O Tipo Certo de
Atenção Produz Vitória
Carlos Cardoso
Aveline
Na
primeira metade do século 21, a vida econômica, política e social atravessa uma
mudança em alta velocidade cujos resultados não podemos prever.
Cada aspecto
da civilização atual está passando por uma transmutação que causa múltiplos
efeitos positivos e negativos.
Ninguém
é um mero espectador.
As
ações de um indivíduo afetam a todos. Em outras palavras, é preciso ter
consciência do efeito dominó ou lei da interação. A teoria da
complexidade confirma o efeito borboleta,
segundo o qual um pequeno acontecimento tem o poder de mudar o mundo inteiro.
Seria ineficaz
e pouco inteligente fingir que nada sabemos sobre o efeito espelho. A lei da reciprocidade opera em todas as
interações. A imagem que cada um tem dos outros é sempre um reflexo da imagem
de si mesmo. Agora é o tempo certo, portanto, para agir com paz e serenidade de
modo a não aumentar as fontes de dificuldades, em primeiro lugar, e para reduzi-las
tanto quanto possível através de uma ação inteligente e cooperativa.
Sempre
que há boa vontade, existe um caminho saudável a seguir.
É
melhor errar por ser demasiado cuidadoso do que errar por ser negligente. Medidas
práticas, adotadas por iniciativa individual, podem ser facilmente definidas de
acordo com a realidade de cada um.
Um
princípio básico recomenda manter o nosso estado mental ativo e elevado,
centrado no esforço construtivo. Cada dia faz a diferença: a velocidade dos
fatos é enorme. Em relação aos perigos, individuais e coletivos, devemos
construir uma estratégia prática preventiva que inclua todas as áreas da
vida.
Qualquer
cidadão pode obter um profundo sentimento de tranquilidade por saber que está
fazendo, hoje, o que depende dele.
Sempre é possível praticar a ioga da ação correta de acordo com as nossas
possibilidades. Uma consciência leve e limpa nos permite não ter preocupações
excessivas com o que não faz parte do nosso dever.
Em
tempos de calamidade, cabe lembrar que não existe morte, exceto no plano
físico. Só o eu inferior morre. A reencarnação - gilgul, o rolamento ou reciclagem na tradição judaica - é um
fato da natureza. No entanto, o corpo físico e o eu “pessoal” são instrumentos
valiosos do Espírito. Preservar estas ferramentas de maneiras honestas enquanto
cooperamos com nossos semelhantes é a coisa correta a fazer.
Quando
as circunstâncias trazem perigos, dois erros infantis devem ser evitados através
do uso de bom senso:
1) O
primeiro erro é uma atitude de passividade indiferente em relação a mudanças
sociais que são potencialmente catastróficas. Atualmente uma página da História está sendo virada, e isso acontece em todas
as esferas da vida ao mesmo tempo. O Efeito Borboleta significa que um
indivíduo bem-intencionado tem o potencial para fazer uma grande diferença, que
tenderá a permanecer não-vista e não-reconhecida. Ou seja, a pequena semente
recém-plantada é invisível. Mesmo assim, plantar é melhor que colher.
2) O
outro erro a ser evitado consiste em um nível elevado de ansiedade pessoal, que
torna mais difícil desenvolver uma ação eficiente. O egoísmo não deve fazer
parte da agenda. O pânico é pior que inútil. Uma serenidade essencial surge do
fato de saber que estamos fazendo o melhor que podemos.
Ações
generosas que visam defender a Vida são tanto um dever como um privilégio. Se
aproveitarmos as oportunidades positivas que nos rodeiam neste momento, outras
potencialidades luminosas se tornarão visíveis.
Na
tradição judaica, Shimon, o Justo, costumava dizer:
“O
mundo se mantém sobre três coisas: a Torá [a
lei], o serviço divino e a ação altruísta”. [1]
Uma
afirmação fundamental como esta significa que o mundo vem abaixo quando o
sentido de Dever, ou de Lei, é demasiado fraco; ou quando o mundo sagrado fica
esquecido e os sentimentos generosos de respeito e amizade são deixados de
lado.
Os três
pontos destacados por Shimon, o Justo, são as fontes morais de paz na
sociedade; a ausência deles é a origem do caos social (e político). Estes
princípios ou a ausência deles abrem o caminho para o começo e o fim das
civilizações. O que dizer da ação do indivíduo de acordo com seu livre
arbítrio?
Algumas
regras devem ser seguidas para preservar o bom senso e desenvolver ações
corretas em tempos difíceis. Várias delas foram ensinadas há quase dois mil
anos atrás por Epicteto, que disse:
“A
felicidade e a liberdade começam com a clara compreensão de um princípio:
algumas coisas estão sob nosso controle e outras não estão. Só depois de
aceitar esta regra fundamental e aprender a distinguir entre o que podemos e o
que não podemos controlar é que a tranquilidade interior e a eficácia exterior
tornam-se possíveis.”
