Preservando o Equilíbrio
Entre Corpo, Mente e Sentimento
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline
Seja qual for nossa idade ou
classe social, a saúde é uma condição decisiva para que tenhamos êxito e
felicidade na vida. É um capital tão
valioso e único que o mínimo que se pode dizer é que deve ser bem administrado.
Em meio às pressões do mundo atual, esta tarefa nem sempre é simples. Como
aplicar bem o capital chamado saúde,
diante das oscilações do mercado?
Como empregar corretamente nossa energia vital, de modo que nosso bem-estar e
poder de ação aumentem, e não tenhamos um déficit
na contabilidade energética?
O bem-estar físico, emocional e mental é, na verdade,
um único processo dinâmico. O equilíbrio e a harmonia das nossas forças começam
em nossa vida emocional. Na primeira metade do século 20, a medicina pareceu
esquecer a relação entre mente e corpo, mas agora ela está sendo renovada por uma
visão integrada da vida. O ser humano é
visto como um todo inseparável do cosmo. Nem o espírito, nem a mente, muito
menos a emoção ou o corpo físico podem ser compreendidos isoladamente.
A nova noção de saúde
é sobretudo preventiva e não-violenta. Ela admite procedimentos
invasivos apenas como último recurso.
Saúde é a boa administração da energia vital que passa
por nós. A meditação, a prática moderada de exercícios físicos, a vida afetiva
equilibrada, a inteligência emocional, a definição de objetivos claros na vida
e a prática da solidariedade na profissão e nos relacionamentos humanos podem
manter-nos perfeitamente saudáveis, sem o sofrimento físico ou emocional desnecessário.
A única utilidade possível de alguma doença que
tenhamos é fazer-nos repensar o rumo da nossa vida e o modo como estávamos
usando a energia vital que flui por nós. A doença é um alerta. Uma dor de
cabeça, um cansaço, um desânimo ou uma gripe têm mensagens para nós: significam
que houve alguma falha em nosso equilíbrio emocional. São as emoções que
estabelecem a relação prática entre corpo e alma. A dieta, certa ou errada,
também resulta da vida emocional e dos desejos que alimentamos.
A consciência mais ampla que agora renova a noção de
saúde é bastante antiga. Milhares de
anos atrás, os sábios ocidentais afirmavam que
a arte mais divina é a arte de curar. E ela deve ocupar-se tanto da alma
como do corpo, pois nenhum ser pode ser inteiramente saudável enquanto sua
natureza interior estiver sofrendo.
Cada ser humano pode ser visto como uma espécie de
aparelho receptor de energia cósmica. Recebemos o tempo todo diferentes
variedades de energia do cosmo. Nossa
função é expressar criativamente esta energia nas várias dimensões da vida,
participando da evolução de tudo o que entra em contato conosco. A doença é
apenas um bloqueio deste fluxo energético. A boa saúde física, emocional e
mental consiste no fluxo correto da vida energética, que deve ser ao mesmo
tempo livre e harmônico, espontâneo e organizado.
Durante a década de 80, o médico norte-americano
Bernard Siegel desenvolveu um sistema de abordagem dos seus novos pacientes com
algumas perguntas básicas que rompiam os limites da medicina convencional: [1]
1) Você deseja viver
até os 100 anos?
(Para saber se há uma forte vontade de viver.)
2) O que significa a
doença para você?
(Ela deve ser vista como um desafio positivo e uma
lição útil.)
3) Por que você
precisa da doença?
(A doença foi uma forma inconsciente de buscar amor,
cuidados, atenção?)
4) O que aconteceu em
sua vida algum tempo antes de adoecer?
(As emoções têm tudo a ver com as mudanças na saúde
pessoal.)
Esta última pergunta visava mostrar que uma doença geralmente
surge em determinada situação emocional que a torne possível ou até necessária,
e, portanto, é, em parte, responsabilidade da própria pessoa. Devemos assumir responsabilidade
pelo que nos ocorre, para assumirmos também responsabilidade pela cura que ocorrerá
no futuro.
O Poder Curativo do Carinho
O médico Larry Dossey exemplifica no livro “Aspectos
Espirituais das Artes de Curar”: [2]
“Minha percepção do seu carinho ou insensibilidade para
comigo gera uma avalanche de alterações bioquímicas em meu próprio corpo.
