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18 de novembro de 2017

O Livro e a América

Por uma Fatalidade do Além, o Século
Que Viu Colombo Viu Gutenberg, Também

Castro Alves

Estátua de Cristóvão Colombo na ilha da Madeira, em Portugal



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Nota Editorial de 2017:

“…. Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo na alma
É germe - que faz a palma,
É chuva - que faz o mar.”

Castro Alves não chegou a completar 25
anos de idade: nasceu em 14 de  março de
1847, na Bahia,  e morreu em julho de 1871.
Mesmo assim, é amplamente considerado um
 dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos.  

Devido ao vocabulário clássico desses
versos, acrescentamos algumas notas
explicativas. A ortografia foi atualizada.

(Carlos Cardoso Aveline)

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(Ao Grêmio Literário)


Talhado para as grandezas,
Para crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
- Estatuário de colossos -
Cansado de outros esboços,
Disse um dia Jeová:
Vai, Colombo, abre a cortina
Da minha eterna oficina...
Tira a América de lá”.

Molhado ainda do dilúvio,
Qual Tritão [1] descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa,
Um - traz-lhe as artes da Europa.
Outro - as bagas [2] do Ceilão...
E os Andes petrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.

Olhando em torno, então brada:
Tudo marcha!... Ó grande Deus!
As cataratas - para a terra.
As estrelas - para os céus;
Lá, do polo sobre as plagas,
O seu rebanho de vagas
Vai o mar apascentar...
Eu quero marchar com os ventos,
Com os mundos... com os firmamentos!!!
E Deus responde - Marchar!

“Marchar!”... Mas como?...  Da Grécia
Nos dóricos Partenons. [3]
A mil deuses levantando
Mil marmóreos Panteões?...
Marchar com a espada de Roma
- Leoa de ruiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo….
- Com as garras nas mãos do mundo,
- Com os dentes no coração?...

Marchar!... Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?...
Não!... Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir...
Lá brada César morrendo:
No pugilato tremendo,
Quem sempre vence é o porvir!

Filho do século das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro - esse audaz guerreiro,
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo...
Éolo [4] de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
De onde a Igualdade voou...

Por uma fatalidade
Dessas que descem do além,
O século que viu Colombo
Viu Gutenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A Ave da imprensa gerou...
O Genovês salta os mares...
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou...

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto -  
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo na alma
É germe - que faz a palma,
É chuva - que faz o mar.

Vós, que o templo das ideias
Largo - abris às multidões,
Para o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse “rei dos ventos”
- Ginete dos pensamentos,
- Arauto da grande luz!...

Bravo! a quem salva o futuro,
Fecundando a multidão!...
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo,
Brada “Luz!” o Novo Mundo,
Num brado de Briareu... [5]
Luz, pois, no vale e na serra...
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!...

(Bahia.)


NOTAS:

[1] Tritão - deus marítimo, filho de Netuno e sua esposa Anfitrite.

[2] Bagas - frutas.

[3] Partenon - um templo dedicado à deusa Atena, construído no século cinco antes da era cristã, em Atenas, na Grécia antiga.

[4] Éolo, na mitologia grega, é o espírito ou guardião dos ventos.

[5] Briareu - na mitologia da Grécia antiga, Briareu era um dos gigantes “centímanos”, que possuíam cem braços e cinquenta cabeças. Era filho de Gaia e Urano.

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O poema acima é reproduzido de “Poesias Completas”, de Castro Alves, texto organizado por Jamil Almansur Haddad, quarta edição, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1966, ver pp. 6 a 9.

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14 de março de 2014

O Povo ao Poder

A Praça é do Povo, Como o Céu é do Condor 

Castro Alves 

Nascido a 14 de março de 1847, Castro Alves (foto) viveu até 1871 



Nota Editorial de 2014:

Nos séculos 19 e 20 as populações lutavam por seus direitos em grande parte através de protestos e revoltas. No século 21, o modo de tomar o poder é mais complexo - e mais eficaz. Já não é predominantemente físico, ou político-militar.

Os cidadãos e trabalhadores de todas as classes sociais podem e devem tomar o poder. E devem fazer isso primeiro em suas próprias almas, em suas mentes, passando a ser senhores de suas vidas. Em seguida passa a ser mais fácil construir, de baixo para cima e sem violência, uma democracia que seja socialmente justa, economicamente próspera, ecologicamente sustentável e eticamente correta.

