21 de agosto de 2011

A Chave da Teosofia - 01


O Prefácio e o Primeiro
Capítulo da Obra Clássica de H. P. B.

Helena P. Blavatsky

Helena Blavatsky em seu escritório em 1887



Nota Editorial de 2017:

O movimento teosófico possui no século 21 o mesmo potencial sagrado, e enfrenta os mesmos desafios que enfrentava quando “A Chave da Teosofia” foi publicada no final do século 19.

Tudo indica que, no fundamental, isso não se alterará nos próximos séculos. No entanto, houve mudanças significativas no plano externo e organizacional, e a velha “Sociedade Teosófica” dos anos 1880 já não existe mais.

A Sociedade Teosófica original foi fundada em 1875 por H. P. B. com ajuda de Henry Olcott, William Judge e outros. Poucos anos depois da morte de H. P. B., em 1891, a Sociedade original perdeu o rumo e começou a fragmentar-se.

Na primeira parte do século 21, existem diversas propostas de ação e de pensamento teosófico ativas de modo internacional. Uma delas é a Loja Independente de Teosofistas, LIT, que procura estimular, sem burocracia e sem distorções, o estudo e a vivência da proposta original do movimento.

A LIT é a única proposta teosófica organizada em mais de um idioma que adota as Cartas dos Mestres de Sabedoria e as Cartas dos Mahatmas como fontes prioritárias de inspiração.

Devido à diversidade organizativa e de ideias que caracteriza o movimento teosófico desde a primeira metade do século vinte, é importante lembrar - sempre que HPB se refere nesta obra à “Sociedade Teosófica” - que ela pensava no conjunto do movimento. Naquele tempo todo o movimento convivia com grande pluralidade dentro da mesma instituição informal que ela fundara. Aquela Sociedade não existe mais: o que há hoje é um amplo movimento teosófico, marcado pela descentralização, e pela necessidade de renovar-se.

(Carlos Cardoso Aveline)

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A Chave da Teosofia


Uma Exposição Clara, na Forma de Perguntas e Respostas,

Sobre

ÉTICA, CIÊNCIA E FILOSOFIA,

PARA CUJO ESTUDO FOI FUNDADA A SOCIEDADE TEOSÓFICA


Helena P. Blavatsky


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Edição original: “The Key to Theosophy”,
Theosophical Publishing Company, London,
and W. Q. Judge, New York, 1889, 310 pp.

Traduzido ao português por associados da Loja
Unida de Teosofistas, a partir da edição fac-similar
da edição original de 1889, publicada pela
Theosophy Co., em Los Angeles, EUA, em 1987.
Todas as notas numeradas são de H.P. Blavatsky,
a menos que se indique expressamente sua autoria.

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Esta obra é dedicada por “H. P. B.” a
todos os seus alunos, com votos de que
eles possam aprender e, por sua vez, ensinar.




PREFÁCIO DE 1889 


O propósito deste livro está descrito com precisão no seu título, “A CHAVE DA TEOSOFIA”, e não necessita muitas palavras de explicação. Ele não é um manual completo ou exaustivo sobre teosofia, mas apenas uma chave para abrir a porta que leva a um estudo mais profundo. Ele estabelece as linhas gerais da Religião da Sabedoria e explica os seus princípios fundamentais.  Ao mesmo tempo, examina as várias objeções levantadas pelo estudante ocidental, e faz um esforço para apresentar conceitos desconhecidos em uma forma e uma linguagem tão simples e tão claras quanto possível.

Seria esperar demasiado querer que este livro torne a teosofia compreensível sem necessidade de esforço mental da parte do leitor.  Mas espera-se que a dificuldade de entender esteja no conteúdo, e não na linguagem, e seja resultado de profundidade, não de confusão.  

