6 de junho de 2023

Vida Longa e Felicidade

O Prazer Pertence à Mocidade, a Alegria à
Meia-Idade, e a Bem-Aventurança à Velhice
 
O. S. Marden




Domingo passado, morreu aqui um jovem de idade muito avançada, com vinte e cinco anos”, escreveu John Newton. George Meredith, ao celebrar os seus setenta e quatro anos, disse: “Não me sinto envelhecer, quer de coração, quer de espírito. Ainda contemplo a vida com os olhos de um jovem.”

Não deveis avaliar a idade de pessoas idosas pelo calendário. Para isso deveis apreciar o espírito, o temperamento, a atitude mental.

Conheço jovens que andam pelos sessenta, e velhos que têm trinta anos.

“Os anos atuam sobre uma mocidade mal empregada como o fogo sobre uma casa em ruínas.”

Ninguém envelhece enquanto não perder o interesse pela vida, enquanto o seu espírito não envelhecer, enquanto o seu coração não se tornar frio e indiferente. Enquanto estiver em contato com a vida em muitos pontos, o espírito não se torna velho.

“Viver sem envelhecer, sentir-se ativo e seguro para tudo o que representa vigor de espírito e vitalidade de sentimentos - depois, quando vier o fim, achar nas profundezas da alma a confiança dos anos decorridos e adormecer suavemente com uma firme esperança; não é isto uma sorte invejável?”

A mocidade não pode compreender porque é que o terminar do dia não tem aquela impetuosa alegria da manhã; tem cores mais ricas e mais finas.

O pôr-do-sol é tão belo quanto o nascer e, às vezes, mais glorioso.

O terminar da vida pode ser tão belo e grande quanto o seu início.

A idade tem os seus prazeres.

Se a vida foi bem vivida, as reminiscências são belas e as satisfações consoladoras.

Realmente, que pode dar mais prazer do que contemplar uma vida bem empregada e útil e belamente vivida?

Quando chegamos ao porto da velhice após uma rude passagem sobre um mar tempestuoso, há um sentimento de repouso, de triunfo, de segurança.

Diz-se que “os que vivem muito esperam muito”.

Se conservardes a vossa esperança bem viva, apesar dos desânimos, e encarardes todas as dificuldades com fisionomia risonha, os anos dificilmente deixarão vestígios nas vossas faces.

Há longevidade na alegria.

O tempo não atinge os espíritos serenos e alegres.

Não envelhecem.

Uma pessoa idosa deve ser calma e equilibrada.

Todas as agitações e perturbações da mocidade devem ter cessado.

Uma dignidade suave, um repouso pacífico, uma expressão calma são as caraterísticas das pessoas que aproveitaram o que havia de bom e belo no tempo em que viveram.

Não há exatidão nem equidade na maneira de avaliar a idade pelos anos.

As pessoas devem considerar-se velhas ou novas segundo a sua condição mental, a sua atitude em relação à vida, o seu interesse por ela, os seus pensamentos moços ou velhos.

Se elas encaram a vida com mocidade e otimismo, se têm esperanças, se são alegres, altruístas e entusiastas, devem ser classificadas como jovens, sejam quantos forem os seus anos.

O elixir da mocidade, que os alquimistas tanto tempo procuraram na química, está em nós mesmos.

O segredo está na nossa mentalidade.

O rejuvenescimento perpétuo só é possível, se tivermos ideias corretas.

Parecemos tão velhos quanto sentimos e pensamos, porque são o pensamento e o sentimento que nos dão este aspecto.

O equilíbrio mental significa harmonia, e a harmonia prolonga a vida.

Tudo aquilo que perturba a nossa paz de espírito ou destrói o equilíbrio, causa atrito, e o atrito provoca a deterioração rápida do delicado maquinismo da vida.

Poucos são os que sabem proteger-se contra a corrupção, o desgosto e as influências desintegradoras do meio ambiente.

Nada retarda tanto o efeito dos anos como conservar o espírito brilhante, jovial, otimista, esperançado, um espírito moço, em todo o seu esplendor e magnificência; um espírito que reflita as glórias da mocidade - mocidade cheia de sonhos, ideais, esperanças, e todas as qualidades peculiares da vida da juventude.

Stevenson costumava dizer que “conservar vivo e alegre o espírito de mocidade é a mola mestra perpétua das faculdades mentais”.

Que erro cometemos, quando associamos as grandes alegrias da vida à mocidade!

A cada passo ouvimos dizer: “Deixem os jovens divertir-se. A mocidade passa depressa e não volta mais. Em breve conhecerão as contrariedades da vida. Deixem-nos ser felizes, antes que venham as nuvens toldar-lhes o céu da sua alegria.”

É sabido que uma pessoa que viver uma vida perfeitamente normal experimentará maiores alegrias e será muito mais feliz ao chegar aos sessenta anos do que foi aos dez.

Quando um homem atinge o meio da sua existência, ou mais tarde, é filho dos seus hábitos e não pode desenvolver células cerebrais inteiramente novas, nem novas faculdades. Temos o exercício das faculdades que nos acostumamos a usar, as faculdades que foram mais dominantes e mais ativas através da nossa vida.

Uma das razões pelas quais muitas pessoas têm horror à velhice é que não guardaram provisões para ocuparem os anos de declínio.

Gastaram todas as suas energias em conseguir um meio de subsistência e fizeram pouco para organizar uma vida.

O que leva a falar mal da velhice é a falta de uma ocupação mental, e isso é geralmente devido a uma prévia falta de treino para uma velhice interessante.

“Um espírito ocioso é um espírito infeliz”.

Evitar a velhice mental deve ser a nossa preocupação.

Por não terem adquirido o hábito da leitura enquanto jovens, poucos cultivam o hábito e o prazer de ler quando velhos, e o resultado é que muitas pessoas acham que a velhice é extremamente triste e monótona.

Uma pessoa que tenha sempre conservado o hábito de se aperfeiçoar lendo bons livros, meditando, contemplando as grandes verdades; que tenha desenvolvido o amor da arte e da beleza e tenha cultivado as suas faculdades sociais, terá bastante o que fazer nos últimos anos.

Um dos mais patéticos aspectos da vida norte-americana é o dos velhos que se retiraram da atividade do trabalho apenas com as suas fortunas.

