Fortalecendo a Autoconfiança
e o Discernimento dos Amigos
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Pode ser um casamento em crise, uma senhora de meia-idade momentaneamente arrependida do rumo que deu à sua vida, ou um jovem que não sabe que profissão escolher. O que fazer quando alguém nos pede conselhos sobre dificuldades pessoais que está enfrentando?
Pedir amparo psicológico é um fato natural. Os seres humanos trocam palavras e energia o tempo todo, e devem poder confiar uns nos outros, falar das suas dores e incertezas, intercambiar experiências e ponderações. Numa sociedade saudável, essa forma de apoio mútuo é parte do cotidiano.
O que as pessoas mais precisam, atualmente é de vínculos humanos confiáveis. Se pudéssemos todos ter - e merecer - a confiança uns dos outros, o mundo melhoraria com rapidez impressionante. Muitos de nós se rodeiam de uma couraça protetora por medo de confiar nas pessoas, e assim caem num isolamento psicológico.
O ciúme, a competição e a inveja são resultados da falta de confiança recíproca - e também da falta de pessoas que sejam dignas da confiança depositada nelas.
Há maridos que não confiam nas mulheres, e mulheres que não confiam nos maridos. Há competição e inveja entre colegas de trabalho, amigos e irmãos. Numa escala maior, quem considera confiáveis os políticos e demais dirigentes do país? A energia é a mesma no mundo individual e no coletivo, no micro e no macro. Quanto mais o dinheiro é exaltado em nossa sociedade, menos confiança se tem nos sentimentos entre as pessoas. Nesse contexto incerto, o conselheiro que ajuda alguém em crise pessoal surge como um amigo que faz pensar a vida mais profundamente. Funciona como um apoio flexível que não leva à dependência, mas à autonomia.
Como Cuidar das Minhas Feridas
Digamos que eu queira parar agora e “cuidar das minhas feridas”, fazendo um inventário dos sofrimentos por que passei na vida, com o objetivo de libertar-me dos sofrimentos acumulados - através da compreensão serena do mecanismo que os produz. Quantas pessoas estarão preparadas para ajudar-me? Poucas, talvez. No entanto, o apoio psicológico mútuo é parte importante da caminhada pela vida. O trabalho verdadeiramente espiritual não consiste em fazer propaganda de certas ideias religiosas ou filosóficas, mas em dar elementos práticos para que as pessoas sofram menos em suas vidas e fortaleçam a ligação consciente com suas almas imortais.
Na realidade, todos somos conselheiros. Influenciamos de mil modos diferentes nossos colegas, amigos, filhos, vizinhos e conhecidos. Por que não tomarmos plena consciência desse processo? Por que não sermos mais sábios nessa função? Toda tentativa de ser útil a outra pessoa é uma oportunidade para testarmos nossos conhecimentos sobre a arte de viver.
Paradoxalmente, o primeiro ponto de qualquer manual do bom conselheiro afirma:
“Não diga o que o outro deve fazer.”
Você pode dizer que ônibus tomar para chegar a certo bairro da cidade, ou dar conselhos práticos sobre coisas concretas. Mas não diga o que outra pessoa deve fazer em sua vida pessoal. O bom conselheiro sabe que dar instruções simples e mecânicas é tratar o outro como incapaz. É reduzir-lhe ainda mais a autoestima e fazer com que o problema de fundo aumente. Um bom “manual do conselheiro” diria:
“Aproveite o pedido de conselho como instrumento para fazer com que o outro reflita mais profundamente sobre a vida desde um ponto de vista saudável e otimista-realista, estimulando a sua capacidade de enfrentar dificuldades e assumir responsabilidades sobre si próprio.”
A mesma meta é válida para o seu próprio autoaconselhamento. Você só pode aconselhar alguém com base na sua experiência vivencial, mas precisa guardar a devida impessoalidade e o desapego. O presente artigo não contempla aconselhamento profissional nem pago de qualquer forma, e se limita a situações em que conselheiro e aconselhado compartilham uma filosofia de vida altruísta e espiritual. O aconselhamento deve ser um fato episódico relativamente isolado e não um processo estendido que gere dependência e complicações.
O objetivo da conversa de aconselhamento é ajudar o aconselhado a tomar decisões maduras e independentes, depois de um primeiro momento de desabafo e de um segundo momento de contemplação serena do problema e das alternativas possíveis. Assim, o conselheiro é antes de mais nada um amigo que sabe escutar. Não pretende conhecer tudo ou tomar decisões pelo outro, mas dá apoio em geral e ajuda a clarificar a situação. “Dar conselhos específicos não é correto, porque viola a autonomia da personalidade”, escreve Rollo May. [1] Toda dependência deve ser evitada. O aconselhado deve sentir que ele é o autor do seu progresso.
