O Que a Tradição Judaica Tem a
Dizer Sobre o Mestre do
Cristianismo
Eliphas Levi
Primeira página de
um Talmude babilônico, à esquerda, e Eliphas Levi
“... Todas as religiões
pretensamente
reveladas de uma maneira positiva
e
particular desabam logo que a
razão as toca.”
Nota Editorial:
O texto a seguir foi publicado online inicialmente na
edição de maio de 2010 de “O Teosofista”.
Ele revela elementos fundamentais da história de Jesus, tal como contada pelo
Talmude judaico e publicada por Eliphas Levi - um precursor da teosofia moderna.
Levi tentou preservar a roupagem
cristã enquanto ensinava, em grande parte, filosofia esotérica. Ao examinar com
atenção suas obras, o leitor percebe que sua definição de “Deus” nega a ideia que
o cristianismo e o judaísmo organizados têm a respeito. Levi define “Deus” como
a Razão, o Logos, isto é, a Verdade, pura e simplesmente. Nisso, também,
ele coincide com o movimento teosófico moderno, cujo lema é “Não há religião
mais elevada que a Verdade”. O Deus monoteísta é, pois, uma quimera. A verdade
suprema não pode ser delimitada em palavras, e, na Introdução de seu livro “A Ciência dos Espíritos” [1], Levi coincide com a filosofia
esotérica ao afirmar que não é possível definir a realidade divina. Ele
acrescenta:
“... Um deus definido é
necessariamente um Deus finito, e todas as religiões pretensamente reveladas de
uma maneira positiva e particular desabam logo que a razão as toca. Não há
senão uma religião, e Vitor Hugo disse bem quando bradou: ‘Protesto, em nome
da religião, contra todas as religiões’.” [2]
Eliphas Levi morreu em 1875, o
ano da fundação do movimento teosófico. Alguns anos depois, seus manuscritos
inéditos chegavam às mãos de Helena Blavatsky. O conteúdo dos seus escritos é,
em boa parte, influenciado pela filosofia oriental. Há uma evidente afinidade
interior. No entanto, ele quase força as palavras, usando-as de uma maneira
muito particular, com o objetivo de manter a roupagem externa cristã em suas
obras e, assim, evitar a incompreensão e a intolerância dogmáticas do seu tempo.
Deste modo, ele escreve:
“A guerra da filosofia contra a
Igreja não a destruirá, mas a libertará; porque a Igreja é a sociedade dos
homens, animada pelo espírito de Jesus Cristo. À medida que as superstições
religiosas, ou antes, irreligiosas descem, o Evangelho sobe; ele é estável,
eterno e inabalável, quadrado na base e simples como as pirâmides. Há sempre
uma lógica no poder; forças sem razão seriam forças sem alcance e, por conseguinte,
sem efeito. Se o Evangelho é um poder, existe uma lógica no Evangelho. A lógica
ou a razão, o logos do poder supremo, é Deus. Essa razão, essa lógica
universal, ilumina todas as almas razoáveis. Ela resplandece nas obscuridades
da dúvida; atravessa, penetra, dilacera as trevas da ignorância, e as trevas
não podem compreendê-la, pegá-la, encerrá-la e aprisioná-la. Essa razão fala
pela boca dos sábios; resumiu-se em um homem que, por isso, foi chamado de logos
feito carne, ou grande razão encarnada. Os milagres desse homem foram milagres
de luz, isto é, de inteligência e de razão. Ele fez os homens compreenderem que
a verdadeira religião é a filantropia. (....) Ele os fez ver que não é nem em
tal cidade, nem sobre tal montanha, nem no templo que se deve procurar Deus,
mas no espírito e na verdade. Seu ensinamento foi simples como sua vida. Amar a
Deus, isto é, ao espírito e à verdade, mais do que a todas as coisas, e ao
próximo como a vós mesmos, eis, dizia ele, toda a lei.”[3]
E Eliphas Levi acrescenta:
“É dessa forma que ele abria os
olhos dos cegos, que forçava os surdos a ouvirem e os coxos a caminharem
direito. As maravilhas que operava nos espíritos foram contadas sob essa forma
alegórica, tão familiar aos orientais. Sua palavra tornou-se um pão que se
multiplica; seu poder moral, um pé que caminha sobre as ondas, uma mão que
apazigua as tempestades. As lendas se multiplicaram com a admiração cada vez
maior de seus discípulos. São contos encantadores, semelhantes aos das Mil e
Uma Noites, e era digno dos séculos bárbaros, que acreditamos ter
ultrapassado e que ainda não terminaram, tomar essas ficções graciosas por
realidades materiais e grosseiras, discutir anatomicamente a virgindade
maternal de Maria, estabelecer entre as mãos de Jesus uma padaria invisível e
milagrosa para multiplicar os pães nos deserto, e ver correr um sangue globular
e seroso, um sangue antropofágico e revoltante, sobre as brancas e puras
hóstias que protestam contra o sangue e que anunciam para sempre a consumação
do sacrifício.”
