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28 de abril de 2021

As Lições Que o Sofrimento Ensina

 A Dor Pode Ser Mais Eficaz que
a Alegria Como Meio de Educação

Paul Carton

 
 
 
Como tudo o que existe, a vida humana é regida por princípios superiores que querem a sua progressiva ascensão, e por leis de conduta que lhe guiam as etapas.
 
A vida humana não tem outro fim senão realizar a inteligência e a prática destas leis naturais e sobrenaturais [1], a fim de o indivíduo elevar-se acima das necessidades instintivas, renunciar aos prazeres inferiores da matéria e tornar-se uma potência espiritual, apto a viver a vida celeste.
 
É para atingir este fim de alegria inimaginável que Deus [2] criou o homem, o obrigou a lutar para se engrandecer, a sofrer passageiramente para escolher e querer o bem, a recomeçar muitas vezes a experiência, para o querer claramente e de boa vontade e enfim para merecer gozá-lo numa felicidade eterna.
 
A dor cumpre pois verdadeira missão. Educa e protege avisando do perigo, porque este é sempre o resultado duma falsa direção, duma ignorância ou duma revolta. Purifica fazendo expiar. Engrandece aguilhoando e desmaterializando. Recompensa obrigando providencialmente ao mérito. Ensina, corrige e eleva.
 
Sofre-se por ignorância? Por que nos surpreendemos? Nada se aprende sem custo.
 
O sofrimento aclara. Assim, o sofrimento é o preço da educação, como o esforço é o salário da instrução.
 
Por outro lado, o sofrimento avisa e protege. Faz-nos desviar da chama que queima, do ser mau que fere, da desordem moral que tortura o corpo e o espírito.
 
Em que se tornaria o homem se não tivesse encontrado no seu caminho o aviso e o freio da dor? Teria certamente destruído o seu corpo, gasto a sua vida e perdido a sua alma, em muito pouco tempo.
 
O sofrimento tem ainda o papel de sanção e serve assim de meio de purificação e de elevação. Pune os desvios de regime e de conduta. Castiga cedo ou tarde o comilão, o porco, o preguiçoso, o revoltado, o orgulhoso, o egoísta, o ladrão, o estroina, o imoral. Assim se torna a polícia da Providência. A sanção que parece não existir porque tarda, mais severa será.
 
A que parece injusta, parece-o porque não se sabe distinguir as razões afastadas ou ocultas. Uma desgraça ou uma morte não sobrevém nunca sem razões evidentes ou ocultas. Quer constituam castigo, prova ou sacrifício, o fato é que esclarecem e elevam os que os aceitam com Fé. Tais acontecimentos são dirigidos em última instância pela Providência que tudo situa, encadeia, compensa e repara, com vistas ao progresso espiritual.
 
Em medicina, a doença aparece para esclarecer as falhas de regime e de higiene, para as fazer expiar, para obrigar à purificação orgânica, à reflexão mental, à procura e à prática da vida pura e sã.
 
Compreendendo a Origem das Catástrofes
 
Todas as vezes, pois, que o homem tem a inteligência e a sabedoria de seguir a lei natural e a lei sobrenatural [3] é forçosamente o equilíbrio e a harmonia que reinam no seu organismo.
 
E se os agrupamentos humanos se curvam a estas mesmas obrigações, a saúde, a ordem e a paz manifestam-se nas comunidades (famílias e nações), ao mesmo tempo que o ambiente natural se torna favorável para o seu desenvolvimento. Mas, pelo contrário, todas as vezes que o homem se desvia da lei e a transgride, um aviso doloroso se declara primeiramente leve (simples incômodos), depois mais sério (afecção aguda), para o obrigar a refletir e a corrigir-se.
 
Se ele teima ainda em não querer compreender e escolher melhor o seu caminho, deverá expiar sob formas cada vez mais severas a sua obstinação no pecado. Os avisos sucessivos se produzirão com intensidade proporcional à gravidade das faltas cometidas; traduzir-se-ão por catástrofes pessoais, familiares ou coletivas (afecções crônicas; ruínas; epidemias; fome; guerra), até os homens chegarem ao arrependimento, confessarem as suas faltas, humilharem-se e corrigirem-se. Então, quando conquistarem a clarividência do bem e do mal, expiarem a sua má vontade e adquirirem mérito pelo esforço do justo governo de si próprio, Deus acalma-se, desconta mesmo uma parte das dívidas e perdoa; porque, na sua infinita misericórdia só tem um desejo: o progresso e não a destruição da humanidade.
 
