Cartas dos Mahatmas Mostram O Que
Ocorre Entre a Morte e o Renascimento
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline
“Na natureza nada se cria,
nada se perde, tudo se transforma.”
(Lei de
Lavoisier)
1. Por Que
Estudar o Tema
O assunto da reencarnação é relativamente pouco compreendido nos meios
esotéricos do Brasil e de Portugal. Vamos descrever em detalhes, no presente
texto, o processo prático da reencarnação. Vamos analisar os vários estados e
estágios pelos quais uma individualidade humana passa desde o final de uma vida
física até o começo da próxima. Iremos investigar o que é que reencarna,
e qual é o intervalo médio de tempo entre duas vidas da mesma alma imortal,
segundo a filosofia esotérica de H. P. Blavatsky.
Cabe, porém examinar uma questão prévia: qual é a importância
prática de compreender a lei da reencarnação?
A resposta está na expansão de consciência.
Ao estudar o tema, aprendemos a pensar além da vida atual
e passamos a aceitar mais profundamente o fato de que somos mortais, enquanto
eus inferiores e concretos. Isso pode ser inquietante, no início, porque
inconscientemente gostamos de supor que somos eternos.
Depois da inquietação inicial, há por parte do estudante uma
grande expansão do sentimento de confiança na VIDA. O motivo da nova confiança
é a compreensão de que o centro essencial do seu ser viverá
ininterruptamente por dezenas de milênios, até alcançar a libertação e o
nirvana. A compreensão do processo da morte e da reencarnação elimina a causa
do medo diante da vida, ou diante da morte.
A seguir, veremos um enfoque da reencarnação com base nos
ensinamentos autênticos das “Cartas dos Mahatmas”[1].
2. Morte do Corpo é Apenas Uma Passagem
O estudo da reencarnação, feito do ponto de vista da teosofia
clássica, permite obter uma visão completa e de 360 graus do processo de vida,
morte e renascimento.
Um dos momentos decisivos ocorre com a passagem
definitiva da consciência individual do mundo denso da matéria para o mundo
sutil do astral. Este é o momento da morte física, que, na verdade,
constitui mais um nascimento. A filosofia teosófica ensina que o ser humano não
morre, se pelo verbo “morrer” entendemos uma cessação da vida. Ao contrário, o
ser humano passa por três tipos de nascimento, rompendo três “placentas” em um
ciclo que se renova sempre em espiral, até a sua autolibertação final da roda
do carma.
Vejamos quais são estes três nascimentos:
A) Ao romper a placenta que durante alguns meses lhe
permitiu viver dentro do corpo da sua mãe, a alma imortal nasce para a vida
física e adquire um novo corpo. Durante os sete primeiros anos de vida,
aprenderá gradualmente a associar-se ao novo corpo e a dirigi-lo no “novo
mundo”.
B) Setenta, noventa ou cem anos mais tarde, chega-se ao
outro extremo da vida. Ao libertar-se do velho e gasto corpo físico (agora transformado
em uma segunda placenta) a mesma alma humana nasce para o mundo mais
sutil da vida astral.
C) Finalmente, ao romper a sua casca astral, algum tempo
depois da morte física, a alma imortal passa a preparar-se para nascer no
Devachan, o “local dos deuses”. Ali viverá um descanso abençoado até o momento
de preparar-se para um novo nascimento no plano físico. Isso ocorrerá quando a
individualidade “despertar” do Devachan, em média entre mil e quatro mil anos
depois da morte física.
Fica claro, pelo estudo da reencarnação tal como ensinada
pelos mestres dos Himalaias, que existe uma relação direta entre rumo da vida
física e o rumo da vida no pós-morte. E uma das lições práticas desse estudo é
que, já que a vida pós-morte é imensamente mais longa do que a vida
física, vale a pena fazer um esforço concentrado para alcançar a paz interior e
a sabedoria. Assim é estabelecida uma tendência firme na direção correta, que
se desdobrará durante os milhares de anos seguintes. Para estar à altura deste
desafio e desta oportunidade, o aprendiz deve ouvir o seu próprio coração e
agir de acordo com a voz da sua consciência. Mas também é recomendável estudar
e refletir sobre o funcionamento das leis ocultas do universo, inclusive a lei
do carma e da reencarnação. O processo da reencarnação está ligado à lei mais
ampla da manifestação periódica de toda vida. Esta lei se aplica tanto a seres
humanos como a animais, a vegetais, a planetas e ao próprio universo. Sua
abordagem se faz através da chamada Doutrina dos Ciclos.