Na continuação, Levi diz,
claramente, que nos Evangelhos nada pode ser entendido como literalmente
verdadeiro. Tudo neles é lendário e simbólico. Ele diz isso sem meias palavras:
“O Evangelho pertence à ciência
apenas como monumento da fé, e não como documento da história. É o símbolo das
grandes aspirações da humanidade. É a lenda ideal do homem perfeito. Essa
lenda, a Índia já havia esboçado ao contar a maravilhosa encarnação de Vishnu
na pessoa de Krishna. Krishna é também filho de uma virgem. A casta Devaki
amamentando seu divino filho encontra-se no Panteão indiano e parece uma imagem
de Maria. Perto do berço de Krishna encontra-se a figura simbólica do asno; a
mãe leva a criança para livrá-la de um rei ciumento que queria matá-lo. Se os
Vedas não fossem anteriores ao Evangelho, acreditar-se-ia que tudo isso é cópia
de nosso Novo Testamento. Quer dizer que tudo isso é desprezível e nada contém
de divino? Acreditamos que é necessário chegar a uma conclusão diametralmente
oposta.” [4]
De fato, a lenda dos Evangelhos é
uma adaptação de tradições anteriores, do Egito e dos povos orientais.
A seguir, veremos a história
humana e real de Jehoshua ou Jehosuah, o judeu Jesus, tal como registrada no
Talmude, o antigo livro do seu povo, e conforme a tradução e a narrativa de
Eliphas Levi. [5]
O texto é de um valor
extraordinário, e defende a tese de que as Igrejas dogmáticas promovem o
Anticristianismo.
(Carlos Cardoso Aveline)
NOTAS:
[1] “A
Ciência dos Espíritos”, Eliphas Levi, Martins Fontes / Sociedade das Ciências
Antigas, SP, 1985, 284 pp.
[2] “A
Ciência dos Espíritos”, obra citada, p. 18.
[3] “A
Ciência dos Espíritos”, obra citada, pp. 20-21.
[4] “A
Ciência dos Espíritos”, obra citada, p. 21.
[5] A
narrativa a seguir é reproduzido das pp. 27 a 40 de “A Ciência dos Espíritos”.
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História
de Jesus Segundo os Talmudistas
Eliphas Levi
No ano seiscentos e setenta e sete do quarto
milênio após a criação do mundo, durante os dias do rei Jannée, que também se
denominava Alexandre, uma grande desgraça veio em ajuda dos inimigos de
Israel.
Apareceu então um certo
miserável, homem sem consciência e sem moral, procedente de um dos ramos
derivados da tribo de Judá, que se chamava Joseph Panther.
Esse homem era de estatura
elevada, de vigor pouco comum e de notável beleza; havia passado a melhor parte
de sua vida nos desregramentos, roubos e violências, e morava em Belém, cidade
de Judá. Tinha por vizinha uma viúva cuja filha se chamava Maria, e é essa
mesma Maria, cabeleireira de mulheres, que é mencionada em diversas partes do
Talmude. Essa jovem, ao se tornar adolescente, ficara noiva de um jovem chamado
Jochanan, dotado de grande modéstia, de notável doçura e do verdadeiro temor a
Deus.
Ora, aconteceu que, por desgraça,
Joseph, passando em frente à porta de Maria, olhou-a e sentiu arder por ela uma
paixão impura; assim, ele passava, passava, sem cessar; mas ela nem mesmo o
olhava.
A apatia apodera-se dele, e sua
mãe, vendo-o destruir-se, lhe diz: “Por que te vejo emagrecer e empalidecer?”
Ele responde: “É que estou morrendo de amor por Maria, que é noiva de outro.”
Sua mãe lhe diz: “Não é preciso te atormentares por isso; faz o que vou te
dizer e poderás aproximar-te dela e com isso te satisfazeres.” Joseph Panther
escutou sua mãe, passando a rondar incessantemente a porta de Maria, esperando
a ocasião que não encontrava. Quando, numa noite de sábado, vestido como
Jochanan e ocultando a cabeça com seu manto, encontrou Maria na porta, pegou-a
pela mão sem dizer nada, e levou-a para dentro de casa. Ora, ela, acreditando
ser Jochanan, seu noivo, lhe diz: “Não me toques; a hora em que deverei ser tua
ainda não chegou e neste momento estou protegida contra ti pelas enfermidades
comuns de meu sexo.” Mas ele, sem escutá-la, realizou sua má intenção e voltou
para casa; em seguida, perto de meia-noite, como a paixão o atormentasse ainda,
levantou-se, voltou à casa de Maria, que começou a chorar, lhe dizendo com
horror: “Como vens me ultrajar uma segunda vez, tu que eu acreditava ser
incapaz de abusar de nosso noivado, e como podes acrescentar ao crime a
vergonha, visto que eu te disse que o estado que me encontro nesse momento
devia me tornar sagrada para ti?” Mas ele não escutou suas palavras. Sem nada
dizer, satisfazia seu desejo; em seguida retirou-se e continuou seu caminho.