Para os que são mentalmente preguiçosos ou pouco inteligentes, a teosofia deve permanecer necessariamente como um enigma, porque no mundo mental, assim como no mundo espiritual, cada ser humano deve progredir por seus próprios esforços. A autora não pode pensar pelo leitor, e o leitor não seria beneficiado em coisa alguma se um tal pensamento vicário fosse possível. A necessidade de uma exposição como esta tem sido sentida há muito tempo entre aqueles que se interessam pela Sociedade Teosófica e seu trabalho, e espera-se que ela dará informação − tão livre quanto possível de complicações técnicas − aos muitos indivíduos cuja atenção foi despertada, mas que, até agora, ficaram apenas intrigados, e não chegaram ainda a uma opinião clara.

Foi dada alguma atenção à tarefa de identificar o que é verdadeiro e o que é falso nos ensinamentos espíritas sobre o pós-morte, e à tarefa de mostrar a verdadeira natureza dos fenômenos espíritas. Explicações anteriores, feitas com o mesmo objetivo, despertaram  muita raiva contra esta devotada autora. Como tantos outros, os espíritas preferiam acreditar no que é prazenteiro e não no que é verdadeiro, e ficavam muito irritados com qualquer um que destruísse uma ilusão agradável. No ano que passou, a teosofia tem sido alvo de todo tipo de dardo venenoso vindo do espiritismo, como se aqueles que possuem uma  meia-verdade sentissem mais rivalidade, em relação aos que possuem a verdade inteira, do que aqueles não têm parcela alguma da qual se possam envaidecer.

A autora deve sinceros agradecimentos a muitos teosofistas que mandaram sugestões e perguntas, ou que contribuíram de outras maneiras durante a redação deste livro. Graças à ajuda deles, este livro será mais útil, e esta será a sua principal recompensa.


H. P. B.

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A CHAVE DA TEOSOFIA

I

A Teosofia e a Sociedade Teosófica


O SIGNIFICADO DO NOME

PESQUISADOR: Frequentemente, a teosofia e as suas doutrinas são descritas como uma nova religião.  Isso é verdade?

TEOSOFISTA: Não. Teosofia é conhecimento divino ou ciência divina.

PESQ.: Qual é o verdadeiro significado do termo?

TEOS.: Sabedoria Divina. “Theosophia” significa sabedoria dos deuses, assim como “Teogonia” significa genealogia dos deuses.  A palavra “theos” significa um deus, em grego, um dos seres divinos, e  certamente não significa “Deus” no sentido que se dá atualmente ao termo. Portanto, ela não é “Sabedoria de Deus”, como alguns traduzem o termo, mas aquela  Sabedoria Divina que pertence aos deuses. O termo existe há muitos milhares de anos.

PESQ.: Qual é a origem do nome?

TEOS.:  Ele vem dos filósofos de Alexandria, os chamados amantes da verdade, Filaleteus, de “Fil” (amar) e “Aleteia” (verdade). O nome “teosofia” data do século três da nossa era, e começou a ser usado por Amônio Saccas e seus discípulos [1], que criaram o sistema Teosófico Eclético.

PESQ.: Qual era o objetivo deste sistema?

TEOS.: Em primeiro lugar, transmitir algumas grandes verdades morais a seus discípulos, e a todos os que eram “amantes da verdade”. Disso surgiu o lema adotado pela Sociedade Teosófica: “Não há religião mais elevada que a verdade”.[2]  O  principal objetivo dos fundadores da Escola Teosófica Eclética era um dos objetivos da sua sucessora moderna, a Sociedade Teosófica, isto é, reconciliar todas as religiões, seitas e nações sob um sistema comum de ética, com base em verdades eternas.

PESQ.:  Que meios você tem de mostrar que isto não é um sonho impossível, e que todas as religiões do mundo estão baseadas em uma única e mesma verdade?

TEOS.: O estudo e a análise comparada das religiões. A “Religião da Sabedoria” era uma só, nos tempos antigos. A unidade da filosofia religiosa primitiva está comprovada pela identidade das doutrinas ensinadas pelos Iniciados nos MISTÉRIOS, uma prática que, naqueles tempos, era adotada universalmente. “Todas as velhas formas de adoração indicam a existência de uma só Teosofia anterior a elas. A chave que abre uma deve abrir todas; caso contrário não poderá ser a chave correta.” (“Eclectic Philosophy”)

O PROGRAMA DE AÇÃO DA SOCIEDADE TEOSÓFICA

PESQ.: Na época de Amônio, havia várias grandes religiões antigas, e as seitas no Egito e na Palestina eram numerosas, sem pensar em outras regiões.  De que modo ele poderia conciliá-las?