A chave do aconselhamento está na empatia, isto é, na capacidade de se colocar no lugar do outro sem perder a paz emocional nem a clareza de ideias.
Um poeta escreveu que “a amizade ocorre quando a alma muda de casa”. Nesse ponto, a empatia é como a amizade: você se coloca psicologicamente nas condições do outro e então ele se sente apoiado. Ser de fato aceito e compreendido por alguém cura as feridas da alma. A sensação de solidão psicológica do cidadão moderno é produzida pela falta de empatia ou amizade profunda nas relações humanas. O conselheiro, ao ver uma pessoa que está passando por crise pessoal ou sofrimento agudo, usa a empatia para transmitir energia positiva ao outro. O conselheiro não decide pelo outro: apenas é solidário. Ele dá atenção às pessoas, conectando-as ao que elas têm de melhor em si mesmas, porque as faz pensar a vida do ponto de vista do potencial divino que há em cada uma delas. E pode fazer algumas sugestões abstratas - para testar a capacidade do aconselhado de focar em alternativas -, mas não precipita conclusões.
É comum eu ser procurado em busca de conselho. Considero essa tarefa uma atividade sagrada. Na maior parte dos casos é uma crise pessoal que rompe a nossa grossa camada de ilusões sobre a vida, permitindo-nos descobrir com mais força e clareza o caminho espiritual. Precisamos de pessoas confiáveis que possam servir como testemunhas enquanto colocamos em cima da mesa e examinamos sentimentos que ficaram presos em nosso subconsciente - às vezes durante muitos anos - à espera de uma oportunidade para sair à luz do sol e encontrar uma resolução. Então conseguimos compreender nosso sofrimento, tirando dele as conclusões práticas necessárias para alcançar o nível de felicidade que nos é possível nesta encarnação.
O conselheiro deve mostrar ao aconselhado a realidade dura da vida, embora de modo impessoal. As ilusões são grande fonte de sofrimento. Certa vez conversei por algumas horas com uma profissional eficiente, de meia-idade, que sentia que seu mundo psicológico estava à beira da destruição devido à chegada da velhice.
“O destino de todos nós, como seres orgânicos, é amadurecer, envelhecer e morrer”, disse eu. “Por isso, devemos viver cada dia de modo responsável e de maneira pensada. Em algum momento poderemos descobrir que a morte do corpo físico, quando vem depois de uma vida útil para o espírito, é apenas um longo sono reparador, algo temporário. E que este sono dará lugar no momento certo a um novo nascimento em condições diferentes, de modo que o aperfeiçoamento da alma avance mais.”
Cinco Instrumentos Úteis
Cada vida é frágil e preciosa, e as crises fazem parte dela. As causas das fases pessoais difíceis que todos atravessamos são diversas. Cinco instrumentos, entre outros, podem ajudar-nos a passar pelas tempestades:
1) Sinceridade e sabedoria no diálogo interno consigo mesmo.
A verdade é que com certa frequência enganamos a nós próprios. Deixamos de fazer o que sabemos que é certo; fazemos o que sabemos que é errado, e fingimos acreditar que pode ser bom negócio deixar a verdade de lado. A conscientização desse processo produz grande alívio.
2) Sinceridade e sabedoria no diálogo com os outros.
O fato de enganar a nós próprios faz com que enganemos, ou tratemos de enganar, aos outros. Deixar essa prática de lado gera paz interior.
3) Percepção da vida como um processo de aprendizagem maior do que uma única existência pessoal.
A visão da vida como processo isolado e de curto prazo é grande fonte de ignorância e sofrimento. Saber que a vida é eterna - ainda que seja fisicamente intermitente devido à lei da reencarnação - elimina a principal fonte de medo.
4) Percepção da lei do carma, que nos torna responsáveis por tudo o que vivemos.
O que se planta se colhe. Tudo o que se faz, pensa ou sente fica registrado e voltará a nós, porque a lei de ação e reação funciona em todos os níveis de consciência, e não apenas no plano físico. Quem percebe isso de fato, e não só em teoria, toma as rédeas da vida e constrói sua própria felicidade.
5) Definição de uma meta clara para a nossa vida individual.
Esse objetivo central é inseparável de valores altruístas e de um método prático baseado na verdade e na justiça. Quando sabemos o que queremos, podemos eliminar o desperdício de energia vital que decorre da adoção de objetivos contraditórios entre si. Assim, alcançamos o êxito.