Ora, após três meses, vieram dizer a Jochanan que sua noiva estava grávida, e
Jochanan, assustado, foi encontrar seu preceptor Simão, filho de Schetach, lhe
revelando o que se passava, perguntou o que deveria fazer. Seu mestre
perguntou-lhe: “Suspeitas de alguém?” Jochanan respondeu: “Só posso suspeitar
de Joseph Panther, que é um grande libertino e mora na vizinhança.” Seu mestre
lhe disse: “Meu filho, escuta meu conselho e cala-te. Se este homem abusou uma
vez de sua noiva, não é possível que não procure revê-la. Trata de
surpreendê-lo, chama testemunhas e faze com que seja julgado pelo grande
Sinédrio.” O jovem partiu muito triste, só pensando na desgraça de sua noiva e
na vergonha que poderia recair sobre ele; abandonou Judeia e foi para a
Babilônia, onde permaneceu.
Maria, em seguida, tornou-se mãe
de um filho que chamou Jehosuah, nome de seu tio materno. Tendo a criança
começado a crescer, sua mãe lhe deu por mestre Elchanan. O menino fazia grandes
progressos, porque tinha um espírito preparado para a inteligência das coisas.
Isso é extraído e traduzido
textualmente do Sepher Teldos Jeschu.
A primeira juventude de Jesus é narrada
como se segue pelos autores talmudistas do Sota
e do Sanhédrin, que
encontramos citados à página 19 do livro da disputa de Jéchiel.
O rabino Jehosuah, filho de
Pérachiah, continuou, após Elchanan, a educação do jovem Jesus, iniciou-o nos
conhecimentos secretos, mas tendo Jannée feito massacrar todos os iniciados, Jehosuah,
para escapar a essa condenação, fugiu para Alexandria, no Egito.
Esse massacre dos iniciados,
substituído pelo massacre dos inocentes, parece-nos notável, sobretudo se nos
recordamos de que no livro primeiro dos Reis está dito que Saul, iniciado
há pouco nos círculos dos profetas, era uma criança de um ano quando subiu
ao trono. Ora, Saul tinha, na realidade, mais de vinte anos. Era, pois, costume
nas iniciações proféticas da Judeia, assim como nas da Franco-Maçonaria
moderna, designar o grau dos iniciados por uma idade simbólica, e o
Evangelho, ao falar da morte das crianças de até dois anos, não contradiria a
asserção do Talmude, que a seu modo tornava-se historicamente mais aceitável do
que a narração do Evangelho.
Podem-se encontrar traços da
proscrição dos cabalistas, sempre perseguidos e denunciados pela sinagoga
oficial, mas não se encontra essa abominável matança de crianças pequenas, que
revolta a natureza e que desonrou para sempre o reino de Herodes, se é a
Herodes, como quer o Evangelho, e não a Jannée, como pretendem os talmudistas,
que se deve atribuir a condenação em questão.
Aqui os talmudistas começam a
envolver seu pensamento com alegorias, e eis aqui o que nos contam. Jesus e seu
mestre Ben-Perachiach foram, pois, residir em Alexandria, na casa de uma
senhora rica e sábia que os recebeu com honra e lhes ofereceu todos os seus tesouros.
Essa senhora, como podemos compreender, é uma personificação do Egito. O jovem
Jesus, tendo-a olhado, disse: “Esta mulher é bela, mas tem um defeito nos olhos
que deve prejudicar a retidão de seus olhares. Essa terra é bela, mas é um
magnífico exílio.” Seu mestre então irritou-se com ele, por ter ele encontrado
alguma beleza no Egito e por ter admirado a terra da servidão. Jesus lhe disse:
“Não há servidão para os filhos de Deus e a terra que os abriga é sempre a
terra de Israel.” Ben-Perachiach amaldiçoou então seu discípulo e o rechaçou de
sua presença. Jesus submeteu-se humildemente, apresentando-se muitas vezes à
porta do mestre, rogando-lhe que o recebesse; o rabino permaneceu inflexível.
Um dia, no entanto, quando lia os mandamentos de Deus que ordenavam amar ao
próximo, Jesus apresentou-se, e o mestre, tocado pelo arrependimento, fez-lhe
sinal para aguardar, tendo a intenção de ceder e de recebê-lo, mas Jesus, entendendo
que ele o repelia uma vez mais, foi embora e não voltou. “Nossos pais
procederam mal”, dizem, a esse respeito, os doutores do Talmude, “ao rechaçar
Jesus sem escutá-lo, e sobretudo em, ao mesmo tempo, amaldiçoá-lo. Jamais
batamos com as duas mãos naquele que desejamos punir; guardemos uma para
levantá-lo, consolá-lo e curá-lo!” Palavra que contém todo um futuro, palavra
que deve um dia trazer a reconciliação entre os filhos e os pais; porque nós
também amaldiçoamos os judeus, rechaçando-os com as duas mãos; portanto, agora
também é com duas mãos que, de um lado e de outro, para expiar essa falta
recíproca, devemos nos perdoar e abençoar! Mas voltemos à história de Jesus,
segundo os autores do Talmude.