TEOS.: Fazendo o que estamos tentando outra vez agora. Os neoplatônicos eram numerosos, e pertenciam a várias filosofias religiosas. [3] O mesmo acontece com os nossos teosofistas. Naquele tempo, o judeu Aristóbulo dizia que a ética de Aristóteles representava os ensinamentos esotéricos da Lei de Moisés; Filo Judeu se esforçava por reconciliar o Pentateuco com a filosofia pitagórica e platônica; e Josefo comprovava que os essênios de Carmelo eram simplesmente os copistas e seguidores dos terapeutas egípcios (os curadores).  O mesmo ocorre em nossos dias. Nós podemos mostrar a origem e a trajetória de cada grupo cristão, incluindo a menor das suas seitas. As seitas são os ramos menores nascidos dos galhos maiores da árvore; mas ramos e galhos surgem do mesmo tronco: a RELIGIÃO DA SABEDORIA.  A meta de Amônio era provar isso. Ele se esforçava por induzir gentios e cristãos, judeus e idólatras,  a deixar de lado suas disputas e brigas, lembrando apenas que todos possuíam a mesma verdade sob diferentes vestimentas, e eram todos filhos de uma mesma mãe.[4]  Esta é também a meta da teosofia.

PESQ.: Com base em que autoridades você faz estas afirmações sobre os antigos  teosofistas de Alexandria?

TEOS.: Um número quase incalculável de escritores bem conhecidos. Mosheim, um deles, diz o seguinte:

“Amônio ensinava que a religião das multidões avançava lado a lado com a filosofia, e compartilhava com ela o destino de ser corrompida e obscurecida por meras vaidades, mentiras e superstições humanas; que a religião deveria ser, portanto, trazida de volta para a sua pureza original, expulsando dela o lixo e expondo-a com base em princípios filosóficos; e que Cristo tinha como objetivo restabelecer e restaurar na sua integridade primitiva a sabedoria dos antigos; colocar certos limites à influência dominante da superstição; e, em parte, corrigir, em parte eliminar, os vários erros que haviam aparecido nas diferentes religiões populares.”

Isto é precisamente o que os teosofistas modernos dizem.  A única diferença é que o grande filaleteu era ajudado e apoiado, no programa de ação que ele seguia, por dois padres da igreja − Clemente e Atenágoras − e por todos os rabinos instruídos da sinagoga, da Academia  e dos bosques, e ensinava uma doutrina comum a todos; enquanto que nós, que seguimos a mesma linha de ação, não recebemos reconhecimento, mas, ao contrário, somos alvos de insultos e perseguição. Assim, podemos ver que 1500 anos atrás as pessoas eram mais tolerantes do que neste século iluminado.

PESQ.: Amônio era encorajado e apoiado pela igreja porque, apesar das suas heresias, ele ensinava cristianismo e era um cristão?

TEOS.: Não, de modo algum. Ele nasceu como cristão, mas nunca aceitou o cristianismo do igreja. O mesmo escritor afirmou, sobre Amônio:

“Ele teve apenas que propor as suas instruções de acordo com os antigos pilares de Hermes, que Platão e Pitágoras conheciam antes dele, e com base nos quais eles constituíram suas filosofias. Encontrando a mesma ideia no prólogo do evangelho segundo São João, Amônio naturalmente supôs que o propósito de Jesus era restaurar aquela grande doutrina de sabedoria em sua integridade primitiva. As narrativas da Bíblia e as histórias dos deuses eram vistas por Amônio como alegorias ilustrativas da verdade, ou então fábulas a serem rejeitadas.”  Além disso, como afirma a Edinburgh Encyclopaedia, “ele reconhecia que Jesus era um excelente homem, e “amigo de Deus”, mas alegava que ele não pretendia abolir inteiramente a adoração de demônios (deuses), e que sua única intenção era purificar a religião antiga.”