Processos neurológicos e hormonais se sucedem, como uma cascata, em
consequência do modo como sinto nossa interação. Não se trata de questões
filosóficas remotas ou abstratas, mas de consequências fisiológicas concretas.
Sinto que isto tem sido extremamente subestimado, passando geralmente
despercebido pelos filósofos, cientistas e médicos”.
“Se eu o trato com delicadeza e compaixão”, diz o médico,
“isto poderá suscitar em você um estado geral mais saudável”.
A saúde, conclui ele, é uma questão de relações humanas.
As agressões sutis podem levar à doença alguém que não saiba preservar a paz
interior condicional. Mas o respeito mútuo produz boa saúde e bem-estar para
todos. “Devido às nossas associações íntimas com os outros e com o mundo, não
vejo como deixar de invocar conceitos de ética e responsabilidade em uma teoria
global sobre a saúde e a doença”, diz ele. Para Dossey, nossas interações são
tão complexas que é impossível determinar tudo o que fazemos ou causamos uns
aos outros. Como, então, agir corretamente para preservar a saúde a longo
prazo? Dossey responde:
“A chave pode estar simplesmente em ter bons propósitos,
ter em mente que realmente afetamos uns aos outros e que a interação é a regra
geral. Minha esperança é que compreender isto fará com que tenhamos cuidado e
consideração pelo nosso próximo, pelos outros seres humanos, fator menosprezado
em um modelo isolacionista (individualista) de saúde.”
Qualquer cidadão pode fazer experiências práticas para
comprovar este ponto de vista. Basta sorrir mais e ser sinceramente mais amável
com as pessoas para observar que uma interação fraterna faz com que nos
sintamos melhor, inclusive fisicamente.
Práticas como a meditação e a oração, que afastam nossa
mente do mundo das coisas pequenas e nos aproximam do que é vasto e eterno, são
instrumentos poderosos para a melhora e a manutenção da saúde, própria e
alheia. O nosso equilíbrio vital depende
da nossa capacidade de viver tendo presente o que é bom e sagrado. Se tivermos
estas duas coisas, estaremos bem. É recomendável revisar regularmente nosso
estado de espírito. O preço da desatenção pode ser a ambição desmedida ou a
decepção e a tristeza, dois extremos que realimentam um ao outro. A virtude e a
felicidade estão no caminho do meio da serenidade.
As emoções equilibradas são mais que uma questão de
saúde: são, também, uma questão de inteligência. As tensões emocionais típicas
do cidadão da sociedade industrial suprimem as relações profundas entre as
pessoas, desumanizando-as e causando prejuízos à percepção racional das coisas.
“Quando emocionalmente perturbadas, as pessoas não se lembram, não acompanham,
não aprendem nem tomam decisões com clareza”, escreve Daniel Goleman em seu
livro “Inteligência Emocional”[3], antes
de citar palavras de um consultor na área da administração de empresas: “A
tensão idiotiza as pessoas.”
Trocando a Raiva Pelo Amor
A raiva, explica Goleman, provoca circuitos energéticos e
bioquímicos destrutivos no corpo e nas emoções. A teosofia ensina que a raiva
destrói a substância da alma mortal na sua relação com a alma imortal. O amor altruísta, em compensação, cura as
feridas e funciona como uma fábrica de bem-estar interior. A ciência das
emoções, aliada da nossa dimensão espiritual, abre caminho para a felicidade e constitui uma
chave para a serenidade e a saúde física.
A saúde é a capacidade de estar em unidade dinâmica com a
vida. O otimismo cura. A transmutação de ansiedade em paz, de depressão em
ânimo, de tristeza em alegria e de solidão em solidariedade é um processo
alquímico revolucionário, capaz de
esvaziar consultórios médicos.
Um programa de saúde pública voltado para a nova era da
civilização global poderia ter como meta, em primeiro lugar, um maior
autoconhecimento dos cidadãos. Isto faria com que as pessoas tomassem suas vidas
mais diretamente em suas próprias mãos em áreas como a qualidade dos seus
pensamentos e sentimentos, quantidade e
qualidade de exercícios físicos, dieta alimentar, ou relaxamento físico e
emocional.
