28 de novembro de 2023

A Energia da Vontade

 
Transformando a Preservação da Saúde
Num Exercício de Ginástica da Vontade
 
 Jean des Vignes Rouges




Toda a dificuldade está em ter a
perseverança suficiente para transformar
a aplicação destas regras em um hábito.”



Eu quero!” Você afirma, fechando os punhos. “Eu quero! Eu quero!” E você repete essas palavras como se elas reunissem dentro de você uma energia enorme.

Calma, meu amigo. Calma. Ouça minha lição primeiro. De onde vem essa energia toda que você quer sentir circulando dentro de você? Vem do seu corpo, em primeiro lugar. Ou seja, de transformações físicas e químicas acontecendo na intimidade das suas células. Se você não absorvesse comida e oxigênio, se não liberasse ácido carbônico, calor, etc., a sua vontade não existiria.

“Verdade óbvia”, diz você: “Passemos a fatos mais interessantes.”

- Ah! Eis aí um impaciente que gostaria de aprender num piscar de olhos um processo milagroso que lhe dê instantaneamente uma vontade de ferro.

Bem, meu amigo, não é possível. Mesmo que lhe pareça chato, devo insistir na necessidade de cuidar do seu corpo.

Ah, eu sei bem que há alguma coisa de humilhante na afirmação de que a nossa vontade depende do nosso organismo. Estamos todos convencidos de que podemos e devemos dar a nossos corpos ordens para que façam qualquer coisa. A única opção que este escravo - o corpo -  tem, é obedecer! Caso contrário, vamos chicoteá-lo! Nossa vontade é a rainha da nossa personalidade, e ela não pode ceder aos caprichos de uma enxaqueca, nem ao mau humor de uma  prisão de ventre teimosa.

Esse desprezo excessivo pelo seu corpo não é algo que você sinta todos os dias. É por isso que você talvez tenha um medo ridículo de sentir frio quando vai para o trabalho, e às vezes acontece que você receia trabalhar em excesso e ficar esgotado. Mas  quando se trata de cortar  metade das suas horas de sono sob o pretexto de que você precisa se divertir, então você exige impiedosamente o esforço necessário do seu “pobre animal”. Se o animal reclamar, você procura um médico para que ele coloque a situação nos eixos outra vez. 

Quem já não teve este tipo de conduta incoerente? É por isso que insisto que você registre em sua memória esta verdade: você é um conglomerado de materiais coloidais, e dentro deles ocorrem inúmeras reações das quais depende a sua vontade. Você verá, em outro lugar, que a força da sua vitalidade tem origem num princípio espiritual. Certo. Mas esse espírito só se manifesta enquanto tiver à sua disposição um instrumento: o corpo. E isto está sujeito a leis naturais que são  implacáveis.

A cada momento, a nossa vontade é influenciada pelo estado atual do nosso organismo. Pense nas modificações mentais impostas pela idade, pelo sexo, pela alimentação insuficiente ou excessiva, pelo cansaço, pela insônia, pelo frio, pelo calor, pela excitação dos nervos que resulta do vento e da chuva. Seu fogão a lenha, ou lareira, está funcionando mal? Você respira ar viciado. Há então uma concentração de ácido carbônico no sangue que causa todo tipo de excitação e inibição, alterando diretamente a sua vontade. Lembre-se do estado mental que surge em você devido a uma gripe banal, uma dor de dente, uma indigestão, ou um calo inflamado no pé. Porém, mesmo quando se sente bem, há em você centenas de estímulos disfarçados e sutis que definem o aspecto original da sua vontade.

Por exemplo, você não ignora a influência das glândulas endócrinas na sua vida psíquica. Se a sua tiroide parar de produzir hormônios suficientes, você cairá em um estado de apatia, de indiferença lamentável; os seus pais, seus amigos, vão culpar você por não ter entusiasmo; você será avaliado negativamente, desqualificado e desprezado. Tudo isso porque faltam no sangue alguns miligramas de uma substância produzida pela tiroide, cuja ausência destruiu sua força de vontade. Talvez uns comprimidos resolvam o problema.

Por outro lado, se a mesma glândula funcionar em excesso você será transformado em um entusiasta extremado e alguém que comete imprudências. Coma muita salada natural, cenoura, beba sucos naturais, retire a carne da sua dieta, e a sua força de vontade ficará mais prudente.

- E seus órgãos interiores, os seus intestinos, o seu baço, seus pulmões, seu coração! Ah! Eles também não hesitam em influenciar a sua vontade. Estes são locais onde ocorrem o tempo todo reações elementares que repercutem insidiosamente na sua vida psíquica. Uma pequena alteração no funcionamento do fígado, e você sente as dores e o frio com mais intensidade, o que naturalmente inclina a sua vontade a fugir do sofrimento, ou a ter medo do inverno.

