Os Momentos de Iluminação Súbita e o “Ponto Ômega”
Carlos Cardoso Aveline
Em um ensaio intitulado “O que são
revoluções científicas?”, o físico e filósofo Thomas Kuhn discute a relação que
há, na busca do conhecimento, entre o caminho gradual e a ruptura súbita com
aquilo que parece estar estabelecido.
Kuhn
notabilizou-se por analisar o contraste entre as duas modalidades. O desenvolvimento
científico “normal” progride através do acúmulo linear de conhecimento. O progresso
científico “revolucionário” ocorre de modo não-acumulativo, e abandona ou
altera premissas da fase anterior.[1]
Durante as fases
de acumulação gradual, preparam-se lentamente as bases das próximas rupturas
com o passado. Cada vez que ocorre uma
“ruptura revolucionária” no progresso científico, grandes blocos de
conhecimento, que até ali pareciam centrais e indispensáveis, caem para um
segundo plano ou são totalmente abandonados.
O conceito de
“revolução científica” de Kuhn não fica necessariamente limitado à ciência
exata. Ele tem uma componente multidisciplinar e universal. Toda forma de vida,
inclusive a vida de um país ou civilização, é sempre uma jornada em busca de
conhecimento; e, como tal, combina os dois “modos de conhecer” detectados por Kuhn. De um lado, a percepção
gradual. De outro, a “descoberta súbita”.
A ideia de que há
momentos em que as “revoluções perceptivas” são inevitáveis não só constitui algo
útil em geral, mas talvez seja
indispensável para que possamos compreender o atual momento humano. A expressão
“revolução científica” tem também uma correspondência com o conceito
zen-budista de “iluminação súbita”, e com a ideia de “ponto ômega”, utilizada
por Teilhard de Chardin. Talvez a humanidade esteja atravessando um destes
momentos. A mudança que estamos todos vivendo - individual e coletivamente - é
tão vasta, abrangente e rápida, que não somos capazes de perceber com clareza
todas as suas dimensões. A visão do movimento das folhas das árvores tem sido
tão fascinante que poucos indivíduos veem a radical mudança do bosque inteiro a
seu redor.
Apesar da
precariedade da percepção humanamente possível, muitos compreendem que nossa
sociedade se aproxima de um momento de “ruptura cognitiva”; ou talvez já tenha
ingressado nele. O velho modo estabelecido de ver as coisas se desfaz. Nossa antiga
noção de tempo e de espaço se desmancha. Milhares de pequenos fatores alteram a
substância das lentes com que olhamos aquilo que, para nós, é a “realidade”.
Por uma série de
motivos, no entanto, nem sempre é sábia a nossa atitude diante da mudança. Como
podemos perceber o que deve ser renovado, e o que deve ser preservado? Em
alguns casos, em áreas em que a mudança deveria ser bem recebida, ficamos
excessivamente apegados à rotina. Em outros casos, quando seria melhor uma
atitude mais modesta e conservadora, busca-se mudanças em áreas superficiais da
vida. Mas o problema tem solução. Como sempre, a calma, o discernimento e uma
visão filosófica de longo prazo nos ajudam nas questões fundamentais da vida.
A rocha firme não
se abala pelo movimento das marés. Na renúncia à agitação inútil, há um velho
ditado popular que deve ser adaptado para os dias atuais. Na verdade, mais vale
um livro de teosofia na mão do que dois celulares tocando. Uma porção razoável
de paz no coração têm valor maior que os mais brilhantes e complexos i-phones. Além de mandar uma nave
tripulada a Marte e redescobrir os milagres da ética na política e da
preservação ambiental, uma das grandes aventuras científicas que esperam por
nós consiste em conhecer a nós mesmos e ouvir a voz sem palavras das nossas
almas imortais.
NOTA:
[1]
“O que são revoluções científicas?”, texto publicado no livro “O Caminho desde A Estrutura”, de Thomas S. Kuhn, Ed. UNESP, 2003, SP, 403
pp., ver pp. 23-45.
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O texto acima foi publicado inicialmente de
modo anônimo na edição de outubro de 2008 de “O Teosofista”.
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Em setembro de
2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional,
um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas,
que tem como uma das suas prioridades a construção
de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
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