Durante
a atual transição planetária, a tranquilidade interior e a eficácia externa
devem ser preservadas e expandidas. Epicteto esclarece:
“Sob
nosso controle estão as nossas opiniões, aspirações, desejos e a decisão sobre
as coisas que nos causam repulsa ou nos desagradam. Essas áreas são
justificadamente da nossa conta porque estão sujeitas à nossa influência
direta. Temos sempre a possibilidade de escolha quando se trata do conteúdo e
da natureza de nossa vida interior. Fora de nosso controle, entretanto, estão
coisas como o tipo de corpo que temos, se nascemos ricos ou se tiramos a sorte
grande e enriquecemos de repente, a maneira como somos vistos pelos outros ou
qual é nossa posição na sociedade. Devemos lembrar que essas coisas são
externas e, portanto, não dependem de nós. Tentar controlar ou mudar o que não
podemos só resulta em aflição e angústia.”
O
filósofo estoico diz que devemos lembrar do seguinte:
“As
coisas sob nosso poder estão naturalmente à nossa disposição, livres de
qualquer restrição ou impedimento. As que não estão, porém, são frágeis,
sujeitas a dependência ou determinadas pelos caprichos ou ações dos outros.”
O
caminho da frustração é indicado por Epicteto para que ele possa ser evitado
mais facilmente:
“Lembre-se
também do seguinte: se você achar que tem domínio total sobre coisas que
estariam, naturalmente, fora de seu controle (…) sua busca será distorcida e
você se tornará uma pessoa frustrada, ansiosa e com tendência para criticar os
outros.”[2]
A
qualidade dos pensamentos e sentimentos é uma responsabilidade imediata de cada
um. Constitui grave erro deixar que a mente seja levada para lá e para cá por
medos e desejos subconscientes.
A
dispersão mental não é um mero erro inocente, porque pode provocar a morte. O Pirkê Avót afirma que a interrupção
desatenta do estudo dos ensinamentos espirituais atrai a destruição para a vida
do indivíduo descuidado. [3] O mesmo
se aplica à sociedade negligente.
O
comportamento trivial provoca calamidades, e Irving M. Bunim escreve:
“Nossa
atenção e capacidade mental são, em última análise, limitadas. Quando a
trivialidade se apossa de nós, os ensinamentos ancestrais […] com certeza
desaparecem. Aquele que deliberadamente substitui por mil e uma necessidades
inúteis os princípios da lei e do saber [espirituais],
sem dúvida incorre em uma culpa que irá custar-lhe sua própria alma.” [4]
O
equilíbrio e o bom senso estimulam a boa vontade, que por sua vez abre as
portas da bem-aventurança. Cabe lembrar que o estado da comunidade é um reflexo
do estado das mentes e almas que fazem parte dela. O modo eficaz de melhorar a
sociedade consiste em expandir a consciência. O tipo correto de atenção produz
um sentido de responsabilidade comum que derrota o egoísmo e evita a dor
desnecessária.
NOTAS:
[1] “Ação altruísta”,
isto é, beneficência, ou ação beneficente. Ver “A Ética do Sinai”, Ensinamentos
dos Sábios do Talmud, Editora e Livraria Sêfer, São Paulo, 1998, 525 pp., ver
capítulo 01, Mishná 02, p. 21. Em inglês, “Ethics
from Sinai”, an eclectic commentary on Pirke
Avoth, by Irving M. Bunim, 3-volume edition, Philipp Feldheim, Inc., New
York, copyright 1964, ver volume I, Perek I, Mishnah 02, p. 38. Veja
também, na edição brasileira da mesma obra, Capítulo 01, Mishná 18, p. 64. Ali
Shimon ben Gamliel menciona princípios equivalentes: “O mundo existe graças a
três coisas: a verdade, a justiça e a paz.”
[2] “A Arte de
Viver”, Epicteto, uma nova interpretação de Sharon Lebell, Ed. Sextante, RJ,
2000, 159 pp., ver pp. 20-21.
[3] “A Ética do
Sinai”, Irving M. Bunim, Capítulo 03, Mishná 09, p. 153: “Aquele que durante o
caminho rememora o que aprendeu da Torá mas interrompe seu pensamento para
dizer, ‘Que bela árvore! Que belo campo!’
é considerado pela Escritura como alguém que, por seu pecado, incorreu na pena
de morte.” A palavra “pecado” significa “erro”. O peregrino deve ter a calma e
completa vigilância de um guerreiro durante a batalha. Veja também o Capítulo
03, Mishná 10, p. 155, na mesma obra.
[4] “A Ética do
Sinai”, Irving M. Bunim, Capítulo 03, Mishná 10, p. 156.
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O texto
acima é uma tradução. Ele está disponível em inglês nos websites associados e no blog
teosófico de “The Times of Israel”. Foi publicado em português pela primeira vez
na edição de abril de 2020 de “O
Teosofista”, pp. 1-4, e está disponível como item independente nos websites
associados desde o dia 27 de janeiro de 2022.
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Sobre
Epicteto, leia o capítulo cinco na obra “Conversas
na Biblioteca”, de Carlos Cardoso Aveline, Edifurb, Blumenau, Santa
Catarina, 2007, 170 páginas.
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