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1 de julho de 2021

O Encerramento do Congresso

 O Parlamento é Útil e Só Sentimos
a Sua Utilidade Quando Ele se Fecha

Lima Barreto

 


Nota Editorial de 2021
 
Com palavras simples, o texto a seguir oferece uma visão extraordinariamente profunda do ser humano e do processo social. Não por acaso Lima Barreto já foi chamado de “o Dostoievsky brasileiro”.
 
Publicado pela primeira vez em 14 de janeiro de 1922, o artigo mostra o perigo autoritário como algo presente no mundo interno de cada cidadão, especialmente quando ele tem a oportunidade de exercer algum poder sobre outrem, ainda que seja uma só pessoa.
 
Com seu humor ácido, Lima Barreto demonstra que a democracia é o menos ruim dos regimes. Um parlamento, por pior que seja, é ainda um local de debate livre, e precisa ser valorizado como espaço em que sempre é possível exercer uma lucidez coletiva. O segundo parágrafo do artigo - “Todo o brasileiro nasceu…” - não deve ser visto como uma condenação eterna ou profecia negativa. Constitui um alerta realista sobre o que precisa ser evitado. É uma advertência prática que torna mais fácil a vitória da paz.
 
Quando cada um melhora a si mesmo, a coletividade melhora espontaneamente - sem necessidade de grandes conflitos - e o bom senso aponta as soluções. O artigo é um momento de autocrítica do brasileiro. A mudança necessária deve surgir de dentro para fora, da alma para o mundo, e é uma mudança de cultura: da cultura da esperteza e da agressão, para a cultura do respeito mútuo, começando pelo respeito a si mesmo.
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
O Encerramento do Congresso
 
Lima Barreto
 
 
Todos nós falamos mal dos nossos senadores e deputados; todos nós os apelidamos o mais atrozmente; mas quando o Congresso se fecha, há um vazio na nossa vida comum e nos enchemos de pavor.
 
Todo o brasileiro nasceu mais ou menos para ser um tiranozinho em qualquer coisa, e se é feito guarda-civil ou ministro da Justiça, cabo de destacamento ou chefe de Polícia, guarda-fiscal ou Presidente da República - trata logo de pôr pessoalmente em ação a autoridade de que está investido pelo Estado místico.
 
Então, quando é Presidente da República, é que se vê bem o que pensa sobre princípio de autoridade, um brasileiro qualquer de Uruburetama ou Perdizes, afinal de qualquer lugarejo por aí. Apossa-se dele logo um delírio cesariano e a sua autoridade, que é limitada e contrabalançada, ele a transforma em ilimitada e sem peias, tal e qual a de um Tibério, a de um Nero ou a de um Calígula. Não têm nunca a marca de grandeza os seus desvarios de poder; são chatos, são medíocres; mas é que eles não são Césares e nós o Império Romano.
 
As manifestações de sua loucura não alcançam, como em Calígula, à injúria cruel lançada às faces de todo um povo de servis; mas chegam ao grotesco de armar protocolos sisudos, cheios de parágrafos e alíneas, para regular a recepção de um vizinho qualquer.
 
Mas, no que eles não se deixam vencer por qualquer tirano, antigo ou moderno, é nos encarceramentos. Têm uma grande volúpia, em encarcerar, em prender, em deixar “mofar”. Dão carta branca a seus beleguins e estes por sua vez procedem de acordo com a inteligência e moralidade que tiverem.
 
No regime republicano, e à proporção que ele avança em anos, os processos de encarceramento e depuração se aperfeiçoam. Tivemos a ilha da Cobras; tivemos o “Satallite” - que tivemos mais?
 
Quando o Congresso está aberto, os governos têm medo de agir tão limpamente à moda de paxás turcos. Como que lhe têm medo: é a sua consciência. Quando, porém, ele está fechado, a fera carniceira não tem mais o chicote do domador à vista e faz o que quer.
 
Nesta hora sombria de angústias e apreensões, é de encher de saudades o fechamento do Congresso. Que vai ser de nós?  A que vão ficar reduzidas as três liberdades primordiais à nossa existência: a individual, a de pensamento e a de imprensa?
 
