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26 de novembro de 2017

A Conservação da Energia da Alma

A Teosofia Ensina a Preservar a Força Interior

Theosophy




Em épocas mais simples, antes da era da especialização e das viagens, os problemas da vida parecem ter sido menos numerosos e menos complexos. As batalhas que as pessoas travavam estavam mais perto de suas casas. Exceto por algumas explosões ocasionais de controvérsia, quando havia eleições, os assuntos que se discutia envolviam normalmente a terra, a família, e a comunidade em que se vivia.

Com o surgimento das agências de notícias, porém, os assuntos de cada um passaram a ser motivo de preocupação de todos os outros, tanto individualmente como entre nações. O rádio, a televisão e os jornais quebraram os muros do isolamento, é verdade . Mas, ao fazê-lo, abriram uma Caixa de Pandora de problemas que literalmente clamam por solução. Com poucas exceções, os indivíduos não têm qualificação para resolvê-los, e tampouco possuem suficiente concentração para ignorá-los.

Talvez um dos problemas mais difíceis da era atual seja saber o que é importante, e o que não é; e decidir qual dos problemas que confrontam a humanidade deve receber atenção, e quais não devem; decidir, em resumo, exatamente onde deve-se definir os limites da batalha a ser travada na vida pessoal e individual. Porque parece claro que nenhum mortal comum pode ter a pretensão de enfrentar todos os problemas da raça humana, do país e da comunidade a que ele pertence.

Este talvez seja o principal problema: há gente demais querendo fazer coisas em excesso. As pessoas estão tentando ser autoridades em assuntos excessivamente numerosos. Estão aventurando-se muito longe de casa, tanto intelectual como corporalmente, e desperdiçando, ao invés de conservando, as suas energias. Há um adágio que afirma: “o que diz respeito a cada um não diz respeito a mais ninguém”; e ele nos leva a perguntar-nos se a quantidade crescente de problemas não é resultado do fato de que estamos excessivamente inclinados a sobrecarregar-nos com os deveres de outras pessoas, dando pouca atenção aos nossos próprios deveres. “O dever de outra pessoa é cheio de perigo.”

H.P. Blavatsky diz que a energia psíquica [1] é como capital, de modo que se alguém ganha um dólar por dia e gasta dois, sua conta terá um déficit de 30 dólares no final do mês.

A mensagem desta imagem simbólica é óbvia. Quem é que nunca experimentou a necessidade de economizar, em algum momento da sua vida? Quem nunca enfrentou o problema de gastar em excesso, e não resolveu viver de modo mais simples e frugal no futuro? No entanto, a prioridade que se dá aos negócios, nos tempos atuais, faz com que raramente um cidadão ocidental use este princípio da economia além dos limites da realidade monetária, embora este princípio seja absolutamente universal. Esta é a lei do plantio e da colheita, de oferta e demanda, que é apenas um aspecto da Lei única e universal do Equilíbrio, ou Carma.

O gasto de energia psíquica daria um retorno maior, sem dúvida, se os seres humanos aplicassem às suas vidas psíquicas, mentais e emocionais os mesmos princípios de economia que eles empregam às suas finanças.

Por onde, então, devem passar os limites do campo de batalha? Onde devem ser empregadas as nossas energias? Devemos lutar pela causa de uma política melhor, e declarar uma guerra pessoal contra cada abuso que descobrirmos nos mil e um setores da administração pública? Devemos lutar por uma reforma da alimentação, e despertar a consciência das pessoas em relação ao fato de que elas estão sendo gradualmente envenenadas, sem que saibam, pela atividade impiedosamente mercenária dos que trabalham com produtos químicos? Devemos escrever contra o alcoolismo, contra a delinquência juvenil, contra a guerra? Sem dúvida, várias encarnações de devoção e uma verdadeira fortuna em energias psíquicas e criativas poderiam ser gastas pela causa de uma melhor saúde física. Outras tantas vidas se iriam na tarefa ingrata de melhorar a vida familiar; e uma cruzada contra a corrupção nas empresas privadas poderia esgotar a vitalidade dos cidadãos mais cheios de energia.

De vez em quando, os estudantes de Teosofia são criticados porque não entram naqueles campos de conflito que chamam a atenção de outras pessoas, e pelo “fanatismo” - um rótulo usado, às vezes - com que eles se dedicam à sua Causa.

“Vocês, teosofistas”, disse um homem certa vez, “estão demasiado envolvidos com a sua filosofia, demasiado indiferentes às questões do dia-a-dia, e qualificam com demasiada frequência os problemas como questões laterais. E estes seus Mahatmas, como é que eles podem permanecer tão despreocupados em relação à política, dando pouca atenção, como é evidente, a qual dos partidos ou dos candidatos chega ao poder?”

A resposta parece simples.

Nem os Mahatmas, nem os teosofistas, seus humildes estudantes e colaboradores, são indiferentes a coisa alguma. O que ocorre é que eles estão aplicando, ou tentando aplicar, as leis da economia, e perceberam, pelo menos em parte, onde é que as suas energias podem ser gastas para o maior proveito do maior número de almas.

Embora isso não seja feito no seu esforço coletivo pela Causa da Teosofia, individualmente os teosofistas têm toda liberdade para defender qualquer reforma social ou religiosa que sintam que é necessária. Podem fazer campanha por qualquer partido político ou candidato que considerem correto; e travar quaisquer batalhas que quiserem. Alguns teosofistas se engajam de fato nas questões do dia-a-dia e devotam as suas energias a causas que consideram valiosas; e frequentemente se arrependem.

Mas será que o fato de que eles se dediquem a tais questões anula o fato que é a lei da economia? Será que isso significa que toda boa causa, como há sempre muitas no mundo, deve ter o apoio pessoal e ativo de todos, sem levar em conta o carma, o dever, e a liberdade de escolha? Será que isso elimina o fato de que a energia psíquica é limitada em cada ser humano? Os teosofistas são necessariamente amigos de todos os movimentos úteis no mundo, e dão apoio moral a todo esforço que aponte na direção da liberdade e da fraternidade humanas. Mas depois que um indivíduo alcançou uma certa percepção da meta, do propósito e dos ensinamentos do Movimento Teosófico atual, uma vez que ele adquire a convicção de que cada ser humano, carmicamente, tem um dever a realizar e de que a lei requer de cada um apenas aquilo que ele pode e deve fazer, ele compreende o valor do discernimento, da frugalidade, e da concentração. Então ele saberá o significado da expressão “questões laterais”, e verá a necessidade de conservar e preservar suas energias.