Vimos que o jovem iniciado tinha
admirado a ciência do Egito e fora rechaçado por seu mestre por ter sonhado com
uma conciliação entre a filosofia do exílio e a religião pátria. A perseguição
contra os cabalistas abrandou-se e Jesus voltou à Judeia com seu mestre, ou
pelo menos ao mesmo tempo que ele. Como vivera no Egito? Trabalhando, sem
dúvida, no seu ofício de carpinteiro. Ao entrar em sua cidade natal, que
segundo os talmudistas não era Nazaré, mas sim Belém, passou em frente aos
anciãos, que estavam reunidos, conforme o costume, à porta da cidade, e não os
saudou, mas ao passar seu mestre, Jehosuah Ben-Perachiah, Jesus o saudou,
provocando desta forma o murmúrio dos anciãos. Com efeito, o jovem os
desprezava porque não eram iniciados na verdadeira ciência, e só reconhecia
como seu superior aquele que lhe havia aberto a porta. Os anciãos indignaram-se
e o chamaram de filho de mulher impura, o que surpreendeu Jesus, porque sempre
tinha enxergado sua mãe como um exemplo de pureza. Foi consultar um de seus
tios, aquele que tinha o seu próprio nome, e este lhe revelou a desgraça de
Maria e todo o mistério de seu nascimento. Jesus retirou-se com o coração
ferido e não retornou mais à casa de sua mãe, começando a pregar a nova
ciência: a da reconciliação das nações e da religião universal com que tinha sonhado
no Egito. É então que nossos autores chegam às bodas de Canaã, na Galileia,
onde Jesus reencontrou sua mãe e respondeu-lhe duramente quando ela quis
falar-lhe: “Mulher, o que há de comum entre tu e eu?” Em seguida, vendo-se que
a pobre mulher resignava-se com doçura, ficou com o coração comovido, e,
reunindo seus discípulos em torno de si, contou-lhes o crime de Panther e
perguntou-lhes: “Credes que eu poderei honrar este homem como pai?” “Não!”
Responderam todos em uma só voz. “Credes que minha mãe seja impura?” “Não”,
responderam novamente. “Pois bem”, disse Jesus, “não tenho pai sobre a terra,
meu pai é Deus que está no Céu, e quanto à minha mãe, sua virgindade não
poderia ser manchada por um crime no qual ela não consentiu. Eu a considero
sempre virgem. Pensais como eu?” “Sim”, responderam os discípulos. “E é por
isso”, acrescentaram os autores judeus, “que Jesus foi considerado por todos os
que creem nele como filho de Deus e de uma virgem.” Essa história apócrifa,
ofensiva para os leitores cristãos, não deixa de ter uma certa grandiosidade, e
pode-se aí observar que os maiores inimigos do cristianismo rendem uma
homenagem involuntária à pureza de Maria e à elevação de Jesus.
Aqui começa a narração dos
milagres, e os talmudistas, longe de negá-los, parecem empenhar-se em
exagerá-los. A lembrança dos milagres estava ainda bem viva e bem forte entre
os judeus. Mas eis como explicam esses milagres.
Eles dizem que existe, no
santuário do Deus vivo, uma pedra cúbica sobre a qual estão esculpidas as letras
santas, cujas combinações explicam as virtudes do nome incomunicável. Essa
explicação é a chave secreta de todas as ciências e de todas as forças ocultas
da natureza. É o que chamamos de Schema
hamphorasch. Esta pedra é guardada por dois leões de ouro que
rugem no momento em que tentamos aproximar-nos dela. Os leitores de nossas
obras sabem o que é o Schema
hamphorasch e reconhecerão nos dois leões os gigantescos
querubins do santuário, cujas figuras monstruosas e simbólicas eram capazes de
amedrontar e de fazer recuar os profanos. Além do mais, as portas do templo
eram bem guardadas, acrescentam nossos rabinos; e a porta do santuário, e a porta do santuário
só se abria uma vez ao ano, e somente para o grande sacerdote. Mas Jesus tinha
aprendido no Egito os grandes mistérios da iniciação e apoderou-se das chaves
invisíveis, com a ajuda das quais pôde entrar sem ser descoberto. Copiou os
segredos da pedra cúbica, ocultando-os entre as pernas, como na mitologia grega
vemos Júpiter ocultar Baco; em seguida, saiu e começou a surpreender o mundo. À
sua voz os mortos levantavam-se e os leprosos ficavam curados, fazia subir do
fundo do mar as pedras que lá estavam enterradas há séculos, e essas pedras
formavam uma montanha sobre as águas, e do cume dessa montanha Jesus instruía a
multidão.