Nada tinham preparado para os prazeres da velhice. Nos seus anos de juventude, não desenvolveram as qualidades que tornam a ociosidade suportável, para não dizer deleitosa.

Por toda parte encontramos norte-americanos retirados da vida ativa que se sentem deslocados e nostálgicos, com vontade de voltar ao exercício dos negócios, lidando com os fregueses e com o livro de cheques.

Não podem rir e conversar como costumavam fazer com os seus velhos amigos e camaradas do tempo do colégio, porque a alegria e o entusiasmo desapareceram para sempre.

Que importa que façam esforços para se distrair nos museus de arte, nas salas de concertos, se os fregueses e os projetos para ganhar mais dinheiro continuam a preocupar o seu espírito e anulam todos os esforços que fazem para se defender destas ideias insistentes que os impedem de sentir prazer?

As coisas que poderiam ter apreciado noutro tempo, agora apenas os aborrecem.

Alguns dos homens mais decepcionados que tenho conhecido são aqueles que se aposentaram depois de terem feito fortuna.

Os anos vindouros de ociosidade e descanso pareciam seduzi-los, quando trabalhavam arduamente nos seus tempos de mocidade para iniciar a fortuna e, mais tarde, para completá-la.

A sua imaginação fazia-lhes ver uma condição venturosa, quando pudessem ficar na cama pela manhã e fazer o que quisessem, em vez de serem importunados pelo “imperioso dever” que tantos anos pesara sobre eles.

E o início da sua vida de aposentados foi tão venturoso que eles pensavam que até aquele momento não tinham rigorosamente vivido. Cedo, porém, os dias começaram a arrastar-se, e viram que não podiam ter satisfação fora da rotina entre o escritório e o lar. Depois de se aposentarem, as suas faculdades que se tinham gasto na luta com os homens e com as coisas, no manejo dos negócios, logo se atrofiaram; aquele que tinha sido o seu desejo mais forte desapareceu gradualmente sem deixar compensação.

Verificaram que o seu verdadeiro prazer consistia no exercício das suas células cerebrais; que quando tinham tentado encontrar satisfação e prazer no uso de faculdades que não haviam sido desenvolvidas, tinham tido pouco uso, não podiam sentir verdadeira satisfação.

Na adolescência, a necessidade de sustentar a família obriga muitos a procurarem trabalho, e assim a sua primeira educação é desprezada.

Toda a sua atividade tinha sido orientada numa direção inteiramente diferente, completamente estranha às coisas que eles tentavam desfrutar.

Com que frequência ouvimos falar de homens que, depois de terem adquirido fortuna, se aposentaram com perfeita saúde e em pleno vigor mental e imediatamente começaram a declinar, e em poucos anos morreram!

Que utilidade podem ter livros, quadros e estátuas para aqueles que mantiveram o espírito afastado da influência daquela arte em que a beleza e o encanto elevam a vida?

Não há maior decepção do que consagrar a melhor parte de si mesmo e dar anos de vida para conseguir alguma coisa que se espera desfrutar, quando os ardores da mocidade tiverem arrefecido, e, afinal, não encontrar senão as ruínas e as cinzas da idade.

Um escritor disse:

“Quantos homens há que trabalharam afanosamente e se escravizaram para juntar dinheiro, que poderiam ter sido felizes pouco a pouco e que, quando chegam aos quarenta ou cinquenta anos, esgotaram inteiramente as possibilidades de gozar a vida.”

“Na sua juventude levaram a economia e a frugalidade ao excesso da avareza, e, quando chega o tempo em que esperavam desfrutar, já não há alegria para eles.”

O homem que treinou o seu espírito, que se preparou para as alegrias da aposentadoria na velhice, é um homem afortunado.

Se um homem adquiriu o descanso por uma vida ativa e bem orientada, industriosa, se procurou desempenhar a sua tarefa no trabalho universal e preparou o seu espírito para gozar o descanso merecido, deve estar apto para ser feliz.

Há milhares de maneiras para um espírito educado encontrar satisfação.

Pensai nos inúmeros prazeres que pode encontrar nos livros uma pessoa que os ama e sabe apreciá-los. É difícil conceber maior delícia. Isto não significaria nada para o homem que gastou cinquenta anos fatigando-se na azáfama dos negócios e que talvez não tenha lido um livro em toda a sua vida.

Pensai nos possíveis encantos do mundo da natureza e da arte que poderá sentir um homem que desenvolveu as suas qualidades estéticas, como fez Ruskin, para quem uma flor, uma planta, uma árvore, o nascer do Sol, despertavam sensações divinas.

Que delícias esperam o homem que se habituou durante a sua vida a aperfeiçoar-se a si mesmo e a procurar conhecimento em todas as fontes imagináveis!

Quem pode ter maior delícia do que sentir o espírito expandir-se, passar além dos horizontes da ignorância, e cada dia mais além!

Não há satisfação na vida como a que resulta de auxiliar os outros a ajudarem-se a si mesmos; e o homem que assim procedeu durante a sua vida encontrará uma alegria indizível ao retirar-se para o merecido descanso.

Não é apenas o homem cuja experiência se limitou aos negócios ou ao trabalho da sua profissão que acha a vida aborrecida depois de se aposentar, mas também aquele que na mocidade tinha condições favoráveis para educar o espírito no sentimento de prazer e que, inteiramente absorvido pela sua carreira, se isolou do mundo dos livros, do mundo da arte, da beleza, das viagens, fechou as avenidas do lado social da vida e destruiu as faculdades que outrora tinham encontrado prazer nestas coisas.

Esta tem sido a triste experiência de homens que tentaram encontrar alegria no repouso da velhice, mas descobriram que tinham perdido o poder de apreciar coisas que antes tanto tinham amado.

Esta foi a experiência de Darwin.

Ficou surpreendido ao ver que, durante os seus anos de completa absorção nos estudos científicos, tinha perdido inteiramente o seu amor por Shakespeare e pela música; que suas faculdades estéticas se tinham atrofiado pela falta de uso, em consequência da inexorável lei da natureza: “uso ou perda”.

Tiramos a maior felicidade do uso das faculdades que foram durante muito tempo e habitualmente exercidas.