Parece que pouca gente, mesmo entre estudantes de filosofia esotérica, percebe que a maior parte das batalhas que as pessoas travam hoje em dia são pessoais -; que elas têm o seu início e o seu final no nível de plano da mente (Manas) inferior -, isto é, no plano dos desejos, das emoções e das meias-verdades pessoais. Raramente é promovida uma cruzada pela causa de uma justiça pura e igual para todos, sem preocupação com o eu, e sem distinção de raça, credo, sexo, condição social ou organização. Nossas batalhas, quase sem exceção, são instigadas e sustentadas por um autointeresse pessoal, organizacional ou nacional. Que país, por exemplo, em sua luta pela justiça, é tão veemente na defesa dos direitos dos outros quanto na defesa dos seus próprios direitos? Qual o indivíduo que, em sua interação diária e a cada momento com os outros, reduz os sentimentos e opiniões pessoais ao mínimo, e tem como meta apenas a causa da compreensão, da cooperação e da boa vontade? Qual o homem ou a mulher, de qualquer raça ou país, que age com base no princípio de que todo verdadeiro progresso deve ter uma base espiritual ou de alma, e que todas as questões são essencialmente morais? A controvérsia e a argumentação, o confronto de um ponto de vista pessoal contra outro, mesmo quando é vitorioso, só pode resultar em “mudança”; uma mudança de uma posição manásica inferior para outra. E “mudança”, disse Abraham Lincoln, “não deve ser confundida com progresso”. “O verdadeiro progresso”, disse ele, “está sempre em relação com o coração”.

São muitas as maneiras pelas quais a energia espiritual e dinâmica da alma é desperdiçada -; e a principal delas talvez seja a conversa. A argumentação, a controvérsia, as acusações, a fofoca - são todas manifestações da mente inferior, e todas se expressam através da fala. E o que dizer do hábito quase universal de falar muito, mesmo tendo pouco ou nada a dizer? Será que pensamos que esta é uma forma pequena e insignificante de perda de energia psíquica? Será sem motivo o fato de que, no capítulo doze do “Bhagavad Gita”, Krishna elogia seu querido servidor “que é de poucas palavras”? Segundo “A Doutrina Secreta”, de H.P. Blavatsky, o ato de pronunciar uma simples palavra evoca uma potência - espiritual, psíquica, e física -; porque a fala é feita de som, e o som é uma das forças fundamentais do universo.

Há muito tempo o controle da fala é considerado uma disciplina essencial no caminho da evolução moral e manásica (mental), e um fator poderoso na conservação da energia da alma. O êxito neste caminho pode ser corretamente medido se observamos a quantidade de energias que antes eram colocadas em função de metas irrelevantes ou desnecessárias, e que passam a ser redirecionadas por canais úteis. Como um indivíduo que desperdiça os seus recursos poderá estar à altura de uma emergência, quando ela surgir? Como alguém que está falido, ou impossibilitado de agir, poderá desenvolver um trabalho bom e eficiente? Os estudantes de filosofia esotérica têm a obrigação, perante si mesmos e perante os outros, de estabelecer um equilíbrio em todos os aspectos de seu ser, e incluir como parte da sua disciplina a obtenção de um bom sono, um bom divertimento e um bom descanso - “sem que haja excesso ou falta”, segundo o “Bhagavad Gita” - e de extinguir as suas chamas kama-manásicas. [2] As energias da Alma devem ser dirigidas desde o ponto de vista do Observador.

“Aquele, oh, filho de Pandu, que, como alguém que não pertence a lado algum ....., que possui uma mente constante e equânime em relação a aqueles que ama ou de quem não gosta ..... e é igual em relação ao lado que é amigável e ao lado que é inimigo; aquele que promove apenas as ações necessárias, um ser assim, reuniu as qualidades.” (“Bhagavad Gita”)

Não é a ação necessária que desperdiça a energia da alma; mas apenas aquelas atividades que são desnecessárias. Não são os empreendimentos legítimos dos indivíduos que levam à ansiedade, à preocupação e ao medo; mas só aqueles objetivos que eles assumiram como seus de modo indiscriminado. Tampouco o dever cármico e obrigatório é, jamais, um peso para a alma. As pessoas criam os seus próprios problemas e exaurem o seu capital psíquico diariamente, quando se envolvem com situações nas quais deveriam permanecer desapegadas, quando falam em situações em que deveriam permanecer em silêncio, quando tomam partido em situações em que deveriam permanecer neutras, e quando argumentam e discutem no plano de kama-manas, quando deveriam estar buscando orientação no verdadeiro Eu. No entanto, é possível, segundo as palavras de Walt Whitmann, “caminhar em silêncio entre conflitos verbais e afirmações, sem rejeitar os que lutam, e sem rejeitar nada do que foi dito.” Mesmo em meio ao tumulto da vida deste século, é possível para qualquer ser humano erguer-se internamente acima do barulho e dos estrondos, aprender a distinguir as questões vitais das “questões laterais”, e assim consagrar as suas energias ao bem da humanidade.

Ishwara, o eu superior, está perfeitamente consciente das inúmeras questões e problemas que reduzem a vitalidade do homem comum, mas, como ele sabe que eles são em grande parte produto da mente inferior, não se preocupa com eles. Manas [a Mente] Inferior dispersa a energia da alma - e Manas Superior conserva a energia.

“O coração tem cento e um canais, e deles se passa para a coroa. Subindo a partir da coroa, chega-se ao que é imortal. O outro caminho oscila para-lá e para-cá.” (Katha Upanixade)

NOTAS:

[1] Em teosofia, a palavra “psíquico” se refere ao eu inferior ou alma mortal. O eu superior ou espírito imortal é qualificado como o nível “noético” do ser. Assim como a palavra “psíquico” vem do termo de origem grega “Psiquê”, a palavra “noético” deriva do termo grego “Nous”. Este artigo aborda, portanto, o tema da conservação das energias do eu inferior, alma mortal. (CCA)

[2] “Chamas kama-manásicas” - os impulsos dos sentimentos e pensamentos inferiores. (CCA)

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O texto acima foi traduzido da revista “Theosophy”, edição de February 1961, pp. 168-172. O título original é “Conservation of Soul Energy”.