O poema clássico de Castro Alves é duradouro como retrato de uma etapa da vida dos povos, e também examina um fator de destaque nas lutas cívicas do século 21. Ao compreender o ativismo social do século 19, percebemos melhor as necessidades do século atual. Os protestos de rua fazem parte da vida dos povos. A ação construtiva e criativa, em que o povo constrói e administra solidariamente com suas próprias mãos pequenas instâncias de poder, são decisivas para que se obtenha a vitória.  

A pequena semente contém a árvore adulta. O todo está contido em cada uma das suas partes. Por isso é frequentemente trabalhando em pequena escala que se faz as grandes transformações. 

O povo deve educar a si mesmo e, em seguida, educar os governantes, seus empregados. As manifestações de rua são uma das maneiras de educar autoridades.

Em relação ao poema a seguir, cabe registrar um detalhe curioso desde um ponto de vista teosófico. Ao escrever algo que passou a estar entre as frases mais famosas da literatura brasileira, Castro Alves faz uma alusão consciente ou inconsciente à sabedoria dos povos andinos. Diz ele:

“A praça! A praça é do povo, como o céu é do condor”. 

É verdade: e os povos são todos irmãos. E o conceito de povo não exclui ninguém. O único inimigo é a ignorância. Dela ninguém está inteiramente livre, e muito menos os que exercem poder político.

(Carlos Cardoso Aveline)

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O Povo ao Poder 

Castro Alves

Quando nas praças se eleva 
Do Povo a sublime voz... 
Um raio ilumina a treva 
O Cristo assombra o algoz... 

Que o gigante da calçada 
De pé sobre a barrica 
Desgrenhado, enorme, nu 
Em Roma é catão ou Mário, 

É Jesus sobre o Calvário, 
É Garibaldi ou Kosshut. 

A praça! A praça é do povo 
Como o céu é do condor 
É o antro onde a liberdade 
Cria águias em seu calor! 

Senhor!... pois quereis a praça? 
Desgraçada a populaça 
Só tem a rua seu... 
Ninguém vos rouba os castelos 

Tendes palácios tão belos... 
Deixai a terra ao Anteu. 

Na tortura, na fogueira... 
Nas tocas da inquisição 
Chiava o ferro na carne 
Porém gritava a aflição. 
Pois bem ... nesta hora poluta 

Nós bebemos a cicuta 
Sufocados no estertor; 
Deixai-nos soltar um grito 
Que topando no infinito 

Talvez desperte o Senhor. 

A palavra! Vós roubais-la 
Aos lábios da multidão 
Dizeis, senhores, à lava 
Que não rompa do vulcão. 
Mas qu’infâmia! Ai, velha Roma, 
Ai cidade de Vendoma, 
Ai mundos de cem heróis, 
Dizei, cidades de pedra, 
Onde a liberdade medra 
Do porvir aos arrebóis. 

Dizei, quando a voz dos Gracos 
Tapou a destra da lei? 
Onde a toga tribunícia 
Foi calcada aos pés do rei? 
Fala, soberba Inglaterra, 
Do sul ao teu pobre irmão; 
Dos teus tribunos que é feito? 
Tu guarda-os no largo peito 
Não no lodo da prisão. 
No entanto em sombras tremendas 
Descansa extinta a nação 
Fria e treda como o morto. 
E vós, que sentis-lhes os pulso 
Apenas tremer convulso 
Nas extremas contorções... 
Não deixais que o filho louco 
Grite “oh! Mãe, descansa um pouco 
Sobre os nossos corações”. 

Mas embalde... Que o direito 
Não é pasto de punhal. 
Nem a patas de cavalos 
Se faz um crime legal... 
Ah! Não há muitos setembros, 
Da plebe doem os membros 
No chicote do poder, 
E o momento é malfadado 
Quando o povo ensanguentado 
Diz: já não posso sofrer. 

Pois bem! Nós que caminhamos 
Do futuro para a luz, 
Nós que o Calvário escalamos 
Levando nos ombros a cruz, 
Que do presente no escuro 
Só temos fé no futuro, 
Como alvorada do bem, 
Como Laocoonte esmagado 
Morreremos coroado 
Erguendo os olhos além. 

Irmãos da terra da América, 
Filhos do solo da cruz, 
Erguei as frontes altivas, 
Bebei torrentes de luz... 
Ai! Soberba populaça, 
Dos nossos velhos Catões, 
Lançai um protesto, ó povo, 
Protesto que o mundo novo 
Manda aos tronos e às nações.

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