Não é muito fácil na vida despertar mais tarde novos sentimentos, novas potências, novas faculdades que estiveram dormentes durante muitos anos.

É o exercício das faculdades e potências que usamos toda a nossa vida que nos concede a única felicidade e satisfação possível.

Ao retirar-se do trabalho para descansar na velhice, em regra geral, o homem põe a sua esperança em faculdades que não estão em condições de lhe dar satisfação. Não pode tirar grande proveito de tentar despertar faculdades que dormitaram durante meio século e talvez nunca tivessem sido completamente preparadas e desenvolvidas.

Eu creio que a maioria dos homens que se retiram dos negócios não só não encontram felicidade no repouso, mas ainda encurtam a vida.

Quantas vezes ouvimos falar de homens que vão morrendo, justamente porque deixaram de se ocupar na única coisa que podiam fazer, e não encontram outro estimulante que o substitua -como o cavalo que tanto interessava o senhor Pickwick, e que estava tão acostumado aos varais do carro que puxava, que morreu quando deixou de fazer este serviço.

Se quereis manter-vos jovens, deveis aprender o segredo do autorrejuvenescimento, da autorrenovação no vosso trabalho, nos vossos pensamentos, no vosso interesse juvenil.

Se vos considerardes sempre jovens, vigorosos, robustos, cheios de vivacidade, a decrepitude não vos atingirá, porque cada célula do corpo é constantemente renovada.

Creio que a média dos homens pode prolongar a sua vida materialmente e, em especial, aumentar a capacidade de a completar e gozar com proveito, adquirindo o hábito de excluir do seu espírito todos os pensamentos infelizes.

Por outras palavras: se pudéssemos aprender o segredo do que nas regiões do Oriente se chama “dar um rumo ao espírito”, primeiramente expulsando tudo o que possa aborrecê-lo ou penalizá-lo, e depois, assumindo a atitude mental conveniente, a atitude do amor, da caridade, da bondade, da magnanimidade, do altruísmo para com todas as criaturas, isto revolucionaria a civilização.

Prejudicamo-nos, quando nos levantamos pela manhã com o rosto mortificado, quando nos sentimos infelizes e mal dispostos, quando nos sentimos tão irascíveis à mesa do almoço que todos têm receio de nos falar.

Prejudicamo-nos, quando não nos levantamos renovados, fortes, vigorosos, alegres, cheios de energia e ambição, prontos para retomar o trabalho, que é um tônico constante.

Não são as contrariedades de hoje, mas as de amanhã e da semana próxima, que nos branqueiam a cabeça e nos enrugam as faces.

A disposição de cada um tem uma poderosa influência sobre a sua longevidade. As pessoas que se afligem, que se enervam e entristecem, que são irascíveis e de uma exagerada sensibilidade, envelhecem rapidamente.

Como pode alguém ter rugas de idade e ou de fadiga se for feliz, ocupado, e tiver o espírito sempre jovem?

Conheço uma senhora de idade que tem um gênio tão benigno e calmo que conseguiu tirar da velhice a sua fealdade.

“Disponde o vosso espírito para a alegria
que impede mil pesares e prolonga a vida”.

A felicidade é um grande gerador de força vital, um grande sustentáculo e um poderoso tônico da saúde.

Um cavalheiro muito distinto, do melhor tipo norte-americano, falando da sua avançada idade e da sua constante disposição feliz, disse:

“É muito simples. Leve uma vida natural, coma o que lhe apetecer, e caminhe pelo lado da rua onde bate o Sol.”

É um conselho alegre e confortável que não exige viver como um anjo nem morrer como um santo.

Mencionando uma vida natural, esse cavalheiro queria significar indubitavelmente que não devemos viver de modo luxuoso e indolente, transformar a noite no dia ou abusar do nosso corpo.

E evitando estas novas tentações evita-se a dispepsia, a apoplexia e a prostração nervosa, e, sendo-se assim normalmente saudável, pode-se em geral comer o que nos aprouver!

Quanto ao lado da rua onde bate o Sol, isso é a melhor parte do credo desse cavalheiro.

Pelo lado da sombra vão a tristeza, a melancolia, a vaidade, a avareza, a preguiça e o crime, companhias más e deprimentes.

Pelo lado do Sol vão: a Alegria, o Prazer, o Triunfo, a Saúde, a Amizade, o Amor, todos bons companheiros, que nos ajudam a levar os fardos e dobram as bênçãos deste pequeno negócio que chamamos vida, e em cuja companhia, quer sopre vento quer não sopre, o tempo é sempre belo.

“Os prazeres pertencem à mocidade, as alegrias à meia-idade, a bem-aventurança à velhice” - diz Lyman Abbott.

Portanto, a velhice é a melhor, porque é um pórtico de um belo palácio onde a felicidade não é apagada pelo tempo, nem derruída pela morte.

Aquele que no princípio da vida aprendeu este segredo de felicidade imortal pode, como Paulo, desafiar todos os inimigos da felicidade.  Ele receberá os obstáculos como contribuições para a sua felicidade, porque lhes formam o caráter.

Também tiramos proveito das atribulações, sabendo-se que a atribulação gera paciência; a paciência, experiência; e a experiência, esperança. A esperança não envergonha, porque o amor divino está espalhado pelos nossos corações, pelo Santo Espírito que está dentro de nós.

Os maiores vencedores da idade são a alegria, a esperança e um espírito afetuoso.

Um homem que queira conquistar os anos deve ter caridade para todos.

Deve evitar a tristeza, a inveja, a malícia, o ciúme - todas as pequenas baixezas que amarguram o coração, enrugam as faces e obscurecem a vista.

O coração puro, um corpo são e um espírito amplo, saudável e generoso [1], não deixam avançar os anos, constituem uma fonte de mocidade que cada um de nós pode encontrar em si mesmo.