Se o Congresso estivesse aberto as coisas não correriam assim tão facilmente. Havia debate e, sempre, ele seria uma válvula aberta, por onde pessoas protegidas por imunidades sagradas, poderiam protestar contra  as violências governamentais; mas, estando ele fechado, quem reclamará em nome das vítimas? Ninguém e a governança irá deslizando numa paz podre de vilaiete turco. [1]
 
De resto, muito perdemos. Por exemplo, passar três meses sem os discursos do Sr. Chiquinho, é mesmo uma calamidade. Os seus discursos são um modelo do “Dicionário de Ciências Morais e Políticas”. É pena que fiquem assim e as suas partes não sejam condensadas para um objetivo em vista. Contudo, uma vantagem têm eles: ensinar a muitos vadios opiniões de vários autores notáveis que podem ser aproveitadas muito convenientemente, se o vadio for inteligente. 
 
Encerrados os trabalhos parlamentares, não temos ocasião de todas as manhãs travar conhecimento com essa singular filosofia política que é feita, a um só tempo, de economia doméstica e preceitos caseiros. Ele despreza a sabedoria livresca; é discípulo bem-amado da preta Maria que foi cozinheira de sua família paterna e entendida em quitutes e política.
 
Temos ainda a sentir a falta das sonoridades vocais dos requintados leaders. Que tipos invejáveis são esses nossos paredros! [2] A Inglaterra já no-los quis arrebatar.
 
Graças a Deus, eles não se foram, como ainda não se foram para a Europa o Corcovado, o Bendengó e as múmias do museu.
 
Tanta coisa boa nos dá o Congresso que não podemos deixar de lamentar essa sua falta temporária.
 
No seu penúltimo dia de funcionamento, houve lá dois rolos a sério - coisa que prova muito à evidência a sinceridade das opiniões dos que lá se digladiam.
 
Um dos rolistas foi um antigo chefe de Polícia desta capital que, por sinal, não levou vantagem.
 
Que prova um rolo? Disse antes que provava a sinceridade das atitudes tomadas. Será verdade? Nem sempre. Por aí, mata-se muita gente por encomenda …
 
Seja assim ou seja assado, custe caro ou custe barato, o certo é que o Congresso nos é útil e só sentimos a sua utilidade quando ele se fecha.   
 
NOTAS:
 
[1] Vilaiete turco: região administrativa. (CCA)
 
[2] Paredros: Conselheiros, mentores, pessoas importantes, manda-chuvas e, conforme o contexto, pequenas divindades. (CCA)
 
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O artigo acima foi publicado nos websites associados dia primeiro de julho de 2021, tendo sido reproduzido do volume “Feiras e Mafuás”, de Lima Barreto, Editora Mérito, São Paulo e Rio de Janeiro, 1953, ver pp. 282-285. A primeira edição da obra é de 1922. O artigo está parcialmente reproduzido também na edição de novembro de 2020 de “O Teosofista”, páginas 14-15.
 
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O escritor brasileiro Lima Barreto nasceu em 13 de maio de 1881 e viveu até primeiro de novembro de 1922.
 
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 
 
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1 de setembro de 2020

A Universidade no Brasil

Como a Superstição Doutoral
Produz a Estagnação da Mente

Lima Barreto

Afonso Lima Barreto (1881-1922)



Nota Editorial de 2020:

Reproduzimos a seguir um artigo publicado pela primeira vez no Rio de Janeiro em 1920 e incluído em 1953 no volume “Feiras e Mafuás”, de Lima Barreto, Editora Mérito, São Paulo e Rio de Janeiro, pp. 109-112.

É possível alegar que Lima Barreto exagerou em sua crítica à Universidade. Ao invés de serem sumariamente extintos, os cursos superiores devem ser estimulados a desenvolver atividades mais autênticas.

O artigo é importante no século 21 pela sua crítica aos aspectos negativos da universidade. Entre eles está a falta de preparação de alunos e professores para a prática do pensamento independente. O interesse materialista das pessoas e das instituições transforma algumas universidades em fábricas de diplomas e doutorados onde pensar por si mesmo é altamente desaconselhável.  

A franqueza radical com que escreve Lima Barreto é um exercício de liberdade criativa: o pensador profundo questiona tudo, e a universidade deve ser um espaço de questionamento e autoquestionamento. O ponto de vista adotado no artigo reforça as ideias de Albert Einstein, de Helena Blavatsky e do Visconde de Figanière sobre o tema da educação. Lima Barreto tem muito em comum com Paulo Freire. [1]

A ortografia do artigo foi atualizada.