A Lei Universal
 
Estes resultados felizes ou desgraçados que resultam da submissão ou da desobediência às leis da vida humana estão expostos na Escritura em termos surpreendentes:
 
“Se seguirdes as minhas leis, se respeitardes os meus mandamentos e os puserdes em prática, enviar-vos-ei chuvas na estação própria, a terra produzirá e as árvores dos campos darão os seus frutos. Comereis pão com fartura e habitareis o vosso país com segurança! …… Farei desaparecer os animais ferozes e a espada não passará pelo vosso país …… Tornar-vos-ei fecundos e multiplicar-vos-ei, e manterei convosco a minha aliança.”
 
“Mas se não me escutardes e não puserdes em prática todos estes mandamentos, se desprezardes as minhas leis …… eis o que farei: Farei cair sobre vós o terror, a consunção e a febre que tornarão o vosso olhar mortiço e a vossa alma sofredora: e semeareis em vão as vossas sementes; os vossos inimigos as devorarão ……”.
 
“Se, apesar disso, não me escutardes ainda, castigar-vos-ei sete vezes mais pelos vossos pecados. Quebrarei o orgulho da vossa força; transformarei o vosso céu em ferro, e a vossa terra em cobre. A vossa força esgotar-se-á inutilmente, a vossa terra não dará os seus produtos, e as árvores da terra não darão os seus frutos …...”.
 
“Se estes castigos não vos corrigirem ainda e se me resistirdes, eu vos resistirei também e vos ferirei sete vezes mais pelos vossos pecados. Farei cair sobre vós a espada que vingará a minha aliança; quando vos juntardes nas vossas cidades, enviar-vos-ei a peste para o meio de vós e sereis entregues às mãos do inimigo. Quando vos enviar a fome, dez mulheres cozerão o vosso pão num único forno e vo-lo entregarão a peso; comereis e ficareis com fome ……”
 
“Se apesar disso, ainda não me escutardes e se me resistirdes, eu vos resistirei também com furor e castigar-vos-ei sete vezes mais pelos vossos pecados. Comerei a carne de vossos filhos …… Reduzirei as vossas cidades a desertos …… Espalhar-vos-ei pelas nações. O vosso país será devastado …… Aqueles dentre vós que sobreviverem serão feridos de apatia pelas suas iniquidades …… Confessá-las-ão e confessarão as iniquidades de seus pais, as transgressões que cometeram para comigo, e a resistência que me opuseram. E então o seu coração não circuncidado humilhar-se-á e eles pagarão a dívida das suas iniquidades…… Mas, mesmo assim, quando estiverem no país dos seus inimigos, eu não os rejeitarei e não os conservarei em horror até os exterminar, até romper a minha aliança com eles, porque eu sou o Eterno, o seu Deus” (Levítico XXVI, 3 a 45).
 
O sofrimento aparece pois, aqui, como um meio de educação mais eficaz do que a alegria. Em geral, constitui mesmo o mais poderoso estimulante do progresso individual, porque coloca o homem em face de si mesmo, e dá-lhe o justo conhecimento da sua fraqueza, da sua inconsciência, do seu desvario, da sua impotência para se conduzir ao arbítrio do seu único bel-prazer, e a dirigir-se sem o socorro de Deus.
 
Ensina-lhe a vaidade dos bens deste mundo, a fragilidade do seu corpo, as insuficiências da sua ciência, os erros da sua vontade. Atormenta-o duramente em tudo o que deve suprimir, isto é, no seu orgulho e na sua sensualidade.
 
Fere-lhe o coração e os sentidos, porque “pelas coisas em que alguém peca, por estas é também atormentado” (Sabedoria, XI, 17). Fatiga o corpo para que o espírito chegue à clarividência, se abra à caridade, se desprenda pouco a pouco da matéria e viva verdadeiramente.
 