Você sabe: o seu sistema nervoso simpático - que controla as funções da vida vegetativa - só funciona harmoniosamente na medida em que for adequadamente desacelerado pelo nervo vago. Se for quebrado o equilíbrio entre esses dois, por exemplo, uma necessidade mórbida de excitação levará você a buscar excessivamente oportunidades de se emocionar, de se indignar; todas essas emoções irão exasperar o seu sistema nervoso simpático de tal forma que o seu nervo vago não será mais capaz de reduzir seu ritmo. Você ficará altamente emocional e será incapaz de aceitar o menor tédio. Naturalmente, ficará furioso ao descobrir que, apesar de seus esforços, perdeu o controle sobre si mesmo.

Eu poderia continuar esta enumeração. Poderia mostrar-lhe que a sua consciência sofre uma invasão de impressões, de sensações surgindo perpetuamente de todas as partes do seu corpo: da sua pele, dos seus músculos, das suas glândulas sexuais, etc. É nesta maré de impressões que a sua energia voluntária deve nascer.

Não vou falar sobre o trabalho misterioso que ocorre nas células do seu cérebro quando você realiza um ato voluntário. Até hoje, na verdade, ninguém conseguiu dar uma descrição exata. Os cientistas mais qualificados limitam-se, neste assunto, a formular hipóteses mais ou menos engenhosas. Mas, quer se trate de correntes psíquicas, de impulsos nervosos, de uma força psicológica, ou de sequências de íons, de ondas, etc., uma coisa é certa: a energia desencadeada vem do trabalho humilde das células que se dedicam a transformar pão, batata, e outros alimentos, em força.

De acordo com quais leis é distribuída essa energia? Também aqui saberemos pouco, se permanecermos no nível fisiológico. Detectamos claramente uma espécie de corrente de impulsos nervosos que se propaga a velocidades variáveis ​​de 2 metros a 40 metros por segundo, seguindo caminhos compostos por cadeias de neurônios. Mas isto é interessante, especialmente, para psicólogos de laboratório.

No entanto, o sr. Pierre Janet expôs uma teoria da tensão psicológica que é possível aplicar na prática. Passemos a examiná-la.

Para Janet [1], os atos de vontade que um homem é capaz de realizar podem ser classificados numa hierarquia, colocando os mais difíceis de executar no alto e os mais fáceis na base. As ações “difíceis” são aquelas que exigem não só um maior gasto de influxo, mas também maior tensão. A tensão sugere, portanto, um gasto mais rápido, mais urgente e mais intenso de impulsos nervosos.

Assim, a lista dos nossos atos voluntários pode ser feita do seguinte modo:

No alto, as ações que exigem forte tensão psicológica; são aquelas com as quais nos adaptamos de modo prático à realidade. Podem ser invenções, planejamentos, decisões, atos complexos que exigem o uso de todos os nossos conhecimentos, das nossas capacidades, nossa memória, nossa experiência, mas estas ações diversas visam expressar-se com rapidez em algo concreto que interessa vivamente nossa personalidade inteira.

Observe que esses atos, praticados diante de testemunhas, são mais difíceis do que os praticados na solidão. Por exemplo, precisamos usar mais fortemente a nossa vontade quando participamos de uma refeição formal do que quando desfrutamos tranquilamente do nosso café da manhã. Quantas pessoas se confundem, gaguejam, ficam desajeitadas no momento em que precisam agir em público! O simples fato de que estão sujeitos à visão crítica dos outros os obriga a uma maior tensão.

Um pouco mais abaixo, colocaremos os atos que exigem de nós simplesmente estar atentos à realidade, sem necessidade de uma decisão imediata. Por exemplo: esperar o momento certo para agir.

Situados um pouco mais abaixo, isto é, exigindo ainda menos tensão, estão os atos realizados como num jogo, em abstrato. São ideias que concretizaremos mais tarde, ou talvez nunca. Inúmeros são os atos que realizamos desta forma: falamos sem dizer nada, decidimos agir quando as circunstâncias são favoráveis, prometemos, juramos, raciocinamos, filosofamos, mas isso tudo é apenas o começo das ações; sabemos bem que só as nossas cordas vocais estão atuando; isso nos diverte e nos dá a ilusão de querer.

Finalmente, em último lugar, temos os vagos devaneios durante os quais realizamos mil proezas. Criamos projetos quiméricos, sabendo muito bem que jamais realizaremos nenhum deles. Para este trabalho vão, basta uma tensão muito baixa.