NOTA:

[1] Não por acaso a Escada de Ouro da tradição teosófica, que constitui um resumo da caminhada espiritual, começa com as seguintes palavras: “Vida limpa, mente aberta, coração puro, intelecto ardente, clara percepção espiritual…”. Clique para ver A Escada de Ouro completa. (CCA)

000

O artigo “Vida Longa e Felicidade” foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas em 06 de junho de 2023. O texto reproduz o capítulo XXVI, intitulado “Longevidade e Felicidade”, do livro “A Alegria de Viver”, de O.S. Marden; Livraria Figueirinhas, Porto, Portugal, primeira edição em português, 1923, 301 páginas, ver pp. 289-301. A ortografia foi atualizada. Algumas frases com problemas flagrantes de construção foram corrigidas. Certas palavras caídas em desuso foram substituídas por sinônimos usados no século 21.

000

Leia mais:


              




000
 
 
Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 
 
000

24 de maio de 2023

HPB e os Pobres Covardes em Adyar

 
A Traição Contra Helena 
Blavatsky Começa nos Anos 1880
 
 Carlos Cardoso Aveline

Na foto, HPB e Henry S. Olcott. Um Mestre de Sabedoria esclarece:
o fracasso de Olcott ocorreu devido ao medo de defender a verdade.
 
 
 
No século 19, o cristianismo foi usado como ponta de lança colonialista para reduzir a força da cultura religiosa e filosófica tradicional da Índia, e para consolidar a dominação britânica naquele país.   

Tão logo o movimento teosófico ganhou força e influência ao mostrar o valor das sabedorias orientais, começaram os ataques dos missionários cristãos contra Helena Blavatsky e a Teosofia. Em 1884-1885, a campanha antiteosófica passou a incluir táticas como suborno, infiltração de agentes no movimento e falsas denúncias com grande cobertura da mídia. 
 
Diante disso, os teosofistas situados em Adyar - sede internacional da Sociedade Teosófica - sentiram-se intimidados e assustados. Faltou-lhes coragem. Salvo exceções, deixaram de defender a fundadora do movimento.
 
Poucos entre eles haviam compreendido um fato básico:
 
Todo aspirante à sabedoria é atacado e testado no plano moral, e isso acontece na exata medida do seu esforço para elevar-se no plano do espírito. A integridade do aprendiz, a sua capacidade de ser implacavelmente honesto consigo mesmo e com os outros, é a única base sobre a qual pode acontecer o aprendizado da alma.
 
Atacada de vários modos, defendida por poucos, Helena Blavatsky adoeceu gravemente, mas a sua missão não poderia terminar naquele momento. A saúde da escritora russa foi restabelecida no essencial por um Mestre. Ela viajou para a Europa, terminou de recuperar-se e dedicou-se a redigir “A Doutrina Secreta”.
 
Com os ataques de 1884-1885, rompeu-se um certo vínculo magnético em várias frentes. Vejamos alguns exemplos:
 
* As Cartas dos Mestres deixam de fluir. Frustrado, Alfred P. Sinnett afasta-se de Blavatsky. Incapaz de aceitar o fato de que os Mestres haviam decidido fazer silêncio, Sinnett cai em conversas mediúnicas imaginárias com falsos Mestres.  
 
* Damodar Mavalankar, discípulo avançado, um braço direito de HPB, chega ao limite da sua resistência humana. É obrigado a retirar-se de Adyar e, convidado por seu instrutor, vai para um Ashram dos Mestres.  
 
* Subba Row, outro discípulo avançado, não tem a mesma sorte que Damodar. Caindo no círculo magnético da desorientação, ele perde o bom senso e morre pouco depois.
 
* Charles Leadbeater, que havia sido aceito como discípulo em provação, falha no teste. Mais tarde, quando é organizada na Inglaterra a Escola Esotérica, Leadbeater não é admitido nela por H.P.B. Este dado é, aliás, decisivo para demonstrar que Leadbeater fracassou como discípulo. Ao invés de estar na Escola Esotérica, ele passou a fazer parte de um grupo rival em Londres, liderado por Alfred Sinnett, que já caíra no mundo da falsa clarividência.
 
* A vasta maioria dos teosofistas situados em Adyar perde o foco, enquanto HPB retoma com força o seu trabalho a partir de 1887, desde Londres. 
 
Quem estuda os documentos da época, fartamente publicados hoje, vê, portanto, que a traição à fundadora do movimento começou sete anos antes da morte dela, e “floresceu” mais livremente sob a liderança de Annie Besant depois que HPB abandonou a vida física em 1891. 
 
As pessoas estavam despreparadas para a busca da sabedoria. 
 
A ponte entre os mestres espirituais do Oriente e a civilização ocidental fracassava, com algumas exceções. Abriam-se as portas para as grandes guerras mundiais. Estavam dadas as bases da decadência moral e da falta de bom senso que reinariam no século 20 e nas primeiras décadas do século 21. 
 
Em uma carta de 1885 a Alfred Sinnett, quando Sinnett ainda não havia se voltado contra ela, H.P.B. descreve o modo como os teosofistas de Adyar se recusam sistematicamente a defendê-la, ou a defender a verdade, e desabafa:
 
“Por que os meus melhores amigos permitem que eu seja tão caluniada?” [1]
 
Na mesma carta, duas páginas mais adiante, ela acrescenta com a franqueza de quem nasceu sob o signo de Leão e confia na luz do Sol e da verdade:  
 
“Enquanto meus inimigos me reduzem a pedaços, o pessoal de Adyar brinca de ‘esconde-esconde’ - eles fingem que estão mortos - ah! Os pobres miseráveis covardes! (....) Eu digo a você, eu sofro mais com estes traidores teosóficos do  que com os Coulomb, os Patterson, ou mesmo a S.P.P.”. [2]
 
Talvez ela estivesse advertindo Sinnett sobre o perigo de ele seguir o mesmo rumo. Felizmente, ele jamais a atacou no plano pessoal. Perdeu o foco, mas não foi um traidor no sentido frontal do termo.     
 
Em 16 de junho de 1885, Blavatsky escreveu em uma carta a Francesca Arundale:
 
“E, ah, querida, quantos traidores e Judas de todas as cores e tonalidades nós temos no próprio coração da Sociedade. A ambição é um conselheiro terrível!” [3]
 
HPB devia saber o que estava dizendo, ao usar esta linguagem enfática. Ela passou por uma crucificação moral e emocional em vida.
 
Um século depois, em 1986, a Sociedade de Pesquisas Psíquicas (S.P.P.), que a acusara de fraude, finalmente admitiu os fatos, ainda que indiretamente. HPB era honesta e inocente: a fraude estava apenas nas acusações da própria S.P.P. contra ela.
 