Reencontramos aqui, com todo o
gênio do simbolismo oriental, o motivo secreto do ódio dos sacerdotes contra
Jesus. Ele revelou ao povo a verdade que eles queriam esconder só para eles,
adivinhou a teologia oculta de Israel e a comparou com a sabedoria do Egito, e
aí encontrou a razão de uma síntese religiosa universal. Os sacerdotes
procuraram então arruiná-lo, e enviaram à sua presença um falso irmão chamado
Judas Iscariotes, para fazê-lo cometer algumas faltas e entregá-lo, assim, a
seus inimigos. Esse foi o Judas que levou Jesus a realizar, no momento em que
os chefes da religião apresentavam animosidade contra ele, uma entrada triunfal
em Jerusalém, seguida de um tumulto no templo. Fizeram, ao mesmo tempo, correr
o boato de que Jesus encantava as árvores e as tornava estéreis, que blasfemava
contra a lei de Moisés, querendo fazer-se adorar-se como Deus. No entanto,
Jesus ia todos os dias ao templo, mas como os judeus oravam com a cabeça
coberta, ele se perdia nessa multidão envolvida em hábitos brancos. Judas
prometeu aos sacerdotes entregá-lo a eles e fazer, ao mesmo tempo, um grande
escândalo, que pudesse comprometê-lo aos olhos de todo o povo. Ele veio com uma
multidão de pessoas dedicada aos fariseus e, prosternando-se diante de Jesus,
ele o adorou. Os cúmplices de Judas revoltaram-se contra o sacrilégio e
quiseram lançar-se contra Jesus. Os discípulos de Jesus tentaram defendê-lo.
Jesus conseguiu escapar e refugiou-se no Jardim das Oliveiras, onde foi
perseguido e preso pelos guardas do templo. Colocaram-no então numa prisão,
onde ficou quarenta dias, durante os quais fizeram proclamar seu ato de
acusação ao som de trombetas e perguntaram se alguém queria tomar sua defesa;
mas ninguém se apresentou. Jesus foi então flagelado como rebelde e, em
seguida, apedrejado como blasfemador, num lugar chamado Lud ou Lydda. Logo
depois, deixaram-no expirar sobre uma cruz em forma de forcado. Alguns de seus
discípulos, que eram ricos, resgataram seu corpo e simularam ostensivamente seu
sepultamento; mas, na realidade, arrastaram-no secretamente e enterraram-no no
fundo do leito de um rio, cujas águas foram desviadas para abrir sua tumba;
depois, deixaram as águas retomarem seu curso. Isto explica por que o corpo não
mais foi encontrado quando os discípulos declararam que seu mestre havia
ressuscitado.
A essa narrativa fundamental os
autores do Sepher Toldos Jeschu acrescentaram as mais ridículas fábulas,
tiradas, evidentemente, das lendas cristãs alteradas ou disfarçadas. É dessa
forma que encontramos aqui a história da ascensão de Simão, o Mágico, atribuída
ao próprio Jesus Cristo, com a intenção evidente de confundir o Messias dos
cristãos como o famoso impostor. É desse modo ainda que Simão Pedro ou Céphas é
confundido, aqui, com Simão, o Estilita, prova evidente do pouco valor
histórico desse Sepher, que foi composto evidentemente vários séculos
após o início da era cristã. Os documentos talmúdicos são mais sérios, porque o
Talmude é a compilação de todas as tradições judaicas, e é lá somente,
fora dos monumentos cristãos, que se deve procurar a lembrança desse personagem
tão importante para a história, mas que todos os escritores profanos ignoram ou
desconhecem.
Essas tradições, marcadas como
devem ser por menosprezo e ódio com relação ao sábio que os judeus
crucificaram, contêm confissões preciosas em favor das crenças cristãs.
Das narrações do Talmude
resulta, com efeito, segundo as tradições judaicas:
1) que Jesus de fato
existiu;
2) que ele nasceu em Belém;
3) que sua mãe, de moral
irrepreensível, era somente noiva de um homem justo e crente em Deus, incapaz
portanto de abusar de sua noiva;
4) que o nascimento
extraordinário de Jesus só se explica por um milagre ou por um atentado
que os judeus deviam necessariamente supor, visto que reconheceriam a elevada
moralidade da jovem virgem e não admitiam o milagre.
5) que Jesus foi perseguido
pela Sinagoga por causa do mistério de seu nascimento, e mais ainda por causa
da superioridade de sua doutrina;
6) que essa doutrina supunha
a iniciação nos segredos da mais alta teologia dos hebreus, em conformidade, em
muitos pontos, com a filosofia transcendente dos iniciados egípcios;
7) que ele realizava coisas
prodigiosas, curando os doentes, ressuscitando os mortos e adivinhando coisas
ocultas;
8) que só foi possível condená-lo
e fazê-lo morrer por traição;
9) que seu corpo não foi
encontrado quando seus discípulos declararam que ele havia ressuscitado.
Não podemos, racionalmente,
perguntar mais sobre esse assunto aos doutores hebreus adversários de Jesus
Cristo. As asserções do Talmude e do Sepher Toldos Jeschu estão
repetidas no Nizzachon vetus, ou antigo livro da Vitória, na
Controvérsia do rabino Jechiele em outras compilações rabínicas. O Sepher
Toldos, ao qual os judeus atribuem grande antiguidade e que ocultam dos
cristãos com precauções tão grandes que esse livro durante muito tempo não foi
encontrado, é citado pela primeira vez por Raymond Martin, da ordem dos Irmãos
Pregadores, quase no final do século XIII. Porchetus Salvaticus, pouco tempo
depois, publicou alguns fragmentos, dos quais Lutero se serviu e que se
encontram no VIII tomo de suas obras, edição da Iéna; mas não se possuía ainda
o texto hebraico. Esse texto, encontrado finalmente por Munster e por Buxtorf,
foi publicado em 1681 por Christophe Wagenseilius em Nuremberg, e em Frankfurt,
numa coleção intitulada Tela ígnea
Satanoe, as flechas ardentes de Satã.