Talvez o instante mais decisivo de todo o processo humano
seja o minuto final e o ponto culminante da vida física. Veremos a seguir um
trecho de uma carta de um Mahatma que traça uma fotografia do momento em que a
alma termina sua experiência terrestre e faz uma recapitulação detalhada do
que viveu, antes de iniciar o longo e complexo processo que ocorre entre
duas vidas físicas.
O Mestre descreve o encadeamento natural de causas e
efeitos que determinará não só as condições do pós-morte, mas também
as condições, objetivas e subjetivas, do próximo nascimento.
Pode-se perceber facilmente a força destas palavras
finais do trecho:
“Que falem em
sussurros vocês que assistem a um leito de morte e se encontram na presença
solene da Morte. Devem permanecer quietos especialmente logo após a Morte
colocar sua mão fria e úmida sobre o corpo. Falem em sussurros, digo, para que
não perturbem a calma vibração do pensamento, prejudicando o trabalho ativo do
Passado que lança seu reflexo sobre o Véu do Futuro.”
O trecho reúne duas perguntas e duas respostas da Carta
93B em “Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett” (volume II, pp. 139-140):
Pergunta 16:
Você diz: - “Lembre-se de que nós criamos nós próprios o
nosso Devachan [ .... ] e principalmente durante os últimos dias e mesmo nos
últimos momentos das nossas vidas sensíveis.”
Resposta 16:
Segundo uma crença
amplamente difundida entre todos os hindus, o futuro estado pré-natal e o
nascimento de uma pessoa são moldados pelo último desejo que ela pode ter no
momento da morte. Mas este último desejo, dizem eles, depende necessariamente da
forma que a pessoa tenha dado a seus desejos, paixões, etc., durante a sua vida
passada. É por essa mesma razão, isto é, para que nosso último desejo não seja
desfavorável ao nosso progresso futuro - que devemos observar nossas ações e
controlar nossas paixões e desejos ao longo de toda nossa trajetória terrena.
Pergunta 17:
Mas será que os pensamentos em que a mente pode estar
envolvida no último momento dependem necessariamente
do caráter predominante da vida passada? Caso contrário pareceria que o caráter
do Devachan [ ....] da pessoa poderia ser determinado caprichosa e injustamente
pelo acaso que trouxe para uma posição dominante, no final, algum pensamento
específico?
Resposta 17:
Não pode ser de outro modo.
A experiência de homens que estavam morrendo - por afogamento ou outros
acidentes - e são trazidos de volta à vida tem corroborado nossa doutrina em
quase todos os casos. Tais pensamentos são involuntários
e não temos mais controle sobre eles do que teríamos sobre a retina do olho
para impedir que ela percebesse aquela cor que mais a afeta. No último momento,
toda a vida é refletida em nossa memória e emerge em todos os ângulos e
detalhes, imagem após imagem, um acontecimento depois do outro. O cérebro
moribundo expele a memória com um forte impulso supremo, e a memória devolve
fielmente cada impressão confiada a ela durante o período da atividade
cerebral. A impressão - e o pensamento - que foi mais forte naturalmente se
torna a mais vívida e sobrevive, digamos, a todo o resto que agora se desvanece
e desaparece para sempre, para reaparecer apenas no Devachan. Nenhum homem
morre insano ou inconsciente - ao contrário do que dizem alguns fisiólogos.
Mesmo um louco, ou alguém que esteja
sob um ataque de delirium tremens terá
seu instante de perfeita lucidez no momento da morte, embora seja incapaz de
dizer isso aos presentes. O homem pode frequentemente parecer morto. No entanto
desde a última pulsação, entre a última batida do seu coração e o momento em
que a última fagulha de calor animal deixa o corpo - o cérebro pensa e o Ego revive de novo naqueles poucos e
breves segundos toda a sua vida. Que falem em sussurros vocês que assistem a um
leito de morte e se encontram na presença solene da Morte. Devem permanecer
quietos especialmente logo após a Morte colocar sua mão fria e úmida sobre o
corpo. Falem em sussurros, digo, para que não perturbem a calma vibração do
pensamento, prejudicando o trabalho ativo do Passado que lança seu reflexo
sobre o Véu do Futuro.