Em dois ou três casos, palavras hoje em desuso foram substituídas por termos atuais. Título original do texto: “A Universidade”.

(Carlos Cardoso Aveline)

A Universidade no Brasil

Lima Barreto

Voltam os jornais a falar que é intenção do atual governo criar nesta cidade uma Universidade. Não se sabe bem por quê e a que ordem de necessidades vem atender semelhante criação. Não é novo o propósito e de quando em quando, ele surge nas folhas, sem que nada o justifique e sem que venha remediar o mal profundo do nosso chamado ensino superior.

Recordação da Idade Média, a Universidade só pode ser compreendida naquele tempo de reduzida atividade técnica e científica, a ponto de, nos cursos de suas vetustas instituições de ensino, entrar o estudo de música e creio mesmo da simples aritmética.

Não é possível, hoje, aqui no Brasil, onde essa tradição universitária chegou tão diluída, criar semelhante coisa que não obedece ao espírito do nosso tempo, que quer nas profissões técnicas cada vez mais especialização.

O intuito dos propugnadores dessa criação é dotar-nos com um aparelho decorativo, suntuoso, naturalmente destinado a fornecer ao grande mundo festividades brilhantes de colação de grau e sessões solenes.

Nada mais parece que seja o intuito da construção da nossa Universidade. 

De todos os graus do nosso ensino, o pior é o superior; e toda reforma radical que se quisesse fazer nele, devia começar por suprimi-lo completamente.

O ensino primário tem inúmeros defeitos, o secundário maiores, mas o superior, sendo o menos útil e o mais aparatoso, tem o defeito essencial de criar ignorantes com privilégios marcados em lei, o que não acontece com os dois outros.

Esses privilégios e a diminuição da livre concorrência que eles originam fazem que as escolas superiores fiquem cheias de uma porção de rapazes, alguns às vezes mesmo inteligentes, que, não tendo nenhuma vocação para as profissões em que simulam estar, só têm em vista fazer exame, passar nos anos, obter diplomas, seja como for, a fim de conseguirem boas colocações no mandarinato nacional e ficarem cercados do ingênuo respeito  com que o  povo  tolo  cerca o doutor.[2]

Os estudos propriamente de medicina, de engenharia, de advocacia, etc., deviam ficar separados completamente das doutrinas gerais, ciências constituídas ou não, indispensáveis para a educação espiritual de quem quer ter uma opinião e exprimi-la sobre o mundo e sobre o homem.

A esse ensino, o estado devia subvencionar direta ou indiretamente; mas o outro, o técnico, o de profissão especial, cada um fizesse por si, exigindo o Estado para os seus funcionários técnicos que eles tivessem um estágio de aprendizagem nas suas oficinas, estradas, hospitais, etc...

Sem privilégio de espécie alguma, tendo cada um de mostrar as suas aptidões e preparo na livre concorrência com os rivais, o nível do saber e da eficiência dos nossos técnicos (palavra da moda) havia de subir muito.

A nossa superstição doutoral admite abusos que, bem examinados, são de fazer rir.

Por exemplo, temos todos nós como coisa muito lógica que o diretor do Lloyd brasileiro [3] deve ser engenheiro civil. Por quê? Dos Telégrafos, dos Correios - por quê também?

Aos poucos, na Central do Brasil, os engenheiros foram avassalando os grandes empregos da “gema”.

Por quê?

Um estudo nesse sentido exigiria um trabalho minucioso de exame de textos de leis e regulamentos que está acima da minha paciência; mas era bom que alguém tentasse fazê-lo, para mostrar que a doutomania não foi criada pelo povo, nem pela avalanche de estudantes que enche as nossas escolas superiores; mas pelos dirigentes, às vezes secundários, que a fim de satisfazer preconceitos e imposições de amizade, foram pouco a pouco ampliando os direitos exclusivos do doutor.

Ainda mais. Um dos males decorrentes desta superstição doutoral está na ruindade e na estagnação mental do nosso professorado superior e secundário.