A esta enumeração, segue-se uma conclusão inevitável. Se você quiser realizar atos de vontade que sejam verdadeiramente “significativos” e provoquem resultados, é necessário que a sua tensão psicológica seja forte.

“Mas”, argumenta você, “posso obter essa tensão ‘dobrando minha vontade’, segundo a expressão clássica. Quando digo ‘eu quero’, eu me contraio, tensiono os músculos, franzo as sobrancelhas. Isso não é suficiente?”

Esta postura voluntária do seu corpo é útil, mas não é suficiente, se os seus acumuladores de energia estiverem vazios. E eles só estarão cheios se o seu corpo estiver em boas condições. Ah, sem dúvida, acontece que um corpo aparentemente débil é capaz de um esforço surpreendente. É o caso dos numerosos cientistas, escritores, filósofos e poetas que sacrificam a boa digestão dos alimentos, e as sensações de felicidade de um corpo equilibrado, para concentrar todas as suas energias no cérebro e produzir obras-primas. O pensamento deles é criativo, e torna-se ainda mais criativo à medida que o seu organismo é atacado pelo sofrimento; isso é possível desde que a dor não exceda uma certa intensidade, nem tampouco determinada duração.

Devemos tirar o chapéu para os nossos heróis do pensamento e, diante das suas figuras apagadas, admirar como a mente pode queimar a matéria num magnífico espetáculo de fogo-de-artifício. Mas não inclua a si mesmo de imediato entre essas personalidades excepcionais. Não jogue toda a sua energia vital em uma única cartada. As suas circunstâncias, os seus gostos, as suas possibilidades, exigem que você administre sua reserva energética de forma diferente da maneira escolhida por Pascal, por exemplo. Observe-o sem inveja, e com humildade; isso é sabedoria.

A tensão psicológica que devemos esforçar-nos por adquirir, seguindo as prescrições necessárias para a manutenção da saúde, nada tem em comum com aquela contração quase desesperada do homem que subordina tudo a um desejo violento, a uma paixão, e que, infelizmente, é muitas vezes forçado a admitir que “não consegue sustentar o ritmo”.

Ter uma tensão adequada de energia voluntária é, pelo contrário, sentir-se calmo, equilibrado, livre de preocupações e convulsões, capaz de realizar os seus projetos com um sentimento de liberdade, de amor, de alegria. No entanto, este estado só é alcançado se nos aplicarmos pacientemente, com perseverança, a viver de acordo com as normas racionais da ciência da preservação da saúde.

Ah! Eu concordo, não é uma ideia muito agradável repetir:

“Para ter uma vontade sã, devo ter um corpo são”.

Porque, de fato, a concretização deste programa exige um esforço contínuo e árduo. Seguir as leis da manutenção da saúde, não cometer erros prejudiciais ao futuro bem-estar, parece monótono e enfadonho para alguns. Eles preferem se divertir e “ir fundo”. Estes são os retardatários, os que morrem no meio do caminho por onde passam os vencedores da vontade.

A você que quer viver eu digo: aceite com forte coragem a necessidade de abrigar a sua alma num corpo vigoroso. Assim você possuirá reservas de impulsos nervosos que poderão, no momento certo, florescer em magníficos atos de vontade.

Cuide portanto, com paciência, do seu “animal”. Não exija dele o que ele não pode fazer. Por exemplo, se você não está se sentindo bem, tenha a coragem de não iniciar uma ação voluntária para a qual você não possui energia de reserva suficiente. Espere até que sua pressão arterial suba outra vez. Porque não é preciso dizer que a sua tensão sofre oscilações constantes, dependendo do estado em que está o seu corpo.

Mas não transforme essa regra sábia em uma desculpa para nunca querer. Há pessoas preguiçosas que esperam a vida toda pelo momento em que a sua tensão será alta o suficiente para permitir-lhes querer; e esse momento não chega nunca.

Entre o estado da pessoa exausta que “quer” algo inutilmente e adota uma atitude convulsiva,  mas mesmo assim não consegue, e o estado do preguiçoso que poderia, mas não quer, existe espaço para um estado normal de vontade no qual a “exigência” de energia é adequada às possibilidades do corpo.

Não insisto nas regras de saúde corporal que você deve seguir. Você as encontrará em livros especializados, mas elas também podem ser resumidas em poucas palavras. Alimentação saudável, sem deficiência ou excesso. Um monitoramento cuidadoso dos órgãos digestivos, cujo funcionamento influencia grandemente a força de vontade. Exercício físico suficiente, ao ar livre. Repouso. Toda a dificuldade está em ter a perseverança suficiente para transformar a aplicação destas regras em um hábito. Isto significa que a observação das práticas de manutenção da saúde oferece inúmeras oportunidades para treinar a vontade. Aproveite-as.

