Uma Respiração Profunda Pode
Alterar o Estado de Consciência
Maurício Andrés Ribeiro
Respirar é um ato que todo animal ou vegetal realiza do
início ao final de sua vida. Da primeira inspiração ao último suspiro, o corpo
interage com a atmosfera. Mas respirar não é apenas um ato natural. A
respiração consciente, os vários modos e formas de respirar, o aprender a
respirar corretamente, transformam esse ato elementar num ato cultural.
Foi durante minha estadia na Índia, nos idos da década de
1970, que tomei consciência da importância cultural da respiração. Os antigos
iogues desenvolveram a prática de exercícios respiratórios como forma de
concentração. Essa tradição desenvolveu técnicas de controle da respiração e
modos de inspirar e expirar a energia que mantém a vida e que está presente em
toda a natureza, conhecida como prana.
As práticas de ioga utilizam diversas posturas (ásanas) e
exercícios respiratórios (pranayamas) para aprimorar o uso do corpo. Um bom
controle sobre o corpo ajuda a controlar a mente e a obter maior profundidade
de percepção e conhecimento. Uma atitude básica da meditação é o focar a
atenção na respiração, pois quando se observa o movimento do ar para dentro e
para fora dos pulmões, deixa-se de pensar no passado ou no futuro e a atenção
orienta-se para o momento presente. A consciência do ato de respirar, associada
à vibração de um som como o OM (som universal) durante a expiração, acalma o pensamento
e a mente. Trata-se de prática que pode ser exercitada cotidianamente nos tempos
de deslocamento, nos transportes e salas de espera.
O espiritualismo da cultura indiana se ancora na matéria,
vista como manifestação ou corporificação do espírito. Os fundamentos materiais
dessa espiritualidade foram testados em milênios de história e deu-se muita
atenção a atos elementares. Para a tradição indiana, o próprio universo é
criado e extinto de acordo com o ritmo da respiração de Brahma, que, ao expirar
ou inspirar, regula os ritmos universais.
Há várias formas de se respirar, cada qual com seus
efeitos sobre o corpo, sobre a mente e as emoções. O exercício de ritmar a
respiração voluntariamente induz ao equilíbrio físico-emocional e aumenta a
capacidade de percepção sensorial e mental.
A boa respiração reduz estresse, hipertensão, depressão,
relaxa, ajuda a emagrecer. Leva a um maior equilíbrio, bem-estar,
flexibilidade, saúde. O estado de tranquilidade e de boa irrigação sanguínea
que produz pode ser considerado uma preparação para níveis de desenvolvimento
espiritual mais elevados, em que há mais percepção, mais consciência, mais
harmonia na movimentação corporal e nos relacionamentos, mais segurança nas
ações cotidianas, entre outras virtudes e habilidades. A maior ventilação proporcionada
por uma respiração profunda pode alterar o estado corporal e de consciência. Nesse ponto, é oportuno realçar a
importância da sobriedade e advertir contra abusos em exercícios respiratórios,
e contra práticas como a retenção da respiração e outras manipulações perigosas
para a saúde física e cerebral.
Cada atividade humana e estado de saúde se associa a uma
forma de respiração. Um músico que toca um instrumento de sopro, como uma
flauta, precisa ter fôlego e um controle preciso da respiração e do ar;
atletas, nadadores, aqueles que desenvolvem trabalhos físicos, têm atividade
respiratória e trocas de oxigênio e carbono mais intensas do que quem vive
sedentariamente; a insuficiência respiratória de doentes exige aparelhos para
ser compensada com a respiração artificial.
Durante a vida desaprendemos a respirar corretamente.
Desenvolver a ciência e a arte de respirar faz parte de uma cultura
respiratória fundamental e quase esquecida, pois toma-se esse ato apenas como
um dado natural, sem refletir ou compreender sua real importância e suas
variações.
Na sociedade contemporânea, além de aprender a ser, a conviver,
a conhecer e a fazer, a educação corporal ou física inclui aprender a respirar,
aprender a alimentar-se e a se movimentar. A educação do corpo é um fundamento básico
para a educação do ser. Isso significa que a reeducação respiratória é tão importante
quanto a educação dos sentidos, a tomada de consciência sobre a cultura alimentar
e outras formas de educação essenciais para a vida individual e coletiva.
A civilização indiana foi a que mais se aprofundou nessas
ciências e artes e que as comunicou de forma compreensível, construindo um
patrimônio intangível que vem sendo revalorizado devido aos benefícios práticos
que proporciona.
A pessoas de minha relação que se entediam quando não têm
nada para fazer, costumo dizer:
“Respirem...”
Procuro assim valorizar esse ato vital, básico,
fundamental para a vida.
Mas admito que esse fato desperta admiração ou
curiosidade, especialmente entre aqueles que ainda não tomaram consciência da
respiração como um ato cultural.
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Maurício Andrés Ribeiro é autor dos
livros “Ecologizar” e “Tesouros da Índia”.
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