30 de junho de 2025

O Riso Como uma Arma do Sábio

 
O Humor nos Coloca Frente a Frente
Com Formas Inesperadas de Verdade
  
Carlos Cardoso Aveline
 



Quando usadas com intenção sincera, a irreverência e a frase cortante são úteis como ferramentas para romper o raciocínio linear repetitivo. Empregadas no momento certo, elas destroem a acumulação das opiniões costumeiras e abrem espaço para percepções que vão além da letra morta superficial.

Se for usado para destruir, o riso pode tornar a maldade mais eficiente a curto prazo, mas amaldiçoa fortemente aquele que o usa como instrumento para desprezar alguém. A “hiena” que costuma rir de modo maldoso está condenada a uma longa estadia no inferno do seu próprio mau carma.        

Usado como instrumento da boa vontade, porém, o riso, o sorriso e a ironia são libertadores. Eles nos permitem abrir mão dos erros nossos e alheios. Rasgando ilusões, eles apontam para o caminho correto a seguir a partir de agora. 

O exagero deliberado, a ironia e a linguagem forte fazem parte há longas eras do processo de transmissão da sabedoria. O motivo é simples: eles rompem a rotina mental. Eles ultrapassam a cortina das palavras previsíveis e nos colocam frente a frente com formas inesperadas de verdade.  

Vejamos um exemplo de ironia e exagero intencional usados pelo Jesus do Novo Testamento. Falando sobre a necessidade de ter uma visão clara para poder enxergar a verdade, o Mestre judeu do cristianismo disse na antiga Israel algo que se aplica aos cidadãos do século 21:

“Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão, mas não se dá conta da viga que está no seu próprio olho? Como você pode dizer ao seu irmão: ‘Deixe‑me tirar o cisco do seu olho’, quando há uma viga no seu? Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho e, então, você verá com clareza para tirar o cisco do olho do seu irmão.” (Mateus, 7: 3-5.)

Na idade moderna, a percepção instantânea da realidade ganha cada vez mais força. O humor e a irreverência estão entre as armas preferidas de todos, mas a ironia não nasceu ontem. Vários séculos antes de Jesus, o sarcasmo era um recurso popular na Grécia.   

Um Discípulo Radical de Sócrates

Antístenes, o filósofo ateniense dos séculos 4 e 5 a.C., é um dos primeiros exemplos de sábio irreverente. Ele ia direto ao assunto. Em certa ocasião, Antístenes foi iniciado nos mistérios órficos da Grécia. Tendo passado exitosamente por todos os testes e provações, ao final da cerimônia de iniciação os sacerdotes começaram a descrever-lhe os enormes privilégios que os iniciados tinham no período de vida após a morte.

Escutando a detalhada descrição das maravilhas que o aguardavam no além, Antístenes perguntou secamente aos seus companheiros:

“Se todas essas glórias e delícias esperam por vocês depois da morte, por que vocês não dão um jeito de abandonar imediatamente este nosso mundo?”

Discípulo radical de Sócrates, Antístenes foi um crítico ácido de todos ao seu redor, e sabia o que é enfrentar dificuldades sozinho. Ele pensava de modo diferente de Platão, que preferia conviver em harmonia com os poderosos da época. Um dia perguntaram-lhe “afinal o que ele ganhava” com sua dedicação à filosofia:

“Bem, esta atividade me permite ter longas conversas comigo mesmo”, respondeu com um sorriso.

Fundador da escola dos cínicos e fonte de inspiração, mais tarde, da corrente do estoicismo, Antístenes tinha a austeridade radical como base da sua busca pela verdade eterna, e também da sua crítica ao poder vigente. Era inimigo do conforto pessoal. Pensava que o apego à comodidade é incompatível com a sabedoria. “Desejo que os meus inimigos tenham uma vida cheia de delícias e confortos físicos”, dizia. Perguntado sobre que posses e objetos materiais um filósofo deveria ter, respondeu:

“Só aquilo que, em caso de naufrágio, ele possa levar com segurança enquanto nada até a praia mais próxima.”

Segundo Antístenes, devemos dar plena atenção ao que dizem os nossos inimigos, “porque eles são os primeiros a notar nossos defeitos”.

Por outro lado, “a virtude é uma arma que ninguém pode tirar de nós”.

Ele não buscava a popularidade. Quando lhe disseram que estava sendo muito elogiado, perguntou-se com ar de preocupação:

“O que será que eu fiz de errado?”

Para ele, ao contrário de alguns líderes políticos atuais, era melhor conviver com urubus do que com bajuladores, “porque os urubus só devoram os mortos, mas os bajuladores devoram e destroem os vivos”.

Perguntaram-lhe:

“Qual é a maior felicidade para um ser humano?”

Respondeu:

“Morrer feliz.”

E quiseram saber:

“O que é mais importante que se consiga durante a vida?”

“Desaprender toda maldade”. [1]

O Mais Famoso dos Cínicos

Outra figura irreverente da sabedoria grega é Diógenes, o mais famoso dos cínicos. Ele morava em um barril, nas ruas. Certa vez foi visto caminhando para lá e para cá no meio do povo com um lampião aceso em pleno dia. Para cada um que lhe perguntava o que fazia, a resposta era a mesma:

“Estou procurando um homem honesto.”

