28 de junho de 2025

Uma Lição de Roma Antiga

 
O Diálogo de Duas Moscas
Enquanto o Imperador Chega à Capital
  
Carlos Cardoso Aveline




De acordo com os Ioga Sutras de Patañjali, uma das qualidades positivas a desenvolver é Asteya, abstenção do roubo. A ideia é mais complicada do que parece, porque há formas subconscientes de furto.

Alguns setores do eu inferior, por exemplo, estão sempre dispostos a roubar o lugar do eu superior, isto é, da alma imortal.

Quantas vezes, apesar das suas enormes imperfeições, o eu inferior tenta atribuir a si mesmo as características da alma imortal e se considera infalível, digno de todo aplauso e sinceras homenagens?

Conta-se que certa vez, durante o império romano, o imperador chegava à cidade capital depois de uma grande vitória militar. Era de manhã e o dia estava ensolarado. De pé na sua quadriga - carro de guerra puxado por quatro cavalos - o imperador sorria e saudava com a mão o povo reunido para aplaudi-lo no momento de glória. Mas a quem pertencia a glória?

Um pedaço de esterco, produzido pelos cavalos, estava grudado à parte de fora do carro do imperador. Firmemente instaladas naquela substância orgânica, duas moscas conversavam com toda comodidade, enquanto desfrutavam do seu café da manhã e viviam o momento da chegada a Roma.

Apontando para a multidão que aplaudia, a mosca mais experiente disse à sua colega:

- Estás vendo como sou popular neste local?

E interrompeu a refeição, passando a saudar o povo com suas patas dianteiras. Olhava ao mesmo tempo para a sua colega, como se dissesse com satisfação:

- Olha bem - é um momento histórico.

Qual é a lição do episódio?

Com frequência este é o comportamento do eu inferior, no mundo interno de quem trata de buscar a sabedoria. Cada vez que o peregrino obtém uma vitória no caminho do autoaperfeiçoamento, o eu inferior se prepara para receber os aplausos, enquanto diz a si mesmo:

“Esta vez estive de fato magnífico”.

A figura do imperador-guerreiro representa aquela parte do eu inferior que vai à luta e vence batalhas na busca da verdade. Ele destrói os aspectos mais grosseiros da ignorância e amplia a área de autoconhecimento do aprendiz. As duas moscas, viajando na parte externa mais baixa da carroça, representam os aspectos atrasados do eu inferior. Os insetos vivem a situação de escravos da comodidade. Fazem um banquete com coisas pouco saudáveis. E para vencer o tédio, cultivam a vanglória com base na fantasia.

Todo ser humano tem dentro de si um imperador-guerreiro e uma mosca ou duas. Cabe renunciar ao banquete cheiroso desfrutado pela mosca, para trilhar o caminho íngreme do guerreiro autorresponsável.

É a combinação da coragem com a humildade que produz a vitória. É fácil ter coragem, se não houver humildade. E qualquer um pode ser humilde, se não houver coragem. Mas o mérito está em somar estas duas qualidades e administrá-las com base no discernimento e no bom senso.

Para isso os peregrinos experientes consideram útil compreender alguns fatos básicos:

* O eu inferior não vive muito tempo: com frequência, menos de um século.

* Ele é imperfeito.

* Além de durar pouco, o eu inferior tem dificuldades de aprendizagem e, como acontece com certos animais domésticos, alguns setores dele podem ser bastante teimosos.

Mas o eu inferior também pode trabalhar com lealdade por aquilo que é permanente.

Apesar das dificuldades, ele é capaz, pouco a pouco, de aprender. Está a seu alcance lutar para corrigir seus próprios erros, porém não consegue eliminar os erros dos outros. Perseverando na direção correta, ele pode libertar-se de grandes quantidades de ignorância.

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O artigo “Uma Lição de Roma Antiga” está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 28 de junho de 2025. Uma versão inicial dele faz parte da edição de abril de 2024 de “O Teosofista”, pp. 12-13.

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Leia mais:




* Corpo e Alma, Cavalo e Cavaleiro (texto de Theodoro D’Almeida).

* João de Deus, Louco, Santo, e Sábio (Como a Ruptura da Rotina Psicológica Pode Abrir as Portas Para a Vida Mística).

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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 

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