16 de outubro de 2014

A Consciência e o Eu

Como Funciona o Foco Central da Mente Humana

Carlos Cardoso Aveline




Cabe examinar a relação dinâmica entre o que chamamos de “eu” e o conjunto da nossa mente.

A noção nítida de “eu” surge em geral entre dois e quatro anos de idade, quando a experiência psicológica começa a ganhar peso e densidade.

Em última instância, a noção de “eu” é algo que nasce quando o indivíduo se insere em determinado ambiente cultural e aprende a sobreviver nele. A filosofia esotérica considera a noção de “eu” como uma realidade relativa, uma criação psicológica, tecnicamente “maya”, ou seja, algo ilusório, no sentido de passageiro e impermanente.   

Na vida adulta, um buscador da verdade cuja alma seja experiente terá momentos cada vez mais profundos e frequentes em que a noção de “eu” pessoal é transcendida ou “esquecida”. Ao longo da caminhada, a prática de ideais nobres, o hábito do pensamento abstrato, a contemplação filosófica e o simples amor profundo por alguém fazem com que a mente do indivíduo transcenda com frequência a noção de “eu”.

A percepção de que existe um “eu” pessoal, e de que ele é diferente e independente dos outros seres vivos, surge na criança ao mesmo tempo que ela adquire  uma boa coordenação dos seus cinco sentidos, e quando ela já tem uma certa noção de “memória pessoal”.

Assim, o “eu” poderia ser definido por nós como aquele centro da consciência que coordena as ações concretas do indivíduo, e que faz isso com base no funcionamento dos cinco sentidos. O “eu” coordena, pois, o uso dos cinco sentidos e interpreta as informações vindas através deles. Além disso, o “eu” também funciona com base na memória pessoal. É essa memória que lhe dá um sentido de continuidade como indivíduo. A memória oferece ao eu pequeno uma percepção de história pessoal a preservar - e a melhorar. Sem dúvida, em certos aspectos o “eu” deseja transformar ativamente esta história, diminuindo o sofrimento e aumentando a felicidade. Entre os enigmas que a vida coloca diante do pequeno “eu” está o seguinte:

“Como alcançar com a maior eficiência possível a meta de evitar o sofrimento e alcançar a felicidade?”

À medida que cresce em experiência e em compreensão da vida, o pequeno “eu” se ampliará. Ele aprenderá a olhar por cima e para além dos seus pequenos muros de autodefesa psicológica. Perceberá a sua silenciosa essência interior, o “Verdadeiro Eu”, também conhecido como “eu superior” ou “alma imortal”. E saberá que este Mestre interior é, na verdade, apenas uma “individualização” da Lei Universal do Equilíbrio e da Verdade. Este Verdadeiro Eu está em harmonia com todos os seres. Saber disso é inquietante e desafiador para aquele pequeno eu que prioriza a autodefesa psicológica.

O pequeno eu impermanente aprende pouco a pouco a ouvir a voz sem palavras do grande Eu maior e imortal. Ele se coloca a serviço do Verdadeiro Eu e aprende que a morte não existe. Ele compreende a lei cármica e cíclica da fraternidade universal de todos os seres. Ele descobre que, na vida, como enunciado na lei de Lavoisier, “nada se perde, nada se cria, tudo se transforma, tudo se recicla”.

A partir deste ponto o pequeno eu continua sendo um coordenador das atividades “pessoais” que dependem da vida biológica e corporal, mas, conhecendo seu papel dentro do contexto maior, ele percebe que tem uma chance única de obter o máximo de sabedoria enquanto ainda está vivo nesta mesma existência física.

Então o tempo que ele tem disponível passa a ser visto como precioso. Metas pequenas, iluminadas por luzes falsas como dinheiro, posição social, apegos familiares e coisas semelhantes perdem o charme e o encanto “mágico” diante desse Pequeno Eu Renovado. É possível que este despertar ocorra em meio a crises, “derrotas” e “desilusões pessoais”. O pequeno eu descobre agora o “verdadeiro poder”: o poder que o faz “parecer nada aos olhos dos outros”, como ensina o clássico teosófico “Luz no Caminho”.

Por que motivo é necessário este processo de perdas e de aparente insignificância pessoal? A resposta é simples.

O fato de que o Pequeno Eu volta o seu olhar para as coisas permanentes funciona na prática como se ele abandonasse as coisas terrestres e pequenas; e isso provoca as perdas e desilusões ou derrotas. Ele não está mais concentrado na tentativa de manter e preservar a vida aparente daquelas ilusões passageiras. Seu magnetismo e sua alma vivem em outra dimensão. O processo é normalmente doloroso, do ponto de vista do Pequeno Eu, e por isso é chamado de “provações e testes do caminho”. Uma famosa oração atribuída a São Francisco de Assis afirma:

“É morrendo que se nasce para a vida eterna.”

O Novo Testamento descreve o mesmo processo como se fosse uma “crucificação”. Para o clássico cristão “Imitação de Cristo”, este é “o caminho da cruz”.

De fato, o “eu” pequeno deve morrer para o mundo pequeno. Assim ele pode renascer no mundo celeste, abstrato e contemplativo, e navegar no céu grandioso daquela Verdade Universal que não oscila com as marés do tempo de curto prazo. Isso é chamado de “ressurreição”, nas parábolas da tradição cristã.

Quando o Pequeno Eu encontra sua felicidade no ato de participar ativamente do Todo Maior, a sua bem-aventurança passa a ser uma realidade durável, incondicional, e ilimitada.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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