Esse livro foi evidentemente
escrito por um rabino iniciado nos mistérios da Cabala. Está escrito por dentro
e por fora - para usarmos uma expressão de São João, o grande iniciado cristão
-, isto é, apresenta um sentido oculto e um sentido vulgar. Os contos absurdos
dos quais está impregnado são parábolas que o autor quer opor àquelas do
Evangelho. Censuram aqui duas coisas em Jesus Cristo: 1) o fato de ter
surpreendido ou adivinhado os mistérios do templo; 2) tê-los profanado narrando-os
ao vulgo, que os desfigurou e compreendeu mal.
Não podendo retirar a pedra
cúbica do templo, ele fabricou, segundo o autor de Sepher Toldos, uma
pedra de argila, que mostrou às nações como sendo a verdadeira pedra cúbica de
Israel. Juntamos a esse fato a confissão que São Paulo deixa escapar em uma de
suas epístolas: “Somente a natureza podia revelar Deus aos homens, e eles são
imperdoáveis por não o compreender. Mas já que, com efeito, não chegaram a Deus
pela sabedoria, foi preciso salvá-los pela loucura, e perguntar à fé o que não
se obtinha pela ciência.” Quoniam non cognovissent per sapientiam Deum,
placuit per stuiltitiam proedications salvos facere credentes. É essa
loucura da fé que os judeus não querem compreender e que denominam uma pedra de
argila, como se a fé, que é a confiança do amor, não fosse também durável e
frequentemente mais invencível que a razão da existência dos seres submissos às
investigações da ciência. O amor encontra o que a razão procura, ele vê aquilo
que escapa às investigações da ciência. Quando ele não sabe mais, começa a
crer, e quando a razão esgotada pára e cai no umbral do infinito, a fé abre
suas asas, lança-se, dilacera as nuvens, faz descer à terra a escada luminosa
de Jacó e sorri docemente estendendo a mão à sua irmã.
Talvez os cristãos tenham
primeiro glorificado a fé de maneira a fazer crer que renunciavam
à razão. É por isso que, em relação a nós, os judeus transformaram-se
em severos guardiões das tradições antigas e protestam eternamente contra todas
as idolatrias. São adversários que nos vigiam, que nos advertem e que reconciliaremos
um dia ao lhes provar que toda dissidência que os separa de nós repousa sobre
um mal-entendido.
Encontram-se nos livros
atribuídos a Hermes essas estranhas lamentações do sábio Trismegisto: “Ah, meu
filho, um dia virá em que os hieróglifos sagrados tornar-se-ão ídolos; tomarão
os signos das ciências para os deuses, e acusar-se-á o grande Egito de ter
adorado monstros. Mas aqueles que nos caluniarão dessa forma adorarão eles
mesmos a morte ao invés da vida, a loucura ao invés da sabedoria;
amaldiçoarão o amor e a fecundidade, encherão seus templos de ossadas,
esgotarão a juventude na solidão e nas lágrimas. As virgens serão viúvas antes
do tempo e extinguir-se-ão na tristeza, porque os homens terão desprezado e
profanado os mistérios sagrados de Ísis.”
O que o profeta egípcio anunciava
antecipadamente, os judeus nos acusam de ter feito. Dizem eles que desprezamos
o verdadeiro Deus, e adoramos a carne de um enforcado. Rendemos cultos a essas
relíquias da morte que Moisés declara imundas.
Consagramos nossos padres e
nossos religiosos a um celibato que reprova a natureza e que condena aquele que
disse aos seres: “crescei e multiplicai-vos”.
Quanto à moral de nossos
evangelhos, confessam que é pura, não reprovam nada em nossos apóstolos, e o
autor do Sepher Toldos Jeschu diz que São Pedro era um servidor
do verdadeiro Deus, que vivia na austeridade e em penitência, compondo hinos e
morando no alto de uma torre; que pregava a misericórdia e a doçura,
recomendando aos cristãos que não maltratassem os judeus. Mas, acrescenta o
mesmo autor, após a morte de Cephas, outro doutor veio a Roma; este sustentava
que São Pedro tinha alterado os ensinamentos do Mestre. Ele misturava um falso
judaísmo às práticas cristãs, ameaçava aqueles que não o obedeciam com um
inferno ardente e lodoso; prometia às multidões um milagre em confirmação de
sua doutrina; mas quando ergueu sua cabeça contra o céu, uma pedra caiu do céu
e o esmagou. Assim perecem todos os seus inimigos, Senhor, acrescenta
finalizando o autor do Sepher, e que todos aqueles que te amam sejam
como o sol quando brilha com toda sua força.
Desse modo, segundo os judeus que
aceitam o Sepher Toldos Jeschu, não é o cristianismo, mas sim o
anticristianismo que os rechaça.
Ora, o anticristianismo apareceu
na Igreja, com efeito, desde os primeiros séculos e no tempo mesmo dos
apóstolos. O anticristo, dizia São João, é o que divide Jesus Cristo, e ele já está
neste mundo.
