Percebendo as Reais
Condições
Históricas da
Evolução Humana
Carlos Cardoso
Aveline

Circula em meios pseudoesotéricos a ideia de que os grandes sábios estão
“acima da lei do carma” e alcançaram o “descondicionamento”. Leitores de Jiddu
Krishnamurti ocupam lugar de destaque entre os que acreditam nesta ingenuidade.
A filosofia esotérica esclarece que não há coisa alguma fora da lei do
carma, no universo. E o Universo, por definição, é infinito.[1]
As Cartas dos Mahatmas deixam claro que os Mestres estão a serviço da Lei universal e agem segundo
aquilo que as condições do carma permitem.
Mesmo quando no início dos anos 1880 o Mahatma Koothoomi passou cerca de
dois meses em Nirvana, em meditação, fora do corpo físico, seu retiro só foi
possível porque colegas Adeptos e discípulos velaram pelo seu “descanso”
enquanto seu corpo jazia “sem vida”.
O Mestre de HPB assumiu diversas tarefas dele, inclusive a correspondência
com os discípulos leigos ocidentais. Ao voltar do retiro, o Mahatma só pôde
retomar suas tarefas junto ao movimento teosófico pouco a pouco, devido ao
excesso de sensibilidade com que um Adepto retorna à vida em vigília depois de
um retiro de dois meses em samadhi.
Cabe lembrar que os astronautas que passam um tempo fora da Terra têm um
longo processo de readaptação física às condições do nosso planeta. Um
astronauta fora da Terra é como se estivesse fora da vida tal como a
conhecemos.
Assim, a teosofia ensina que não há um descondicionamento,
para o estudante avançado. Tudo é Carma e tudo é guiado pelo Carma no Universo.
Mas o estudante avançado aprende a condicionar-se carmicamente no mundo do
espírito - processo chamado de treinamento -, e isso permite a ele
libertar-se das condições cármicas do mundo inferior, até certo ponto. Como
vimos, mesmo os Mestres operam em meio a severas restrições cármicas. Outro
exemplo está no fato de que o Mahatma fala francamente do seu laço cármico com
a Índia, e lamenta a queda espiritual do país que admira.
Vemos nas Cartas que em determinado momento o Mahatma vai pedir autorização
a seu próprio Mestre para usar poderes e reconstituir documentos teosóficos, danificados
por um bode faminto da cordilheira dos Himalaias. Então o Mestre do Mestre toma
a iniciativa e faz Ele mesmo a reconstituição, e ainda dá uma ajuda curativa
para a saúde do animal, já velho. Nisso também vemos as restrições cármicas ao
uso de poderes por parte dos Mestres. Eles têm poderes, mas só podem usá-los em
condições especiais.
Os Mahatmas são guerreiros. Assim como os discípulos, vivem austeramente. Agem
sob estritas condições cármicas, com frequência difíceis.
Em “From the Caves and Jungles”,
HPB narra que um dia, quando teosofistas estavam em ambiente natural em
companhia do Mestre dela, um tigre lança-se sobre eles, subitamente. O Mestre
faz um gesto, erguendo a mão de determinado modo, e o animal cai sem vida.
O livro “The Dream of Ravan”,
certamente escrito por um Mestre, apresenta uma lista das armas usadas pelos
Mahatmas e Adeptos no plano oculto, e quando necessário com efeitos físicos.[2]
Sabemos que a destruição de Atlântida ocorreu no contexto do combate entre
luz e ignorância na alma humana e na coletividade das almas. Os exemplos são
inúmeros.
O Carma Superior
Todo estudante leigo pode começar a criar um carma superior que substitua
passo a passo o carma inferior. A meta é gerar um carma e um magnetismo de
ações corretas que coloquem de lado a herança das ações erradas. O processo
demora várias vidas mas pode iniciar agora. Cabe produzir um carma de eu
superior, aliado a um eu inferior que tem discernimento. Deste modo é
substituído o carma de um eu inferior que não consegue trilhar o Caminho.