000
Até aqui, as perguntas e respostas 16 e 17 da Carta 93B,
de “Cartas dos Mahatmas”, sobre o momento do abandono final do corpo físico.
3. A Luta Que
Ocorre Após a Morte
Uma vez terminada a vida do instrumento físico, pode-se
dizer que está determinado o rumo de todo o processo até o próximo nascimento. Mas
isso não significa que não deva haver luta entre as diferentes partes e
inclinações do material vivencial que deve ser processado. Está feito o
roteiro; agora, o caminho deve ser percorrido de fato.
Neste ponto, é necessário explicar algumas expressões
usadas pelo Mahatma ao abordar o tema.
Para a filosofia esotérica, o ser humano tem sete
princípios ou níveis de consciência. O primeiro é o corpo físico, sthula-sharira.
O segundo princípio é a vitalidade, prana. O terceiro é linga-sharira,
formado pelos arquétipos sutis da vitalidade, o que inclui o patrimônio
genético e outros registros cármicos.
O quarto princípio, Kama, é o das emoções pessoais
e sentimentos de ordem animal (medo, raiva, apego, rejeição, etc.). O quinto
princípio, Manas, é a mente. O sexto, Buddhi, é o princípio da
inteligência espiritual, da compaixão universal e da intuição superior. O
sétimo, Atma, é o princípio supremo, o mais universal, do qual pouco se
pode falar com palavras.
A “tríade inferior”, de que fala o mestre, corresponde
aos princípios um, dois, e três, que cessam de funcionar no momento da morte:
são o físico, o vital, e a “estrutura sutil da vitalidade”. Sobram então, na
etapa inicial do pós-morte, quatro princípios de consciência, que o mestre
chama de “quaternário sobrevivente”.
Destes quatro princípios, dois ainda são inferiores (Kama
e Manas), e dois são espirituais (Buddhi e Atma). São duas duplas, portanto, e elas
entram em uma “luta mortal” para ver quem predomina.
Quando ocorre a vitória da dupla espiritual, o que pode
demorar desde algumas semanas até vários anos, a parte mais nobre de Manas, a
mente, se associa a Buddhi (sexto princípio) e a Atma (sétimo princípio). É
este material que irá dar lugar, mais adiante, ao “habitante do Devachan”, isto
é, ao eu espiritual que viverá nas esferas abençoadas de um a quatro
milênios do tempo cronológico terrestre, mas sem que tenha qualquer noção de
tempo. O habitante do Devachan é o verdadeiro eu do indivíduo, e
terá esta existência de bem-aventurança como recompensa cármica pelos aspectos
espirituais da sua vida terrestre. Esta recompensa, na verdade, não é só um prêmio:
é também a preparação para um futuro renascimento completamente renovado.
Separados dos princípios superiores, os restos inferiores
e dejetos da mente se associarão ao quarto princípio (instintos e sentimentos
pessoais), e ficarão algum tempo como uma “Casca” semiviva no astral até se
decomporem. É esta Casca que pode ser atraída para sessões mediúnicas e
espíritas, e então é confundida com o indivíduo que um dia viveu. Mas, na
verdade, a Alma da pessoa já está em níveis superiores e ali só há um precário cadáver
astral. O Mestre usa ironicamente a expressão “guia angelical” - porque
o espetáculo é lamentável. Revitalizar esta Casca é um erro grave, e cria
problemas muito sérios para a próxima encarnação do eu superior. Mas isso não é
tudo. Os médiuns também ficam gravemente prejudicados e alterados nos seus
princípios sutis. Há uma violência impressionante no fato de o corpo de alguém
ser ocupado pelos princípios inferiores de outro ser. Especialmente quando
estes “princípios inferiores” são apenas pedaços de um cadáver astral.