A RELIGIÃO DA SABEDORIA ESOTÉRICA, EM TODAS AS ERAS

PESQ.: Se Amônio nunca escreveu nada, como podemos ter certeza de que estes eram os seus ensinamentos?

TEOS.:  Tampouco Buddha, Pitágoras, Confúcio, Orfeu, Sócrates, ou mesmo Jesus, deixaram quaisquer escritos.  No entanto, na maior parte dos casos eles são personagens históricos, e os seus ensinamentos sobreviveram. Os discípulos de Amônio (entre eles Orígenes e Herênio) escreveram tratados e explicaram a sua ética. Certamente estes tratados têm uma origem historicamente tão comprovada quanto a origem dos escritos apostólicos, ou mais. Além disso, os seus alunos − Orígenes, Plotino, Longinus (conselheiro da famosa rainha Zenobia) − todos deixaram registros volumosos sobre o Sistema Filaleteu; e isso pelo menos em seus aspectos públicos, porque a escola estava dividida em ensinamentos exotéricos e esotéricos.

PESQ.: Como os princípios esotéricos chegaram até os nossos dias, já que, segundo você afirma, aquilo que é propriamente chamado RELIGIÃO DA SABEDORIA era esotérico?

TEOS.: A RELIGIÃO DA SABEDORIA foi sempre a mesma, e como ela é a última palavra em termos do máximo conhecimento humano possível, ela foi, portanto, cuidadosamente preservada. Ela existe desde longas eras anteriores aos teosofistas de Alexandria. Ela chegou à era moderna, e irá durar até depois de qualquer outra religião e filosofia.

PESQ.:  Mas onde, e por quem ela foi preservada?

TEOS.:  Entre os Iniciados de cada país. Entre os que se dedicam profundamente à busca da verdade − seus discípulos. E naquelas regiões do mundo onde tais assuntos sempre foram valorizados e investigados: a Índia, a Ásia Central e a Pérsia.

PESQ.: Você pode dar algumas provas da existência deste esoterismo?

TEOS.: A melhor prova é o fato de que em todo culto religioso − ou melhor, filosófico −  da antiguidade havia um ensinamento secreto, ou esotérico, e uma adoração exotérica (para o público externo). Além disso, é bem conhecido o fato de que os MISTÉRIOS dos antigos se dividiam em todos os países em MISTÉRIOS “maiores” (secretos) e “menores” (públicos): por exemplo, nas celebradas solenidades chamadas Eleusínia, na Grécia. Desde os hierofantes da Samotrácia, no Egito, até os brâmanes iniciados da Índia, passando pelos rabinos hebreus, mais recentes, todos preservaram em segredo, por medo de profanação, as suas crenças que dependiam de boa fé. Os rabinos judeus chamavam a sua série secular de ensinamentos religiosos pelo nome de Mercavá (o corpo externo), “o veículo”, ou a cobertura que contém a alma oculta −, isto é, o conhecimento mais elevado e secreto. Nenhuma das nações antigas jamais transmitiu às massas, através dos seus sacerdotes, os seus verdadeiros segredos filosóficos. Transmitiram, publicamente, apenas a casca externa. O budismo do norte tem o seu veículo “maior” e o seu veículo “menor”, conhecidos como as escolas Mahayana, esotérica, e Hinayana, exotérica. Você não pode criticá-los por um tal segredo: seguramente você não pensaria em alimentar um rebanho de ovelhas com elevadas dissertações sobre botânica, ao invés de dar-lhes capim. Pitágoras chamava a sua Gnose de “o conhecimento das coisas que são”, e preservou aquele conhecimento apenas para os seus discípulos que haviam feito votos solenes: para aqueles que podiam digerir um tal alimento mental e sentir-se satisfeitos com ele. E ele exigia deles o compromisso do segredo. Os alfabetos ocultos e cifras secretas surgiram a partir dos antigos escritos hieráticos do Egito, cujo segredo estava, nos tempos antigos, em poder apenas dos hierogramatistas, os sacerdotes egípcios iniciados. Amônio Saccas, segundo seus biógrafos, exigia um juramento dos seus discípulos no sentido de que não divulgariam as suas doutrinas mais elevadas exceto para aqueles que já haviam sido instruídos em níveis preliminares de conhecimento, e que também deviam assumir um compromisso solene.  Finalmente, será que nós não encontramos a mesma coisa no cristianismo primitivo, entre os gnósticos, e mesmo nos ensinamentos de Cristo?  “A vocês”, diz ele, “é dado conhecer os mistérios do reino dos céus; mas para eles que estão fora, todas estas coisas são dadas em parábolas” (Evangelho segundo Marcos, 4: 11).  “Os essênios da Judéia e de Carmelo faziam distinções similares, dividindo os seus membros entre os que eram neófitos, os que eram irmãos, e os que eram perfeitos, ou iniciados” (“Eclectic Philosophy”).   Há exemplos disso em cada país.