Para terminar, aqui está um pequeno procedimento que preservará em você o prazer de cumprir as regras da boa saúde.

Escreva no seu “Caderno da Vontade” [2] o nome do erro que você comete com mais frequência na área da preservação da saúde, e faça uma breve lista com as consequências prejudiciais que resultam dele. Por exemplo, o hábito de dormir tarde. Escreva então: “Sono insuficiente” e mais abaixo: “Redução da força de vontade, estado de torpor, enfraquecimento da imaginação e da memória, enxaquecas, tonturas, movimentos físicos desajeitados, diminuição da rapidez dos movimentos, redução do desempenho profissional, fadiga, propensão a desmaiar, irritabilidade, estado de espírito antissocial, mau humor, emotividade exagerada, predisposição para acreditar que sofre de todas as doenças, emagrecimento”.

Naturalmente, não estou inventando nada ao copiar esta lista, que você encontrará nas obras científicas mais autorizadas. Se você acredita que tem uma constituição diferente dos outros seres humanos e pode escapar das consequências da falta de sono, tenha cuidado com essa vaidade; caso contrário ela irá criar um problema para você.

Quando você sentir a tentação de abusar das suas forças, passando desnecessariamente uma noite sem dormir com a desculpa do direito à diversão, pense no Caderno da Vontade que você tem à mão. Releia mentalmente a página que denuncia as desvantagens da insônia, e poderá avaliar melhor se é adequado ir deitar-se, ou talvez “preparar uma boa ressaca” para a manhã seguinte.

NOTAS:

[1] O psicólogo, psicoterapeuta, médico e filósofo francês Pierre Janet (1859-1947) foi aluno de J. M. Charcot - assim como Sigmund Freud -, e cumpriu um papel importante na origem da psicanálise. É considerado um dos pais da Psicologia, e deixou numerosas obras significativas. (CCA)

[2] Clique para ler “O Caderno da Vontade”.

000

Jean des Vignes Rouges é o pseudônimo literário do militar e escritor francês Jean Taboureau (1879-1970).  


O texto “A Energia da Vontade” é uma tradução, feita por CCA, do artigo L’Énergie de la Volonté”. Fonte bibliográfica: “Dictionnaire de la Volonté, Méthode D’Éducation de la Volonté, de Jean des Vignes Rouges, Éditions J. Oliven, Paris, 320 pp., 1945, pp. 118-124. O artigo em português foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia 28 de novembro de 2023.  

000

Leia mais:





* Veja outros escritos Jean des Vignes Rouges.


000


Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 

000

23 de novembro de 2023

A Imprensa Ocidental Durante as Guerras

Avaliando a Honestidade dos
Jornalistas, Desde Napoleão Até Hoje
 
 Carlos Cardoso Aveline
 
 
Napoleão Bonaparte (1769-1821) transformou-se
rapidamente de vilão em herói, nos jornais franceses



É recomendável examinar as fontes das notícias que chegam até nós. O jornalismo que insiste em mostrar um só lado da realidade não é jornalismo.

É propaganda.

E quando uma campanha de propaganda é falsa, depois de algum tempo a falsidade se torna inviável. No mesmo instante o pseudojornalismo trata de mudar o seu discurso para dar a impressão de que respeita a realidade.

A seguinte história - cuja veracidade examinaremos em seguida - ajuda a refletir sobre o antigo axioma segundo o qual “a verdade é a primeira vítima da guerra”.

Napoleão Bonaparte, o estadista e gênio militar, agitou o mundo inteiro no início do século 19. Ao deixar a ilha de Elba, para onde se retirara após a abdicação, Napoleão avançou pela França até a capital com velocidade incrível, conquistando sem luta o povo e os exércitos que eram mandados para combatê-lo.

Conta uma narrativa extraordinária que essa marcha-relâmpago - inesperada - levou um jornal de Paris a publicar em dias sucessivos as seguintes “manchetes”:

1- O Monstro Corso Desembarcou no Golfo de “Juan”.

2- O Canibal Marcha em Direção a Grasse.

3- O Usurpador Entrou em Grenoble.

4- Bonaparte Entra em Lyon.

5- Napoleão Prossegue sua Marcha para Fontainebleu.