Vejamos, então, em negrito, a segunda metade da resposta
5, na Carta 68 de “Cartas dos Mahatmas”:
“Todos os egos,
exceto aquele que, atraído pelo seu magnetismo grosseiro, cai na corrente que o
arrastará para o ‘planeta da Morte’, o satélite tanto mental quanto físico da
nossa terra - estão capacitados para passar a uma condição relativamente ‘espiritual’,
de acordo com a sua condição prévia na vida e seu modo de pensamento. Pelo que
sei e recordo, H.P.B. explicou ao sr. Hume que o sexto princípio humano não
poderia existir nem ter existência consciente
no Devachan como algo puramente espiritual, a menos que assimilasse alguns dos
atributos mentais mais abstratos e puros do quinto princípio ou alma animal,
seu manas (mente) e sua memória.
Quando o homem morre os seus segundo e terceiro princípios morrem com ele; a
tríade inferior desaparece, e o quarto, o quinto, o sexto e o sétimo princípios
formam o quaternário sobrevivente. (...)
A partir de então há uma luta ‘mortal’ entre as dualidades Superior e Inferior.
Se vencer a superior, o sexto, tendo atraído para si a quinta-essência do Bem do quinto - as suas afeições mais
nobres, as suas aspirações puras (embora terrestres),
e as porções mais espiritualizadas da sua mente - segue o seu divino irmão mais velho (o 7º) até o estado de
‘gestação’; e o quinto e o quarto permanecem associados como uma casca vazia (a expressão é perfeitamente
correta) que vagueia pela atmosfera terrestre tendo perdido metade da memória
pessoal, e com os instintos mais animais completamente despertos durante um
certo período de tempo - em resumo, um ‘Elementário’. Este é o guia angelical
do médium comum. Se, por outro lado, for a Dualidade Superior a derrotada, é o
quinto princípio que assimila tudo o que possa restar no sexto de lembrança
pessoal e percepções da sua individualidade pessoal. Mas com todo este material
adicional, ele não permanecerá em Kama-loka
– ‘o mundo do Desejo’ ou a atmosfera da nossa terra. Em muito pouco tempo, como
uma palha flutuando dentro do campo de atração dos vórtices e buracos do Maelstrom
[2], ele é capturado e arrastado para o grande remoinho dos Egos humanos;
enquanto o sexto e o sétimo - agora são uma MÔNADA individual puramente espiritual - que, nada tendo restado em si da
última personalidade, e não tendo de passar por nenhum período regular de ‘gestação’
(já que não há um Ego pessoal
purificado para renascer) depois de um período mais ou menos prolongado de
Descanso inconsciente no Espaço ilimitado se verá renascida em outra
personalidade (...). Quando chega o período da ‘Consciência Individual Completa’
- que precede o período da Consciência Absoluta
no Pari-Nirvana - esta vida pessoal perdida
se torna algo como uma página arrancada no grande Livro das Vidas, sem que nem mesmo uma palavra desconexa tenha sido
deixada para assinalar a sua ausência. A mônada purificada nem perceberá nem
lembrará dela na série de vidas passadas - o que faria, se tivesse ido para o ‘Mundo
das Formas’ (rupa-loka) - e seu olhar retrospectivo não perceberá nem o mais
leve sinal de que ela aconteceu. A luz de Samma-Sambuddh -
‘...aquela luz que
brilha além do nosso campo de visão mortal
A luz de todas as
vidas em todos os mundos’ -
não lança raio
algum sobre aquela vida pessoal na
série de vidas passadas.
A favor da
humanidade, tenho a dizer que esta total obliteração de uma existência dos
registros do Ser Universal não ocorre com frequência suficiente para somar uma
grande porcentagem. Na verdade, assim como o muito mencionado ‘deficiente
mental congênito’, uma coisa como essa é um lusus
naturae - uma exceção, não uma regra.”
000
Até aqui, as palavras do Mestre.
A esta explicação, cabe acrescentar:
* Um “Elementário” é uma casca ou
cadáver astral em que predominam impulsos inferiores, negativos e nocivos.
* O Devachan
é um descanso no sentido de “felicidade divina”. É um sonho, mas, como sabemos,
os sonhos podem ser mais reais que
a vida em vigília. A vida em vigília, por sua vez, talvez não passe de um
sonho. De modo que não se deve desprezar o Devachan apenas porque ele é
qualificado como um estado “subjetivo” de consciência. Ele é mais intenso (ver o
ponto 4 a seguir) e talvez mais “verdadeiro” que a vigília.