Na primeira metade do século 21, um pequeno número de teosofistas compreende o caráter absolutamente central da ética e da honestidade como bases de todo conhecimento teosófico ou filosófico. É razoável esperar que este número cresça, abrindo espaço para um melhor contato com as verdadeiras fontes de conhecimento e inspiração.

Algumas Palavras Sobre Olcott
 
Cabe registrar ainda a atitude adotada pelo presidente-fundador da Sociedade Teosófica, Henry Olcott, diante destes desafios todos. E a atitude dele não foi brilhante. Diante da campanha antiteosófica, o presidente foi guiado pelo medo, deixando de lado a verdade e abandonando a ideia de ser leal.  
 
Referindo-se Olcott, o Mestre disse a Blavatsky:
 
* “…Ele demonstrou fraqueza moral, tanto quanto fraqueza física...”.
 
* “…A Sociedade libertou-se do nosso controle e influência e a deixamos ir - não fazemos  escravos à força. Ele disse que a salvou? Ele salvou seu corpo, mas permitiu, por puro medo, que sua alma escapasse, e ela é agora um cadáver sem alma, uma máquina que ainda funciona bastante bem, mas que se despedaçará quando ele se for.” [4]
 
As palavras foram anotadas por HPB e graças a C. Jinarajadasa hoje fazem parte das Cartas dos Mestres. No futuro provavelmente será dada a elas a sua devida importância. 

Comentando o fato de que Olcott abriu as portas do movimento teosófico para os inimigos da verdade, Blavatsky declarou em 1885:
 
“Antes ou depois de morrer, nunca perdoarei o coronel Olcott…”. [5]

NOTAS:
 
[1] “The Letters of H.P. Blavatsky to A. P. Sinnett”, Theosophical University Press, Pasadena, California, 1973, 404 pp., ver Carta XLVI, p. 112.

[2] “The Letters of H.P. Blavatsky to A. P. Sinnett”, volume citado, Carta XLVI, p. 114. Veja também o artigo “Por Que Não Volto à Índia”, de HPB.
 
[3] “The Letters of H. P. Blavatsky to A. P. Sinnett”, volume citado, Carta XLII, p. 95. A ambição subconsciente está entre os fatores que estimulam os covardes a não apoiarem os líderes, quando os líderes são injustamente atacados. Há nisso também um elemento de ingratidão.

[4] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, compiladas e editadas por C. Jinarajadasa, Ed. Teosófica, Brasília, 295 pp., 1996, ver p. 107 (primeiro trecho) e p. 108 (segundo trecho). Toda a carta 47 da primeira série (pp. 107-109) descreve o fracasso de Henry Olcott, mais tarde levado às suas últimas consequências por sua sucessora Annie Besant.  

[5] “Collected Writings”, H. P. Blavatsky, TPH, EUA, volume VI, p. 326.
 
000
 
O artigo “HPB e os Pobres Covardes em Adyar” está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 24 de maio de 2023.
 
Uma versão inicial do texto foi publicada anonimamente no número 01 de “O Teosofista”, em junho de 2007. Título original: “‘Pobres Covardes em Adyar’: a Traição a H.P. Blavatsky Começa nos Anos 1880”.
 
000
 
Leia mais:

 
* Por Que Não Volto à Índia.
 
* A Fraude da Escola Esotérica.
 
* Blavatsky é Best-Seller em Adyar.
 
* Krishnamurti e as Ilusões Besantianas
 
* Os Estudantes de Blavatsky na Sociedade de Adyar.
 
000
 
Para ler mais sobre a mal-disfarçada traição contra HPB e o trabalho dos Mahatmas, clique para ver,  em inglês, o livro de Alice Cleather intitulado “H.P. Blavatsky: A Great Betrayal”.
 
000

Sobre o papel do movimento esotérico no despertar ético da humanidade durante o século 21, veja o livro “The Fire and Light of Theosophical Literature”, de Carlos Cardoso Aveline.  
  
 
Publicado em 2013 por The Aquarian Theosophist, o volume tem 255 páginas. Contato: Indelodge@gmail.com.
 
000
 

21 de maio de 2023

Como Economizar Tempo

 
Construindo o Hábito de
a Cada Dia Ganhar Minutos
 
 O. S. Marden
  
O.S. Marden (1848-1924) e a capa de “Esforço e Proveito”
 
 
 
0000000000000000000000000000000000
 
No artigo a seguir, onde se vê “jovem”,
leia-se “ser humano de qualquer idade”.
 
(CCA)
 
000000000000000000000000000000000000
 
 
 
“Para aproveitar bem o tempo, é necessário
trabalhar com método e ter sempre um livro
à mão. Muitos desperdiçam o tempo, porque
quando se desocupam durante quinze minutos, não
têm nada em que empregar aquele quarto de hora.”
 
(Hamilton Wright Mabie)
 
 
 
Diz Walter H. Cottingham:
 
“Quem resolver o problema de aproveitar o tempo todo, o mais possível, encontra o modo de obter de si mesmo o máximo proveito.”
 
Isso é particularmente verdade acerca dos momentos a que não se liga importância e que se gastam em ‘fazer horas’, quando muito bem poderiam ser minutos ganhos.
 
Uma das principais provas do valor de um jovem é o uso que faz dos seus momentos de ócio.
 
Que significam para vós os momentos em que nada tendes que fazer? A estima que lhes dispensardes e o emprego que lhe derdes serão indício do uso que fareis da vossa vida.
 
Não há indício mais seguro de uma alma temperada para a vida do que o desejo de perfeição, a ânsia de mais largos conhecimentos, o vivo desejo de se adiantar.
 
Quando vejo um jovem faminto de saber, sequioso de caminhar, fazendo sempre o possível por se aperfeiçoar e adquirir conhecimento de quantas fontes encontra no seu caminho, fico certo de que um futuro brilhante o espera.
 
Mas, quando, pelo contrário, noto um jovem descuidado ou indiferente, que tanto lhe faz aprender como ignorar, que em nenhuma conta tem os seus momentos de ócio e que não mostra desejos de aperfeiçoamento, concluo que não chegará a ser homem de proveito, porque nada se esforça por chegar a sê-lo.
 