Diógenes definia a si mesmo como um cão. Morava nas ruas como mendigo, e fazia suas necessidades fisiológicas ao ar livre, com naturalidade. Dizia: “Como um cachorro, eu faço festas para quem me dá algo, lato para quem nada me dá e mordo os maus sempre que possível.” Certo dia, segundo a tradição, Alexandre, o Grande resolveu fazer uma brincadeira e mandou para Diógenes um prato cheio de ossos, com o recado: “Esta é a comida adequada para um cachorro.” O velho filósofo mandou os ossos de volta com o seguinte bilhete: “Pode ser que os seus ossos sejam bons para um cachorro, mas não é adequado que um rei faça um presente como este.” E o povo aprovou a atitude de Diógenes.

Alexandre quis, então, manifestar pessoalmente sua simpatia pelo filósofo das ruas. Caminhou até o famoso barril em que morava Diógenes, parou de pé diante do sábio, que estava sentado ao sol, e perguntou:

“Há alguma coisa que eu possa fazer por você?”

"Sim”, respondeu o filósofo. “O dia está frio, e você está parado na frente do Sol. Dê um passo para o lado.”

Diógenes não esperava nada dos poderosos, nem fazia concessões a eles. Como Antístenes, pensava que a sabedoria dependia de fatos, e não de discursos. Aprendia filosofia com os animais, o vento e a chuva. Buscando ter a vida mais natural possível, ficou feliz ao descobrir que era capaz de beber água na concha das mãos, e colocou fora o pote que até então usara para isso. Mas Diógenes estava longe de agradar a todos. Certo dia, um homem careca parou diante dele, na rua, e disse-lhe grande quantidade de palavras duras e desaforos. O velho filósofo ouviu tudo em silêncio e depois disse, calmamente:

“Não vou responder a suas críticas, mas quero dar os parabéns aos seus cabelos por terem decidido abandonar uma cabeça tão inútil.”

O sábio tinha compaixão por todos os que sofriam. Quando um homem já moribundo queixou-se de que iria morrer em um lugar muito distante da sua cidade natal, Diógenes disse-lhe palavras amáveis, tranquilizando-o:

“Fique em paz, meu amigo. Não há problema. No outro mundo, a vida é igual em qualquer cidade.”

Diógenes nunca foi um modelo de diplomacia, e tinha o costume de cuspir repetidamente. Um dia, um dos homens mais ricos da cidade convidou-o para sua casa. Era uma verdadeira mansão, com todo o luxo que Diógenes detestava, e o anfitrião teve o cuidado de avisar: “Você está proibido de cuspir no chão da minha casa.”

Diógenes pareceu aceitar a regra do jogo, e ouviu durante cerca de uma hora longos discursos do anfitrião, cuja vida estava distante do ideal filosófico. Em determinado momento, Diógenes limpou bem a garganta e lançou uma ampla escarrada diretamente na cara do anfitrião.

Em seguida, explicou:

“Não havia nenhum lugar mais imundo do que este para que eu pudesse cuspir.” E foi embora.

A Figura Lendária de Nasrudin

Na tradição dos sufismos persa e árabe, a figura lendária do instrutor Nasrudin, famoso por sua irreverência, lembra de certo modo as atitudes súbitas, surpreendentes e radicais de alguns mestres zen. Lembro de um episódio que me fez refletir longamente sobre a lentidão da justiça humana.

Nasrudin caminhava pelas ruas, distraído, quando um homem veio até ele e deu-lhe diretamente no rosto uma tremenda bofetada. [2]

Nasrudin olhou, estupefato, para o agressor. Mas ao olhar para Nasrudin, o homem percebeu imediatamente que havia batido na pessoa errada e começou a pedir desculpas. Nasrudin não quis saber de explicações, e levou o homem ao juiz mais próximo. Horas depois, o caso estava julgado. O agressor fora condenado a dar a Nasrudin, como indenização, uma moeda de ouro. O réu, porém, explicou que não carregava dinheiro consigo e precisava ir até sua casa buscar a moeda. O juiz acatou a explicação e Nasrudin pôs-se a esperar. Um longo tempo passou em vão. Até que, finalmente, a luz clara de uma decisão irreversível surgiu na consciência de Nasrudin. Ele ergueu-se, caminhou até o juiz e deu-lhe uma bofetada no rosto, com toda a força. Em seguida, disse, respeitosamente:

“Sr. juiz, fique você mesmo com a moeda de ouro que meu agressor foi buscar. Agora tenho um compromisso inadiável.” E retirou-se, em paz com sua própria consciência.

Outro episódio da vida de Nasrudin, porém, mostra a necessidade de fazer sacrifícios para combater com eficiência a corrupção na política. O sábio tinha uma boa notícia para transmitir ao rei. Embora por tradição qualquer súdito tivesse acesso à corte, só depois de muita dificuldade ele conseguiu falar com o soberano. O rei ficou extremamente contente com a notícia recebida, e perguntou, afinal, o que Nasrudin desejava ganhar como recompensa.[3]

“Cinquenta chicotadas”, foi a resposta. O rei ficou surpreso. Mesmo assim, chamou o homem do chicote e determinou que o desejo de Nasrudin fosse atendido. Os golpes começaram. Quando soou a 25ª chicotada, Nasrudin, ofegante, gritou:

“Pare! Agora, por favor, majestade, traga o meu sócio e dê a ele a outra metade da recompensa.”

“Como? Que sócio?”, perguntou o rei.

“Majestade”, explicou Nasrudin, “o seu chefe de gabinete sabe que eu sou um homem de palavra, e só marcou esta audiência depois que eu aceitei prometer solenemente que daria a ele a metade de qualquer recompensa que recebesse pela boa notícia trazida.”