4. Devachan: um Estado de Pura Felicidade
Nas duas primeiras perguntas da
carta 68 o jornalista e discípulo leigo Alfred Sinnett pergunta se a
consciência individual que “renasce” no Devachan é capaz de lembrar da sua vida
na terra. Ele também quer saber que relação existe entre o “Devachan” - o ponto
culminante da trajetória entre duas vidas físicas segundo a filosofia oriental -
e a velha ideia do “paraíso” ou “céu” cristão.
A resposta é de um dos Mahatmas que inspiram os setores
autênticos do movimento teosófico:
“Certamente, o novo
Ego, depois de renascer, retém durante certo tempo - proporcional à sua vida
terrestre, uma ‘completa lembrança da sua vida na terra’. (...) Mas ele nunca pode retornar à terra, do
Devachan, e este último tampouco tem - mesmo omitindo todas as ‘ideias antropomórficas
de Deus’ - qualquer semelhança com o paraíso ou céu de qualquer religião, e foi
a imaginação literária de H.P.B. que sugeriu a ela a maravilhosa comparação.”
Este Ego “nunca pode retornar à terra”, conforme afirma o
Mestre, porque ele ainda é o “eu espiritual” da vida anterior. Quem retornará à
Terra será apenas a Mônada, ou Atma-Buddhi. Ela emergirá da etapa final e sem
formas do Devachan (“Arupa-Devachan”), para provocar o seu próprio
renascimento, sem recordações, em um novo corpo.
A seguir, na terceira pergunta da Carta 68, Alfred
Sinnett deseja saber “quem vai para o Céu, ou Devachan”. E Sinnett explica a
pergunta: “Esta condição só é atingida pelos poucos que são muito bons, ou
pelos muitos que não são muito ruins - depois do lapso, no caso destes, de uma
incubação ou gestação inconsciente mais longa?”
No segundo parágrafo da resposta, o mestre menciona que
há um certo “egoísmo” no Devachan. Isso deve ser explicado. O Devachan é um
estado “egoísta” apenas em um sentido técnico da filosofia budista, já que, nele,
o indivíduo não tem um sentimento consciente de autossacrifício por todos os
seres. Porém o habitante do Devachan não possui nada de “egoísmo” no
sentido comum do termo, que implica prejudicar alguém. Ele está em uma esfera
autenticamente espiritual e de bem-aventurança. Está unido à lei universal, e
neste sentido é “altruísta”, porque é “puro e inocente”.
O mestre responde:
“ ‘Quem vai para o
Devachan?’ O Ego pessoal, é claro, mas beatificado, purificado, sagrado. Cada
Ego - a combinação do sexto e do sétimo princípios - que, depois do período de
gestação inconsciente, renasce no Devachan, é necessariamente tão puro e
inocente quanto um bebê recém-nascido. O mero fato de haver renascido mostra a
preponderância do bem sobre o mal em sua personalidade anterior. E, enquanto o
(mau) carma fica de lado por algum tempo para segui-lo em sua futura encarnação
terrestre, ele traz consigo para este Devachan o carma das suas boas ações,
palavras e pensamentos. ‘Mau’ é um termo relativo para nós - como já lhe foi dito
mais de uma vez - e a Lei de Retribuição é a única lei que nunca falha.
Portanto, todos aqueles que não caíram no lodo do pecado e da bestialidade
irrecuperáveis - vão para o Devachan. Eles terão de pagar por seus pecados,
voluntários e involuntários, mais tarde. Enquanto isso, eles são recompensados;
recebem os efeitos das causas produzidas por eles.”