Muitos jovens incorrem no erro de pensar que, para seu adiantamento, lhes basta o trabalho usual de cada dia; contudo, no que diz respeito ao aperfeiçoamento individual, as nossas horas de ócio são ainda mais valiosas do que o trabalho cotidiano, porque, como diz Jeremy Taylor:
 
“O que semeamos nos momentos desocupados durante alguns anos, colhemo-lo depois em frutos mais valiosos que cetros e coroas.”
 
Cada Minuto é Importante
 
No decorrer do tempo, não há hora nem minuto insignificante. Todos são preciosos como a própria vida, e as ideias de muitas pessoas talham-se, bem ou mal, nos seus momentos de ócio.
 
A diferença entre aproveitar ou desperdiçar os momentos desocupados constitui também, para muitos jovens [e velhos], a diferença de serem alguém, ou nada serem nesta vida.
 
Alguns minutos empregados diariamente na leitura e no estudo converteram em doutos os ignorantes, em prudentes e disciplinados os frívolos e tresloucados, em ativos e progressivos os indiferentes e os apáticos.
 
O emprego útil do tempo que nos sobra mudou em êxitos os fracassos, em notabilidades as mediocridades, em vigorosos os débeis, em robustos os enfermiços, em homens úteis os que estavam prestes a perder-se totalmente.
 
O Bom Hábito Começa em Pequena Escala
 
Ouvimos dizer a muitos que as ocupações habituais da sua profissão não lhes deixam tempo livre que possam empregar noutra coisa; mas isso é tão falho de razão como se dissessem que de nada serve colocar dinheiro em um banco porque [o ganho mensal] pouco basta para satisfazer as necessidades de cada dia.
 
Quem não começar por poupar o pouco, como há de guardar o muito?
 
O hábito de gastar tanto quanto se ganha perdurará, por muito aumentados que os ganhos sejam, pois, como regra geral, quem não sabe economizar com pouco, também não saberá limitar-se com muito.
 
Da mesma forma, quem não começar pelo aproveitamento das horas livres, não terá o hábito do aperfeiçoamento individual, nem fará melhor uso de um tempo livre mais dilatado, quando o tiver, do que o faz dos momentos insensatamente desperdiçados.
 
Além do plano ordenado de trabalho e estudo, há mil meios de tirar proveito do esforço despendido nas horas vagas.
 
Podemos empregá-las em rever o nosso trabalho, em traçar novos planos, em fazer uma avaliação das nossas condições pessoais e das nossas forças, em examinar o nosso procedimento, para ver onde resvalamos, tropeçamos e caímos, e para corrigir os nossos erros.
 
Também podemos aproveitá-los em nos firmarmos nos nossos ideais, em dar novo estímulo aos nossos legítimos anseios, de modo que não se enfraqueçam, e em renovar a resolução de dar eficiência à nossa vida e de levar a cabo algum ato meritório.
 
O Uso do Tempo Revela o Caráter
 
Não devemos perder tempo, pelo fato de o nosso trabalho normal se interromper alguns minutos. Podemos sempre desviar a nossa atenção para algum assunto com que aproveitemos vantajosamente o tempo, façamos o que fizermos e estejamos onde estivermos; pois que, embora em tão breve lapso não seja possível nem talvez conveniente começar outro trabalho material, podemos sempre conversar com nós mesmos em íntimo colóquio, para nos estimularmos a maiores esforços.
 
Efetivamente, podemos aproveitar os momentos que outros perdem e transformá-los em elementos de suma utilidade na nossa vida.
 
A nossa mente é o nosso reino, que podemos converter em reino de inspiração, mediante as possibilidades do verdadeiro pensar nos momentos forçados de ócio, visionando e afirmando os nossos desejos, nossas esperanças, anelos e aspirações, de modo que mantenhamos o pensamento do êxito a respeito do nosso futuro.
 
Os momentos livres são reveladores certeiros de caráter, porque então não estamos obrigados às tarefas forçadas da nossa profissão formal, e podemos dar rédea solta às nossas inclinações, gostos e preferências, para atingirmos os fins que nos propusemos e fazermos o que melhor nos agrade.
 
Durante o trabalho diário, sobretudo se trabalhamos por conta alheia, vemo-nos de certo modo limitados e compelidos, porque formamos parte de um sistema complexo de trabalho no qual a personalidade é relegada para um pano inferior, de maneira que mal se revelam as preferências, gostos e desejos próprios de cada um, mas, quando há liberdade de fazer o que nos agrada, então a personalidade autêntica manifesta-se sem máscara nem disfarce.
 
Neste fenômeno psicológico se fundam os modernos sistemas de educação, que, contrariamente aos funestíssimos do antigo regime escolar, concedem ao educando a necessária liberdade para que espontaneamente manifeste as qualidades do seu caráter e, portanto, as suas aptidões naturais.
 
O Poder da Perseverança
 
Nas biografias dos personagens célebres, encontram-se vários casos de alguns que, para a sua autoeducação, para se fazerem homens, aproveitaram todos os momentos que as suas obrigações cotidianas lhes deixavam livres.
 
Muito deve a civilização mundial aos que, nascidos na pobreza e em posição social de inferioridade, criaram a sua riqueza, nos momentos livres, e se sobrepuseram ao seu ambiente, vencendo os obstáculos que os impediam de prosseguirem o seu caminho.
 
Dizia o falecido Hoar, senador pelo Estado norte-americano de Massachusetts:
 
“Nos meus bons tempos, conheci e tratei com muitos homens notáveis no meio militar, na política, na ciência, na arte e na indústria. Se me perguntassem qual foi o segredo do seu êxito, não o atribuiria, em geral, à superioridade dos seus talentos, mas ao uso que, na sua juventude, depois de cumpridas as obrigações de cada dia, fizeram dos momentos que outros desperdiçavam em frivolidades e passatempos.”
 
Há, sem dúvida, homens completamente obtusos, e outros de talento raro e brilhante; mas alguns dos primeiros chegaram a suplantar muitos dos segundos, porque, com esforço perseverante, acabaram por mobilizar as suas forças intelectuais de reserva.
 