6- Sua Majestade Imperial é Esperada Amanhã na Sua Leal Paris.[1]

A fonte desta relação de manchetes de jornal é Alexandre Dumas, pai. O escritor francês é conhecido por usar livremente os fatos históricos, adaptando-os para construir histórias de leitura agradável, que frequentemente transmitem lições éticas. Este é mais um exemplo.

A marcha vitoriosa de Napoleão ocorreu, mas as manchetes de jornal não são exatas, nem verdadeiras, segundo a pesquisa histórica revela [2]. A narrativa de Alexandre Dumas é uma sátira. Dumas denuncia a atitude subserviente do jornalismo “moderno” que serve os poderosos sem qualquer sentimento de vergonha, e repete mentiras aos leitores mesmo quando poderia tratar com algum respeito a verdade dos fatos. O jornalismo corrompido considera que a memória dos povos é fraca. Ele troca livremente as suas manchetes de um dia para o outro conforme a conveniência do momento, e não vê necessidade de prestar contas a uma população pouco atenta.

É difícil ser um jornalista íntegro em uma sociedade que sofre de uma obsessão coletiva por dinheiro, poder e prazeres materiais. E mais especialmente quando há guerra militar - ou guerra de palavras.

Não é verdadeiro o ditado que diz - “Em terra de cegos, quem tem um olho é rei”.

É mais sensato afirmar:

“Em terra de cegos, se você enxerga bem, tenha cuidado com o que vai dizer porque a verdade nem sempre é bem recebida.” 

Sejam quais forem as circunstâncias, o jornalista honesto pode defender a sua dignidade preservando uma relação correta com os fatos. Cabe ao repórter - e ao editor - trabalhar com um sentimento de respeito por si mesmo, e por seus leitores, colocando a verdade acima das conveniências. Com o tempo virá o prestígio.

O cidadão sensato evita a doença infantil do pensamento viciado pelo desejo. Tanto os jornalistas como os leitores podem ser levados pelo desejo subconsciente de imaginar que “têm razão” e que “são humanamente superiores” a seus adversários. Neste caso o raciocínio é aproximadamente o seguinte:

“Eu quero ter razão, portanto, meu inimigo está totalmente errado. Preciso acreditar que quem pensa diferente de mim é um ser inferior. Como consequência disso, meu adversário é desprezível e nem deveria existir. Quem pensa diferente de mim é doido.”

A preguiça mental, associada à força política dos orçamentos militares, pode causar desastres de grandes proporções. Quando falta o respeito pela vida, o simplismo dos fanáticos alimenta as guerras e os governos gastam fortunas para matar mais pessoas, com armas mais sofisticadas, fazendo isso em nome dos mais belos ideais humanitários. Especialmente se os horrores da guerra acontecem em países distantes. Cabe portanto estar vigilante e lembrar: a melhor medicina é a medicina preventiva

O Compromisso

O jornalista que mantém contato com sua própria alma evita propagar mentiras ou manipular as mentes dos seus leitores. A atitude correta é estimulada, entre outros exemplos, pelo compromisso dos que concluem o curso de jornalismo na Universidade de Blumenau, no sul do Brasil:

“Prometo, no exercício da profissão de jornalista, assumir meu compromisso com a verdade e com a informação e empenhar todos os meus atos e palavras, meus esforços e meus conhecimentos para a construção de uma nação consciente de sua história e de sua capacidade. Prometo ainda, não omitir, não mentir e não distorcer informações, não manipular dados e, acima de tudo, não subordinar em favor de interesses pessoais o direito do cidadão à informação.” [3]

O compromisso básico de ser verdadeiro se aplica a todos os seres humanos, nos diversos níveis e aspectos da vida.

NOTAS:

[1] Reproduzido de “O Livro de Ouro de Anedotas”, de Ivan Freitas, Editora Tecnoprint Ltda., Ediouro, Rio de Janeiro, 282 pp., ver pp. 72-73.

[2] Uma análise da narrativa de Alexandre Dumas, com a comprovação do seu caráter ficcional, pode ser vista em língua inglesa neste link: https://bigthink.com/strange-maps/napoleon-cannibal-majesty/ .

[3] Reproduzido do artigo “O Compromisso dos Jornalistas”, em “O Teosofista”, maio de 2021, pp. 13-14.

000

O artigo acima está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 23 de novembro de 2023. Uma versão anterior dele foi publicada, sem indicação do nome do autor,  na edição de junho de 2022 de “O Teosofista”, pp. 1-3. Título original: “De Napoleão Até Hoje: Como Age a Imprensa Ocidental Durante Uma Guerra?