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Para conhecer a teosofia original desde o ângulo da vivência direta, leia o livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.


Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.

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17 de novembro de 2016

Pensando Sobre Disciplina Mental

Como a Atenção e o Autocontrole Produzem Paz

Theosophy



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Nota Editorial:

A civilização industrial-materialista tem algo
central em comum com os velhos dogmas teológicos.
Ela parece ignorar a necessidade de autoconhecimento
e de autocontrole por parte dos cidadãos.  Ela pretende
condicionar e controlar os indivíduos de fora para dentro.
A teosofia autêntica, ao contrário, leva cada ser
humano a despertar com autonomia  e a assumir a
sua responsabilidade diante da vida em um processo
que ocorre de modo gradual, de dentro para fora.

Publicamos a seguir um artigo clássico sobre a bênção da
vigilância mental que leva ao verdadeiro despertar interior.

(Carlos Cardoso Aveline)

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Quanto mais profundamente nós mergulhamos nas ramificações do estudo teosófico, mais percebemos o poder transcendental do pensamento em todos os seus aspectos, à medida que ele influencia não só o rumo da nossa encarnação atual, mas também o padrão da nossa próxima encarnação.

Um processo que opera com certeza quase invariável torna cada vez mais claro que, a menos que estejamos sempre atentos em relação à natureza dos nossos pensamentos, em seguida nos vemos imersos em algum carma negativo e desagradável. Quantas vezes nos arrependemos da palavra impensada, do ato agressivo, da crítica cáustica, cujos resultados cármicos poderíamos ter evitado se nós, livres de emocionalismo, mantivéssemos sob vigilância a nossa vida mental?

A disciplina mental é de importância suprema para aqueles de nós que desejam trabalhar para o progresso espiritual da raça humana, e é óbvio que nos dias atuais nós temos uma responsabilidade de grande peso, embora inspiradora; trata-se de supervisar e regular os nossos processos mentais. Uma observação casual das ações da maioria das pessoas parece mostrar que elas são tão indiferentes − ou estão tão imersas na materialidade − que não conseguem ter discernimento nem sequer diante das questões relativas ao seu bem-estar físico, e muito menos diante das questões que dizem respeito ao seu bem-estar espiritual. A atitude mais comum é a do “laissez faire”, que manda “deixar que os acontecimentos sigam seu curso”, com a esperança de que se possa permanecer sem consciência das suas consequências cármicas.

Não esqueçamos que um rio violento pode causar um prejuízo incrível e levar milhares de pessoas à ruína material, mas, se for represado, o rio produzirá uma quantidade estupenda de energia elétrica. O mesmo ocorre com nossos pensamentos: a menos que eles sejam dominados e colocados sob o controle direto de manas superior (a mente mais elevada) o resultado pode ser um sofrimento indescritível e até mesmo a ruína. Além disso, é da mais absoluta importância perceber que quando deixamos de reconhecer, de cultivar e de utilizar os poderes latentes em nós, o nosso desenvolvimento mental é retardado, porque o poder do pensamento é dinâmico e tem grande alcance, como é exemplificado pela telepatia. 

Para vencer em qualquer forma de esporte, é necessário que o indivíduo se submeta a uma disciplina do corpo físico. O mesmo ocorre com nosso veículo mental. Se queremos ser conduzidos pelo nosso manas superior e enfrentar com equanimidade as incertezas da era atual, devemos antes preparar manas inferior para que receba as suas mensagens, e isso só pode ser obtido fazendo com que ele enfrente, às vezes, experiências pouco agradáveis.

Nós conhecemos o poder do pensamento sobre a saúde física e mental. Sabemos que se ideias negativas receberem abrigo, uma doença, real ou imaginária, pode ocorrer. Estamos familiarizados com o poder do pensamento no mundo comercial, e sabemos como um homem de negócios bem-sucedido pode dirigir os seus pensamentos e ações com um impulso meticuloso e persistente em direção a situações lucrativas, a tal ponto que ele se torna incapaz de pensar em qualquer outra coisa.

Temos visto os resultados do pensamento − controlado ou descontrolado − no campo da literatura, nas artes e nas ciências, e sabemos que a força emitida pode ser boa ou má. No entanto, será que nós, como indivíduos, já começamos a tarefa extremamente essencial de controlar nossos próprios pensamentos? É só desta maneira que poderemos abrir a porta para uma vida mais completa, na qual a intuição irá eliminar o fanatismo, as ideias falsas e pré-concebidas ou os preconceitos dos sacerdotes, e abrir uma visão espiritual de indescritível beleza, ajudando-nos a perceber a verdadeira realidade, ao invés de focar a visão no que é ilusório.

Podemos ler e estudar com zelo notável todos os livros escritos sobre teosofia, mas a menos que, e até que, “tomemos nosso destino em nossas mãos” e regulemos nossos pensamentos, não poderemos ter a esperança de alcançar aquela paz mental “que nada pode perturbar e na qual a alma cresce como a flor sagrada nas lagoas plácidas” − para citar “A Voz do Silêncio”. 

Em que fonte H. P. Blavatsky obteve os seus poderes fenomenais? E como William Q. Judge e Robert Crosbie foram capazes de iluminar o caminho para outros, exceto pela ação de dirigir os seus pensamentos a partir de uma orientação manásica superior? É imperativo, portanto −  se queremos progredir e ser úteis − que dominemos a arte de dirigir os nossos pensamentos, filtrando e analisando nossas impressões mentais, separando o joio do trigo, a substância da sombra, e alimentando apenas aqueles pensamentos que geram harmonia e produzem ações benéficas e positivas.