Os Diálogos Absurdos do Zen

No budismo zen, os diálogos aparentemente absurdos são marca registrada de uma tradição que tem como compromisso transcender o mundo das palavras. Conta o monge Nyogen Senzaki:

“Algum tempo atrás, um monge japonês visitou meu mosteiro. ‘O que é o zen?’, perguntou-me. Coloquei um dedo sobre os lábios, e sussurrei: ‘Nós não falamos na sala de meditação.’ Mais tarde ele seguiu-me até a biblioteca, mas quando ia repetir a mesma pergunta coloquei novamente o dedo nos lábios e disse: ‘Aqui nós lemos livros em silêncio.’ Depois fui até a cozinha, acompanhado por ele. Antes que ele pudesse abrir a boca, eu disse: ‘Aqui nós cozinhamos sem uma palavra, e comemos sem falar.’ Ele olhou para mim, perguntou rapidamente: ‘O que é o zen?’, e foi embora sem olhar para trás.”[4]

A melhor resposta está sempre no mundo interior de quem formula a pergunta.

A figura do mestre pode inspirar e estimular a busca do aprendiz, mas cada um é o autor da sua própria caminhada. Por outro lado, o importante do aprendizado está nas perguntas, e não nas respostas. Nyogen sabia disso. E sabia também que é no silêncio que se encontra a sabedoria.

O humor e a irreverência estão entre os instrumentos do respeito pela vida. Diz Cyril Scott:

“É mais sábio alterar a nós próprios do que alterar as circunstâncias, porque frequentemente elas não podem ser alteradas, mas nós sim. No entanto, a melhor maneira de alterar a nós próprios é não nos levar demasiado a sério, porque as pessoas que se levam muito a sério quase sempre pensam que não necessitam de mudança alguma. O melhor meio de evitar isso é um bom senso de humor: a capacidade de rir da maior parte das coisas, inclusive de si mesmo. Infelizmente, há pessoas que riem de quase tudo, menos de si mesmas. Essas pessoas raramente conhecem a si mesmas e as suas fraquezas. Ser capaz de rir de si mesmo frequentemente é sinal de uma saudável modéstia.” [5]

Mas nem sempre o riso é um instrumento do bem e da sabedoria. A irreverência pode expressar amor ou ódio, tolerância ou preconceito, sentimentos de fraternidade ou de racismo, sabedoria ou ignorância.

Do ponto de vista psicológico, a piada pode expressar e libertar o lado saudável ou doentio das emoções humanas. Sigmund Freud escreveu um livro sobre as piadas e sua relação com o subconsciente. O riso é sempre um relaxamento de uma tensão e envolve pelo menos uma parte do subconsciente. Trata-se de um processo súbito. Nele a consciência dá um salto. Desse fato surgem a proximidade do humor e do riso com os processos ocultos da consciência, e a sua presença no zen, no sufismo e outras tradições de sabedoria.

O bom humor é basicamente inofensivo em relação a todos os seres. Ele tende a desmascarar as hipocrisias humanas de um modo que a verdade possa sair fortalecida. Busca instintivamente a justiça. Ele defende os mais fracos levando a consciência a transcender as limitações humanas.

Há um momento em que até mesmo o humorista profissional deixa de fazer piadas superficiais e passa a pensar a condição humana. Mark Twain e Bernard Shaw são exemplos disso. Júlio Verne escrevia com irreverência. No Brasil, Millôr Fernandes e Luís Fernando Veríssimo transcenderam em diversos momentos o humorismo superficial, retomando em parte a tradição dos cínicos para fazer a crítica dos poderosos e pensar a condição humana no que ela tem de transcendente. Estes versos de Veríssimo [6] ilustram o fato:

Nosso dilema continua sendo:
Só nos livramos da morte
livrando-nos do corpo.
E só nos livramos do corpo
morrendo.

Este pequeno poema coincide, na verdade, com um verso de uma famosa oração de São Francisco de Assis:

“É morrendo que se nasce para a vida eterna.”

É morrendo por dentro, morrendo para o egoísmo, que nos livramos das nossas limitações animais e transcendemos as limitações físicas.

Avaliando um Possível Casamento

Em seu livro sobre humor, Sigmund Freud analisa e discute inúmeras piadas. Uma delas, sem dúvida infeliz, envolve o amor no casamento.

Em uma comunidade judaica tradicional, o agente casamenteiro apresenta o nome de uma possível noiva ao homem que pretende casar-se, e em seguida passa a defender a candidata:

“Não gosto da sogra”, diz o rapaz. “É uma pessoa desagradável e estúpida.”

“Mas afinal você não vai casar com a sogra. Quem você quer é a filha dela.”

“Sim, mas ela não é jovem nem bonita.”

“Não importa. Por isso mesmo, será mais fiel a você.”

“Nem tem muito dinheiro.”

“Quem está discutindo sobre dinheiro? Você vai casar com o dinheiro? É uma esposa que você quer.”

“Sim, mas ela também tem uma corcunda enorme nas costas.”

“Bom, mas o que você quer mais? Será que ela não pode ter um só defeito?” [7]

Em uma visão superficial, esta história ridiculariza uma mulher. Olhando mais profundamente, vemos que ela mostra o aspecto grotesco do uso e do abuso de um ser humano como objeto sexual, sem que o amor ou o afeto sejam sequer mencionados entre os critérios para o casamento. Se a mulher fosse bonita, a diferença não seria grande. A escolha continuaria sendo malfeita, até porque a beleza física é passageira. A piada fala do hábito de tratar a mulher como coisa e retrata uma situação grotesca em que se olha um corpo humano como se fosse uma mercadoria destituída de alma.