O homem tem necessidade de sofrimento, porque é um solo ingrato e duro, no qual nada pode ser semeado nem sustentar frutos, enquanto a relha do arado do sofrimento não o tiver rasgado mais que uma vez. “Que sabe aquele que não foi tentado?” (Eclesiástico, XXXIV, 9.) Com efeito, é quase sempre na ocasião duma doença orgânica ou duma aflição moral que se estabelecem no homem as reformas libertadoras e as renovações espirituais. Assim, é nesse sentido que deve entender-se a expressão de Santa Hildegarda: “Deus não habita os corpos que passam bem!”
 
É no doloroso parto das provações e das tribulações que se criam as obras humanas mais puras e mais duradouras.
 
Sob o império dos prazeres baixos, o homem degrada-se. Seu rosto cobre-se com a máscara animal. Recai na vida bestial. Chega à doença e ao crime. Sob o aguilhão repetido do sofrimento, o homem chega a levantar-se e a espiritualizar-se.
 
O seu rosto burila-se e idealiza-se então. Graças a ele, aprende a conhecer os horrores do mal para dele se desviar para sempre, compreende a doçura dos alívios da caridade e a eficácia dos atos de sacrifício.
 
É o sofrimento, na verdade, que nos dá a chave dos mistérios da vida, mostrando a necessidade do abandono das paixões materiais, de maneira que o velho homem desapareça e se estabeleça o reino do homem espiritual. É por ele que se obtém a transmutação do vil metal em ouro puro. É graças a ele que se efetua o renunciamento à parte inferior, animal e perecível, e que se estabelece o triunfo da parte sobrenatural, da espiritualidade, no homem.
 
Mas, para chegar a este grau de vidência e a este resultado elevado, é preciso etapas. O homem, como a criancinha, deve cair muitas vezes, antes de saber segurar-se de pé e andar. Não pode apreciar a saúde senão depois de ter conhecido a doença. Não pode sentir a imensa alegria duma vida sã e pura, senão depois de ter percebido e sondado os abismos da ignorância e da desobediência. Cada provação exerce-se como um julgamento que separa o puro do impuro, como uma morte que se declara em vista dum renascimento. E é somente a seguir a renúncias sucessivas que as asas espirituais se desenvolvem e que o homem pode voar na claridade do Céu.
 
O sofrimento é, pois, verdadeiramente providencial.
 
E, para aqueles que o aceitam com boa vontade e se servem dele como dum meio de educação, sem se revoltar por isso nem o escamotear, ele é bendito. Desgraça é, com efeito, para aquele que o odeia e julga libertar-se dele por meio de calmantes, sem estudar as causas em si mesmo e sem chegar às fontes reais do mal: o orgulho e a sensualidade.
 
Por esta forma só chega a deslocar a dor e não a afasta um momento, senão para a ver voltar ao ponto de partida, com intensidade duplicada.
 
Mas, pelo contrário, grande é a recompensa para aqueles que o acolhem como aviso, que renunciam às suas causas, que o utilizam para se aperfeiçoarem e se reconstruírem.
 
Estes deixarão o império da Dor. O seu justo esforço de compreensão e de constrangimento receberá a sua recompensa. “Semearam em lágrimas, colherão com alegria”. (Salmo 126: 5)
 
Quando descobrimos o poder de transformação e de elevação que se oculta sob a rude capa da dor, não mais nos admiramos ao ler que os santos reclamavam como um favor do Céu a concessão de novos sofrimentos, desde que cessavam de sentir o aguilhão benéfico da dor, porque receavam recair na indolência ou na secura do coração.
 
NOTAS:
 
[1] Leis sobrenaturais, isto é, leis espirituais. Em teosofia, porém, considera-se que o plano espiritual faz parte da natureza. Portanto, suas leis são naturais e não sobrenaturais. Prakriti, a natureza, tem sete formas ou sete princípios, sete níveis de consciência. Veja a obra “The Secret Doctrine, de Helena Blavatsky, volume I, p. 373, inclusive as notas de rodapé. (CCA)
 
[2] “Deus”, isto é, a Lei Universal. A figura antropomórfica de Deus como um pai pessoal, um patriarca humanoide simultaneamente bondoso e rigoroso, é um instrumento simbólico popular, porém provoca simplificações excessivas na visão que temos das inteligências cósmicas. (CCA)
 
[3] Lei “sobrenatural” - os níveis superiores e sutis da Lei do Carma. (CCA)
 
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O texto acima foi publicado nos websites associados no dia 28 de abril de 2021.
 