“Naturalmente se
trata de um estado; um estado,
digamos assim, de intenso egoísmo,
durante o qual o Ego colhe a recompensa do seu altruísmo na terra. Ele está completamente envolvido na bênção de
todas as suas afeições, preferências e pensamentos pessoais terrestres, e colhe
o fruto das suas ações meritórias. Nenhuma dor, nenhuma aflição, e nem mesmo a
sombra de uma tristeza surge para escurecer o horizonte iluminado da sua pura
felicidade; porque é um estado de perpétua ‘Maya’. ... Já que a percepção
consciente da personalidade do
indivíduo na terra é apenas um sonho passageiro, esta percepção também será a
de um sonho no Devachan - só que cem vezes mais intensa. Isso é tão verdade, de
fato, que o Ego feliz é incapaz de ver através do véu as maldades, aflições e
angústias a que os que ele amou na terra podem estar sujeitos. Ele vive naquele
doce sonho com os que ama - quer tenham ido antes ou ainda permaneçam na terra;
ele os tem perto de si, tão felizes, tão abençoados e tão inocentes como o
próprio sonhador desencarnado; e no entanto, exceto raras visões, os habitantes
do nosso planeta denso não o sentem. É aí, durante esta condição de completa Maya que as almas ou Egos astrais dos
sensitivos puros e amorosos, operando sob a mesma ilusão, pensam que suas
pessoas queridas descem até eles na terra, quando são os seus próprios
Espíritos que se elevam até os outros no Devachan. Muitas das comunicações
espirituais subjetivas - a maior
parte delas quando os sensitivos têm mente pura - são reais; mas é extremamente
difícil para o médium não-iniciado fixar em sua mente as imagens verdadeiras e
corretas do que ele vê e ouve. Alguns dos fenômenos chamados de psicografia
(embora mais raramente) são também reais. O espírito do sensitivo fica
odilizado [magnetizado], digamos assim, pela aura do Espírito que
está no Devachan, e se transforma durante alguns minutos naquela personalidade desencarnada, escrevendo com a letra desta
última, com sua linguagem e seus pensamentos, como eles eram durante sua vida.
Os dois espíritos ficam misturados como se fossem um; e a preponderância de um
sobre o outro durante tais fenômenos determina a preponderância da personalidade nas características demonstradas
em tais escritos e nas ‘falas em transe’. O que você chama de ‘rapport’ é na
verdade uma identidade de vibrações moleculares entre a parte astral do médium
encarnado e a parte astral da personalidade desencarnada. Acabo de ver um artigo
sobre o olfato escrito por um
professor inglês (que farei com que seja comentado no Theosophist e sobre o qual direi algumas palavras) e descobri nele
algo que se aplica ao nosso caso. Assim como, na música, dois sons diferentes
podem formar parte de um acorde e ser distinguíveis separadamente, sendo que
esta harmonia ou dissonância depende das vibrações sincrônicas e períodos
complementares, do mesmo modo há um rapport
entre o médium e a ‘entidade’ quando as suas moléculas astrais se movimentam
harmonizadamente. E a questão sobre se a comunicação refletirá mais a
idiossincrasia pessoal de um ou de outro é determinada pela intensidade
relativa dos dois conjuntos de vibrações na onda composta no Akasha. Quanto menos idênticos os
impulsos vibratórios, mais mediúnica e menos espiritual será a mensagem. Deste
modo, então, avalie o estado moral do seu médium pelo estado moral da
Inteligência que supostamente o controla, e os seus testes de autenticidade não
deixarão nada a desejar.”
5. Quem Tem
Direito ao Devachan?
Na questão número cinco da Carta 68, Alfred Sinnett
pergunta ao Mestre se as pessoas moralmente boas, mas não espiritualizadas, têm
direito e conseguem acesso ao Devachan. Na sua resposta, o Mestre menciona
aquilo que a tradição dos índios tupi-guarani chama de “Terra Sem Males”, e que
constitui um equivalente indígena do Devachan.
O Mestre explica que o Devachan -
“É uma ‘dimensão
espiritual’ apenas em contraste com nossa própria e grosseira ‘dimensão
material’ e, como já foi dito, são estes graus de espiritualidade que constituem
e determinam a grande ‘diversidade’ de condições dentro dos limites do
Devachan. Uma mãe de uma tribo selvagem não é menos feliz que uma mãe de um
palácio real, com seu filho perdido de volta aos braços; e embora como Egos
verdadeiros as crianças mortas prematuramente antes do aperfeiçoamento da sua
entidade setenária não encontrem seu caminho para o Devachan, mesmo assim a
fantasia amorosa da mãe encontra a criança lá, e nenhuma delas deixa de
encontrar aquele ou aquela pelo qual seu coração anseia. Pode-se dizer que é
apenas um sonho, mas, afinal, o que é a própria vida objetiva exceto um
espetáculo de vívidas irrealidades? Os prazeres experimentados por um indígena
pele-vermelha em seus ‘felizes campos de caça’ naquela Terra de Sonhos não são
menos intensos que o êxtase sentido pelo connoisseur
que passa longas eras enlevado
pela delícia de escutar sinfonias divinas tocadas por coros e orquestras
angelicais imaginários. Assim como não é culpa do pele-vermelha haver nascido
como um ‘selvagem’ com instinto de matar - embora ele tenha causado a morte de
muitos animais inocentes - se, contudo, ele foi um bom pai, um bom filho,
marido, por que ele não deveria desfrutar da sua quota de recompensa?”