Já não bastava a indústria do ensino para fazê-lo mandrião e rotineiro, veio ainda por cima a época dos negócios e das concessões.

Explico-me:

Um moço que, aos trinta anos, se faz [professor] substituto de uma das nossas faculdades ou escola superior, não quer ficar adstrito às funções do seu ensino. Pára no que aprendeu, não segue o desenvolvimento da matéria que professa. Trata de arranjar outros empregos, quando fica nisso, ou, senão - o que é pior - mete-se no mundo estridente das especulações monetárias e industriais da finança internacional.

Ninguém quer ser professor como são os da Europa, de vida modesta, escarafunchando os seus estudos, seguindo o dos outros e com eles se comunicando ou discutindo. Não; o professor brasileiro que ser um homem de luxo e representação, para isso, isto é, para ter os meios de custear isso, deixa às urtigas os seus estudos especiais e empresta o seu prestígio aos brasseurs d’affaires, bem ou mal intencionados.

Para quê exemplificar? Tudo isto é muito sabido e basta que se fale em geral, para que a indicação de um mal geral não venha a aparecer como despeito e ataque pessoal.

A Universidade, coisa sobremodo obsoleta, não vem curar o mal do nosso ensino que viu passar todo um século de grandes descobertas e especulações mentais de toda a sorte, sem trazer, por qualquer dos que o versavam, um quinhão por mínimo que fosse.

O caminho é outro; é a emulação.   

13 de março de 1920.

NOTAS:

[1] Sobre a educação que suprime a vontade autêntica de saber e transforma universidades em  fábricas de diplomas, veja o capítulo (seção) treze da obra “A Chave da Teosofia”, de Helena Blavatsky: especialmente da página 245 em diante na edição que está nos websites associados. Veja ainda o extraordinário capítulo XII do livro “Lettres Japonaises”, do Visconde de Figanière. O educador Paulo Freire (1921-1997) combateu a vida toda a prática da educação como processo mecânico e sem pensamento real. (CCA)

[2] Suprimimos aqui do texto central e reproduzimos como nota de rodapé este parágrafo que nos parece pouco compreensível e pode incluir erros graves de transcrição: “Outros que só se destinam a ter título de engenheiro que efetivamente quer ser engenheiro e assim por diante, de forma que o sujeito se dedicasse de fato aos estudos respectivos, não se consegue com um simples rótulo de Universidade ou outro qualquer.” (CCA)

[3] Lloyd ou Lóide: companhia estatal de navegação fundada em 1894 e extinta em 1997. (CCA)

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O artigo “A Universidade no Brasil” está publicado nos websites associados desde o dia 01 de setembro de 2020. Parte do texto está incluída na edição de agosto de 2012 de “O Teosofista”, pp. 4 e 5.

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Sobre a verdadeira inteligência veja “Um Elogio aos Idiotas”. De Lima Barreto, examine “Algumas Ideias Sobre o Carnaval”.

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1 de março de 2014

Algumas Ideias Sobre o Carnaval

O Que Mais Me Aborrece
É a Pobreza de Pensamento

Lima Barreto


Lima Barreto (1881-1922) e a capa de uma das suas obras



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Reproduzimos a seguir trechos
da crônica “Sobre o Carnaval”, de
Lima Barreto. Com seu estilo irônico,
Lima Barreto é um dos maiores nomes
da literatura brasileira de todos os tempos.

(Carlos Cardoso Aveline)

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Atribuo em parte ao meu avanço no tempo, se uma tal coisa se pode dizer, o aborrecimento que me causa o Carnaval atualmente.

Nunca fui carnavalesco, mas, como todo melancólico e contemplativo, gosto do ruído e da multidão e não fugia a ele.

O isolamento faz-me mal à alma e ao pensamento. Mergulho no barulho dos outros, deixo de pensar em mim e nas fantasmagorias que eu mesmo criei para o meu padecer.

(.....)

Se tivesse herdado uma grande fortuna e até hoje a tivesse conservado, havia de marcar, nos dias presentes, a minha vida e a minha estada, em várias partes do mundo, pelas célebres festas que, nelas, determinam grandes aglomerações humanas. Iria a Benares, na Índia, quando fosse a época das peregrinações dos bramanistas ao Ganges sagrado e do sagrado banho no rio divino; iria a Meca, no auge das visitas dos muçulmanos ao túmulo do profeta; iria a todas as festas e cerimônias dessa natureza; mas, atualmente, fugiria do Carnaval do Rio de Janeiro, que não se pode agora assistir em são e perfeito juízo. Vou dizer o motivo.

