Como Se Libertar das Crenças Falsas
Robert Crosbie
Robert Crosbie (1849-1919)
Todo ser humano tem fé -; fé em alguma coisa, em algum ideal, alguma
concepção, alguma religião, alguma fórmula. Mas enquanto a fé de diferentes
pessoas tem este ou aquele objeto, a fé em si mesma vem do Mais Alto, e é
inerente ao coração de cada ser. A fé é a própria base do nosso ser.
Seja qual for o caminho que seguimos, fazemos isso por
causa da fé que temos - a convicção de que este é o melhor caminho. O fato de
que o mundo está cheio de convicções falsas se deve às diferentes ideias,
crenças e filosofias, que limitam a fé propriamente dita aos meios considerados
necessários para alcançar um objetivo específico.
O capítulo dezessete do “Bhagavad Gita” afirma que há
três espécies de fé. Existe a fé de qualidade sattva, que é boa e verdadeira; a fé de qualidade rajas, de ação e de paixão; e a fé da
qualidade tamas, de indiferença e
ignorância. Estas três qualidades dadas à fé são, na verdade, as três
limitações colocadas na fé por todo ser humano; porque o poder da fé é, em si
mesmo, ilimitado. Nós limitamos continuamente esta energia para que ela opere
dentro do alcance de alguns objetos menores, ou de um ideal baseado em coisas
externas.
“A alma presa a um corpo tem o dom da fé, e cada homem
possui a mesma natureza que o ideal em que ele fixa a sua fé.” O homem tem a fé
de acordo com a sua disposição; e ele também adquire continuamente a substância
do ideal em que ela se baseia. É evidente, portanto, que deveríamos conhecer
com segurança a natureza da fé sobre a qual está colocado o nosso ideal.
Se alguém coloca a sua fé em qualquer coisa externa, seja qual for - deuses ou
homens, religiões ou sistemas de pensamento - ela não tem qualquer base firme.
O homem impede a força do seu próprio espírito de expandir-se além dos limites
do seu ideal. Quando, por exemplo, nós aceitamos a ideia de que nada é real
exceto aquilo que podemos ver, escutar, saborear, cheirar ou tocar, estamos
colocando nossa fé sobre uma base muito inferior.
Existe uma causa para que haja falsidade em nosso
pensamento e na nossa ação, quando pensamos que o momento presente é o único
momento, que o mundo externo e terrestre e esta existência atual são a única
vida, da qual saímos para ir não sabemos onde, sem saber tampouco qual o
propósito disso tudo.
Olhar para todos os seres a partir das nossas próprias
limitações mentais e da nossa capacidade de percepção - e ver apenas os
aspectos externos da fala e da ação deles - não é vê-los como realmente são. Um
Deus externo, ou um demônio externo, uma Lei externa, uma salvação externa dos
pecados, e a ideia de que o pecado seja qualquer coisa além da negação da nossa
própria natureza divina (o pecado imperdoável), são todos objetos de fé externa,
que possuem a natureza de tamas, ou
ignorância. A ignorância sempre leva à superstição. A superstição leva à falsa
crença, e a falsa crença produz a fé falsa.
Estamos todos em constante conflito uns com os outros por
causa da fé que é colocada sobre bases falsas, e pelo próprio fato de que a fé colocada
em qualquer coisa tem resultados. Os
homens tornam-se cegos para a fé real e verdadeira devido aos resultados que
até mesmo a falsa fé produz. No entanto, enquanto tivermos uma fé falsa, continuaremos
a criar vidas de sofrimento para nós mesmos. Os resultados que fluem de uma fé
falsa colocada em um ideal egoísta trazem-nos necessariamente maus efeitos em
condições inadequadas. Eles são as próprias limitações que nós impusemos sobre
nós mesmos através de fé colocada em objetos externos em outras vidas, e temos
que voltar várias vezes em outros corpos até que nos libertemos dos defeitos
que foram produzidos em nossa natureza pela fé em coisas externas.
Devemos obter uma base para o pensamento e a ação que
seja melhor do que a fé falsa e hereditária das atrações e repulsões. Nós
produzimos os efeitos que vemos. Mas, se mudarmos nossos ideais, não
necessitaremos continuar repetindo os mesmos erros uma vida após a outra. Basta
encontrar uma base verdadeira para a fé. Temos que colocar nossa fé sobre
aquilo que não é externo, mas interno.
O Interno é a própria fonte de todo tipo de poderes que
possuímos, e este Interno é o mesmo em todos os seres vivos. Na própria raiz do
nosso ser, está aquele Eu imutável que nós só podemos conhecer dentro de nós
mesmos. Para podermos alcançar o nosso interior em busca Dele, devemos primeiro
renunciar a todas as nossas ideias – a tudo que muda.