000

Leia mais:







000


Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 

000 

21 de novembro de 2023

Tensão Voluntária Durante a Prece

 
A Oração Produz um Estado de Alma Capaz
de Levar o Ser Humano a seu Ponto Culminante
 
 Jean des Vignes Rouges
  
Visão parcial de um quadro de Qiyue Wang



… É por isso que tantos psicólogos veem a
oração como um meio para concretizar um
“eu superior” que unifica a personalidade…



Todos os observadores reconhecem o fato de que a oração é um meio poderoso de estímulo psíquico.

Examinemos primeiro a sua eficácia do ponto de vista da psicologia positiva. Verifica-se imediatamente que, no estado de oração sincera, o sujeito, através dos seus pedidos de piedade e de ajuda, através das suas súplicas, dos seus gritos de angústia - formas habituais de oração - encontra-se num estado emocional que equivale a uma verdadeira mobilização de todas as suas energias. É por isso que tantos psicólogos veem a oração como um meio para concretizar um “eu superior” que unifica a personalidade; o autor da prece tende a superar a si mesmo ao colocar em ação as forças do seu inconsciente; todas as suas capacidades criativas são estimuladas ao máximo. Não é de admirar, então, que ele se sinta apoiado, confortado e, na verdade, torne-se mais capaz de querer.

Outros psicólogos veem a oração como uma forma de encantamento mágico que a humanidade pratica há milênios e que, portanto, faz despertarem poderosas tendências ancestrais adormecidas. Alguns filósofos consideram a oração como um “encanto” exercido sobre Deus para conquistá-lo através do amor.[1] Outros ainda propuseram a hipótese de ondas psíquicas emitidas pelo praticante da oração e transportadas por telepatia. William James vê na prece um empréstimo obtido junto às forças cósmicas, e o doutor Freud, finalmente, enxerga nela uma sublimação do instinto sexual.

Do ponto de vista místico, a prece é uma forma de se relacionar com a Divindade. Ela cria em nós as condições psicológicas necessárias para conhecer e compreender Deus, e para sentir amor por Ele. A oração tende, portanto, a desenvolver o estado de graça.

Inegavelmente, o devoto que ora com fervor retira da prece uma força extraordinária. Para comprová-lo basta evocar os incontáveis atos de heroísmo, de resignação histórica, de abnegação, de sacrifício que a História registra e que foram realizados por homens que oravam inspirados por uma fé religiosa.

A oração não se limita a criar um estado de tensão capaz de levar o ser humano ao seu ponto mais alto. Ela também refina e purifica a vontade do indivíduo. Com efeito, é rezando que o crente aprofunda, desenvolve e aperfeiçoa estados de espírito como o arrependimento, o altruísmo, a obediência, o abandono de si mesmo, os quais, se não existisse a oração, correriam o risco de permanecer como ideias vagas e ineficientes.

Por outro lado, o homem que reza desperta em si mesmo um sentimento quase indefinível do ponto de vista psicológico e que, no entanto, desempenha um papel considerável entre os sentimentos que levam a querer: o sentimento do “sagrado”; a impressão de que existem forças, leis, valores morais, seres e uma divindade, enfim, diante dos quais devemos prostrar-nos com veneração e amor, e aos quais devemos obedecer.

A oração é, portanto, um meio incomparável de espiritualização, e através dela o crente se torna verdadeiramente um instrumento de Deus. Ao rezar, ele se une intimamente à lei suprema que regula a criação e a ordenação do mundo.[2] A consciência direta disso transforma o devoto e o eleva. 

Sem abandonar o tema da presente obra nem os seus métodos pedagógicos, posso, portanto, recomendar a oração como um “procedimento” capaz de dar à vontade uma espécie de impulso sagrado. Esta “exaltação” é particularmente benéfica quando se trata de uma oração de agradecimento à Divindade por um êxito alcançado. Consideremos o estado de espírito de um homem que pensa sinceramente:

“Deus está comigo!”

Ele sente no mais alto grau esta “sensação de triunfo” que Pierre Janet considera, com razão, um dos estimulantes mais eficientes da vontade.

Quanto à técnica usada para orar, ela pode ser tanto uma invocação cujos termos são inventados pelo praticante, como a recitação de um texto. A literatura religiosa oferece opções numerosas.

Maomé exige que a oração seja pronunciada em voz alta. A escola de psicologia behaviorista está de acordo com ele sobre a virtude da palavra efetivamente proferida.

Quanto à posição do corpo, a posição “de joelhos” é tradicionalmente adotada na oração porque expressa a humildade e a submissão. Os romanos, ao orarem, abraçavam os joelhos dos deuses, portanto o próprio praticante da oração tinha que estar de joelhos.