As Lições Que o Sofrimento Ensina” é reproduzido do livro “Bem-Aventurados os que Sofrem”, de Paul Carton, publicado em 1953 por Organização Simões, Rio de Janeiro, 130 páginas. Ver pp. 19-30. A primeira edição francesa da obra é de 1923. Na transcrição, em alguns poucos casos, substituímos expressões pouco inteligíveis por termos da linguagem corrente no século 21. (CCA)
 
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Leia mais:
 
* “Calamidades e Bênçãos no Século 21”.
 
* “A Ética Humana e os Terremotos”.
 
* “Caso Haja Um Problema Com a Civilização Atual”.
 
* “As Horas Difíceis”. 
 
Clique para ver outros textos (e livros) de Paul Carton.
 
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3 de outubro de 2020

Preceitos Antigos da Escola Pitagórica

 Para Seres Sábio, Coloca, Durante o
Curso da Tua Vida, Cada Coisa em Seu Lugar

Paul Carton
  
Pitágoras (século 6 AEC) fala para as mulheres: uma pintura de 1913. Ele afirmava que
as mulheres eram iguais aos homens em inteligência e tinham o direito de estudar filosofia.
 
 
 
* Não ergas o machado contra a árvore plantada pelo teu pai.
 
* Quando estiver velha a árvore que te alimentou em tua juventude, cuida bem dela.
 
* Faz uma pequena festa de família ao pé da árvore que florescer primeiro em teu jardim.
 
* Viajante! Não sujes com teus dejetos ou lixo o leito de um riacho, nem o pé de uma árvore, nem as flores que desabrocham no caminho.
 
* Não plantes junto a uma grande estrada a árvore que queres deixar como herança para os teus filhos.
 
* Pai de família! Colhe com as mãos os frutos das tuas oliveiras; evita os golpes com vara!
 
* Desvia o arado, para não causar dano à árvore que está no trajeto do teu trabalho; é melhor fazer um sulco mal nivelado, que abrir uma ferida numa árvore.
 
* Quando fores às cortes dos reis ou às assembleias do povo, não fiques mais tempo do que o necessário para cozinhar um aspargo.
 
* Dá leis ao povo, antes de dar-lhe a liberdade.  
 
* Homem de gênio, perseguido! Rejeita o tribunal do povo. Cabe ao rebanho transformar-se em corte para julgar o cão pastor.  
 
* Povo de Crotona! Não pretendas submeter o sábio ao teu regime social. O médico e o doente não devem ter demasiada intimidade. 
 
* Magistrado! Aos primeiros sintomas de um motim popular, interdita a praça pública às mulheres, assim como às [possíveis] vítimas e aos sanguinários.
 
* Não sejas nem a bota do príncipe nem o coturno do povo.
 
* Acostuma o povo a falar com uma linguagem decente.
 
* Homem de gênio! Esclarece o povo de longe, e esconde a mão que ergue a tocha da luz. O povo só reconhece os instrutores que estão ausentes, ou que estão mortos.
 
* Alimenta-te de grãos silvestres, antes que de uma carne assada em um forno banal. Melhor que tornar-se parte do povo cego é permanecer selvagem.
 
* Não subas à tribuna por três dias consecutivos nos comícios populares: aplaudido pelo povo no primeiro dia, serás vaiado no terceiro dia, talvez merecidamente.
 
* Não escrevas as tuas leis; pinta-as: o povo gosta de imagens.
 
* Que sejas sábio, sem dizê-lo ao povo imitador: simplesmente, que ele te veja passar!
 
* Não semeies coisa alguma na praça pública, porque é um terreno ingrato.
 
* Mantém o povo entre a riqueza e a indigência: quando na miséria, ele é vil; quando rico, é insolente.
 
* Caluniado pelo povo, não desças até ele para provar que está errado. Não se prova coisa alguma para uma multidão. Ela só tem instinto.
 
* Brinca com todas as crianças, mas evita a multidão.
 
* Ao avançar, o povo deixa atrás de si marcas e sulcos pesados na estrada de barro. Caminha sempre alguns passos à frente da multidão.
 