Alguém que pratica e domina a arte do controle do pensamento está sempre equilibrado. Seja durante o trabalho, o estudo ou o lazer, ele capta as características mais destacadas de um problema com grande facilidade. Isto é feito frequentemente à primeira vista, porque a sua mente, livre de questões triviais, pode concentrar todos os seus poderes na questão que está sendo examinada. Mas ele nunca emite “conclusões apressadas”, porque, quando depois de assimilar todos os ângulos ele se sente incapaz de chegar a uma conclusão satisfatória, ele sabiamente submete o problema às suas percepções superiores, que irão finalmente revelar a solução verdadeira. A quantidade de trabalho que a mente pode realizar é realmente surpreendente, quando é mantida uma estrita vigilância à sua porta. Porque só então os pensamentos mais úteis recebem um “sinal verde”.

O controle do pensamento tem um valor intrínseco tão grande que quase todos os que escrevem sobre teosofia dão uma considerável quantidade de atenção ao tema, não tanto por causa dos atributos fenomenais da mente, mas porque esta é a primeira disciplina ao longo do caminho do desenvolvimento espiritual. Se dirigida corretamente, esta disciplina reúne as nossas energias mais elevadas e as conduz para o crescimento interior.

Os aforismos de ioga de Patañjali indicam de que modo o estudante pode ser levado desde a fraqueza mental até a força mental; desde a arte da concentração até as alturas inefáveis da contemplação, o que torna possível que ele se aproxime da meta espiritual tão buscada em seus pensamentos mais secretos.

Há ainda outro aspecto neste assunto fascinante. Trata-se do reservatório universal de pensamento no qual nós, como indivíduos, vertemos diariamente nossas emanações mentais, em uma corrente que irá, de um lado, nutrir a humanidade, ou, de outro, formar um canal até os redemoinhos de egoísmo, materialidade e avareza, e assim afetar negativamente o carma nacional e internacional.  

O pensamento é o pai da ação. Já que cabe a nós como teosofistas praticantes ajudar aqueles que procuram o caminho enquanto ainda sofrem de dúvidas, devemos comprometer-nos diariamente a manter a mais rígida supervisão sobre as emanações do nosso plano mental.

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O texto acima foi traduzido da edição de agosto de 1952 da revista internacional “Theosophy”, publicada em Los Angeles. Título original: “Thoughts on Mental Discipline”.

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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.

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5 de novembro de 2016

Autonomia ou Obediência?

Pergunta e Resposta Sobre Um Tema Decisivo

Theosophy



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O texto a seguir é traduzido da revista  
“Theosophy” de março de 1975, pp. 140-142.

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Pergunta:

Dacordo com a Teosofia, cada homem deve tornar-se sua própria autoridade, seja em relação a definir o que é verdade, seja em relação à conduta correta a seguir. Mas as circunstâncias externas frequentemente parecem ter uma influência determinante na vida de homens que, confinados por hábitos, ignorância, falta de imaginação ou apatia, têm em geral pouca capacidade de julgar por si mesmos. Não é aconselhável, então, escutar o conselho de “autoridades” mais sábias?

Resposta: 

Ouvir aqueles que parecem ter uma base sólida para seus pontos de vista não exclui a necessidade de avaliar o que eles dizem. Até a aceitação do que dizem envolve em algum momento a decisão de fazer isso. Toda a apresentação que H.P. Blavatsky fez da Teosofia nos dá as razões metafísicas para esse exercício da escolha individual e responsável.

Talvez a questão torne oportuno ver o que o senhor William Judge diz em seu editorial para a revista “Path” de março de 1887, em que ele fala do atual desenvolvimento da humanidade em seu conjunto, como um estágio que requer um grau maior de responsabilidade individual. Ele afirma:

“Em tempos anteriores, os Vedas e mais tarde os ensinamentos do grande Buddha eram a correta autoridade, e era em seus legítimos ensinamentos e suas práticas recomendadas que se encontravam os passos necessários para erguer o Homem a uma posição vertical e correta. Mas o grande relógio do Universo aponta para uma outra hora, e agora o Homem deve agarrar a chave em suas mãos e ele mesmo - como um todo - deve abrir o portão.”

Se o bom discernimento é reconhecido como o critério de uma autoridade “natural” - e esta é uma qualidade que aumenta com o seu exercício prático - então deve-se registrar também que não há momento algum e situação alguma que impeçam o seu desenvolvimento. Mas o fato inegável da vulnerabilidade humana a uma autoridade externa leva a questão a um imperioso desafio educacional. As palavras do sr. Robert Crosbie a respeito dificilmente poderiam ter sido mais corretas:

“A Autoridade que nós reconhecemos não é o que os homens chamam autoridade, que surge de fora e exige obediência, mas um reconhecimento interno do valor daquilo que flui através de qualquer ponto, foco, ou indivíduo. Esta é a autoridade do autodiscernimento do indivíduo, da sua intuição, seu mais alto intelecto. Se seguimos o que reconhecemos deste modo, e ainda vemos que é bom, naturalmente manteremos nosso rumo naquela direção. Isto não significa seguir cegamente qualquer pessoa - e esta é uma diferença que alguns não conseguem ver.”

Desde um ponto de vista “prático”, podemos ver que, como agimos em vários níveis e temos habilidades e conhecimentos variados em relação a cada um deles, a orientação ou ajuda que obtenhamos dos outros será diferente em cada caso. Alguém que planeje construir uma casa, mas que não tenha experiência, naturalmente verá que é recomendável procurar um construtor, ou pelo menos um pedreiro, para que o ajude e o aconselhe. Tal pessoa vai procurar pela autoridade da experiência para evitar erros graves, ou desperdícios. É claro que seu próprio discernimento será necessário ao selecionar a ajuda. Quando se trata de buscar o significado da nossa vida, a questão crucial a ser lembrada é que o autoconhecimento é obtido por cada um por seu próprio mérito. Não há autoridades nisso, exceto o eu superior, embora, paradoxalmente, uma espécie de “autoridade” natural se agregue à sugestão daqueles que insistem na responsabilidade individual, quando se realiza esta busca. Sempre podemos aprender dos outros - seja pelo exemplo deles ou por suas ideias sugestivas. Mas transformar em conhecimento a ajuda obtida é algo que elimina todo traço de autoridade, e que deve ser feito pelo próprio indivíduo.