Não tenho certeza de que já superamos esse tempo. Porém, sei que numa relação de amor profundo o corpo da mulher é visto como um templo habitado por uma alma imortal, e que então o prazer é maior, e é durável, porque inclui a paz de um coração que sabe amar de fato.

O humor pode, pois, tanto elevar como rebaixar, e é preciso discernimento para distinguir uma coisa da outra.

O verdadeiro bom humor tem relação profunda com a alegria pura e a felicidade incondicional em que navega o tempo todo a parte mais elevada da alma. Há um contentamento que não pode ser dado a nós por nada que não seja eterno. Tampouco pode ser retirado de nós, por maiores que sejam as dificuldades.

Quando atingimos a paz interior, este contentamento incondicional nasce de modo natural. Mas ele também pode ser alcançado através da prática do bom humor, da fraternidade, do bom senso e da boa vontade.   

“Embora o mundo não possa dar a ninguém esse contentamento”, escreveu Cyril Scott, “esse sentimento pode transformar o mundo”.

Se quisermos ter uma atitude emocional de raiva e indignação, não faltarão desculpas e “motivos externos concretos” para isso. Mas se estivermos aptos para sentirmo-nos contentes, tampouco faltarão motivos. Neste caso, os motivos devem ser buscados sobretudo em nosso próprio coração. Afinal, na busca da felicidade, talvez seja aconselhável ter a mesma determinação de Diógenes quando quis ser aluno de Antístenes.

O filósofo mais velho não admitia discípulos em hipótese alguma. Diógenes insistia. Um dia, Antístenes perdeu a paciência e ergueu o cajado para ameaçar Diógenes. O futuro aluno colocou decididamente a cabeça ao alcance do porrete, dizendo:

“Bata o quanto quiser. Não há uma madeira tão dura que me faça desistir de aprender.”

NOTAS:

[1] As fontes de referências aos filósofos gregos são: 1. “Vidas, Opiniones y sentencias de los Filósofos Más Ilustres, de Diógenes Laercio”, El Ateneo Editorial, Argentina, 1947, 733 páginas. Há uma edição brasileira, publicada pela UnB em Brasília.  2. “Wit and Wisdom of the Immortals”, de Manly P. Hall, The Philosophical Research Society, Califórnia, EUA, 1987, 63 páginas. 3. “A History of Cynicism”, de D. R. Dudley, Ares Publishers, Illinois, EUA, 1980, 224 páginas. 4. “História da Filosofia Antiga”, de Giovanni Reale, em 5 volumes, Ed. Loyola, São Paulo, 1994.

[2] “Classic Tales of Mulla Nasreddin”, recontados por Houman Farzad, Mazda Publishers, Califórnia, EUA. 1989, 85 pp.; ver p. 24.

[3] “The Pleasantries of the Incredible Mulla Nasrudin”, Idries Shah, 1983, The Octagon Press Ltd., Londres, UK, 169 pp.; ver. p. 60.

[4] “The Iron Flute, 100 Zen Koan”, editado por Nyogen Senzaki e Ruth Strout McCandless, Charles E. Tuttle Co., Japão, 1985, 175 pp.; ver p. 58.

[5] “The Greater Awareness”, Cyril Scott, Dutton & Co., Nova York, EUA, 1937, 243 pp.; ver pp. 162 a 167.

[6] Coluna de Luís Fernando Veríssimo em “O Estado de S. Paulo”, domingo, 25 de maio de 1997.

[7] “Os Chistes e Sua Relação com o Inconsciente”, Sigmund Freud, Imago Editora Ltda., RJ, segunda edição, 1996, 247 pp.; ver p. 66.

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O artigo “O Riso Como uma Arma do Sábio” foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas em 30 de junho de 2025. Uma versão inicial dele faz parte da edição de agosto de 1997 da revista “Planeta”, de São Paulo, onde está sob o título de “Lições de Humor e Sabedoria”: ver pp. 25 a 28.

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Leia ainda:




* Uma Lição de Roma Antiga (O Diálogo de Duas Moscas Enquanto o Imperador Chega à Capital).

* O Juiz e o Ovo (Conto de Malba Tahan).


* João de Deus, Louco, Santo, e Sábio (Como a Ruptura da Rotina Psicológica Pode Abrir as Portas Para a Vida Mística).

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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 

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28 de junho de 2025

Uma Lição de Roma Antiga

 
O Diálogo de Duas Moscas
Enquanto o Imperador Chega à Capital
  
Carlos Cardoso Aveline




De acordo com os Ioga Sutras de Patañjali, uma das qualidades positivas a desenvolver é Asteya, abstenção do roubo. A ideia é mais complicada do que parece, porque há formas subconscientes de furto.

Alguns setores do eu inferior, por exemplo, estão sempre dispostos a roubar o lugar do eu superior, isto é, da alma imortal.

Quantas vezes, apesar das suas enormes imperfeições, o eu inferior tenta atribuir a si mesmo as características da alma imortal e se considera infalível, digno de todo aplauso e sinceras homenagens?

Conta-se que certa vez, durante o império romano, o imperador chegava à cidade capital depois de uma grande vitória militar. Era de manhã e o dia estava ensolarado. De pé na sua quadriga - carro de guerra puxado por quatro cavalos - o imperador sorria e saudava com a mão o povo reunido para aplaudi-lo no momento de glória. Mas a quem pertencia a glória?