O Tempo Vale Tanto Como a Vida
 
O relógio, cada vez que dá horas, lembra-nos que a vida vai passando e que deixamos parte dela para atrás de nós, fora do nosso alcance.
 
Em cada tique-taque, o relógio diz-nos que já passou à eternidade outro segundo da nossa vida e que, se não o aproveitamos, impossível nos será recuperá-lo.
 
Cada momento, cada hora, cada dia perdidos, serão, no futuro, testemunhas contra nós e acusar-nos-ão de termos desperdiçado o tempo que vale tanto como a vida, porque o tempo é a vida e a vida é o tempo.
 
A maioria das pessoas poderiam aproveitar melhor o tempo, se melhor o distribuíssem durante o dia.
 
Em geral, dorme-se demasiado, e é muito frequente o mau costume de permanecermos acordados no leito, enquanto não bate a hora em que as nossas obrigações cotidianas nos obrigam a deixar os lençóis.
 
Muito mais aproveitam sete horas de sono tranquilo e profundo do que nove revolvendo-nos na cama.
 
Pensemos no que significa subtrair uma hora diária à preguiça para a darmos ao trabalho.
 
Ouvimos, amiúde, dizerem certas pessoas que não têm tempo para ler nem estudar, porque as suas ocupações profissionais lho absorvem por completo.
 
Dão-se ares de quem sofre muito com isso, e, no entanto, não se resolvem a sacudir a apatia mental que as domina.
 
O certo é que, se tivessem o dobro do tempo livre, nem assim encontrariam um curto momento para o dedicar ao aperfeiçoamento do seu espírito.
 
Quem tem um vivo interesse por alguma coisa sempre consegue tempo para se ocupar dela, porque cada um tem tempo para aquilo que o seu coração ama deveras.
 
Convém formar uma ideia do que, ao fim de um ano, é possível fazer, com pouco esforço e muito proveito, durante quinze minutos tirados à ociosidade ou à negligência, nas 24 horas de cada dia.
 
Elliot, que foi reitor da Universidade de Harvard, dizia que quinze minutos empregados diariamente em leituras instrutivas a proveitosas, escolhidas com acerto, podiam ampliar a mentalidade de um jovem aplicado, até ao ponto de suprimir os cursos acadêmicos e de os converter, no fim de quatro anos, em homem de vasta cultura.
 
Pois, se tão proveitosos podem ser quinze minutos diários, quanto mais proveitosa não poderá ser uma hora dedicada ao estudo, em cada dia da nossa vida?
 
O Valor dos Grãos de Areia no  Relógio de Cada Dia  
 
Alguns, que por serem pobres julgam que não terão sorte, assombrar-se-iam se conhecessem as riquezas que entesoura uma mente cultivada, o que vale um talento prudentemente exercitado durante os minutos ganhos ao aborrecimento do ócio.
 
Poucos reparam no tempo de que realmente podem dispor para cuidarem do seu melhoramento.
 
Os que dizem que não lhes sobra o tempo para lerem livros ou revistas, nem para de modo algum se aperfeiçoarem, não sabem o que é aproveitar o tempo.
 
Não reparam no que desperdiçam em pensamentos vãos, distrações vagas, esperas inúteis, devaneios fúteis e conversações néscias.
 
Pensai no que um Lincoln teria feito com os minutos que diariamente se desperdiçam - ou, ainda pior, que são gastos de modo nocivo, porque o tempo malbaratado serve apenas para desmoralizar o homem.
 
O hábito do melhoramento individual decuplicará os recursos dos jovens que o adotem, porque o certo é que a maioria desses jovens ainda não viu o formidável poder concentrado no conhecimento nem as infinitas possibilidades que emanam desse poder acumulado, roubando ao ócio, à distração e a coisas piores os quinze minutos que se podem empregar no aumento da faculdade mental.
 
Quando os jovens me vêm pedir conselho sobre o modo de procederem o melhor possível, sempre lhes pergunto que valor dão ao tempo.
 
Se vejo que esses jovens se dedicam ao aproveitamento de todos os grãos de areia que vão passando pelo relógio da sua vida, fico certo de que possuem outras excelentes qualidades, prometedoras de êxito, porque estas qualidades andam sempre aliadas à do aproveitamento do tempo, e nunca existem no caráter frívolo e ocioso.
 
Se o jovem [ou o velho] que se lamenta da sua sorte, que se queixa da falta de oportunidade e declara que não tem tempo para cultivar a sua inteligência e, por conseguinte, para melhorar a sua situação, fizesse a conta dos minutos que perde cada dia em coisas frívolas, convencer-se-ia de que se os aproveitasse, dar-lhe-iam tempo de sobra para realizar sem esforço fatigante aquilo a que resolutamente se dedicasse.
 
Usando Cada Minuto Livre
 
Quem deseja veementemente uma coisa, sempre encontra os meios e o tempo de que precisa para a fazer.
 
Se resolvermos aproveitar todo o tempo que se perde, a nossa cultura ganhará com isso.
 
James T. Howe guiava uma diligência que fazia serviço entre a estação de Chicago e a povoação de Gabsburg, no estado de Illinois, e nos intervalos das viagens que lhe ocupavam quatro horas diárias e oito em dias alternados, estudou advocacia, com grande aproveitamento; e, uma vez doutorado, a sua autoridade gozou de alto prestígio em tudo o que dizia respeito à organização ferroviária, e interveio eficazmente na vida política do Estado.
 
Robert H. Hibberd desempenhou, durante sete anos, o cargo de agente de polícia, e, enquanto estava de serviço rondando na sua área, conciliava os seus deveres de vigilância com o estudo da advocacia, desencadernando os livros de texto para levar no bolso, comodamente, as necessárias folhas de leitura. E conseguiu ser advogado aos vinte e oito anos de idade, sem que, por um momento sequer, tivesse faltado ao seu dever, enquanto desempenhou o cargo de polícia.
 
Em Portugal, há médicos, advogados, farmacêuticos de grande renome, que se formaram aproveitando os momentos livres das ocupações por meio das quais conquistavam o pão de cada dia.
 