* Não subas à tribuna pública para pregar contra os vícios do povo e os crimes dos governantes. Fica contente com ser o “gnomo” silencioso que indica a hora de cumprir os deveres.
 
* Não penses que há uma grande diferença entre a urna dos sufrágios e a urna dos sorteios: nada é mais parecido com as possibilidades da loteria do que as decisões da multidão.
 
* Não busques o sábio na corte dos reis, nem nas assembleias populares: o sábio está na casa dele.
 
* Entra na casa do sábio: quer ele esteja lá ou não, tu sairás melhor do que estavas quando entraste. 
 
* Define a sabedoria como a ciência da ordem. Para seres sábio, coloca, durante o curso da tua vida, cada coisa em seu lugar. O heroísmo de um momento não vale tanto quanto a ordem imperturbável que há nas ações cotidianas do sábio.
 
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Traduzido do livro “Enseignements Naturistes”, de Paul Carton, Première Série; Norbert Maloine Éditeur, Paris, 1925, 384 páginas, ver páginas 316-318. Tradução: CCA. Título original do artigo: “Préceptes Antiques de L’École Pythagoricienne”. 
 
O texto “Preceitos Antigos da Escola Pitagórica” foi publicado nos websites associados no dia 03 de outubro de 2020.
 
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Veja “Os Versos de Ouro de Pitágoras” e “A Sabedoria de Pitágoras”.
 
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15 de setembro de 2020

A Constituição Uni-Trinitária do Ser Humano

A Vida Individual é Como uma Pequena
Embarcação Navegando no Oceano Cósmico

Paul Carton

Figura 1
  


Para compreender melhor a constituição uni-trinitária do ser humano, reproduzimos a interpretação (que já foi dada em nosso Tratado de Medicina) de um baixo-relevo que simboliza de modo extremamente correto as relações entre os elementos da constituição humana.

O baixo-relevo, datado do século XVI, foi seguramente projetado por um iniciado na ciência oculta. Ele vem dos locais de construção da Basílica de St. Denis e está localizado no Louvre, na sala de esculturas da Idade Média. Apresentamos aqui a reprodução fotográfica desse baixo-relevo mutilado, em seu estado atual (fig. 1) e o desenho que o reconstrói (fig. 2) publicado por Lordat na obra “Leçons de physiologie”.

Figura 2


O ser humano é uma embarcação pequena e frágil navegando no oceano cósmico. A sua tripulação é formada por três personagens que correspondem aos seus três elementos formadores: o espírito, no centro; a vitalidade, na frente; e o corpo físico, atrás. Essas três forças são agrupadas em uma unidade individual: o barco.

A força vital é representada pela imagem de uma mulher de saúde excelente e exuberante. Ela está descabelada e parece tola, tamanha a intensidade da vida que a anima. De fato, ela é, de certo modo, o motor do barco, dirigido pelo espírito e agindo sobre a matéria, isto é, sobre o esqueleto da arquitetura física. Sua força motora é dada pela sua própria reserva de vitalidade e em grande parte também pelas pulsações poderosas da vida atmosférica, que ela recolhe em sua vela estendida, assim como o ser humano a reúne abrindo seus pulmões.  

A força vital faz com que a embarcação avance independentemente da vontade do espírito, assim como, no corpo físico, a vida faz com que todas as engrenagens das vísceras funcionem sem a intervenção da vontade. Mas, por si só, a força vital é incapaz de uma liderança clara e bem pensada. Na verdade, ela está de costas para a direção seguida pelo barco e só cuida da sua própria exuberância. Ela é a louca da casa, é o inconsciente, a fonte de impulsos instintivos, de paixões cegas, de impulsos impensados. Ela deve sempre se voltar para o espírito e obedecer à direção dele, para que o barco siga no rumo correto.

A figura situada no centro simboliza o espírito. Ele é descrito como um homem velho, porque é imortal, tendo sido criado pelo Espírito Eterno. Ele domina os outros dois tripulantes, comandando diretamente a vida à sua frente e indiretamente a vida material, que está atrás dele.

Ele tem como ponto de apoio o universo e se mantém erguido com a ajuda de duas muletas, que representam a ciência e a religião. Elas compensam a sua fraqueza e o ajudam a encontrar seu caminho e a educar a si mesmo na vida.