Em segundo lugar, um programa de saúde para a nova era
poderá ter como objetivo o estímulo à criação de relações humanas baseadas na
boa vontade recíproca, desmascarando os mecanismos de manipulação psicológica,
de mentira e de chantagem emocional, entre outros. Assim se eliminará a
necessidade de doenças físicas como um modo pelo qual o Carma leva as pessoas a
pararem e avaliarem melhor suas vidas. Será importante o estímulo à
inofensividade e à solidariedade com todos os seres. Plantar o bem é o caminho
para colher o bem.
Em terceiro lugar, a medicina da nova era poderá combinar
em grande escala os avanços tecnológicos da medicina convencional com o que há
de melhor nas medicinas tradicionais. Um país em que seja adotado um programa
de saúde deste tipo não produzirá só bens materiais. Produzirá também “o
tesouro que está nos céus”. Plantará felicidade, colherá paz, e seus cidadãos
expressarão, ao viver, uma síntese prática e harmônica entre terra e céu,
estabilidade e transcendência, o humano e o divino, o finito e o infinito.
Esta estratégia de saúde não é só coletiva. Ela é também
individual, e a possibilidade de colocá-la em prática está constantemente diante
de nós: é sempre agora. A verdadeira
saúde vem de dentro de cada ser consciente, e elimina, ou reduz, as causas do
sofrimento.
Meditação Sobre a Relação Mente-Sentimento-Corpo
Para concluir este estudo, façamos uma experiência
prática.
Sentado calmamente em lugar arejado, dê de presente para
si mesmo 10 minutos de sossego. Deixe de lado as preocupações de curto prazo e
relaxe.
Pense por um instante como a vida pode ser breve, mas é
fascinante. Sinta seu coração bater, com fidelidade infalível, e agradeça a ele
mentalmente. Perceba o fluxo sempre renovado de sangue pelo seu corpo todo, e agradeça.
Respire fundo, com calma, e congratule-se pelo fato de
estar vivo e atento, acordado e alerta.
Reconheça que a vida é preciosa demais para ser gasta em
conflitos. Faça um voto incondicional de viver em paz com todos os seres. Estar
vivo e atento é uma experiência tão vasta e significativa que não há motivo
para ficar alimentando pequenas decepções e ilusões pessoais.
Durante os próximos dias, sorria mais para as pessoas. E
para si mesmo. Solte-se e sorria agora mesmo para seu próprio coração e para o
centro de paz que há em você.
Seja mais amável com as pessoas nos próximos sete dias,
buscando expressar com isso apenas sua alegria incondicional de viver.
Estabeleça uma atitude geral de satisfação com a-vida-como-ela-é e com as-pessoas-como-elas-são. Isso dá a você mais liberdade para administrar
suas próprias energias: viver e
deixar viver é um princípio da sabedoria teosófica.
E anote, a cada noite, alguma coisa dos resultados do
dia. Abra seus diálogos com as pessoas através de um sorriso e observe o
resultado. Observe a sua sensação física, seu estado mental e seu estado emocional
quando você expressa uma atitude harmoniosa e sincera com os outros.
Seja firme quando necessário, porque firmeza é tão
importante quanto flexibilidade; mas mantenha respeito e equilíbrio em todos os
momentos. Deseje o bem dos outros, calma e deliberadamente, e veja como se
sente depois. Reflita sobre as consequências desta atitude prática em relação à
sua saúde, a curto, médio e longo prazo.
Ao final de uma semana de experiência, faça uma avaliação
e decida se vale a pena ser mais amável com todos, independentemente dos altos
e baixos da vida.
Ao fechar a meditação, lembre-se:
Felicidade não é ter seus desejos atendidos. É estar
contente com a vida a cada momento, e usar para o bem, corretamente, a energia
vital de que você dispõe hoje.
NOTAS:
[1] “Aspectos Espirituais das Artes de Curar”, de Dora van
Gelder Kunz, organizadora; texto de Bernard Siegel e Barbara Siegel com título
igual ao do livro, ver p. 65. O livro foi editado pela Editora Teosófica, de
Brasília, e tem 308 pp.
[2] “Aspectos Espirituais das Artes de Curar”, obra citada,
pp. 24-27.
[3] “Inteligência Emocional”, Daniel Goleman, Ed. Objetiva,
RJ, 370 pp.; ver p. 163.
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Uma versão inicial do texto “A Saúde das Emoções” foi publicada na década de 1990 em um
fascículo da “Coleção Planeta”, “Inteligência Emocional”,
número 3, Editora Três, SP, pp. 19-25. A versão acima foi atualizada pelo
autor em março de 2013.
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