Em primeiro lugar, o homem deve renunciar à ideia de que
ele é o seu corpo. Ele ocupa o corpo; ele o usa; mas ele sabe que o corpo está
sempre mudando, e que nunca, nem por um instante, o corpo é o mesmo que foi no
momento anterior. O homem deve renunciar também à ideia de que ele é a sua
mente. Porque ele pode mudar as ideias que a compõem - pode expulsá-las,
corporalmente, e adotar o próprio oposto delas, se quiser -, e no entanto ainda
estará lidando com outras ideias. Nós não somos corpos, não somos mentes, nem
somos as duas coisas juntas; mas somos Aquilo que usa e que sustenta o corpo e a
mente.
Através de todas as mudanças do passado e do presente, e
das mudanças que estão por vir, sempre seremos nós mesmos. Mesmo quando a morte
vier, ainda estaremos operando - de uma maneira diferente da maneira do corpo
físico. O Eu Imutável coloca o universo inteiro ao alcance da mente de qualquer
ser. Esta é uma base estável para o pensamento, a ação e a compreensão interior
de si mesmo.
Devemos saber três coisas: cada um é o Eu em sua natureza
mais interna; toda força que ele tem surge desse Eu; e todo ser de qualquer
espécie é consciente, tendo o poder correspondente ao seu campo de percepção e
ação. Todo instrumento está sujeito à limitação da concepção que há sobre a
real natureza do indivíduo. O homem nunca poderá compreender sua unidade com a
Única Grande Vida olhando para outros seres, nem através de qualquer tipo de fé.
Ele só pode obter esta compreensão olhando para sua própria natureza. A sua
própria substância é compreendida olhando aquilo que não é a natureza do Eu. Porque qualquer coisa que seja
vista, ouvida, sentida, saboreada ou percebida não é o Eu, mas apenas uma
percepção do Eu.
O Eu percebe aquilo que pode ser percebido através das
suas próprias ideias, de acordo com sua própria fé, mas aquilo que é percebido
nunca é o Eu. Dentro de cada ser que faz qualquer ação, ou em qualquer ser em
quem percebemos qualquer coisa, há um Eu; mas não o percebemos. Só
compreendendo este Eu dentro de nós mesmos poderemos compreender a sua
existência dentro dos outros seres todos. Assim, devemos honrar a natureza
espiritual de cada um, e esforçar-nos para ajudar aquele ser a ver por si mesmo
o caminho verdadeiro pelo qual ele poderá compreender a sua própria natureza!
Todos nós temos que pensar e agir tendo como guia esta natureza verdadeira.
Pensamos que estamos impedidos de muitas maneiras de
adotar o ponto de vista da verdadeira natureza. Mas isto é apenas uma ilusão
que nasce da fé falsa que temos tido. Temos estabelecido ideias, atrações e
repulsões, e sentimentos que, devido à lei do retorno das impressões, voltam a
nós uma e outra vez. No momento em que tentamos adotar uma atitude oposta,
encontramos o resultado da ação combinada de todas estas forças existentes dentro
de nós. Isso é o que podemos chamar de “guerra nos céus” - a guerra na própria
natureza do homem.
Mas se ele permanecer sincero em relação à sua própria
natureza espiritual, estará destinado a vencer. Se ele tiver fé na lei da sua
natureza, irá adiante; e, gradualmente, os obstáculos desaparecerão. Devemos
perseverar de modo severo, e ter confiança e fé Naquilo que é o único fator
Real em toda parte - a própria Vida -, a Consciência. Então serão destruídos os
grilhões que construímos para nós mesmos. Todas as forças da natureza começam a
agir sobre nós e conosco, porque não temos desejos em relação a nós próprios,
mas apenas desejamos o bem e a salvação de todos. Todas as almas e todas as coisas parecem
trabalhar para proveito nosso, mas não porque nós queiramos isso. Começamos a
ver o significado espiritual da afirmativa de que o homem que deseja salvar sua
vida deve perdê-la.[1] Ele renuncia
a tudo o que está no nível da aquisição para si mesmo, dedicando todas as suas
energias ao serviço dos outros, e o universo inteiro passa a estar diante dele.
Ele pode tomar tudo para si. Mas não deve tomar coisa alguma para si, exceto
para doá-la novamente. Não deve aceitar nada, a não ser para colocá-lo
novamente aos pés dos outros!