O espírito está no comando do navio porque segura as cordas da vela que reúne a vitalidade. Ele pode corrigir as inclinações e regular as energias impetuosas da vida, assim como os rumos frequentemente incorretos da matéria física que governa a parte posterior.

Ele conhece o objetivo oculto da existência, e busca torná-lo cada vez mais claro aos olhos da Vida, estimulando-a a agir corretamente, porque o tempo, medido pela sua ampulheta, é limitado para ele evoluir sob esta forma individual. O seu olhar está voltado para a frente, pois é ele que sabe, é ele que registra o passado, que zela pelo presente e vê à distância o futuro, para o qual deve guiar a embarcação.

A matéria física, na retaguarda, é simbolizada pela dimensão perecível do indivíduo: o esqueleto. É a matéria que governa no ar, com a ajuda das asas erguidas, e na água, com ajuda da sua foice, que serve de leme.

Pela ação do leme, a matéria física influencia a força vital e o espírito, e, se o espírito ainda não tiver domínio suficiente no controle da vela, a matéria passa a impor a sua própria direção e a colocar o barco perigosamente à deriva. Mas se o espírito tiver sido educado e treinado ele pode corrigir a ação do leme material e impor um rumo correto, administrando adequadamente a vela.

A matéria física está armada com um arco e flechas, contidos em uma aljava. Obedecendo às sugestões da força vital ou do espírito, a matéria pode usá-los para se defender ou para atacar, e pode até fazer uso nocivo deles, perfurando a sua força vital. Acontece então o suicídio do indivíduo.

Da harmonia das relações entre os três personagens depende o bom desempenho do barco, ou seja, do agrupamento individual. Sem vida e sem a sua vela motriz, o espírito não tem qualquer controle da matéria. Sem vida e sem espírito, a matéria não tem mais qualquer apoio ou orientação, mas está condenada ao naufrágio e ao desaparecimento.

Quando a calma reina ao redor da embarcação, quando o ar e a água estão pouco agitados, o conjunto todo pode descansar. O espírito consegue então ausentar-se, deixar mais folgadas as cordas da vela, e a vida continua a dirigir o barco sozinha. É o que acontece durante o sono. Mas quando surge uma comoção externa, o piloto acorda e retoma o seu posto de comando.

Se a vela da vitalidade ficar demasiado esticada, pode-se abandonar a direção sábia do espírito e impor ao conjunto da embarcação movimentos desordenados e destrutivos, como ocorre quando a cólera ou o impulso de forças vitais inconscientes substituem a vontade razoável.

Quando a embarcação fica danificada devido a uma manobra infeliz de um dos personagens, ou por causa de uma desobediência ou de ignorância, é necessário parar num porto para fazer o devido conserto. Ocorre então uma doença que exige repouso e cuidado adequados. Os danos materiais ou a doença são consequências de ações anteriores, e servem como lições.

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O texto acima está publicado nos websites associados desde o dia 15 de setembro de 2020. Foi traduzido por CCA da obra “La Science Occulte et Les Sciences Occultes”, de Paul Carton, Librairie le François, Boulevard Saint-Germain, Paris, 1935, com 430 páginas além da Table Alphabétique. Ver pp. 80-82. O texto original em francês está disponível online. Clique e leia “La Constitution Uni-Trinitaire de L’Homme”.

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Veja outros escritos de Paul Carton.


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8 de julho de 2020

Um Estudo Sobre Sêneca

Sete Trechos Para uma
Abordagem Do Filósofo Estoico

Paul Carton

Uma estátua de Lúcio Sêneca, que nasceu no ano 4 antes da era cristã



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Nota Editorial:

Reproduzimos a seguir sete partes da obra
O Naturismo em Sêneca”, de Paul Carton.
O livro é uma compilação dos escritos de Lúcio
Sêneca e está publicado nos websites associados.

O autor de cada trecho é aqui identificado
antes da sua transcrição. Os números das páginas
estão entre parênteses ao final da passagem.

Nascido a 12 de março de 1875, Paul Carton é um
pitagórico do século 20 e autor de diversos livros
importantes para os estudantes de teosofia. Lúcio
Sêneca  (4 AEC-65 EC) está entre os principais filósofos
estoicos do mundo antigo. É considerado um teosofista.

