3 de junho de 2012

O Significado de um País

Fragmento Ético de um Filósofo do Século 5 d.C.

Hierocles de Alexandria


 As bandeiras de Portugal e do Brasil. Na bandeira
brasileira o céu é símbolo da consciência cósmica. No centro
da bandeira portuguesa, o globo simboliza a consciência planetária. 


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Nota Editorial:

O fragmento a seguir, do filósofo neoplatônico
Hierocles de Alexandria, mostra que a comunidade
e a terra em que nascemos merecem no mínimo o
respeito dos governantes e a nossa sincera consideração.

(Carlos Cardoso Aveline)

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Os Deuses são testemunhas de que nosso país é uma espécie de divindade secundária, e o nosso primeiro e o nosso maior progenitor. É por isso que o seu nome, com muita razão, é pátria, que deriva de pater, pai, mas com uma terminação feminina, para que seja, de certo modo, uma mistura de pai e mãe. Isso também explica o fato de que o nosso país deveria ser homenageado junto com nossos pais, sendo preferível a qualquer um deles separadamente, e sendo preferível até mesmo aos dois em conjunto; sendo preferível, além disso, a nossa esposa, nossos filhos e amigos, e em suma sendo preferível a todas as coisas, exceto aos Deuses.

Aquele que der mais importância a um dedo que a cinco dedos será considerado estúpido, na medida em que é mais correto preferir cinco do que um; a primeira opção despreza o mais desejável, enquanto a segunda opção preserva também o dedo específico entre os demais. Da mesma forma, aquele que deseja salvar a si próprio mais que ao seu país, além de agir de maneira errada, deseja uma impossibilidade. Ao contrário, aquele que prefere seu país a si próprio é amado pela divindade e raciocina de maneira adequada e irrefutável.

Além disso, tem sido observado que embora alguém possa não ser membro de uma sociedade organizada, permanecendo à parte dela, ainda assim é adequado que a pessoa prefira a segurança da sociedade à sua própria segurança, porque a destruição da cidade demonstraria que sem ela o cidadão individual não pode existir, assim como a amputação da mão implica a destruição do dedo que é parte dela. Podemos, portanto, chegar à conclusão de que a utilidade geral não pode ser separada do bem-estar individual, porque os dois, no fundo, são idênticos. Porque qualquer coisa benéfica para o país inteiro é comum a cada uma das suas partes, assim como, sem as partes, o todo é nada. Vice-versa, tudo o que provoca o benefício do cidadão é benéfico também para a cidade. A natureza da cidade consiste em produzir benefícios para o cidadão. Por exemplo, tudo que é bom para um dançarino será, na medida em que ele é um dançarino, bom também para todo o corpo dos dançarinos. Aplicando esse raciocínio para o poder discursivo [racional] da alma, ele lançará luz sobre cada dever em particular, e nunca deixaremos de fazer tudo o que é devido em relação ao nosso país.   

É por essa razão que um homem que pretende agir honestamente em relação ao seu país deve remover da sua alma toda paixão e toda desordem. As leis do país deveriam ser obedecidas pelo cidadão como preceitos de uma divindade secundária [1], conformando-se completamente aos seus mandatos. Aquele que tenta transgredir ou fazer qualquer inovação [2] dessas leis deve ser impedido de todas a maneiras possíveis, e deve-se impedir que ele o faça de todos os modos. O desprezo pelas leis existentes e a preferência por novas leis não são benéficos para a cidade de modo algum. Os inovadores incuráveis, portanto, devem ser impedidos de dar seus votos e de fazer inovações apressadas. Elogio, portanto, o legislador Zaleucus de Locri, que determinou que aquele que pretendesse introduzir uma nova lei deveria fazê-lo com uma corda colocada no seu pescoço, para que pudesse ser imediatamente estrangulado, a menos que conseguisse mudar a antiga constituição do estado de modo que causasse uma grande melhora para a comunidade.

Mas os costumes que são verdadeiramente do povo e que talvez sejam mais antigos que as próprias leis, devem ser preservados tanto quanto as leis. No entanto, os costumes atuais, que são apenas de ontem, e que em toda parte foram introduzidos tão recentemente, não devem ser dignificados como os costumes dos nossos ancestrais, e talvez nem devam ser considerados costumes.[3] Além disso, porque o costume é uma lei não-escrita, ele tem como fonte de legitimidade a autoridade de um ótimo legislador, que é o consentimento comum de todos os que o seguem, e talvez por esse motivo a sua autoridade seja pouco menor que a autoridade da própria justiça.

NOTAS:

[1] Será interessante observar quantas leis e regulamentações em nosso país são justas e quantas são absurdas, o que induz aos cidadãos à ilegalidade. (CCA)

[2] É claro que inovações são necessárias quando surgem novas realidades. Aqui o texto se refere a mudanças desnecessárias, casuísticas, promovidas em função de interesses pequenos. (CCA)

[3] Hierocles se refere aqui às inovações dos cristãos. (CCA)

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Título Original do Texto: “Sobre Como Deveríamos Comportar-nos em Relação ao Nosso País” (“On How We Ought to Conduct Ourselves Towards Our Country”). O texto faz parte dos “Fragmentos Éticos” de Hierocles. O fragmento foi traduzido do volume “The Pythagorean Sourcebook and Library”, Compiled and Translated by Kenneth Sylvan Guthrie, edited by David R. Fideler, Phanes Press, 1987, Michigan, EUA, edição em um volume de 361 pp. Ver pp. 276-277.

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