O tema do condicionamento versus liberdade é central para a compreensão da
lei do carma. Constitui um dos pontos mais complexos da filosofia esotérica. É
difícil de compreender para todos os estudantes e merece demorada reflexão.
“Condicionamento” é a adequação a determinado nível de condições e
circunstâncias. A meta do estudante de filosofia não é “descondicionar-se”.
Vejamos alguns exemplos desse fato.
1) A sucessão de iniciações dos discípulos mostra que os condicionamentos,
assim como os cenários do carma, mudam conforme cada nível de compreensão é
alcançado.
2) HPB tinha a terceira grande iniciação. Nada acontecia em torno dela sem
que a Loja dos Mestres soubesse. A interação com os níveis superiores era
intensa. O “condicionamento” que HPB vivia no plano externo era necessário para
a manutenção da ampla “atmosfera cármica
de terceiro círculo”, que permite, entre outras coisas, uma (para nós)
extraordinária compreensão do cosmos e uma capacidade de ensinar sobre o
funcionamento do universo.
3) Os Mestres qualificam a si mesmos como colaboradores da Lei. A
ideia de que eles “se libertaram” da lei do carma é uma fantasia infantil,
estimulada pelos falsários da teosofia. É normal que uma criança olhe para os
pais e os veja como deuses que estão acima de toda obrigação. O discípulo
precisa ser adulto.
4) Assim como há uma sucessão vertical de samadhis, cada qual mais elevado
que o anterior, existe também uma sucessão de “condições cármicas” entre um
nível de samadhi e outro. Quando nos libertamos das condições de um plano,
passamos a estar condicionados pela situação cármica do plano imediatamente
superior.
5) Ninguém está solto ou sem lei. Todos os seres, por mais sábios que sejam
e incluindo alguns Mahatmas bastante adiantados, estão limitados pela etapa
atual da vida planetária. Por exemplo, os humanos não tinham corpos densos na
primeira e segunda raças-raízes. O mito de Adão e Eva simboliza a descida ao
plano material. E a humanidade novamente não necessitará de corpos físicos na
sexta e na sétima raças-raízes.
6) Os humanos estão condicionados e adaptados a círculos imensos de espaço
e tempo. Um deles é dado pelo fato de estarmos todos no globo D do atual manvântara, ou período de manifestação.
E cada pralaya (descanso) - a longa
pausa entre um manvântara e outro - é carmicamente condicionado. Todo pralaya contém
as sementes detalhadas e precisas do próximo manvântara. A história do futuro
está escrita, em suas grandes linhas.
7) No plano individual, o Devachan, o descanso abençoado de cada um entre
uma vida e outra, ocorre fielmente conforme as condições cármicas acumuladas
pelo Eu Superior. Quando se fala de atingir a Libertação, cabe definir
Liberdade, para que se saiba do que estamos falando. Livre é aquele que segue a
Lei por mérito e decisão próprios e cumpre o seu dever.
A caminhada espiritual liberta o peregrino das condições inferiores do
carma grosseiro, permitindo que ele responda às condições superiores do carma
luminoso da fraternidade universal.
Cumprindo nossas obrigações na vida densa, podemos enxergar e aproveitar
melhor as oportunidades para sair dos níveis grosseiros do carma de modo
eticamente adequado, passando a interagir responsavelmente com níveis cada vez
mais iluminados de ação, de reação, de silêncio e de potencialidade pura.
NOTAS:
[1] Veja o livro “Luz no Caminho”, de M.C., Aquarian Theosophist, edição anotada,
Portugal, 2014, 85 pp.
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Uma versão anterior do texto acima faz parte da edição de julho de 2019 de
“O Teosofista”, pp. 1-3. O artigo está publicado como item independente nos
websites associados desde o dia 12 de setembro de 2020.
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Examine os itens da seção temática “A Reencarnação e a Lei do Carma”.
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