Um pedaço de esterco, produzido pelos cavalos, estava grudado à parte de fora do carro do imperador. Firmemente instaladas naquela substância orgânica, duas moscas conversavam com toda comodidade, enquanto desfrutavam do seu café da manhã e viviam o momento da chegada a Roma.

Apontando para a multidão que aplaudia, a mosca mais experiente disse à sua colega:

- Estás vendo como sou popular neste local?

E interrompeu a refeição, passando a saudar o povo com suas patas dianteiras. Olhava ao mesmo tempo para a sua colega, como se dissesse com satisfação:

- Olha bem - é um momento histórico.

Qual é a lição do episódio?

Com frequência este é o comportamento do eu inferior, no mundo interno de quem trata de buscar a sabedoria. Cada vez que o peregrino obtém uma vitória no caminho do autoaperfeiçoamento, o eu inferior se prepara para receber os aplausos, enquanto diz a si mesmo:

“Esta vez estive de fato magnífico”.

A figura do imperador-guerreiro representa aquela parte do eu inferior que vai à luta e vence batalhas na busca da verdade. Ele destrói os aspectos mais grosseiros da ignorância e amplia a área de autoconhecimento do aprendiz. As duas moscas, viajando na parte externa mais baixa da carroça, representam os aspectos atrasados do eu inferior. Os insetos vivem a situação de escravos da comodidade. Fazem um banquete com coisas pouco saudáveis. E para vencer o tédio, cultivam a vanglória com base na fantasia.

Todo ser humano tem dentro de si um imperador-guerreiro e uma mosca ou duas. Cabe renunciar ao banquete cheiroso desfrutado pela mosca, para trilhar o caminho íngreme do guerreiro autorresponsável.

É a combinação da coragem com a humildade que produz a vitória. É fácil ter coragem, se não houver humildade. E qualquer um pode ser humilde, se não houver coragem. Mas o mérito está em somar estas duas qualidades e administrá-las com base no discernimento e no bom senso.

Para isso os peregrinos experientes consideram útil compreender alguns fatos básicos:

* O eu inferior não vive muito tempo: com frequência, menos de um século.

* Ele é imperfeito.

* Além de durar pouco, o eu inferior tem dificuldades de aprendizagem e, como acontece com certos animais domésticos, alguns setores dele podem ser bastante teimosos.

Mas o eu inferior também pode trabalhar com lealdade por aquilo que é permanente.

Apesar das dificuldades, ele é capaz, pouco a pouco, de aprender. Está a seu alcance lutar para corrigir seus próprios erros, porém não consegue eliminar os erros dos outros. Perseverando na direção correta, ele pode libertar-se de grandes quantidades de ignorância.

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O artigo “Uma Lição de Roma Antiga” está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 28 de junho de 2025. Uma versão inicial dele faz parte da edição de abril de 2024 de “O Teosofista”, pp. 12-13.

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Leia mais:




* Corpo e Alma, Cavalo e Cavaleiro (texto de Theodoro D’Almeida).

* João de Deus, Louco, Santo, e Sábio (Como a Ruptura da Rotina Psicológica Pode Abrir as Portas Para a Vida Mística).

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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 

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19 de junho de 2025

O Teosofista - Junho de 2025

 




A edição de junho começa com o artigo “A Alegria de Viver e a Capacidade de Purificar a Alma”:

“A alegria da vida está ligada à simplicidade. Pode-se dizer que este contentamento ou celebração nos reconecta com os elementos básicos da existência, os princípios fundamentais da ação saudável.”

A página três apresenta “A Teosofia com os Pés no Chão: Estoicismo no Brasil e Portugal”. Na página quatro, a polêmica definição de uma identidade histórica: “O Brasileiro é o Homem Cordial”.  

Outros temas de junho:  

* James Redfield: a Confiança na Luz Provoca o Despertar.   

* Uma Paz Estável Tem Como Base a Força Interior.

* Ideias ao Longo do Caminho - O que significa pensar e decidir por si mesmo.  

* A Chave do Carma: Construir é Melhor Que Reclamar.  

* Quem Está no Posto de Comando da Sua Vida?

* Reforçando e Ativando os Níveis Superiores de Consciência do Brasil

Com 18 páginas, o Teosofista inclui a lista dos itens publicados recentemente nos websites da LIT.



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A edição acima foi publicada no dia 19 de junho de 2025, com Lua em Áries.         

A coleção completa de “O Teosofista” está disponível nos websites associados.

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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.

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Pirkê Avót, a Ética Judaica do Talmud

 
A Unidade da Visão Teórica
Com a Prática Pessoal Cotidiana
  
Carlos Cardoso Aveline
  



No Monte Sinai,  Moisés  não recebeu apenas a Torá, que é o Pentateuco, a Lei escrita do judaísmo, depois adotada pelos cristãos.  

O sábio judeu recebeu igualmente uma Torá oral, shebealpe, a Mishná.  Com o correr do tempo, a Mishná, o ensinamento oral, foi acrescida de histórias e comentários chamados de Guemará.

Mishná e Guemará, combinadas, formaram o Talmud, isto é, o conjunto da tradição oral judaica.

A partir do século  II da era cristã, o Talmud foi colocado em papel, para evitar que a sua riqueza se perdesse devido à diáspora, isto é, a dispersão forçada do povo judeu, sempre perseguido devido à doença coletiva do antissemitismo. Cabe lembrar que o antissemitismo era uma política oficial da igreja católica e de quase todos os governos.