Em outro lugar, esse apóstolo
escreve que não ousa visitar seus fiéis, porque um prelado orgulhoso, chamado
Diotrephes, impede-os de recebê-los. “Sabei”, dizia São Paulo, “que o mistério
da iniquidade já se realiza, de modo que aquele que tem agora terá até a morte,
depois se manifestará o filho da iniquidade que se eleva acima de tudo que é
divino, a ponto de sentar-se no templo de Deus e de se mostrar, ele próprio,
como Deus, até que o Senhor o destrua pelo espírito de sua palavra e pela luz
resplandecente de seu segundo advento.”
Jesus era um verdadeiro profeta e
um verdadeiro sábio, dizem os muçulmanos, mas seus discípulos tornaram-se insensatos
e adoram-no como sendo um Deus.
No entanto, judeus e muçulmanos
se enganam; não adoramos Jesus como sendo um Deus diferente do próprio Deus.
Dizemos como Miguel dos hebreus: “Quis ut Deus?” Dizemos com os crentes do islamismo: “Não há outro deus
além do Deus”; mas esse Deus único, indivisível, universal, nós o adoramos
manifestando a perfeição humana em Jesus Cristo. Acreditamos em uma aliança
íntima da divindade com a humanidade, da qual resulta, para empregar a
linguagem dos teólogos, não a confusão, mas a comunicação dos idiomas. Deus
adota, para curá-las, as fraquezas da humanidade, que ele eleva até ele, com
sua força e seus esplendores. Toda alma dotada do sentido inferior que adora,
todo coração que padece da necessidade de amar até o infinito, sentirá que
nesta concepção sublime, e só nela, o ideal religioso se determina e se
completa; que todos os sonhos dogmáticos e simbólicos só podem ser a
investigação e a produção dessa síntese, ao mesmo tempo divina e humana, que
Deus em nós e nós em Deus com Jesus Cristo e por Jesus Cristo é a paz, é a fé,
é a esperança, é a caridade sobre a terra, é, no céu, a eternidade da vida e da
felicidade. Eis por que nenhuma religião jamais substituirá o cristianismo no
mundo. O que se poderia acrescentar ao infinito? Que ideia seria ao mesmo tempo
mais grandiosa e mais consoladora que a do homem Deus consolidando, pelo seu
exemplo, a grande lei da abnegação que realiza os sacrifícios, assim
consagrando para sempre a aliança e como que a identificação de Deus com a
humanidade?
Os antigos acreditavam que nem
toda verdade deve ser dita a todos, ao menos não da mesma maneira, e ocultavam
a ciência sob o véu da alegoria. É assim que as mitologias se formaram. Aqueles
que se enfadam dos símbolos mitológicos devem renunciar à ciência do velho
mundo cujos monumentos são todos mais ou menos mitológicos.
Nosso século que, contra todas as
evidências, não admite em princípio a desigualdade das inteligências, detesta a
mitologia. Procuram-se agora, fatos históricos e positivos até nas teogonias de
Sanchoniation e de Hesíodo. O que não se compreende é tratado como absurdo e
tolice, e é assim que [ Ernest
] Renan, mutilando e estropiando os textos da lenda evangélica, criou sua
pretensa Vida de Jesus.
O Jesus de Renan, espécie de
pastorinho entusiasta e entregue a não sei que onanismo intelectual, meio louco
e meio impostor, vendendo tudo barato desde que seja adorado, é, apesar de toda
a doce poesia que cerca as reminiscências verdadeiramente cristãs do autor, um
ser ridículo e odioso. Não se trata, assim, do verdadeiro Jesus da lenda
evangélica.
Aliás, sendo Renan, segundo
dizem, um estudioso eminente, versado na língua hebraica, como pôde ignorar ou
negligenciar o Sepher Toldos Jeschu, as tradições talmudistas e
os evangelhos apócrifos?
É que o gênio simbólico causava
horror à sua imaginação fria e positiva. É que ele queria agradar aos
ignorantes, cuja preguiça intelectual repele tudo o que exige trabalho para ser
compreendido. É que ele precisava de fama imediata, e é preciso convir que
conseguiu muito bem.
Mas, conseguir agradar
não é conseguir fazer bem. “Faça, pois, para refutar Renan, alguma
coisa que chegue a ser lida como seu livro”, dizia-nos um grande artista, que
nessa circunstância talvez não fosse um grande crítico. Não podemos, em nome da
ciência, aceitar esse desafio. Dizendo a verdade não chegaremos a ser lidos tão
universalmente, nem tão avidamente e de imediato, mas chegaremos a ser lidos
por leitores mais eminentes e por mais tempo.
O Evangelho é um livro
simbólico, o que não prova que Jesus não tenha existido. Rousseau dizia que o
inventor de uma história semelhante seria mais extraordinário que o herói.
Aceitamos plenamente este argumento. Jesus é suficientemente grande quanto à
inteligência e quanto ao coração para criar esta admirável lenda, é superior
àquele que adora estupidamente, ou que nega mais estupidamente ainda o vulgo;
ele é verdadeiramente a encarnação sempre viva do verbo de verdade, e nós o
saudamos Filho de Deus, em todo o resplendor e em toda a energia do
termo.