NOTAS:

[1] Deus: segundo a teosofia, a ideia de um Deus pessoal é uma ilusão, ou uma imagem poética. A vida é regida por uma lei divina impessoal e por uma pluralidade de inteligências cósmicas que servem apenas à Lei Única. A oração, em filosofia esotérica, deve expressar uma vontade ativa, uma intenção própria, e não um mero pedido de favor a algum deus pessoal. (CCA)

[2] Em outros termos, a Divindade é a Lei Universal. (CCA)

000

Jean des Vignes Rouges é o pseudônimo literário do militar e escritor francês Jean Taboureau (1879-1970).

000


O artigo “Tensão Voluntária Durante a Prece” está publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde o dia 21 de novembro de 2023. Foi traduzido do livro “Dictionnaire de la Volonté”, Méthode D’Éducation de la Volonté, de Jean des Vignes Rouges, Éditions J. Oliven, Paris, 320 pp., 1945, pp. 244-245. A tradução é de Carlos Cardoso Aveline. Veja o texto original em francês: “La Tension Volontaire dans la Prière”.

000 

Leia mais:





000


Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 

000

17 de novembro de 2023

O Teosofista - Novembro de 2023

 



À medida que a crise da civilização atual parece aprofundar-se, a Loja Independente vem estudando cada vez mais o tema da disciplina diária e do fortalecimento interno do peregrino. Assim, o artigo que abre esta edição é “A Disciplina Interior: Uma Estrutura Para a Vida Prática”.

A página cinco apresenta “Como H.P. Blavatsky Viu a Derrota do Cristianismo”.

Na página sete está “A Criação Intelectual”, artigo de Paul Carton. O subtítulo afirma: “Há um tormento inevitável na busca do belo e do verdadeiro”.

O artigo “Dizer Não à Inteligência Artificial, Desenvolver a Compreensão Autêntica” começa na página dez.

Estes são outros assuntos abordados em novembro:

* Ideias ao Longo do Caminho: as causas morais da situação atual do mundo.

* A Ciência Pode Ser Mais Fanática Que o Clero.

* O Caminho Rumo ao Discipulado: ensinamentos esotéricos da sabedoria teosófica africana.

* A Tartaruga como Símbolo do Cosmo, e da Eternidade.

Com 22 páginas, o Teosofista inclui a lista dos itens publicados pelos websites associados nas semanas anteriores.


000

A edição acima foi publicada dia 17 de novembro de 2023, com lua em Capricórnio. 

A coleção completa de “O Teosofista” está disponível nos websites associados.

000


Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.

000

15 de novembro de 2023

As Causas da Guerra, e da Paz

 
Quando o Ódio Histérico é Derrotado, Surge
Uma Nova Cadeia de Causação - que Leva à Paz
  
Carlos Cardoso Aveline
 
Reconstrução em maquete do Templo de
Israel e da Jerusalém antiga (Modelo Holyland)



Embora as guerras tenham consequências graves, elas pertencem em grande parte ao mundo dos efeitos. É preciso examinar suas Causas.

A origem do terrorismo e dos conflitos militares deve ser encontrada na alma humana.

Uma guerra é mais do que “a continuação da política por outros meios”. É também uma expressão externa de ignorância espiritual. O caminho da ignorância para a guerra tem uma série de etapas. Os seus passos formam uma complexa Cadeia de Causalidade, uma sucessão de causas e efeitos desastrados.

A ausência de sabedoria espiritual e de conhecimento ético leva à ambição cega, e produz um apego imoderado ao prazer de curto prazo. Em seguida, esses dois exageros estimulam a má vontade, e produzem injustiça.

Da injustiça vem o ódio. O antagonismo cego destrói, então, a capacidade das pessoas de conviverem em paz.

Graças a este desastre sutil, os conflitos políticos que deveriam ser moderados tornam-se cegos e “incondicionais”. A intolerância é adotada como princípio básico da vida das comunidades. As guerras civis e os conflitos entre nações são o resultado natural deste tipo de situação. As pessoas querem “lutar até o fim”. O objetivo é a “derrota total” ou mesmo a eliminação do outro. O antissemitismo constitui um perfeito exemplo deste tipo de doença espiritual.

Deste modo, a principal prioridade para as pessoas de boa vontade, se quiserem preservar o realismo, não pode ser a luta pelo “fim imediato de todas as guerras”. Vejamos quatro razões práticas disso.

Um.

Não faz sentido escolher metas impossíveis. Os amigos da paz não têm o poder real de interromper imediatamente os conflitos militares. Uma vez que uma guerra começa, ela só pode ser concluída depois de produzir os seus principais efeitos e quando já está objetivamente pronta para chegar ao seu final.