Podemos lembrar, aqui, o que H.P. Blavatsky diz na conclusão do seu prefácio à obra “A Doutrina Secreta”; uma obra que, segundo ela, “merece consideração, não por algum apelo a uma autoridade dogmática, mas porque segue de perto a Natureza, e obedece às leis da uniformidade e da analogia.” Como esse é o princípio que H.P.B. segue, os seus estudantes naturalmente confiam nos seus escritos, e assim passa a ser um dever deles reconhecer e verificar que o que ela diz segue de perto a Natureza. A confiança bem informada em um instrutor cresce através da experiência - através da experiência individual pela qual se aprende a converter o ensinamento em conhecimento.

Considerando a evolução como um processo educacional, parece natural que os seres que conhecem tanto as potencialidades quanto as limitações cármicas dos que estão envolvidos em qualquer ciclo ou tempo particular tenham condições de ver que rumo geral de ações dá as melhores oportunidades de crescimento. Eles planejam o “currículo”, por assim dizer. Mas o currículo é só o plano, não a evolução. Os eus superiores individuais devem determinar como é que essas possibilidades serão desenvolvidas. Os efeitos distributivos da ação coordenada de diferentes indivíduos produzem o nível de desenvolvimento alcançado ao longo do periódico surgimento e desaparecimento das civilizações - em um momento criando as condições de uma Idade das Trevas, e em outro momento criando as condições de uma sociedade que pode receber um Buddha.

Na medida em que cada indivíduo tenha êxito em fortalecer em si mesmo a força do princípio do discernimento, nessa mesma medida ele se torna sua própria autoridade confiável. Porque conhecer, neste sentido, é ser capaz de fazer com que a ação siga o princípio, ao invés de obedecer ao hábito ou costume, por mais que estes possam ser estimados pelos outros.

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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.

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10 de outubro de 2016

O Que É Meditação?

Perguntas e Respostas Sobre Uma Questão Decisiva

Theosophy


Através da verdadeira meditação, o coração se fixa a algo nobre



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Nota Editorial:

O artigo a seguir é especialmente importante pelo
fato de que as escolas pseudoesotéricas recomendam
práticas mecânicas de meditação diária, com grave
prejuízo para seus  alunos. A popularidade de tais ilusões
torna mais oportuna a perspectiva esotérica autêntica.    

O texto foi traduzido da revista “Theosophy”, de  Los
Angeles,  EUA, edição de janeiro / fevereiro de 2007, pp. 56-59.

(CCA) 

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A meditação, tal como usada por nós, é o que se chama
em sânscrito de Dhyana, isto é, ausência de movimento
e unidirecionalidade. O principal ponto é libertar a mente
do poder dos sentidos, e erguer uma corrente de pensamento
que exclua todas as outras. “A compreensão surge da
concentração na coisa a ser compreendida”. W.Q. Judge
afirma: “Meditar no Eu Superior é difícil; procure, então, a
Ponte, os Mestres. A paciente concentração mental em um só
pensamento resulta na obtenção de sabedoria, e é deste
modo que surge o verdadeiro Ocultista. A aspiração pelo Eu
Superior deve fazer parte da meditação diária; a elevação
até os planos mais elevados do nosso ser, que não podem
ser encontrados a menos que se procure por eles. O desejo
 reverente e profundo de obter o esclarecimento e a orientação
do Mestre começará o processo de sintonia da natureza
com a vibração daquilo ao qual a natureza deverá um dia
responder. A concentração em um único ponto do
Ensinamento é um caminho para a filosofia; o autoexame, um
caminho para o conhecimento de si mesmo. Colocar-se no
lugar de outro, compreender as suas dificuldades, e deste
modo ser capaz de ajudá-lo, é aquela capacidade que, quando
ampliada, torna possível ao Adepto compreender a natureza
da pedra ou de qualquer outra forma de consciência.”
A meditação é uma prática boa e benéfica que leva a uma grande
meta. É também uma grande destruidora da ideia de eu pessoal.

 (Robert Crosbie, em “The Friendly Philosopher”,
Theosophy Company, Los Angeles, EUA, p. 93.)



PERGUNTA:

Como a Teosofia vê, ou define, a meditação?

COMENTÁRIO:

Na realidade,  meditação é o processo pelo qual o coração se fixa a alguma coisa. Todos têm, no mais profundo da sua natureza, uma subcorrente constante e sempre renovada de pensamento, vontade e desejo, em alguma direção.  Esta corrente é como um grande rio  que drena uma grande área de terra, pela qual fluem centenas ou milhares de correntes menores.  A meditação da vida de uma pessoa média é um constante pensar sobre o que agrada ou desagrada, seja no plano físico ou no plano metafísico - a meditação do ser pessoal.

PERGUNTA:

Por que há tão pouca orientação específica sobre “como meditar” na literatura teosófica?  Às vezes parece que os estudantes são até alertados contra a meditação, o que contraria muitos livros, cursos e seminários voltados para o ensino de antigas técnicas de meditação.

COMENTÁRIO:

Meditação, no sentido verdadeiro, se refere à atividade de certos princípios que passam a maior parte do tempo adormecidos na vida diária. A ativação desses princípios, ao mesmo tempo que dá vislumbres de estados profundos de consciência normalmente fora do nosso alcance, também pode despertar paixões adormecidas cuja existência é igualmente desapercebida em nossa consciência diária. Podemos descobrir que o que se imagina ser meditação e concentração é simplesmente uma continuação das atividades da mente pessoal. Estes são os “perigos dos IDDHIS inferiores”, sobre os quais somos alertados nas primeiras linhas da obra “A Voz do Silêncio”, de H.P.B.  A nossa “ignorância” em relação a  estes perigos nos faz aventurar-nos nas águas profundas da verdadeira natureza da Mente antes que tenhamos desenvolvido mapas ou sistemas de orientação para saber navegar. 

PERGUNTA:

O que são estes “Iddhis” inferiores, e como os combatemos?