(Ver “Cartas dos Mahatmas” vol. I, pp. 300-301.)
6. Um Longo Intervalo
Entre Duas Vidas
O Devachan não é apenas um descanso espiritual
merecido. Ele é também indispensável para que a alma imortal
possa voltar renovada, em boas condições, à intensa luta que é a
encarnação física.
O bom guerreiro não deve ir mal equipado e exausto para
uma batalha que será longa e dura: se fizer isso, poderá perder a batalha em
pouco tempo. Por isso o Devachan é indispensável para a evolução da alma
espiritual: ele prepara a individualidade superior para a próxima “batalha” na
Terra.
É verdade que há exceções. Um discípulo avançado dos
Mestres de Sabedoria poderá “cancelar” seu Devachan, reencarnando em apenas alguns
anos ou décadas. Isso, porém, só é possível porque ele conhece em vida, e experimenta
diariamente, em estado de vigília, algo da substância essencial da
consciência que há no Devachan. Assim, nestes casos pouco frequentes, a
situação e a duração do pós-morte se altera. Os critérios da lei da reencarnação
são universais. Eles não se alteram. Eles pertencem à lei do carma e não estão
sujeitos a qualquer ação casuística ou clientelística em favor ou desfavor
deste ou daquele indivíduo. O indivíduo é que deve alcançar a sabedoria, e
viver estados equivalentes ao Devachan em vida, se quiser encurtar o processo
pós-morte para servir a humanidade.
Os processos cósmicos (densos e sutis) são definidos por
inteligências e hierarquias implícitas,
intuitivas e espontâneas, que expressam de modo prático a pura lei universal
e eterna do equilíbrio. Tais inteligências não necessitam tomar decisões ao
estilo do nosso hemisfério cerebral esquerdo, de modo calculado, dualista e raciocinado.
Tudo flui. Embora os Mestres que ainda retêm corpos físicos cumpram na
hierarquia planetária as funções equivalentes a um “hemisfério cerebral
esquerdo”, eles não trabalham com qualquer tipo de “casuísmo” e usam com grande
rigor e parcimônia a energia dos Nirmanakayas que é colocada à sua disposição. Eles
têm fortes motivos para isso.
Assim, no caso de cada indivíduo, o intervalo de tempo
entre duas vidas dependerá da qualidade e quantidade do material que deve ser
processado, ou re-vivenciado, nas
esferas subjetivas do pós-morte. Seu
intervalo de vida subjetiva só poderá mudar na medida em que tiver sido alterada,
antes, a qualidade de vida na encarnação objetiva anterior.
Vamos agora documentar o intervalo médio entre duas vidas,
segundo a literatura teosófica autêntica. Na pergunta 26 da Carta 93-B de
“Cartas dos Mahatmas”, Alfred Sinnett menciona os casos infelizes em que o
material espiritual do pós-morte não chega a ser suficiente para que a
individualidade “nasça” no Devachan.
Sinnett pergunta quando é que, nestes casos, a mônada (a alma
imortal) poderá voltar ao plano físico para uma nova encarnação. Na resposta, o
Mestre afirma: “certamente não antes de mil ou dois mil anos”. A frase completa
diz: “Isso significa que, como a mônada não tem corpo Cármico para orientar o seu renascimento, cai na não-existência
durante um certo período e depois reencarna - certamente não antes de mil ou
dois mil anos.” (“Cartas dos Mahatmas”, vol. II, p. 148, pergunta 26, e
resposta única às perguntas 25 e 26.)
Em outro texto, falando dos casos normais, em que há
Devachan, o Mestre esclarece: “Sem dúvida, o Ego real é inerente aos princípios superiores que reencarnam
periodicamente a cada mil, dois mil, três mil ou mais anos.” (“Cartas dos
Mahatmas”, volume II, Carta 85B, p. 40.)