(Carlos Cardoso Aveline)

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1. A Filosofia da Felicidade

Carton:

Primeiro que tudo, Sêneca admite como princípio dirigente fundamental a necessidade para o homem de viver em conformidade com a natureza, se quer ser feliz. (p.10)

Sêneca:

“Segundo o grande princípio de todos os estoicos, é a natureza que eu pretendo seguir: não nos afastarmos dela, formarmo-nos sobre a sua lei e o seu exemplo, eis a sabedoria.” (p.10)

Sêneca:

“O homem feliz não é aquele que o mundo assim chama, e no qual o ouro aflui em abundância mas aquele que tem todos os tesouros na sua alma, que, altivo e magnânimo, calca aos pés o que os outros admiram; que não vê ninguém com quem se queira trocar; que toma a natureza como guia e as suas leis como regras, vivendo como ela ordena.” (p.10)

“Só temos que purificar a nossa alma e seguir a natureza; quem disso se afastar está condenado a tudo desejar e a tudo recear, a ser escravo dos acontecimentos.” (p.10)

2. O Altruísmo e a Inteligência

Carton:

O altruísmo, o amor ao próximo, a bondade a respeito dos inferiores, a beneficência concedida a todos, tanto amigos como inimigos, encontram-se professados categoricamente por Sêneca numa série de passagens das suas cartas. (pp.80-81)

Sêneca:

“É necessário viver para os outros se queremos viver para nós.” (p.81)

“O benefício vem muito tarde, se vier apenas a seguir ao pedido”. (p.81)

Carton:

Mas a beneficência deve ser praticada segundo certas regras para ser louvável e útil. (p.81)

Sêneca:

“Em matéria de benefícios, a lei das duas partes ordena que aquele que dá se esqueça imediatamente, e aquele que recebe se lembre eternamente. Em nada prejudica a alma, em nada a humilha, a lembrança constante daquilo que os outros têm feito por nós.” (p.81)

3. Filosofia Clássica e Reencarnação

Sêneca:

“No dizer de Pitágoras, uma consanguinidade universal liga todos os seres, e uma transmutação sem fim os faz passar duma forma para outra. A crermos nisso, nenhuma alma morre nem mesmo cessa de atuar, salvo no curto momento em que ela reveste um outro invólucro. Sem investigar aqui quais as sucessões de tempo e quais os domicílios por vezes habitados, ela volta à forma humana (…).” (p.51)

4. A Conduta Correta

Sêneca:

“…A plenitude da felicidade para o homem é sofrear e vencer todos os maus desejos, erguer seus olhos aos céus e devassar os pontos mais recônditos da natureza… Oh! Como o homem é pequeno se não se educar acima das coisas humanas.” (pp. 10-11)

5. O Sábio Pode Ser Visto como Louco

Sêneca:

“O que o homem de bem julgar honesto fazer, fá-lo-á, por mais penoso que seja; e fá-lo-á mesmo em seu prejuízo; fá-lo-á até quando para ele houver perigo. Mas, uma coisa vergonhosa, nunca a fará, mesmo que dela possam resultar riquezas, honras, prazeres, poder.” (p.80)

“Aquele que resolver ser feliz, só deve reconhecer como bem a honestidade.” (p.80)

Carton:

Mesmo com risco de sermos tratados como loucos por certos homens, devemos ter a coragem de nos impormos a mais firme correção e a maior sabedoria. (p.80)

Sêneca:

“Consente em passares por desarrazoado aos olhos de certos homens. Experimenta aqueles que querem contra ti o ultraje e a injustiça; nada sofrerás se a virtude estiver contigo. Sim; se queres ser feliz e abertamente homem de bem, há desprezos que deves aceitar”. (p.80)

6. A Saúde da Alma

Sêneca:

“Cuida, pois, acima de tudo, da saúde da alma; que a do corpo venha em segundo lugar; e esta última custar-te-á pouco, se tu te quiseres portar bem...” (p.54)

7. A Arte de Obedecer à Natureza

Sêneca:

“O que é, na verdade, a razão? A imitação da natureza. E o soberano bem? Uma conduta conforme ao voto da natureza.” (p.11)