Mas a verdade é que não há um Talmud apenas. Há o Talmud de Jerusalém, e existe também o Talmud da Babilônia, mais elaborado e que foi concluído alguns séculos depois.  

O Pirkê Avót é a sabedoria da Ética,  também conhecido como “A Ética dos Pais”. O que significa a Ética?  Sua função é ligar a visão teórica da Torá a uma prática espiritual cotidiana,  através de preceitos (mitsvót) claros e normas de vida definidas.

A palavra Mishná é usada, na prática, também para designar cada um dos seus trechos ou leis.

A seguir trago em negrito trechos selecionados de algumas das Mishnás do Pirkê Avót, com base na obra intitulada “A Ética do Sinai”, de Irving M. Bunim.[1]  

Sem negrito, em itálico, acrescento comentários desde o ponto de vista teosófico. Ao final de cada citação, entre parênteses, coloco as referências e o número de página em que as palavras serão encontradas. O presente artigo visa funcionar como um convite para o estudo de “A Ética do Sinai”. Com seis capítulos, o livro é uma fonte legítima de orientação no caminho espiritual e amplia o horizonte ético do estudante de teosofia.

A Base do Mundo

* O mundo se mantém sobre três coisas: a Torá, o serviço Divino e a beneficência. (Cap. 1, Mishná 2, p. 21)

Uma civilização se mantém sobre três princípios. Primeiro, a Lei divina, o ensinamento espiritual. Segundo, a vida religiosa, o esforço por compreender o mundo divino. Terceiro, a ação altruísta, a boa vontade em ação. Em outras palavras, o mundo desmorona sem ética.  A Mishná 18, por sua vez, afirma: “O mundo existe graças a três coisas: a verdade, a justiça e a paz; pois foi dito: ‘Que a verdade, a justiça e a paz reinem nas vossas portas’ [vossas casas]”. (Cap. 1, Mishná 18, p. 64)

A Relação com os Outros

* Afasta-te do mau vizinho, não te associes ao ímpio e não desacredites na retribuição de todas as ações. (Cap. 1, Mishná 7, p. 38)

Este afastamento é sobretudo psicológico. Significa que não se deve seguir o exemplo das pessoas que ignoram importância da ética. Elas têm o mundo psicológico delas, que é muito diferente do nosso, e podemos irradiar o nosso mundo, mas não devemos absorver em nossa vida o que não vale a pena. “Retribuição” é a colheita cármica. Todas nossas ações terão consequências para nós, conforme a natureza delas.

* ... Ama a paz e busca a paz, ama as criaturas e aproxima-as da Torá. (Cap. 1, Mishná 12, p. 48)

* Quem apregoa o seu [próprio] nome, perde o nome; quem não aumenta seus conhecimentos, diminui; quem não se instrui,  não é digno de viver (…). (Cap. 1, Mishná 13, p. 51)

Irving M. Bunim traz na mesma página outra citação do Talmud: “Se você abandonar a Torá por um dia, ela o abandonará dois.” Se não reforçamos continuamente o nosso conhecimento, forças negativas atuarão sobre nós e abrirão as portas do esquecimento.

Agir Por Si Mesmo, Agora

* Ele (Hillel) dizia: Se eu não for por mim,  quem será  por mim?  Mas se eu for só por mim, o que sou eu? E se não agora, quando? (Cap. 1, Mishná 14, p. 54)

O relâmpago do desafio: viver com responsabilidade, aqui, neste momento. 

* Fui criado entre os sábios e não encontrei nada melhor para o homem que o silêncio; não é a  teoria o principal mas a prática; e quem fala demais, traz o pecado. (Cap. 1, Mishná 17, p. 62)

A fala deve ser limitada, e quando ocorre deve acontecer como parte da prática diária da busca da verdade e da busca do supremo. A fala que não surge desde o ponto de vista da alma deve ser gradualmente eliminada, a partir do momento em que vemos a sua futilidade incurável. A teoria desligada das ações é uma forma de delírio intelectualoide a ser naturalmente evitada pelas pessoas sensatas.

Definir o Rumo em que Avançamos

* Que rumo deve o homem escolher para si? O que honra a quem o adota e o faz ser respeitado por todos. Sê tão cuidadoso com um preceito que pareça menor, quanto com um mais grave, pois ignoras suas  recompensas; compara o prejuízo eventual de um preceito com o seu ganho, e o ganho eventual de uma transgressão com o seu prejuízo. Lembra três coisas e não pecarás: lembra que acima de ti há um olho que vê, um ouvido que escuta, e que todas as tuas ações são inscritas num livro. (Cap. 2, Mishná 1, p. 68)

A Lei do Carma registra todas as ações, e reações, para débito e crédito de cada um.

* ... Se todos os sábios de Israel estivessem num dos pratos duma  balança e Eliezer ben Horkenos no outro, este pesaria mais do que todos. (Cap. 2, Mishná 12, p. 102)

A verdade  não é construída pela opinião da maioria, mas pela cuidadosa constatação dos fatos.

* Que a honra do teu próximo seja para ti tão cara quanto a tua própria; não te encolerizes facilmente; arrepende-te um dia antes da tua morte. Aquece-te ao calor dos sábios,  mas toma cuidado com as suas brasas para não te queimares; a mordida deles é a mordida da raposa; a picada deles é a picada do escorpião;  o sibilar deles é o sibilar da serpente, e todas as palavras deles são como brasas incandescentes. (Cap. 2, Mishná 15, p. 108)

A verdade queima. É uma forma de cauterização, frequentemente feita sem anestesia.