Até o presente só se
viu do Evangelho a letra que mata e a casca que seca; iremos revelar o espírito
e a vida. “Minhas palavras”, dizia Jesus, “são espírito e vida, e, para
compreendê-las, a matéria e a carne de nada servem.”
Mas, para explicar esse texto
sagrado, quais são as nossas autoridades?
A ciência e a razão.
- Mas a fé o explicou de outro
modo.
- A fé cega, sim; a fé
esclarecida, não.
- Mas só Deus pode esclarecer a
fé.
- Sim, pela razão e pela ciência,
que são também filhas de Deus.
Dito isso, comecemos nosso
estudo.
A palavra “Cristo” quer dizer
ungido ou sagrado; isto é, sacerdote e rei. O cristianismo é a religião
hierárquica das almas e a monarquia da mais perfeita devoção. O cristianismo
primitivo dos apóstolos de Jesus era uma doutrina secreta que tinha seus
signos, seus símbolos e seus diferentes graus de iniciação.
Para os santos ou eleitos, o
dogma cristão era uma sabedoria elevada e profunda; para os simples
catecúmenos, era uma maravilhosa e obscura revelação. Sabemos que o Mestre
sempre se exprimia por parábolas e ocultava a verdade sob o véu transparente
das imagens, a fim de proteger a nova ciência contra as blasfêmias da
ignorância e as profanações da maldade: “Não atirem suas pérolas aos porcos”,
dizia ele a seus discípulos, “para que eles não as pisoteiem, e para que,
voltando-se contra vocês, não os devorem”. Jesus também não deixou coisa alguma
escrita, mas legou a seus apóstolos suas tradições e seu método de
ensino.
Ora, eis qual era o fundamento do
dogma cristão:
A inteligência é eterna; ela se
expande porque é viva. A vida da inteligência, sua expansão, é a palavra,
o Verbo. O Verbo é, pois, eterno como a inteligência, e o que é eterno é
Deus.
O Verbo manifesta-se pela ação
criadora que produz a forma. Ele se reveste da forma humana, e a carne torna-se
a vestimenta do Verbo; havia o Verbo mesmo quando não existia a expressão
exata: assim o Verbo se fez carne.
O Verbo perfeito é a unidade
divina expressa na vida humana. O homem verdadeiro é nosso Senhor, o chefe do
qual todos os fiéis são os membros. A humanidade, constituída por uma escala
hierárquica e progressiva, tem por chefe aquele que é Deus, porque ele é ao
mesmo tempo o melhor dos homens, aquele que morreu pelos outros a fim de
reviver em todos. Somos todos, pois, um mesmo corpo cuja alma deve ser a de
Jesus Cristo, nosso protótipo e nosso modelo, o Verbo feito carne, o
Homem-Deus.
Tudo, portanto, deve em princípio
ser comum entre nós, como entre os membros de um mesmo corpo; mas, de fato,
cada membro deve se contentar com o lugar que ocupa, e a ordem hierárquica é sagrada,
como a vontade de Deus.
Cristo, revelando a lei da
unidade, que é a lei do amor, deu ao espírito força para vencer o egoísmo da
carne, que é a divisão e a morte; instituiu um signo chamado Comunhão, para
opô-lo ao egoísmo, que é o espírito de divisão e de separação.
Ora, a comunhão não era outra
coisa senão a caridade representada por uma mesa comum, e como Cristo havia
destinado sua carne à dor e à morte para legar a seus fiéis o pão fraterno ao
qual ligava, no futuro, seu pensamento perseverante e sua nova vida,
dizia-lhes: “Comam todos, esta é a minha carne!” Também dizia do vinho da
fraternidade: “Bebam todos, este é o meu sangue, porque eu o derramei
inteiramente para assegurar a vocês para sempre a realidade desse signo.”
A comunhão era, pois, a
fraternidade divina e humana, e por conseguinte também a liberdade; pois como
pode haver opressor entre irmãos cujo pai é o próprio Deus?
O cristianismo era, portanto, a
mudança mais radical, e vinha subverter o velho mundo. Isso basta para explicar
a necessidade dos mistérios, porque o mundo há mil e oitocentos anos devia
estar ainda menos disposto do que hoje a se deixar destruir: ele tinha mais
tempo para viver.
Todavia, o Cristo não queria
concluir revoluções senão pela força moral, sabendo bem que só essa força não é
cega. Ele havia plantado o grão da mostardeira, e dizia a seus discípulos para
esperar a árvore. Havia ocultado o fermento na massa, e queria que a deixassem
fermentar.
A vida de Cristo estava toda em
sua doutrina, e, sobretudo para seus discípulos, sua existência devia ser
inteiramente moral. O que dizia, fazia-o no domínio do espírito; é por isso que
os livros evangélicos contêm o dogma e a moral em parábolas, e frequentemente o
próprio Mestre é o sujeito das narrações alegóricas de seus apóstolos.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação
do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja
Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas
diversas dimensões da vida.
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