PESQ.:  É possível alcançar a “Sabedoria Secreta” apenas pelo estudo? As enciclopédias definem Teosofia de modo muito semelhante à definição do Dicionário Webster, isto é, como “um suposto contato com Deus e espíritos superiores e a conseqüente obtenção de conhecimento sobre-humano através de meios físicos e processos químicos.”  Isso é verdade?

TEOS.:  Penso que não. E tampouco há qualquer lexicógrafo que seja capaz de explicar, seja para si mesmo ou para outros, como um poder sobre-humano poderia ser alcançado por meios físicos ou processos químicos. Se o dicionário Webster tivesse dito “através de processos metafísicos e alquímicos”, a definição estaria aproximadamente correta. Assim como está, ela é absurda.  Assim como os modernos, os teosofistas antigos afirmavam que o infinito não pode ser conhecido pelo finito − isto é, não pode ser percebido pelo Eu finito − mas que a essência divina pode ser comunicada ao Eu Espiritual superior em um estado de êxtase. Esta condição dificilmente pode ser obtida, como ocorre no caso do hipnotismo, por “meios físicos e químicos”.

PESQ.: Qual é a sua explicação para isso?

TEOS.: O verdadeiro êxtase foi definido por Plotino como “o fato de a mente libertar-se da sua consciência finita, tornando-se una com o infinito e identificando-se com ele”.  Esta é a condição mais elevada, diz o professor Wilder, mas não é uma condição que dure permanentemente, e só é alcançada por um número extremamente reduzido de indivíduos. O êxtase é, na realidade, idêntico ao estado de consciência chamado de Samadhi na Índia. Este último é alcançado pelos Iogues, que o tornam possível, fisicamente, através de uma abstinência extremamente rigorosa de comida e bebida, e, mentalmente, através de um esforço incessante para purificar e elevar a mente. A meditação é uma oração silenciosa e sem palavras; ou, como Platão afirmou, ela é “a ardente busca do divino por parte da alma, não para pedir qualquer bem específico (como ocorre no significado comum da palavra ‘oração’),  mas pelo bem em si mesmo, pelo Bem universal e Supremo” −  do qual todos fazemos parte na terra, e de cuja essência nós todos emergimos. Portanto, acrescenta Platão,  “permaneça em silêncio na presença dos seres divinos, até que eles retirem as nuvens dos seus olhos e o capacitem para ver a luz que é transmitida por eles, e não ver o que a você parece ser bom, mas sim o que é intrinsecamente bom.” [5]

PESQ.:  Então, ao contrário do que alguns afirmam, a teosofia não é um sistema novo?

TEOS.: Só os ignorantes podem referir-se a ela deste modo. Ela é tão velha quando o mundo, em seus ensinamentos e sua ética, se não em nome; assim como é, também, o sistema mais amplo e mais católico de todos.

PESQ.: Como pode ser, então, que a teosofia tenha permanecido tão desconhecida entre as nações do Hemisfério Ocidental?  Por que ela tem sido como um livro fechado para as raças que são consideradas como as mais cultas e avançadas?
              
