiva de longo prazo que inclua as encarnações futuras.

O esforço é consciente, mas a cura é subconsciente, e surge como uma dádiva inesperada. Cabe a cada um de nós uma tarefa simples: apenas fazer por merecer, confiando sem pressa na Providência Divina, isto é, na boa Lei do Carma. 

O silêncio que abençoa é habitado por uma calma boa vontade e por um sentimento de paz e sossego profundo, que sabe esperar milênios.

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O artigo Trauma, Iluminação e Sabedoria está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 31 de agosto de 2025. 

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Examine estas duas seções temáticas:



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No contexto do movimento de Constelações Familiares e Constelações Sistêmicas, estavam disponíveis em 2025 no YouTube várias aulas interessantes de Cristina Florentino sobre o processo do trauma e a sua superação.

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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.

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