Fragmento Ético de um Filósofo do Século 5 d.C.
Hierocles de Alexandria
As bandeiras de Portugal e do
Brasil. Na bandeira
brasileira o céu é símbolo da
consciência cósmica. No centro
da bandeira portuguesa, o globo
simboliza a consciência planetária.
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Nota Editorial:
O fragmento a seguir, do filósofo
neoplatônico
Hierocles de Alexandria, mostra
que a comunidade
e a terra em que nascemos merecem
no mínimo o
respeito dos governantes e a
nossa sincera consideração.
(Carlos Cardoso Aveline)
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Os Deuses são testemunhas de que nosso país é uma espécie de divindade
secundária, e o nosso primeiro e o nosso maior progenitor. É por isso que o seu
nome, com muita razão, é pátria, que deriva de pater, pai, mas
com uma terminação feminina, para que seja, de certo modo, uma mistura de pai
e mãe. Isso também explica o fato de que o nosso país deveria ser
homenageado junto com nossos pais, sendo preferível a qualquer um deles
separadamente, e sendo preferível até mesmo aos dois em conjunto; sendo
preferível, além disso, a nossa esposa, nossos filhos e amigos, e em suma sendo
preferível a todas as coisas, exceto aos Deuses.
Aquele que der mais importância a um dedo que a cinco
dedos será considerado estúpido, na medida em que é mais correto preferir cinco
do que um; a primeira opção despreza o mais desejável, enquanto a segunda opção
preserva também o dedo específico entre os demais. Da mesma forma, aquele que
deseja salvar a si próprio mais que ao seu país, além de agir de maneira
errada, deseja uma impossibilidade. Ao contrário, aquele que prefere seu país a
si próprio é amado pela divindade e raciocina de maneira adequada e irrefutável.
Além disso, tem sido observado que embora alguém possa
não ser membro de uma sociedade organizada, permanecendo à parte dela, ainda
assim é adequado que a pessoa prefira a segurança da sociedade à sua própria
segurança, porque a destruição da cidade demonstraria que sem ela o cidadão
individual não pode existir, assim como a amputação da mão implica a destruição
do dedo que é parte dela. Podemos, portanto, chegar à conclusão de que a
utilidade geral não pode ser separada do bem-estar individual, porque os dois,
no fundo, são idênticos. Porque qualquer coisa benéfica para o país inteiro é
comum a cada uma das suas partes, assim como, sem as partes, o todo é nada.
Vice-versa, tudo o que provoca o benefício do cidadão é benéfico também para a
cidade. A natureza da cidade consiste em produzir benefícios para o cidadão.
Por exemplo, tudo que é bom para um dançarino será, na medida em que ele é um
dançarino, bom também para todo o corpo dos dançarinos. Aplicando esse
raciocínio para o poder discursivo [racional] da alma, ele lançará luz sobre
cada dever em particular, e nunca deixaremos de fazer tudo o que é devido em
relação ao nosso país.
É por essa razão que um homem que pretende agir
honestamente em relação ao seu país deve remover da sua alma toda paixão e toda
desordem. As leis do país deveriam ser obedecidas pelo cidadão como preceitos
de uma divindade secundária [1],
conformando-se completamente aos seus mandatos. Aquele que tenta transgredir ou
fazer qualquer inovação [2] dessas
leis deve ser impedido de todas a maneiras possíveis, e deve-se impedir que ele
o faça de todos os modos. O desprezo pelas leis existentes e a preferência por
novas leis não são benéficos para a cidade de modo algum. Os inovadores
incuráveis, portanto, devem ser impedidos de dar seus votos e de fazer
inovações apressadas. Elogio, portanto, o legislador Zaleucus de Locri, que
determinou que aquele que pretendesse introduzir uma nova lei deveria fazê-lo
com uma corda colocada no seu pescoço, para que pudesse ser imediatamente
estrangulado, a menos que conseguisse mudar a antiga constituição do estado de
modo que causasse uma grande melhora para a comunidade.
Mas os costumes que são verdadeiramente do povo e que
talvez sejam mais antigos que as próprias leis, devem ser preservados tanto
quanto as leis. No entanto, os costumes atuais, que são apenas de ontem, e que
em toda parte foram introduzidos tão recentemente, não devem ser dignificados
como os costumes dos nossos ancestrais, e talvez nem devam ser considerados costumes.[3] Além disso, porque o costume é uma
lei não-escrita, ele tem como fonte de legitimidade a autoridade de um ótimo
legislador, que é o consentimento comum de todos os que o seguem, e talvez por
esse motivo a sua autoridade seja pouco menor que a autoridade da própria
justiça.
NOTAS:
[1] Será interessante observar
quantas leis e regulamentações em nosso país são justas e quantas são absurdas,
o que induz aos cidadãos à ilegalidade. (CCA)
[2] É claro que inovações são
necessárias quando surgem novas realidades. Aqui o texto se refere a mudanças
desnecessárias, casuísticas, promovidas em função de interesses pequenos. (CCA)
[3] Hierocles se refere aqui às
inovações dos cristãos. (CCA)
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Título Original do Texto: “Sobre Como Deveríamos
Comportar-nos em Relação ao Nosso País” (“On How We Ought to Conduct Ourselves
Towards Our Country”). O texto faz
parte dos “Fragmentos Éticos” de Hierocles. O fragmento foi traduzido do volume
“The Pythagorean Sourcebook and Library”, Compiled and Translated by Kenneth
Sylvan Guthrie, edited by David R. Fideler, Phanes Press, 1987, Michigan, EUA,
edição em um volume de 361 pp. Ver pp. 276-277.
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