“A natureza, na verdade, é o guia que se deve seguir. É ela que observa, que consulta a razão. É, pois, a mesma coisa: viver feliz ou viver segundo a natureza.” (p.11)

Carton:

Mas, seguir a natureza, em que consistirá? Em ser escravo da verdade; em procurá-la antes de tudo e entronizá-la na vida pela obra diária do sábio governo de si próprio, auxiliado pela reflexão e pela meditação; em fazer ato ao mesmo tempo de ciência, de filosofia e de religião. Porque se não se aliassem os princípios científicos aos princípios filosóficos e religiosos, as ligações naturais do homem e o fim da sua vida seriam desconhecidos. Seguir-se-ia então uma concepção falsa dos verdadeiros bens, uma aberração sobre as condições normais da existência material e mental. Foi o que Sêneca compreendera perfeitamente. (p.12)

Sêneca:

“O título de feliz não é consagrado ao homem que está fora da verdade; por toda a parte a vida feliz é aquela que tem por base um critério esclarecido e seguro, que é a base imutável da vida.” (p.12)

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Veja em nossos websites a íntegra do livro “O Naturismo em Sêneca”, de Paul Carton.

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O artigo acima foi publicado como item independente nos websites associados dia 8 de julho de 2020. Uma versão ligeiramente diferente desta compilação está publicada sem indicação do nome do editor, sob o título de “O Estudo de Carton Sobre Sêneca”,  na edição de fevereiro de 2019 de “O Teosofista”, pp. 3-5.

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27 de janeiro de 2019

O Naturismo em Sêneca

Buscando a Harmonia com as Leis da Natureza

Paul Carton



O filósofo Lúcio Sêneca, a capa da presente obra e o pensador Paul Carton




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Nota Editorial de 2019

O filósofo Lúcio Séneca (ou Sêneca) viveu no
mundo romano desde o ano 4 AEC até 65 EC.

Paul Carton é um filósofo pitagórico dos
tempos modernos e um pioneiro da medicina
natural. Nascido a 12 de março de 1875, viveu
até 1947. Deixou uma vasta obra, de grande   
valor para a filosofia esotérica e teosófica. Um
dos seus livros mais famosos é um comentário
aos Versos de Ouro de Pitágoras, “Vida Perfeita”.

(Carlos Cardoso Aveline)

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O naturismo é uma doutrina sintética, ao mesmo tempo científica e filosófica, que tem por fim assegurar a melhor evolução da humanidade, preconizando a obediência primordial às leis da Natureza, visto que representa a obra de Deus. [1]

A medicina naturista ocupa-se mais particularmente do estudo da constituição do homem e das suas condições de vida normal,  tendo em conta as suas origens, os laços que o unem estreitamente aos meios naturais e a evolução que o conduz progressivamente para a Perfeição Suprema. Ocupa-se acima de tudo em estabelecer bem as leis físicas, vitais e espirituais que regem a vida humana, porque as razões da saúde e da doença provêm de fatos de obediência ou de desobediência às leis divinas e naturais. Ensina que as doenças declaram-se como resultadas de faltas acumuladas e a título de provações que avisam, corrigem e educam.



NOTA:

[1] “A obra de Deus”,  isto é, a obra da evolução da vida, que se desdobra de acordo com a Lei Universal e com as inteligências divinas. Em filosofia clássica e teosofia original não há deus monoteísta. Há uma lei universal e uma pluralidade de inteligências divinas. “Deus” é um termo confuso, que pode significar muitas coisas contraditórias. A palavra é aceitável quando definida claramente como a inteligência cósmica abstrata, presente em cada ser e que não pode ser descrita e  muito menos definida como um “Senhor” ou ser pessoal. Veja em nossos websites associados os artigos Mestres Ensinam Que Não Há Deus”, “A Teosofia e a Crença em Deus”,  Carta de Prayag - a Dimensão Sutil da Crença em Deus” e “Deus e Guerra no Oriente Médio”.  (CCA)

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O livro “O Naturismo em Sêneca” foi publicado em nossos websites associados dia 27 de janeiro de 2019.

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Clique aqui para ver o artigo Os Versos de Ouro de Pitágoras.

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