COMENTÁRIO:

A natureza das “energias psíquicas e mentais inferiores, mais densas”, que são da mente pessoal, é discutida por W.Q. Judge, que comenta:

“Ele [o princípio mental] é colorido por cada objeto que lhe é apresentado, seja um objeto de pensamento ou objeto material. Isso quer dizer que Manas Inferior, operando através do cérebro, é imediatamente alterado adotando a forma e outras características de qualquer objeto, mental ou não. Isso lhe confere quatro peculiaridades: Primeira, de naturalmente voar para longe de qualquer ponto, objeto, ou assunto; segunda, de voar para uma ideia agradável; terceira, de voar para uma ideia desagradável; quarta, de se manter passivo, sem cogitar em nada.” [1]

Como um primeiro passo, devemos “fazer um levantamento” da nossa natureza tal como a conhecemos. Será que nós conseguimos concentrar, quando queremos, uma atenção absoluta sobre qualquer objeto da nossa escolha, e especialmente sobre qualquer dever que deva ser cumprido?  Podemos controlar o  olhar dispersivo e o ouvido inquieto, e limitá-los a ver o que queremos ver e ouvir o que queremos ouvir? A constante e vigilante atenção do nosso instrumento humano em todas as ações e relações da vida comum, embora não seja normalmente chamada de “meditação”, na realidade constitui o grande talismã para um encontro mais profundo com nossa natureza interior. Como Patañjali afirma, “Concentração, ou Ioga, é a inibição das modificações do princípio pensante”. [2]

PERGUNTA:

O que acontece quando isso é alcançado?

COMENTÁRIO:

Nossa mente e nosso coração então começam a considerar a unidade de toda a vida, vendo cada contato, cada comunhão, cada movimento da consciência como a ação do espírito único que está presente na  ilimitada variedade de formas, e a permeia. Esta é aquela meditação universal em que o indivíduo vê a si mesmo como parte de toda a vida e não como separado dela e de todas as  suas condições, sejam  agradáveis ou dolorosas, boas ou más. Esse tipo de meditação nos leva naturalmente a avaliar como podemos adaptar-nos para viver em harmonia com todos os seres, de todos os graus. Isto nos traz a um estudo  da nossa própria natureza  e a um constante esforço para usar essa natureza para a melhoria das condições de todos.

PERGUNTA:

Há algum método para conseguir este estado?

COMENTÁRIO:

De modo geral, a meditação como conjunto de performances ou práticas rotineiras não é recomendada. Aqueles que são mais verdadeiramente capazes de meditar não sabem disso.  A pessoa não “aprende” o que já  sabe; simplesmente  usa o conhecimento. Quem fala com muita frequência de meditação é quem tem menos conhecimento sobre ela. Às vezes encontramos pessoas cuja vida inteira é um exemplo notável de meditação, mas se pedirmos a essas pessoas que definam o termo, elas dirão que não sabem. No entanto, elas a vivem  diariamente.

Como diz bem “Luz no Caminho”, os primeiros passos na verdadeira meditação  são negativos, e não positivos, e envolvem o abandono de uma posição, não o avanço para uma nova posição:

“Antes que os olhos possam ver, eles devem ser incapazes de lágrimas.  Antes que o ouvido possa ouvir, deve ter perdido sua sensibilidade. Antes que a voz possa falar na presença dos Mestres, deve haver perdido o poder de ferir.” [3]

Sabemos que nossa mente e nossos sentidos são mal-treinados: estes passos  são recomendados para reverter o seu uso habitual. À medida que eles se voltam para uma nova direção, pouco a pouco começamos a ver quais são os passos positivos - isto é, o avanço para uma nova condição da mente.

“A Voz do Silêncio” registra que “Não elogiada pelos homens e humilde é a mãe de todos os rios....”. [4]  Esta simples afirmação é um saudável antídoto para a agressividade da mente pessoal. No seu devido tempo, se verá que intervalos de silêncio são tão necessários e frutíferos como os períodos de comunicação.  Pode-se comer em dez  minutos o que demora horas para ser digerido e que provê energia para um período ainda mais longo. Na civilização estressante  em que vivemos, poucos são capazes de compreender o grande valor do pensamento e da reflexão para o crescimento da alma. Avaliar conscientemente o que foi lido, estudado ou vivido,  ajuda a  assimilar a essência do significado em nossa natureza interna.

A versão de W.Q. Judge do “Bhagavad Gita” e  o volume “Notes on the Bhagavad Gita”, nos encorajam a ver que Krishna e Arjuna não são dois seres separados, mas a cristalização em palavras daquela autocomunicação sem som, invisível e contínua, que ocorre o tempo todo entre nossa mente pessoal e nossa mente impessoal.  À medida que aprendemos a controlar e purificar a mente pessoal, este diálogo silencioso se mostra como a essência do puro ser. 

Nesta Grande Viagem de descoberta interior, “cada homem é o seu próprio absoluto legislador, produzindo para si glória ou trevas”.[5] É correto lembrar, no entanto, que, como em qualquer viagem em  que se tem várias experiências agradáveis e desagradáveis,  estas não são o objetivo da viagem.  Um estado de bem-aventurança, embora nos eleve e seja reconfortante, não é em si mesmo nada mais, nem menos, que um estado de bem-aventurança.  A verdadeira meditação, portanto, consiste em uma resposta que evolui constantemente e que é dada a esta questão: que práticas  levam ao conhecimento, ao autocontrole, à sabedoria e ao serviço altruísta?

NOTAS:

[1] Este trecho está em “O Oceano da Teosofia”, de William Q. Judge,  capítulo VII, p. 30, edição  em PDF em nossos websites associados.  

[2] “Aforismos de Ioga, de Patañjali”, Livro I, número 02, edição online completa em nossos websites associados.

[3] “Luz no Caminho”, M.C., The Aquarian Theosophist, Portugal, 2014, 86 pp., ver  p. 19.

[4] “A Voz do Silêncio”,  H.P.  Blavatsky.  A obra está disponível, completa, em PDF, em nossos websites associados. Veja o aforismo 171, p. 24.

[5] “Luz no Caminho”, The Aquarian Theosophist, Portugal, 2014, p. 29.

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Sobre o que é realmente Meditação  em Raja Ioga e em Teosofia, veja também o texto clássico “A Contemplação”, de Damodar Mavalankar. O texto de Damodar pode ser facilmente localizado em nossos websites associados.