* ... Considera perante quem te esforças e quem é o senhor que irá retribuir com o pagamento por teu trabalho.  (Cap. 2, Mishná 19, p.121)

A Lei te recompensará. E lembra sempre de que estás na presença divina. No mínimo, estás na presença divina da tua alma imortal. E tua alma espiritual não é exatamente tua. És tu que pertences a ela. Ela deu origem à tua encarnação atual, e ela é a herdeira universal de cada uma das tuas existências cíclicas, inclusive da tua vida presente. 

* ... Lembra-te de onde vieste, para onde vais e ante quem haverás de prestar contas.  De onde vieste? De uma  gota fétida.  Para onde vais? A um lugar de pó, de vermes e de teredos. Ante quem irás prestar contas? Perante o Rei dos reis,  o Santíssimo (...). (Cap. 3, Mishná 1, p.128)

Sobre o fato de que somos pó, ver  Gênesis, 2:7,  Jó 10:9 e Jó 20:11 - além do Novo Testamento. Naturalmente, esta advertência se refere exclusivamente ao nosso eu inferior.  Nós mesmos somos uma alma, e tal como um pássaro voaremos livres um dia. Mas também prestaremos contas sempre ao nosso Eu superior.

A Arte de Fazer uma Refeição

* ....  Se três homens comeram à mesa e falaram da Torá, é como se tivessem comido à mesa do Onipresente, pois foi dito (Ezequiel,  41:22): (...) ‘Esta é a mesa que está perante o Eterno’. (Cap. 3, Mishná 04, p.139)

Eleve os seus pensamentos durante as refeições, e haverá um alimento espiritual, além do alimento físico.  

* ... Quem se coloca sob o jugo da Torá, alivia-se do jugo das autoridades terrenas e das questões materiais, mas quem repele o jugo da Torá, terá imposto sobre si o jugo das autoridades terrenas e das questões materiais. (Cap. 3, Mishná 06, p.144)

A palavra “Jugo” é um dos sinônimos de “Ioga”. Cabe colocar-se sob o jugo da Torá, isto é, sob a ioga e a disciplina do ensinamento ético clássico.

É bom perguntar-se: em que níveis da realidade estou criando carma, ou seja,  alimentando cadeias de causas e efeitos? E qual é o bom carma que estou plantando agora mesmo?

A Arte de Aprender

* Rabi Chalafta ben Dossa, de Kfar Chananiá, diz:  Quando dez pessoas se reúnem e se dedicam ao estudo da Torá, a presença divina está entre eles, pois foi dito: ‘Deus está presente na congregação dos que n’Ele creem’ [Salmo 82:1].  De onde aprendemos que isso se aplica mesmo que sejam apenas cinco pessoas?  Do versículo: ‘E estabeleceu o seu ajuntamento na terra’. E de onde aprendemos que o mesmo se aplica se forem apenas três? Do versículo: ‘No meio de juízes, Ele (Deus) julga’ (Salmo 82:1).   E como percebemos que o mesmo se aplica para apenas duas pessoas?  Do versículo ‘Então os que temem ao Eterno falavam uns aos outros, e o Eterno prestava atenção e ouvia’ (Malaquias, 3:16). E como aprendemos que até para uma só pessoa isso se aplica? Do versículo ‘Em todo lugar onde eu fizer invocar o Meu Nome, virei a ti e te abençoarei’ (Êxodo 20:21). (Cap. 3, Mishná 07, p.146)

O tema merece contemplação.  Quando quiser refletir mais a respeito, leia os artigos “A Prática da Presença Divina” e “A Presença Sagrada Junto a Nós”.

* ... Em todo aquele cujas boas obras excedem sua sabedoria, a sabedoria subsiste; mas em todo aquele cuja sabedoria excede suas boas obras, a sabedoria não subsiste. (Cap. 3, Mishná 12, p.161)

A tarefa diante de nós é ligar céu e terra em nossas vidas. O conhecimento espiritual que não é colocado em prática não é verdadeiro conhecimento, e tampouco é verdadeiramente espiritual. Por esses dois motivos, ele sofre rápida erosão e dá lugar à derrota, que será uma lição.  

* ... Tudo é dado sob penhor e uma rede é estendida para todo ser vivente. A loja está aberta e o lojista concede crédito; a caderneta está aberta e a mão escreve nela. Quem quiser empréstimos, pode vir e recebê-los; mas os cobradores cumprem diariamente sua tarefa e cobram o débito de cada ser humano, ainda que este não se aperceba disto; eles têm para isto pleno fundamento e seu julgamento é verdadeiro; e tudo está preparado para o banquete. (Cap. 3, Mishná 20, p.188)

O ensinamento de que tudo o que fazemos é registrado no Livro da Vida, para nosso débito ou crédito, está presente também em mais de uma passagem das Cartas dos Mahatmas.

* ... Apressa-te a cumprir tanto um preceito fácil como um difícil, e foge da transgressão, pois uma boa ação atrai outra boa ação e uma transgressão atrai outra transgressão; a  recompensa de uma boa ação está na boa ação,  e a consequência de uma transgressão é outra transgressão. (Cap. 4, Mishná 02, p.206)

Também este trecho é uma excelente exposição do funcionamento da lei do carma.