TEOS.:  Acreditamos que havia nações igualmente cultas em épocas antigas, e que, sem dúvida, elas eram espiritualmente mais “avançadas” do que nós. Mas há várias razões para esta ignorância voluntária.  Uma delas foi dada por São Paulo aos cultos cidadãos atenienses − ; a perda, durante longos séculos, da verdadeira compreensão espiritual, e até mesmo do interesse, devido a uma devoção excessivamente grande das pessoas pelas coisas dos sentidos, e por causa da sua longa escravidão à letra morta do dogma e do ritualismo.  Mas a razão mais forte disso está no fato de que a verdadeira teosofia foi sempre mantida em segredo.

PESQ.: Você expôs provas de que este segredo existe; mas qual é o real motivo dele?

TEOS.: As causas foram as seguintes.  Em primeiro lugar, a perversidade média da natureza humana, e o seu egoísmo, sempre tendendo para a gratificação dos desejos pessoais, em detrimento dos seus semelhantes, e mesmo dos mais próximos.  A tais pessoas nunca se poderia confiar segredos divinos.  Em segundo lugar, o fato de que não se pode confiar em que tais pessoas irão evitar a profanação do conhecimento sagrado e divino. Foi este segundo fator que levou à distorção dos símbolos e das verdades mais sublimes, e à gradual transformação de coisas espirituais em imagens antropomórficas, concretas e grosseiras −; em outras palavras, ao rebaixamento da ideia de divindade e à idolatria.

TEOSOFIA NÃO É BUDISMO

PESQ.: Vocês são frequentemente chamados de “budistas esotéricos”.  Todos vocês são, então, seguidores de Gautama Buddha?

TEOS.: Não somos, assim como nem todos os músicos são seguidores de Wagner. Alguns são budistas; no entanto há muito mais hindus e brâmanes do que budistas entre nós, e mais europeus e norte-americanos que nasceram cristãos, do que budistas convertidos.  O erro surgiu a partir de uma compreensão equivocada do real significado do título do excelente livro do sr. Sinnett, “The Esoteric Buddhism” (“O Budismo Esotérico”), cuja última palavra deveria ter sido escrita com um só “d”,  e não com dois “d”.  Deste modo, “Budhism” teria o significado que era a intenção produzir; apenas “Sabedor-ismo” (de Bodha, bodhi, “inteligência”, “sabedoria”), ao invés de “Buddhism”, a filosofia religiosa de Gautama Buddha.  A teosofia, como já foi dito, é a RELIGIÃO DA SABEDORIA. 

PESQ.: Qual é a diferença entre o budismo entendido como a religião fundada pelo príncipe de Kapilavastu, e o budismo como “sabedor-ismo”, que você afirma ser sinônimo de Teosofia?

TEOS.: É a mesma diferença que existe entre os ensinamentos secretos de Cristo, que são chamados de “mistérios do Reino dos Céus”, e o ritualismo e a teologia dogmática das igrejas e das seitas, que surgiram mais tarde.  Buddha significa “o Iluminado” por Bodha, ou compreensão, Sabedoria. Isso foi passado integralmente para os ensinamentos esotéricos que Gautama transmitiu apenas aos seus Arhats escolhidos.

PESQ.:  Mas alguns Orientalistas afirmam que Buddha jamais ensinou qualquer doutrina esotérica. 

TEOS.:  Da mesma forma eles poderiam afirmar que a Natureza já não tem segredo algum para os cientistas. Provarei este ponto mais adiante através da conversa de Buddha com seu discípulo Ananda. Os ensinamentos esotéricos de Buddha eram simplesmente o Gupta Vidya (conhecimento secreto) dos antigos brâmanes, cuja chave os seus sucessores modernos, com poucas exceções, perderam completamente. E este Vidya passou a ser o que agora é conhecido como os ensinamentos internos da escola Mahayana do Budismo do Norte. Aqueles que negam isso são simplesmente ignorantes que pretendem ser Orientalistas. Aconselho ler a obra Chinese Buddhism, do Rev. Mr. Edkins, especialmente os capítulos sobre as escolas e os ensinamentos exotéricos e esotéricos − e então comparar com os testemunhos de todo o mundo antigo sobre o assunto. 