Concentrando o Foco nos Grandes Temas
 
O grande polemista e polígrafo francês Léon Daudet, filho do famoso autor da “Sapho”, contou na “Action Française” que o condutor de um táxi, que costumava permanecer nas imediações da Câmara dos Deputados, em vez de perder o tempo em conversações inúteis ou em maledicências com seus companheiros de ofício, lia, nas horas vagas, uma tradução francesa da “História de Roma” de Mommsen, e, como conhecia de vista o popular paladino da restauração monárquica em França, animou-se a perguntar-lhe uma vez alguma coisa referente às opiniões sustentadas pelo fogoso escritor na novela histórica intitulada “Sylla e o seu Destino”.
 
Léon Daudet conversou agradavelmente, por muito tempo, com o motorista do táxi acerca da guerra social dos romanos, das rivalidades de Mário e Sylla e da missão que este desempenhou durante a sua ditadura perpétua.
 
A verdade é que a França ama e fomenta a cultura clássica, que, digam o que disserem os seus detratores, é a que melhor serve para a evolução do espírito.
 
Não são só os homens de carreira que aproveitam as horas vagas em leituras verdadeiramente dignas do esforço despendido, pelo seu proveito positivo. Essas horas são também aproveitadas por industriais, comerciantes, empregados, revisores, maquinistas, barbeiros, condutores de automóveis, etc.
 
Assim se compreende que livros tão pouco amenos como os tratados de filosofia de Maritain, os ensaios críticos de Massis, os religiosos de Couchaud e outros semelhantes se vendam lá em quantidades muito superiores às que, noutros países, alcançam os mais populares novelistas. É muito proveitoso trazer sempre conosco a edição portátil de um bom livro, para aproveitarmos o tempo enquanto esperamos a chegada ou partida de um comboio ou trem, ou nos demoramos no gabinete do médico, do dentista, ou ainda quando aguardamos a presença de alguém com quem marcamos alguma conversa.
 
Quem contrair este hábito admirar-se-á de ver quantas possibilidades de adiantamento ele lhe proporciona.
 
O Tesouro Moral Oculto Que Podemos Descobrir
 
Em todas as nações cultas há exemplos de homens que aproveitaram as horas vagas para estudar livremente uma carreira, apesar de terem ocupadas dez, doze e até catorze horas diárias no seu trabalho habitual.
 
Se os milhares de jovens que se consomem sem esperança nem desejo de adiantamento em posições subalternas e em empregos pagos mesquinhamente ou de índole contrária às suas naturais aptidões, em vez de gastarem mal o tempo, seguissem o exemplo daqueles homens insignes que, apesar do atraso da sua época acerca dos meios e ocasiões de educação, aproveitaram para aumentar a sua cultura todos os momentos livres de que podiam dispor, muito outro seria o seu futuro, e poderiam vir a desempenhar cargos de confiança e responsabilidade.
 
Se o tempo que perdem a lamentar-se da sua má sorte e do mau salário que obtêm, o empregassem na aquisição de conhecimentos de utilidade na vida prática, ninguém os impediria de melhorarem de situação.
 
William Chambers, famoso filantropo e literato escocês, proprietário do “Chamber’s Journal” e autor da obra intitulada “História de França e suas revoluções”, em uma reunião de jovens, realizada em Edimburgo, exprimiu-se nos seguintes termos:
 
“Apenas recebi a instrução deficientíssima que, quando criança, se dava nas pobres escolas rurais da Escócia; mas, quando vim para Edimburgo, pobre e desvalido, dediquei a parte da noite, mal terminado o meu trabalho diário, ao cultivo da inteligência que Deus me dera.”
 
“Das sete da manhã às nove da noite estava sujeito ao meu trabalho de aprendiz numa livraria; mas roubava horas ao sono para estudar. Asseguro-vos que não lia novelas, porque a minha atenção concentrava-se em conhecimentos úteis e no estudo de línguas, chegando a aprender o francês sem mestre.”
 
“Recordo aqueles tempos com imenso prazer, e não me cansaria, se tivesse de afrontar novamente as mesmas contrariedades ou de vencer os mesmos obstáculos.”
 
“Era mais feliz quando, sem um centavo ou cêntimo no bolso, estudava, na minha água-furtada de Edimburgo, do que presentemente, rodeado dos confortos e elegâncias de um salão luxuoso.”
 
O jovem que verdadeiramente aspire a melhorar de situação e seja sincero consigo mesmo, mas que não aproveite, para se aperfeiçoar, os momentos que o seu trabalho profissional lhe deixa livres, não poderá deixar de se envergonhar ao ler o que, em minutos conquistados ao ócio, fizeram os homens que a si próprios se formaram e, por seu esforço pessoal, ascenderam da pobreza à riqueza, da ignorância à cultura e da obscuridade à fama.
 
Despertai, ó jovens, e vede com olhos bem abertos a riqueza moral, intelectual e material, escondida nas vossas horas vagas.
 
O espírito cultivado e o caráter disciplinado são os degraus por onde sobem a uma situação superior os que estão num plano de inferioridade.
 
Todo jovem desejoso de progredir pode adquirir aquelas duas qualidades, nos seus minutos de lazer.
 
A hora roubada ao descanso, ao sono ou ao recreio, e ocupada no estudo, é como semente que no futuro dá o fruto da realização de um bom propósito.
 
000
 
Nota Editorial
 
O artigo “Como Economizar Tempo” foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia 21 de maio de 2023.
 
O texto reproduz a maior parte das páginas da parte inicial do capítulo II, intitulado “Minutos Ganhos”, da obra Esforço e Proveito”, de O.S. Marden, Livraria Figueirinhas, Porto, Portugal, edição sem data mas possivelmente da década de 1950, 254 páginas. Ver pp. 27-44.
 
Dois trechos que estão entre as páginas 27 e 44 foram deixados de fora desta transcrição, por não terem interesse filosófico. O primeiro vai da linha 5 da página 32 até a penúltima linha da página 33.O segundo trecho que não transcrevemos vai da linha antepenúltima da página 34 até a linha três da página 36.
 
A ortografia foi atualizada. Algumas poucas frases com problemas flagrantes de construção foram corrigidas. Certas palavras caídas em completo desuso foram substituídas por sinônimos usados no século 21.
 
(CCA)  
 
000
 
Leia mais:
 
* Aos Que Não Têm Tempo.  
 
* Outros Escritos de O. S. Marden.

000