No século 19, o cristianismo foi usado como ponta de lança colonialista para reduzir a força da cultura religiosa e filosófica tradicional da Índia, e para consolidar a dominação britânica naquele país.
Tão logo o movimento teosófico ganhou força e influência ao mostrar o valor das sabedorias orientais, começaram os ataques dos missionários cristãos contra Helena Blavatsky e a Teosofia. Em 1884-1885, a campanha antiteosófica passou a incluir táticas como suborno, infiltração de agentes no movimento e falsas denúncias com grande cobertura da mídia.
Diante
disso, os teosofistas situados em Adyar - sede internacional da Sociedade
Teosófica - sentiram-se intimidados e assustados. Faltou-lhes coragem. Salvo
exceções, deixaram de defender a fundadora do movimento.
Poucos
entre eles haviam compreendido um fato básico:
Todo aspirante à sabedoria é
atacado e testado no plano moral, e isso acontece na exata medida do seu
esforço para elevar-se no plano do espírito. A integridade do aprendiz, a sua
capacidade de ser implacavelmente honesto consigo mesmo e com os outros, é a única
base sobre a qual pode acontecer o aprendizado da alma.
Atacada de vários modos, defendida por poucos, Helena Blavatsky adoeceu gravemente, mas a sua missão não poderia terminar naquele momento. A saúde da escritora russa foi restabelecida no essencial por um Mestre. Ela viajou para a Europa, terminou de recuperar-se e dedicou-se a redigir “A Doutrina Secreta”.
Com
os ataques de 1884-1885, rompeu-se um certo vínculo magnético em várias frentes.
Vejamos alguns exemplos:
*
As Cartas dos Mestres deixam de fluir. Frustrado, Alfred P. Sinnett afasta-se
de Blavatsky. Incapaz de aceitar o fato de que os Mestres haviam decidido fazer
silêncio, Sinnett cai em conversas mediúnicas imaginárias com falsos Mestres.
*
Damodar Mavalankar, discípulo avançado, um braço direito de HPB, chega ao
limite da sua resistência humana. É obrigado a retirar-se de Adyar e, convidado
por seu instrutor, vai para um Ashram dos Mestres.
*
Subba Row, outro discípulo avançado, não tem a mesma sorte que Damodar. Caindo no
círculo magnético da desorientação, ele perde o bom senso e morre pouco depois.
*
Charles Leadbeater, que havia sido aceito como discípulo em provação, falha no
teste. Mais tarde, quando é organizada na Inglaterra a Escola Esotérica, Leadbeater
não é admitido nela por H.P.B. Este dado é, aliás, decisivo para demonstrar que
Leadbeater fracassou como discípulo. Ao invés de estar na Escola Esotérica, ele
passou a fazer parte de um grupo rival em Londres, liderado por Alfred Sinnett,
que já caíra no mundo da falsa clarividência.
* A vasta maioria dos teosofistas situados em Adyar perde o foco, enquanto HPB retoma com força o seu trabalho a partir de 1887, desde Londres.
Quem estuda os documentos da época, fartamente publicados hoje, vê, portanto, que a traição à fundadora do movimento começou sete anos antes da morte dela, e “floresceu” mais livremente sob a liderança de Annie Besant depois que HPB abandonou a vida física em 1891.
As pessoas estavam despreparadas para a busca da sabedoria.
A
ponte entre os mestres espirituais do Oriente e a civilização ocidental fracassava, com algumas exceções. Abriam-se as portas para as grandes guerras mundiais. Estavam dadas
as bases da decadência moral e da falta de bom senso que reinariam no século 20
e nas primeiras décadas do século 21.