A Arte de Ajudar a Si Próprio
Evidentemente, não poderemos ajudar alguém se não soubermos ajudar a nós próprios. Antes de aconselhar outra pessoa, é preciso ter experiência em aconselhar a si mesmo, fazendo as recomendações corretas para o nosso subconsciente e nosso ser emocional. Toda empatia com outra pessoa é apenas consequência da empatia com a nossa vida interior. Quem se conhece pode conhecer os outros melhor, porque os seres humanos funcionam sempre como espelhos uns dos outros. Levar a sério a nossa própria vida e direcioná-la corretamente nos faz encarar com mais clareza a vida das pessoas que conhecemos.
Helena Blavatsky escreveu que é impossível ajudar os outros no plano espiritual sem ser beneficiado pela nossa boa ação, e que também é impossível avançar no caminho sem ajudar os outros. Isso significa que o desejo natural de aliviar a dor psicológica das pessoas com quem convivemos é parte central do nosso aprendizado da vida. Nem sempre ajudar necessita de discussão ou debate. Em alguns casos, poucas palavras podem ser suficientes, devido ao processo que eu chamo de “telepatia subconsciente” ou tele-empatia. O psicoterapeuta norte-americano Rollo May escreveu sobre as formas sutis de comunicação entre as pessoas:
“Empatia é o termo geral que designa toda e qualquer participação de uma personalidade no estado psíquico de outra, e a hipótese de telepatia está ligada a um aspecto dessa participação.” [2]
Freud e outros comprovaram inúmeros casos de telepatia entre pais e filhos, e sabe-se que ela ocorre sempre que há afinidade profunda entre duas pessoas. Um exemplo dos mais frequentes: você está pensando em alguém, toca o telefone e é a mesma pessoa que fala. Essa é uma comunicação oculta óbvia, mas há inúmeras outras, mais subjetivas. Cada um de nós irradia o tempo todo sua energia mental e emocional, enquanto também recebe energia de pessoas cujos corpos físicos tanto podem estar perto como longe.
Para Rollo May, devemos admitir sinceramente que grande parte da comunicação e entendimento entre as pessoas ocorre por meios mais sutis e mais intangíveis do que a palavra. O tom de voz, a linguagem corporal, expressão facial, gestos com as mãos ou expressão dos olhos funcionam como instrumentos auxiliares da comunicação telepática. Esse processo é independente da linguagem verbal. Quando o conjunto das manifestações do nosso ser surge do nosso centro mais verdadeiro, alcançamos uma certa integridade e podemos irradiar verdadeira paz ao nosso redor, ou para uma pessoa que enfrenta problemas. Vamos supor algumas situações concretas e as possibilidades correspondentes de ação por tele-empatia.
UM
Seu filho adolescente - ou irmão, ou amigo - apresenta baixa autoestima na área da formação profissional. Você pode:
a) Aceitar que se crie uma imagem negativa dele nessa área;
b) Discutir com ele a questão, dando-lhe ânimo;
c) Identificar de que modo ele está sendo espelho de algum aspecto seu, e irradiar silenciosamente energia vitoriosa e autoimagem positiva para ele;
d) Descartar a alternativa a e combinar o uso das alternativas b e c.
DOIS
A pessoa X antipatiza com você. Você sente isso no ar, na presença e na ausência da pessoa. Você pode:
a) Alimentar pensamentos negativos sobre X;
b) Pensar conscientemente que sua atitude diante da pessoa é “respeito e distância”;
c) Avaliar o que se deve fazer para desarmar a situação de possível inveja ou competição.
TRÊS
Uma pessoa qualquer enfrenta um problema sério. Você pode:
a) Comentar com os outros: “Sabe da última? Tal pessoa está enfrentando um problema sério...”;
b) Ficar indiferente;
c) Pensar silenciosamente no bem dessa pessoa e cortar com decisão quaisquer comentários negativos sobre ela que venha a escutar, sem construir com isso expectativas de qualquer tipo.
Em qualquer caso, quando temos força mental suficiente para manter padrões vibratórios positivos em relação aos outros, sem perda da nossa própria autoestima, criam-se situações muito favoráveis e podemos funcionar como um centro invisível de paz e bem-estar psicológico para as outras pessoas. Somos então um “ajudante invisível” dos que nos rodeiam. Nossos gestos solidários e nossa linguagem externa virão carregados com a marca da coerência. Podemos ser atacados por isso, mas valerá a pena.
Dentro do contexto da empatia e da tele-empatia, uma conversa de aconselhamento é muito mais do que uma troca de palavras. É o diálogo total entre duas auras e duas almas, e a troca de palavras deve estar a serviço dessa empatia ou troca energética multidimensional. O aconselhador deve proceder com total impessoalidade. Caso contrário, o sofrimento que ele eliminar na vida da outra pessoa pode vir para ele na forma de energia negativa. Deve ter constante vigilância sobre seus próprios pontos fracos. Isso tudo o fará avançar mais rapidamente em sua caminhada individual.