Não se coloca a questão de pecados ou de pecador. Não se
coloca a questão de bem e mal. Há apenas uma questão: “Você está trabalhando
para você mesmo como você vê a si mesmo, ou está trabalhando para o Eu como
você deveria entender que você
é, e mais nada?” Se não quiser coisa alguma para si mesmo, se não exigir coisa
alguma para este corpo, mas pensar apenas em trabalhar pelos outros, aquilo que
é necessário virá de acordo
com a lei da própria força em função da qual você produz uma atração.
O apoio vem de todas as direções. Toda a natureza -
espiritual, intelectual, psíquica, astral e física - é fortalecida; e até as
circunstâncias ao seu redor são melhoradas. É a nossa falta de fé - a nossa
ausência de fé Naquilo - que nos coloca onde não gostaríamos de estar. Negar o
Cristo interior, o Krishna interior, o Espírito interior, é o “pecado imperdoável”. E, enquanto nós crucificarmos o
Cristo interno, iremos sofrer na cruz das paixões e dos desejos humanos.
Trabalhar para nós mesmos é uma criação que nos amarra firmemente a condições inadequadas.
Podemos tentar obter corpos melhores, posições melhores, posses e propriedades
de todos os tipos, qualidades melhores, e uma compreensão melhor apenas sob uma condição, a de que nossa intenção seja a de
tornar-nos mais capazes de ajudar e ensinar os outros.
A única fé verdadeira é a fé no Mais Alto - no imutável,
Naquilo que cada um é em sua natureza mais interior. O único caminho verdadeiro
é o da confiança na lei da nossa própria natureza espiritual. Os homens podem
ir de fé em fé, trocando a fé em uma coisa pela fé em alguma outra coisa, e
avançar de vida em vida obtendo resultados de acordo com a natureza do ideal
sobre o qual está colocada sua fé. Mas o único caminho de saída é o caminho da
fé na natureza espiritual e essencial de todos os seres. E não poderia ser dado
a qualquer ser humano um dom maior do que o fato inegável de que ele - e cada
um - tem o poder de compreender esta fé. Isso faz parte do conhecimento antigo,
preservado por uns poucos e colocado em prática por uns poucos. É algo que Eles
sempre têm trazido para um mundo baseado em formas falsas de fé, tentando assim
ensinar os povos em geral.
Aquele que segue o Caminho da verdadeira fé não se afasta
dos seus semelhantes. Os seus semelhantes são mais importantes para ele do que
jamais foram antes. Ele vê mais coisas neles. Ele enxerga mais claramente as
dificuldades que eles enfrentam, e deseja ajudá-los de todas as maneiras
possíveis. Assim, ele está mais vivo como homem. Ele age com mais consciência
do que os outros. Ele consegue mais do que eles da natureza, porque vê o todo e
vê os aspectos dos indivíduos que compõem o todo. Ele aproveita a vida tanto
quanto - e ainda mais do que - o homem que vive para buscar a diversão e a
felicidade, o homem cuja ambição é pessoal. Mas ele não vive para si mesmo. O
único objetivo da sua vida é que os seres humanos possam conhecer estas
verdades, porque ele sabe que o conhecimento significa a destruição das formas
falsas de fé, e portanto a destruição de todo o sofrimento e dos horrores da
existência física. Assim, a evolução continuará através de saltos e de
limitações. Os homens irão libertar-se de lugares aos quais se dedicaram, e
irão adiante sem limites, em um universo de possibilidades infinitas.
Quando todas as nossas crenças falsas, nossos desejos e
paixões, atrações e repulsões tiverem sido abandonadas como vestimentas velhas,
e quando tenhamos reassumido aquela natureza em nós que é divina, então seremos
capazes de construir uma civilização tão mais elevada do que a atual quanto
seria possível imaginar. Porque não podemos fugir do Carma da raça humana atual,
nem daqueles efeitos que foram produzidos por todos nós em conjunto, e que
devemos enfrentar juntos.
A melhor maneira, a maneira mais elevada e a maneira mais
segura de agir é avançar ao longo da linha da nossa própria natureza interior,
e, ao fazer isso, dar elementos para que outros possam compreender as suas
naturezas internas. Então, permanecendo Naquilo que é imortal, imutável, sem
limites, Naquilo que é o nosso próprio eu e o Eu de todas as criaturas, a
compreensão virá -; ela virá pouco a pouco, mas certamente virá.
NOTA:
[1] Veja Mateus, 10:39. (CCA)
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O texto acima foi traduzido da obra “The
Friendly Philosopher”, de Robert Crosbie, Theosophy Company, Los Angeles,
1945, 416 pp., ver pp. 354-359. Título original do texto: “Three Kinds of Faith”.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação
do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja
Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas
diversas dimensões da vida.
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