PESQ.:  Mas a ética da teosofia não é idêntica à ética ensinada por Buddha?

TEOS.: Certamente, porque as duas éticas são a alma da Religião da Sabedoria, e foram antigamente um patrimônio comum dos iniciados de todas as nações. Mas Buddha foi o primeiro a incorporar esta ética elevada em seus ensinamentos públicos, e a fazer deles a base e a própria essência do seu sistema público. Nisso se mostra uma imensa diferença entre o budismo exotérico e qualquer outra religião. Porque enquanto nas outras religiões o ritualismo e o dogma estão colocados em primeiro lugar e na posição central, no budismo é a ética que sempre tem recebido o maior destaque. Isto explica a semelhança , chegando quase a uma identidade, entre a ética da teosofia e a ética da religião de Buddha.

PESQ.: Há algum ponto importante de diferença?

TEOS: Uma grande diferença entre a teosofia e o budismo exotérico é que este último, representado pela igreja do sul, nega inteiramente  (a) a existência de qualquer Divindade, e (b) qualquer vida consciente no pós-morte, ou mesmo qualquer individualidade autoconsciente que sobreviva no homem. Este, pelo menos, é o ensinamento da seita tailandesa, considerada hoje a forma mais pura de budismo exotérico. E isso é verdade, se considerarmos  apenas os ensinamentos públicos do Buddha.  Explicarei mais adiante a razão desta reticência da parte dele. Mas as escolas da igreja budista do norte, estabelecidas nos países para os quais os iniciados Arhats se retiraram após a morte do Mestre, ensinam tudo o que agora é chamado de doutrinas teosóficas, porque elas fazem parte do conhecimento dos iniciados − o que comprova que a ortodoxia excessivamente zelosa do budismo do sul sacrificou a verdade para beneficiar a letra morta. Porém, mesmo em sua letra morta, este ensinamento é imensamente maior e mais nobre, mais filosófico e mais científico, que o ensinamento de qualquer outra igreja ou religião. No entanto, teosofia não é budismo.


NOTAS DE HPB:

[1] Também chamados de Analogistas. O Prof. Alex Wilder, em seu texto “Eclectic Philosophy”, explica que eles eram chamados assim porque interpretavam todas as lendas, narrativas, mitos e mistérios sagrados por uma regra ou por um princípio da analogia e da correspondência, de modo que fatos que eram narrados como tendo ocorrido no mundo externo eram vistos como descrições de operações e experiências da alma humana. Eles eram chamados também de neoplatônicos. Embora a teosofia, ou sistema Teosófico Eclético, seja geralmente atribuída ao século três, ainda assim, se devemos dar crédito a Diógenes Laércio, a sua origem é muito anterior, já que ele atribui o sistema a um sacerdote egípcio, Pot-Amun, que viveu nos primeiros dias da dinastia ptolomaica. O mesmo autor afirma que o nome é copta, e significa alguém consagrado a Amun, o deus da sabedoria. O termo “teosofia” é equivalente a Brahma-Vidya, “conhecimento divino”.