O objetivo da evolução humana na sua atual etapa se resume, de um modo geral, na ideia de que a energia divina em cada um de nós seja capaz de relacionar-se com a energia divina nos outros, e que este padrão energético possa reestruturar as relações humanas desde o casal e a família até a ordem econômica internacional. Esse tipo de onda vibratória expressa na prática a ideia da fraternidade universal. Podemos dizer que o bom conselheiro atua a partir dessa vibração sincera dentro de si. Através do exemplo, da irradiação silenciosa de energia e também do diálogo verbal, ele encaminha o aconselhado para um padrão consciente de produção de paz.
A corrente psicoterapêutica Análise Transacional trabalha com essa ideia básica:
“Eu estou OK, você está OK”. [3]
Trata-se de aprender a ter uma boa autoestima sem precisar rebaixar os outros para isso. Essa percepção integrada das coisas também pode ser chamada de “inteligência emocional”. Há dois mil anos, o mestre Jesus chamou essa técnica de “amar os outros como a si mesmo”. No século 21, manter uma tal atitude significa apenas que possuímos uma dose razoável de inteligência e bom senso. É o mínimo que se espera de um cidadão atento para a vida. E isso nos coloca a todos na condição simultânea de conselheiros e aconselhados.
Ação Prática:
Levantando Problemas e Alternativas
Uma técnica simples e eficaz de aconselhamento entre amigos se desenvolve em três etapas.
* Primeiro, vem o desabafo. O aconselhado joga seus sentimentos para fora. Sofrimentos antigos, reprimidos, vêm à tona. O conselheiro ajuda a localizar onde está a fonte da dor - será a fuga do sofrimento e a busca do prazer? - e cuida para manter a objetividade em todos os momentos. O trabalho pode ser intercalado uma ou duas vezes por uma meditação, silenciosa ou conduzida.
* O segundo ponto da pauta já não se dá no plano emocional, e sim no nível mental, e por isso é necessária a serenidade que vem depois da tempestade. Agora se faz um exame atento e tranquilo das alternativas práticas possíveis. O que se pode fazer para superar o problema, com os dois pés bem colocados na realidade? Qual é a meta da vida? Em função dela, o que fazer na situação concreta? Que práticas laterais - estudo de teosofia clássica, ioga, uma nova filosofia de vida - podem aumentar a eficácia do aconselhado na vida como processo de longo prazo? Trata-se, aqui, de fazer um inventário o mais completo possível das possibilidades de ação, com as respectivas consequências de cada uma delas. É bom colocar um resumo no papel.
* O terceiro e último ponto da pauta, cuja realização não pode ser apressada, é o das resoluções. Se o aconselhado já tiver a suficiente autoconfiança emocional, pode tomar decisões que requeiram mais esforço e persistência. Caso contrário, é melhor começar com decisões menores, mas praticáveis, que sirvam para a construção da autoconfiança e o acúmulo de experiência ao longo das novas linhas de ação que se abrem depois do primeiro e do segundo pontos de pauta.
Essa técnica também pode ser aplicada individualmente por uma pessoa, tomando o seu próprio caderno de anotações [4] como testemunha dos seus sentimentos e pensamentos. A técnica pode ser útil para um casal ou um grupo de trabalho que vive momentos difíceis. Neste último caso, a função de conselheiro-registrador é rotativa, em cada uma das etapas. (CCA)
NOTAS:
[1] “A Arte do Aconselhamento Psicológico”, Rollo May. Vozes, Petrópolis, RJ, 9ª edição, 198 páginas; ver p. 125.
[2] “A Arte do Aconselhamento Psicológico”, obra citada, pp. 65-778.
[3] “Eu Estou OK, Você Está OK”, Thomas A. Harris. Artenova, Rio de Janeiro, 1997, 307 páginas. À justiça e equidade nas relações humanas é um ideal tão antigo quanto o da fraternidade, do qual é inseparável. Está presente em praticamente todas as correntes de pensamento psicológico, filosófico e religioso.
[4] Leia o artigo “O Caderno da Vontade”, de Jean des Vignes Rouges. E veja aqui outros textos de JVR.
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O artigo “A (Difícil) Arte de Aconselhar” está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde o dia 07 de julho de 2025. Uma versão inicial dele foi publicada como texto de capa na edição de janeiro do ano 2000 da revista “Planeta”, de São Paulo.
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Leia mais:
* Regra da Vida Honesta (tratado estoico clássico de Martinho Bracarense).
* João de Deus, Louco, Santo, e Sábio (Como a Ruptura da Rotina Psicológica Pode Abrir as Portas Para a Vida Mística).
Veja a seção temática
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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