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Em setembro de 2016,   depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um  futuro melhor nas diversas dimensões da vida. 

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12 de fevereiro de 2011

A Importância de Saber Parar

Cada Ser Humano Combina
Qualidades de Brahma, Vishnu e Shiva

Theosophy





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Nota Editorial:

O texto a seguir começa mencionando
os três gunas, as qualidades ou propriedades
da matéria. Eles são: 1) tamas ou  inércia,
estabilidade; 2) rajas ou movimento, paixão,
exagero; e 3)  satwa ou harmonia, equilíbrio, ritmo. 

(CCA)

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Para muitos, o grande obstáculo é uma aparente incapacidade de vencer a tendência  à inércia, e de reunir a vontade necessária para iniciar ações no rumo necessário. Mas, para outros, o desafio quase insuperável é saber parar uma atividade depois que ela foi iniciada. O primeiro grupo de pessoas está obviamente lutando com a qualidade da indiferença, chamada de Tamas pelos hindus; enquanto que o segundo grupo está envolvido pela qualidade intensa e ativa de Rajas.   

A incapacidade de puxar as rédeas da ação é um erro sutil, mas raramente é reconhecido como tal, quando se manifesta naqueles que estão intensamente engajados na prática de “boas” ações. Porém o apego destas pessoas à sensação de estar fazendo algo e à satisfação dos progressos visíveis as torna cegas para o seu processo de apego e, portanto, de escravidão. Até mesmo o “dever”, quando feito com exagero, pode significar que nosso dever não foi cumprido.   

Qualquer veículo de transporte, se não está equipado com um sistema de freios eficiente, se transforma em uma séria ameaça. O mesmo ocorre com as energias do ser humano.  O poder da concentração, como todos sabem, é imenso. No entanto, se a concentração for prolongada indevidamente e estiver relacionada apenas com desejos pessoais, ela se torna uma obsessão. Para tornar-nos realmente capazes de dirigir nossas mentes, devemos, segundo William Judge afirma no início da sua versão dos Aforismos de Ioga de Patañjali, “desenvolver a vontade (.....), de tal modo que, ao invés de permitir que a mente vá de um assunto para outro ou de um objeto para outro e seja movimentada por eles, nós a usemos como instrumento − a qualquer momento e durante um período tão longo quanto quisermos − para a observação do que  tenhamos decidido escolher.”  

O mesmo ocorre com a arte de falar, um dos poderes mais importantes de que o ser humano dispõe. O uso generalizadamente excessivo desta faculdade é, sem  dúvida, uma doença da nossa cultura. Com frequência os divulgadores mais dedicados da filosofia teosófica, arrastados pelo seu espírito missionário, perdem a oportunidade de parar no momento crucial. Bastam algumas palavras desnecessárias para transformá-los em “chatos teosóficos” e expô-los a acusações de fanatismo. Em seu livro “The Art Spirit”, Robert Henri, um inspirado educador no campo da arte, fez a seguinte profecia, que podemos ter esperança de que se cumprirá: 

“Acredito que os grandes artistas do futuro usarão menos palavras. Os textos serão mais curtos, mas mais cheios de significado (.....) Menos coisas serão ditas, mas cada coisa dita será mais completa e receberá uma atenção mais profunda. Agora nós exageramos. Há muita ‘arte’, muita ‘decoração’, muitas coisas são feitas e muitas diversões são desperdiçadas. E poucas coisas são realmente apreciadas.” 

Em relação aos métodos empregados pelos Mestres de Sabedoria, um instrutor escreveu: “Os Mestres são dirigidos pela lei da ação e da reação, e têm suficiente sabedoria para não fazer algo que poderia resultar na anulação de todo o seu trabalho anterior (.....). Ao ir demasiado longe em determinado momento, empregando grande força no plano mental, a consequência seria uma reação de superstição e de maldade de todo tipo que desmancharia tudo.” Alguns vendedores descobriram esta verdade (embora em um plano muito inferior) em relação à sua profissão. A observação mostra que a resistência de um cliente diante do discurso do vendedor provoca frequentemente um fechamento dos punhos, e que as mãos relaxam tão logo a resistência cessa. Os vendedores que não percebem a chegada desta resistência frequentemente exageram na oferta da mercadoria, o que resulta num desperdício de energia e numa perda de possíveis vendas.  

A seguinte observação, contida no seu artigo “O Progresso Espiritual”, mostra a clara consciência que H.P. Blavatsky tinha das nossas dificuldades nesta questão: 

“O mal é frequentemente o resultado de um excesso de ansiedade, e os seres humanos tentam sempre fazer coisas em excesso. Eles não aceitam deixar o bem em paz, fazendo apenas o que a  situação exige e nada mais. Eles exageram cada ação e assim produzem carma que deve ser trabalhado em um renascimento futuro.” [1]   

Se não fosse pela ação benéfica dos testes cármicos, nada poderia deter os indivíduos em seu mergulho de cabeça na direção de um movimento perpétuo, destituído de significado. O coração e a inspiração da teosofia estão no fato de que, através do uso da vontade, nós podemos ser os nossos próprios censores cármicos.   

Até o cientista, que para muitos personifica a virtude da pesquisa calma e paciente, pode desenvolver o vício da “impossibilidade de parar”.  Em sua busca infindável de fatos e mais fatos, esperando encontrar através deles as respostas definitivas para os mistérios sutis da vida, quantas vezes ele pára durante o tempo suficiente para poder analisar, avaliar e sintetizar − em suma, para compreender?  O ponto fraco da ciência de hoje não está na ausência de fatos, mas na ausência de compreensão dos fatos.  O Adepto, o Sábio, tendo chegado ao grau mais alto do poder da concentração, parece poder deduzir as leis de todo cosmo a partir de alguns poucos fatos. 