* ... Dedica-te menos aos negócios para te ocupares com a Torá; sê humilde de  espírito perante todos.  Se abandonares a Torá, muitas causas para abandoná-la apresentar-se-ão a ti; mas se te esforçares na  Torá, haverá muita recompensa para ti. (Cap. 4, Mishná 12, p.237)

É preciso “desocupar-se para viver a  sabedoria”, como propunha Lúcio Sêneca.

* ... O arrependimento e as boas ações são como um escudo contra a punição. (Cap. 4, Mishná 13, p.240)

Identificar nossos erros nos permite não repeti-los; mas o orgulho, ou a cegueira, nos  faz, às vezes, andar em círculos. Por outro lado, as boas ações nos protegem da negatividade.  

* Há quatro tipos de alunos. 1) Aquele que entende rapidamente e esquece do mesmo modo - seu ganho é anulado por sua perda. 2) Aquele que tem dificuldade de aprender e dificuldade de esquecer - sua perda é anulada por seu ganho. 3) Aquele que compreende rapidamente mas dificilmente esquece - sua porção é boa. 4) Aquele que tem dificuldade de entender mas esquece facilmente - sua porção é má. (Cap. 5, Mishná 15, p.375)

Veja que tipo de aluno você é. Um autoexame regular é recomendável em teosofia. Mas o propósito de ver os pontos fracos é corrigir nossas falhas, e não provocar desânimo. A decisão de vencer deve ser reforçada a cada visão de um erro nosso.

* Há quatro tipos entre aqueles que se sentam diante dos eruditos de Torá: esponja, funil, filtro e peneira. Esponja é aquele que absorve tudo; funil, o que recebe de um lado e deixa escapar do outro; filtro, o que deixa sair o vinho e retém a borra; peneira, o que deixa sair o farelo e retém a farinha. (Cap. 5, Mishná 18, p.388)

No caso do funil, o ensinamento entra por um ouvido e sai pelo outro. Mas é sempre possível melhorar nosso desempenho, avançando na direção de ser uma peneira. 

Estas quatro componentes estão ativas em todos, variando conforme as áreas e aspectos do esforço do aprendiz.

* Todo amor dependente de um interesse (específico), quando deixa de existir o interesse, morre o amor;  mas o amor que não depende de qualquer interesse específico, este não acaba jamais. (Cap. 5, Mishná 19, p.390)

Essa simples frase demarca a linha divisória entre a boa vontade condicional e a boa vontade incondicional.  

Em Direção à Plenitude: as Etapas de uma Viagem

* Jehudá benb Tema costumava dizer: Aos cinco anos de idade é tempo de estudar a Escritura; aos dez anos, é a idade para o estudo da Mishná [o ensinamento oral]; aos treze anos, para a obrigação das mitsvót [preceitos morais práticos]; aos quinze para o estudo do Talmud; aos dezoito é tempo de casar; aos vinte é tempo de buscar uma profissão; aos trinta, atingir a plenitude da força física; aos quarenta, do entendimento; aos cinquenta, do conselho; aos sessenta, começa a velhice; aos setenta, a idade venerável; aos oitenta, se dão mostras de vigor; aos noventa, ele se encurva; aos cem, é como se estivesse morto e já desaparecido do mundo. (Cap. 5, Mishná 24, p.412)

Veja o artigo “Todas as Idades da Vida”.

O Estudo da Lei Que Nos Governa

* ... Aquele que se dedica ao estudo da Torá (simplesmente) porque a ama, merece grandes recompensas. Além disso, a criação do mundo inteiro é válida (mesmo que seja) só por sua causa. Ele é chamado de amigo e  amado. Ama ao Criador e Suas criaturas. (Cap. 6, Mishná 01, p.430)

Etimologicamente, a palavra “filosofia” significa “amor à sabedoria”. Aqui se unem o sentimento e a razão, e a união dos dois atrai a presença divina.

* Esta é a forma de estudar a Torá: come um pedaço de pão com sal, bebe pouca água,  dorme sobre a terra, vive uma vida árdua, e esforça-te no estudo da Torá. Se assim fizeres, ‘bem-aventurado serás e bem haverá para ti’ (Salmo 128, 2).  Bem-aventurado serás neste mundo, e bem haverá para ti no mundo vindouro. (Cap. 6, Mishná 04, p.454)

* Não procures grandeza para ti próprio, e não anseies pela honra; que tua ação exceda teu estudo.  Não cobices a mesa dos reis,  pois a tua mesa é maior que a deles e a tua coroa é maior que a deles, e teu Senhor é confiável, pois pagará o salário por teu trabalho. (Cap. 6, Mishná 05, p.459)

O “Senhor”, aqui, é a Lei Universal, a Lei do Carma. 

NOTA:

[1]A Ética do Sinai”, de Irving M. Bunim,  Editora e Livraria Sêfer, SP, segunda edição, 2001, 525 páginas.

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O texto “Pirkê Avót, a Ética Judaica do Talmud” está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 19 de junho de 2025. Uma versão inicial do artigo faz parte da edição de março de 2024 de “O Teosofista”.

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Leia mais:






* Corpo e Alma, Cavalo e Cavaleiro (texto de Theodoro D’Almeida).

* Regra da Vida Honesta (tratado estoico clássico de Martinho Bracarense).

* João de Deus, Louco, Santo, e Sábio (Como a Ruptura da Rotina Psicológica Pode Abrir as Portas Para a Vida Mística).

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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 

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