Em
uma carta de 1885 a Alfred Sinnett, quando Sinnett ainda não havia se voltado
contra ela, H.P.B. descreve o modo como os teosofistas de Adyar se recusam
sistematicamente a defendê-la, ou a defender a verdade, e desabafa:
“Por
que os meus melhores amigos permitem que eu seja tão caluniada?” [1]
Na
mesma carta, duas páginas mais adiante, ela acrescenta com a franqueza de quem nasceu
sob o signo de Leão e confia na luz do Sol e da verdade:
“Enquanto
meus inimigos me reduzem a pedaços, o pessoal de Adyar brinca de ‘esconde-esconde’
- eles fingem que estão mortos - ah! Os pobres miseráveis covardes! (....) Eu
digo a você, eu sofro mais com estes traidores teosóficos do que com os Coulomb, os Patterson, ou mesmo a
S.P.P.”. [2]
Talvez
ela estivesse advertindo Sinnett sobre o perigo de ele seguir o mesmo rumo. Felizmente,
ele jamais a atacou no plano pessoal. Perdeu o foco, mas não foi um traidor no
sentido frontal do termo.
Em
16 de junho de 1885, Blavatsky escreveu em uma carta a Francesca Arundale:
“E,
ah, querida, quantos traidores e Judas de todas as cores e tonalidades nós
temos no próprio coração da Sociedade. A ambição é um conselheiro terrível!” [3]
HPB
devia saber o que estava dizendo, ao usar esta linguagem enfática. Ela passou
por uma crucificação moral e emocional em vida.
Um
século depois, em 1986, a Sociedade de Pesquisas Psíquicas (S.P.P.), que a
acusara de fraude, finalmente admitiu os fatos, ainda que indiretamente. HPB
era honesta e inocente: a fraude estava apenas nas acusações da própria S.P.P.
contra ela.
Na
primeira metade do século 21, um pequeno número de teosofistas compreende o
caráter absolutamente central da ética e da honestidade como bases de todo
conhecimento teosófico ou filosófico. É razoável esperar que este número
cresça, abrindo espaço para um melhor contato com as verdadeiras fontes de
conhecimento e inspiração.
Algumas Palavras Sobre
Olcott
Cabe registrar ainda a atitude adotada pelo presidente-fundador da Sociedade Teosófica, Henry Olcott, diante destes desafios todos. E a atitude
dele não foi brilhante. Diante da campanha antiteosófica, o presidente foi
guiado pelo medo, deixando de lado a verdade e abandonando a ideia de ser leal.
Referindo-se
Olcott, o Mestre disse a Blavatsky:
*
“…Ele demonstrou fraqueza moral, tanto quanto fraqueza física...”.
*
“…A Sociedade libertou-se do nosso controle e influência e a deixamos ir - não fazemos escravos à força. Ele disse que a salvou? Ele salvou seu corpo, mas
permitiu, por puro medo, que sua alma escapasse, e ela é agora um cadáver sem
alma, uma máquina que ainda funciona bastante bem, mas que se despedaçará
quando ele se for.” [4]
As
palavras foram anotadas por HPB e graças a C. Jinarajadasa hoje fazem parte das
Cartas dos Mestres. No futuro provavelmente será dada a elas a sua devida
importância.
Comentando o fato de que Olcott abriu as portas do movimento teosófico para os inimigos da verdade, Blavatsky declarou em 1885:
“Antes ou depois de morrer, nunca perdoarei o coronel Olcott…”. [5]
NOTAS:
[1]
“The Letters of H.P. Blavatsky to A. P. Sinnett”, Theosophical University
Press, Pasadena, California, 1973, 404 pp., ver Carta XLVI, p. 112.
[2]
“The Letters of H.P. Blavatsky to A. P. Sinnett”, volume citado, Carta XLVI, p.
114. Veja também o artigo “Por Que Não Volto à Índia”,
de HPB.
[3]
“The Letters of H. P. Blavatsky to A. P. Sinnett”, volume citado, Carta XLII,
p. 95. A ambição subconsciente está entre os fatores que estimulam os covardes
a não apoiarem os líderes, quando os líderes são injustamente atacados. Há
nisso também um elemento de ingratidão.
[4] “Cartas
dos Mestres de Sabedoria”, compiladas e editadas por C. Jinarajadasa, Ed.
Teosófica, Brasília, 295 pp., 1996, ver p. 107 (primeiro trecho) e p. 108
(segundo trecho). Toda a carta 47 da primeira série (pp. 107-109) descreve o
fracasso de Henry Olcott, mais tarde levado às suas últimas consequências por
sua sucessora Annie Besant.
[5] “Collected Writings”, H. P. Blavatsky, TPH, EUA, volume VI, p. 326.