Dois.

Como os conflitos militares são principalmente meros efeitos, as suas causas devem ser eliminadas antes que eles desapareçam.

Três.

A História mostra que algumas formas doentias de ignorância costumam iniciar guerras - ou provocar o seu início de modo disfarçado. Neste caso, as tentativas de apaziguar a todo custo não funcionam, e a postergação com frequência apenas torna o conflito mais grave. Os projetos brutais de ignorância hostil devem ser derrotados de modo a não deixar dúvidas, e a vitória sobre eles não é algo bonito de ver. Temos um exemplo claro disso na Segunda Guerra Mundial.

Berlim, a capital da Alemanha nazista, estava em ruínas no final da guerra, em maio de 1945. A população do país havia sido severamente reduzida, e a razão disso é muito simples: os nazistas e os terroristas que têm uma adoração pela morte não procuram evitar a destruição e o sofrimento das populações que estão sob seu controle. Ao contrário. Eles podem até ter orgulho da devastação dos seus países e fazer propaganda disso para alcançar os seus próprios objetivos.

Uma estratégia extremista baseada no uso do sadomasoquismo político e psicológico (estilo de propaganda aliás promovido com frequência para manipular nações inteiras) é cruel e brutal, e, ao mesmo tempo, faz intensamente o papel de pobre vítima sofredora. Uma mente sádica interpreta de imediato todo ato de respeito e de diálogo, vindo do seu adversário, como um mero sinal de fraqueza, e como uma tendência à rendição. Portanto, quanto mais concessões  você fizer a este tipo de adversário, mais ele o verá como um fraco e como alguém que merece apenas desprezo e agressão.  

Quatro.

Infelizmente, por outro lado, as guerras devem ser reconhecidas como um instrumento pelo qual as sociedades decadentes, disfuncionais, costumam provocar a sua própria desaparição.

As guerras econômicas e militares produzem a transição desde uma velha estrutura civilizatória - que já não pode sustentar o seu próprio peso - para um tipo novo e diferente de contrato social, mais adequado às necessidades da evolução e do crescimento da alma humana.

Ao mesmo tempo que o presente passa e deixa de existir, o futuro deve nascer. Caso contrário, o passado continuará repetindo a si próprio em um círculo vicioso.

Sempre que uma estrutura de vida entre as nações destrói a si mesma através de conflitos militares e econômicos, a tarefa espiritual das pessoas de boa vontade inclui, portanto, provocar o começo de uma nova Cadeia de Causação, um conjunto dinâmico de ações e reações que produzirão ao mesmo tempo justiça e paz, porque as duas coisas são inseparáveis.

É preciso expandir outra vez a conexão entre a vida humana e a Lei Una que governa o Universo. Esta afirmação não é feita com base em alguma forma de fé cega. A vida prática mostra que a verdadeira causa da paz consiste em construir e preservar uma interação inspiradora com o mundo divino e com a sua ética de respeito pela Vida.

Foi dito em outra ocasião que “é recuperando o nosso contato consciente com o Universo que nos curamos da cegueira espiritual e do sofrimento que ela provoca.” [1]

Uma vez que as expressões sociológicas da ignorância histérica são derrotadas, como pode surgir uma nova cadeia de causação? Vejamos um caminho possível, entre milhares de potencialidades.

1) Do fato de que alguém está livre do ódio em sua mente, surge a boa vontade. 2) Da boa vontade, nascem a lucidez e um horizonte mais amplo.

3) Um ponto de vista lúcido abre as portas para a amizade e a fraternidade. 4) Da fraternidade surge a cooperação honesta. 5) Uma sincera ajuda mútua abre espaço para a prosperidade comum. 6) Uma vez que surge um bem-estar compartilhado, a paz entre as nações se torna inevitável. 7) Isso, no entanto, só ocorrerá na medida em que forem preservados um sentido de equilíbrio e a prática da moderação.

Haverá uma quantidade significativa de erros, naturalmente. No entanto, a modéstia protege o bom senso. A experiência acumulada permite obter pouco a pouco a sabedoria que necessitamos. Incessantemente a vida renova a si própria, e uma paz viva, dinâmica, é um  resultado natural da nossa capacidade de aprender.

NOTA:


000

O artigo “As Causas da Guerra, e da Pazestá disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 15 de novembro de 2023. Trata-se de uma tradução, feita pelo autor, do texto “The Causes of War, and of Peace”, que também pode ser lido no blog teosófico em “The Times of Israel”.

000

Leia mais:






000


Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 

000