Não partilho da opinião da polícia, nem muito menos tenho os melindres pudibundos da “Liga” do Sr. Peixoto Fortuna [1]; o que me aborrece mais no atual Carnaval é a conclusão a que fatalmente chego ao ouvir as suas cantigas, sambas, fados, etc., ao ouvir toda essa poética popular e espontânea, de não possuir o nosso povo, a nossa massa anônima, nenhuma inteligência e de faltar-lhe por completo o senso comum. Mete horror semelhante pensamento.

O ponto de vista de imoralidade e chulice pouco me preocupa: o que me preocupa é o intelectual e artístico, tanto mais que, se este, segundo as suas forças, fosse obedecido pelos nossos bardos carnavalescos, certamente a imoralidade e a chulice ficariam atenuadas e disfarçadas. Tal coisa, porém, não se dá; e na impossibilidade devido à polícia de entoarem coplas francamente pornográficas e porcas, não têm os rapsodos carnavalescos outro recurso senão lançarem mão de estribilhos e cantigas sem nexo algum. Uma tal pobreza de pensamento no nosso povo causa a quem medita piedade, tristeza e aborrecimento. Por isso fugi ao Carnaval e ele agora me é indiferente.

Conheço a poesia dos alienados [2], tenho até em meu poder exemplares dela; mas, se compararmos as suas produções com as que são cantadas nos nossos três dias de Momo, toda a vantagem de concatenação de ideias, de sentido e mesmo de propriamente poesia, vai para a banda dos dementados.

Seria tolice exigir dos vates dos cordões e ranchos, coisas impecáveis em qualquer sentido. O que, porém, podiam mostrar, é que eram capazes de não desmentir o estro [3] dos nossos humildes cantores roceiros do “desafio”, que são verdadeiramente povo; entretanto, raramente caem com as suas quadras no contrassenso ou, melhor, no sem-senso, agravado do palavreado oco e idiota da atual musa carnavalesca.

Os jornais, ou, antes: um jornal observou mais ou menos isto que eu estou aqui dizendo; mas sem confessar que a culpa é deles, pois animam a vaidade de tais poetas, publicando-lhes, sem exame, a sua enxurrada de vocábulos que não querem dizer nada. Estou certo de que, se para a sua publicação e competente elogio os [jornais] cotidianos exigissem mais alguma coisa que não uma trapalhada de palavras, melhor eles fariam.

(.....)

Fazendo estas despretensiosas considerações, não me move nenhuma espécie de antipatia pelo folgar do povo; mas, pedir unicamente a ele próprio que nessa sua folgança, neste poetar da sua alma alanceada, quando procura, nestes três dias, esquecer o seu penar e a sua dor, no riso, no gargalhar e no estonteamento, pusessem os seus trovadores mais gosto, mais sentido, compusessem mais cantares que pudessem ser entendidos, coisa que não lhes é impossível, pois todos conhecemos as poesias roceiras, as quadras populares, quase sempre expressivas e denunciando [4] verdadeira poesia. 

NOTAS:

[1] Liga pela Moralidade. (Nota de Lima Barreto)

[2] Alienados, isto é, doentes mentais graves. (CCA)

[3] Estro: engenho poético, imaginação criadora, talento. (CCA)

[4] Denunciando, isto é, revelando, expressando. (CCA)

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Os trechos acima estão nas pp. 210 a 214 da obra “Feiras e Mafuás”, de Lima Barreto, Editora Mérito, S.A., SP e RJ, 1953, 312 pp.

Veja nos websites associados os artigos “Jesus Cristo e o Carnaval”, O Carnaval Segundo a Teosofia” e Abandonando a Infantilidade Carnavalesca


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Sobre o crescimento interior e a transformação pessoal no século 21, leia a obra “O Poder da Sabedoria”, de Carlos Cardoso Aveline.


O livro foi publicado pela Editora Teosófica, de Brasília, tem 189 páginas divididas por 20 capítulos e inclui uma série de exercícios práticos. Está na terceira edição. 

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