Durante Kali Yuga, o “grande homem” – o gênio aclamado –, também é quase sempre um produto da atividade exagerada, e raramente da atividade controlada e equilibrada. Estes indivíduos talentosos podem parecer inspirados, mas nem sempre controlam a fonte de inspiração. Em consequência disso, quando a presença da inspiração está junto a eles, não cessam o trabalho com medo de que o momento precioso se perca para sempre.  Um verdadeiro gênio, de acordo com os critérios teosóficos, é um homem aperfeiçoado, com habilidade em todos os tipos de ação correta, nos diferentes estados mentais e níveis de consciência. Ele pode começar e parar à vontade qualquer pensamento, ação ou sentimento. Por mais absorvido que esteja no cumprimento de um elevado dever espiritual, ele é capaz, se necessário, de suspender imediatamente a atividade naquele plano para assumir alguma tarefa mundana. Em sua autobiografia, Mohandas Gandhi faz a seguinte avaliação de um certo Raychandbai, que, embora aparentemente não fosse um Adepto, teve um efeito muito nítido e inspirador sobre a vida de Gandhi:  

“As operações comerciais de Raychandbai envolviam grandes somas de dinheiro. Era um conhecedor de pérolas e diamantes. Nenhum problema profissional complexo era demasiado difícil para ele. Mas estas coisas não eram o centro ao redor do qual sua vida girava. O centro era sua paixão por ver Deus face a face. Entre as coisas que eram inevitavelmente encontradas sobre sua mesa de trabalho estavam alguns livros religiosos e o seu diário. No momento em que ele terminava seu trabalho ele abria um livro religioso ou o seu diário (.....). Um homem que, imediatamente após terminar uma conversa sobre operações comerciais de grande porte, começava a escrever sobre as coisas ocultas do espírito não podia, evidentemente, ser de modo algum um homem de negócios, mas tinha que ser um real buscador da Verdade. E eu o vi assim absorvido em assuntos divinos em meio aos negócios não uma vez ou duas, mas muito frequentemente. Nunca o vi perder seu estado de equilíbrio.” [2]   

É um fato estabelecido que as melhores virtudes, quando levadas ao exagero, se tornam defeitos. Isso poderia significar que todo defeito é uma virtude fora de controle? Até mesmo a maldição do egoísmo é apenas a distorção e a expansão do dever natural do autoapoio e da autopreservação. O que é a luxúria ou a paixão obsessiva, exceto o resultado do desejo de prolongar uma sensação perfeitamente inofensiva e frequentemente necessária? A comida deve ser saborosa, afirma-se, para que se tire benefício dela. O glutão erra somente porque busca atender um apetite perpétuo com uma alimentação incessante. O pseudoasceta condena as sensações; o homem sábio condena a sua não-regulação.  

O que impele uma dona de casa ou um homem de negócios que estejam dedicados a alguma tarefa “desagradável” a manter-se trabalhando muito além do que mandam a prudência e o bom senso?  É o amor pelo trabalho ou o cumprimento consciente do dever?  As razões podem ser numerosas. Para alguns, o trabalho pode ser um ópio para esquecer de problemas, e para evitar examiná-los de frente. Alguns gostam da sensação de estar fazendo algo e daquele momento de satisfação suprema, mas passageira, que há quando uma tarefa é completada.  Outros desejam terminar logo o trabalho necessário e esquecê-lo de uma vez.  O buscador egoísta do Nirvana, ou da salvação, tem uma meta similar. Ele está frequentemente disposto a enfrentar um trabalho que envolve um sacrifício tremendo durante muitas encarnações, com o objetivo de libertar-se “permanentemente” de todos os problemas terrestres.  

Por outro lado, existem aqueles cujas motivações são inegoístas e que, no entanto, parecem ser igualmente escravos do hábito de trabalhar em excesso.  Neste caso, é o medo de serem incapazes de terminar uma tarefa a tempo que frequentemente os leva a uma atividade ansiosa, impaciente. Para eles, o conhecimento da lei cíclica do Carma deveria produzir uma compreensão de que, quando trabalhamos calmamente e de acordo com a lei natural, a própria natureza se coloca ao nosso serviço. “Se estivermos no rumo correto, haverá tempo e ocasião para cumprir todos os deveres e nenhum deles será esquecido (.....).  Vivendo e agindo de modo integral e correto no momento presente e em toda vida, a força dinâmica do  cérebro irá atuar de modo integral, e completo, e não haverá exaustão.” 

Como alguém pode determinar por si mesmo se está controlando qualquer tarefa em especial, ou se está sendo controlado por ela? Em algum momento adequado ele deve perguntar-se: “Posso parar esta atividade antes de ela estar completa? Posso interromper esta linha de pensamento?  Posso parar este desejo ou sentimento? Sou capaz de parar e desistir de tudo e de qualquer coisa conforme a minha vontade?”  Frequentemente, a vida produz estes testes através de interrupções constantes, às quais todos estão sujeitos nesta época de exigências que se contradizem umas às outras. Se a nossa resposta é o aborrecimento, ou uma retirada mental apenas parcial da tarefa que é preferida, a lição ainda está por ser completamente aprendida.  

Para o hindu, o terceiro deus da trindade é Shiva, o destruidor. Brahma e  Vishnu são o poder criador e o poder preservador da natureza. Será difícil compreender por que uma divindade tão agressiva como Shiva pode ter tantos devotos leais?  

Cada ser humano é uma combinação de Brahma, Vishnu e Shiva. Ele deve ter muito cuidado se só Brahma e Vishnu parecem prevalecer em si. Porque sem o exercício do poder de destruir a concha aprisionadora do apego − tantas vezes construída em torno de interesses, ideais, sentimentos, interpretações e até afetos − não pode haver a criação que leva ao progresso, nem a preservação de experiências da alma que são novas e mais valiosas.    

NOTAS: 

[1] Veja em nossos websites associados a íntegra do artigo “O Progresso Espiritual”, de Helena Blavatsky.  (CCA)

[2] Capítulo I da parte dois, na Autobiografia de Mohandas Gandhi. O capítulo é intitulado “Raychandbai”. Na edição de Penguin Books, Londres, veja as páginas 92-93. (CCA)

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O artigo acima foi publicado em janeiro de 1953 pela revista “Theosophy”, em Los Angeles, pp. 100-104. O seu título original é “The Power to Stop”.  Em língua portuguesa, foi  publicado inicialmente no boletim eletrônico “O Teosofista”, edição de agosto de 2009.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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