Na Carta 62, o Mestre explica mais uma vez que “os
intervalos entre os renascimentos são (.....) incomensuravelmente grandes”.
(volume I, página 256.)
O início da resposta número nove da Carta 68 deixa,
também, muito claro: o intervalo entre duas vidas é normalmente não só de anos
e décadas, mas “séculos e milênios, frequentemente multiplicados por alguma
coisa mais”. E o Mestre acrescenta: “os prazos de existência encarnada de um
homem correspondem apenas a uma pequena proporção dos seus períodos de
existência internatal”. (volume I, perto da metade da p. 305.)
H. P. Blavatsky não foi omissa a respeito do tamanho dos
intervalos. No artigo intitulado “Teosofia e Espiritismo”, ela deixa claro que
o período entre duas vidas é de milênios e não de séculos. [3] Em outro texto, H. P. B. menciona que, salvo exceções, o intervalo
é de “cerca de 3.000 anos, às vezes mais, às vezes menos.” [4] Fica bem clara, assim, a dimensão do intervalo de tempo entre
as encarnações segundo a teosofia clássica.
Quando a mônada está finalmente pronta para renascer, ela
é tomada por um impulso por aprender mais. No caminho da vida física, ela se
reencontrará com seus antigos skandhas ou registros cármicos, que aguardavam
por ela para guiá-la em um novo ciclo
de colheita e plantio.
7. Por Que a Teosofia Se Opõe à Mediunidade
Diz um Mestre de Sabedoria, em “Cartas dos Mahatmas”:
“A regra é que uma
pessoa que tenha uma morte natural permaneça ‘desde algumas horas até uns
poucos anos’ dentro da atração da terra, isto é, no Kama-loka. Mas há exceções, no caso dos suicidas e daqueles que têm
uma morte violenta em geral. (.......) Felizes, três vezes felizes, em
comparação, são aquelas entidades desencarnadas que dormem seu longo sono e
vivem em sonhos no seio do Espaço! E pobres daqueles cuja Trishna [5] os atraia para os médiuns, e pobres destes últimos, que
os colocam em tentação (...). Pois ao agarrar-se a eles e satisfazer sua sede
de vida, o médium ajuda a desenvolver neles - é de fato a causa de - um novo
conjunto de Skandhas, um novo corpo, com tendências e paixões muito piores que
as do corpo anterior. (...) Se pelo menos os médiuns e espíritas soubessem,
como eu disse, que cada novo ‘anjo-guia’ a que eles dão as boas-vindas em
êxtase é induzido por eles a um Upadana
[6] que produzirá uma série de males indescritíveis para o novo Ego (...) -
eles seriam, talvez, menos liberais na sua hospitalidade.”
“E agora você pode
entender por que nos opomos com tanta força ao espiritismo e à mediunidade.” ( “Cartas dos Mahatmas”, Carta
68, volume I, pp. 312-313.)
NOTAS:
[1] “Cartas dos Mahatmas Para A.P.
Sinnett”, Editora Teosófica, Brasília, 2001, dois volumes.
[2] Maelstrom - remoinho famoso, na costa da Noruega. (Nota da edição brasileira
das Cartas dos Mahatmas)
[3] “Theosophy and Spiritism”, em
“The Collected Writings” de H.P. Blavatsky, Theosophical Publishing House,
Adyar, India, volume V, página 45.
[4] “Transmigration of Life Atoms”,
texto publicado em “Theosophical Articles”, H.P. Blavatsky, Theosophy Co., Los
Angeles, 1981, volume II, p. 249. O mesmo texto está no volume V de “Collected
Writings”, TPH.
[5] Trishna: sede de viver, em
sânscrito.
[6] Upadana: o processo de adquirir órgãos
sensoriais.
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Uma versão inicial do texto acima foi publicada em
abril de 2008 em “O Teosofista”, edição
especial sobre reencarnação, sem indicação do nome do autor. Parte daquela
edição especial, no entanto, está publicada como outro artigo independente sob
o título de “A Reencarnação Segundo o
Cristianismo”. O presente artigo foi revisado em setembro de 2016.
Sobre o mesmo tema, veja também o texto “O Processo Entre Duas Vidas”, que está disponível em nossos
websites associados.
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