[2] A Teosofia Eclética se dividia em três aspectos: (1) A crença em uma essência infinita ou Divindade absoluta, incompreensível e suprema, que é a raiz de toda a natureza e de tudo o que existe, visível ou invisível. (2) A crença na natureza eterna e imortal do homem, porque, sendo uma radiação da alma universal, tem sua essência idêntica a ela. (3) A teurgia, o “trabalho divino”, ou a produção de um trabalho dos deuses; a palavra combina theoi, “deuses”, com ergein, “trabalho”. O termo é muito velho, mas, como pertence ao vocabulário dos MISTÉRIOS, não era de uso popular. Ele se refere a  uma crença mística − comprovada na prática por Adeptos Iniciados e sacerdotes − no sentido de que, tornando-se tão puro quanto seres incorpóreos, isto é, retornando à pureza prístina da sua própria natureza, o homem podia fazer com que os deuses lhe transmitissem mistérios Divinos, e até mesmo conseguir que eles se tornassem ocasionalmente visíveis, seja subjetivamente, seja objetivamente. Esse foi o aspecto transcendental daquilo que é hoje chamado de espiritismo; mas, tendo sido distorcido e sofrido abusos pela população ignorante, tinha que ser visto como necromancia, e foi, geralmente, proibido. Uma versão distorcida da teurgia de Jâmblico existe ainda na magia cerimonial de alguns cabalistas modernos. A teosofia moderna evita e rejeita estas duas espécies de magia e “necromancia”, porque são muito perigosas.  A real teurgia divina requer uma pureza e uma sacralidade de vida quase sobre-humanas; caso contrário, degenera em mediunidade e magia negra. Amônio Saccas  era chamado de Teodidata − instruído pelos deuses −;  e seus discípulos imediatos,  tais como Plotino e o seu seguidor Porfírio, rejeitaram a teurgia no início, mas mais adiante se reconciliaram com ela através de Jâmblico.  Um livro sobre teurgia foi escrito por Jâmblico e intitulado “De Mysteriis”. O livro foi atribuído ao próprio mestre de Jâmblico, um famoso sacerdote egípcio chamado Abammon. Amônio Saccas era filho de pais cristãos, e, sentindo aversão desde a infância pelo cristianismo dogmático, tornou-se um neoplatônico. Conta-se que Amônio, como Jacob Boehme e outros grandes videntes e místicos, teve a sabedoria divina revelada a ele em sonhos e visões. Daí o seu título de Teodidata.  Ele decidiu reconciliar todos os sistemas religiosos, demonstrando a sua origem idêntica, para estabelecer um sistema universal baseado na ética. Sua vida foi tão impecável e pura, o seu conhecimento tão profundo e vasto,  que vários Padres da igreja eram seus discípulos secretos.  Clemente de Alexandria fala dele com grande admiração. Plotino, o “São João” de Amônio, também era um homem universalmente respeitado e estimado, e tinha grande conhecimento e integridade. Com trinta e nove anos de idade, ele acompanhou o imperador romano Gordiano e seu exército ao Oriente, para ser instruído pelos sábios da Báctria e da Índia. Ele manteve uma Escola de Filosofia em Roma.  Seu discípulo Porfírio, cujo verdadeiro nome era Malek (um judeu helenizado), recolheu todos os escritos do seu mestre. Porfírio foi, ele próprio, um grande autor, e deu uma interpretação alegórica a algumas partes dos escritos de Homero. O sistema de meditação dos Filaleteus apontava para o êxtase, e era semelhante à prática indiana de Ioga. O que se sabe da Escola Eclética vem de Orígenes, Longinus e Plotino, os discípulos imediatos de Amônio. (Veja “Eclectic Philosophy”, de A. Wilder.)

[3] Foi sob o governo de Filadelfo que o judaísmo se estabeleceu em Alexandria, e logo em seguida os professores helênicos se tornaram perigosos rivais do Colégio de Rabinos da Babilônia. O autor de “Eclectic Philosophy” está muito correto ao destacar: “naquele tempo, os sistemas budista, vedanta e zoroastrista eram ensinados lado a lado com as filosofias da Grécia.  Não era nada extraordinário homens estudiosos pensarem que a guerra de palavras deveria terminar, e considerarem possível produzir um sistema harmônico a partir destes vários ensinamentos (.....).  Paneno, Atenágoras e Clemente foram amplamente instruídos na filosofia platônica, e compreenderam a sua unidade essencial com os sistemas orientais.

[4] Diz Mosheim, sobre Amônio: “Considerando que não só os filósofos da Grécia, mas também todos os filósofos das diferentes nações bárbaras estavam em perfeita unidade uns com os outros em relação a cada ponto essencial, ele adotou como seu objetivo expor os milhares de princípios de todas estas várias seitas, de modo a mostrar que elas tinham surgido todas a partir da mesma origem, e tendiam em direção a uma mesma meta.”  Talvez  quem escreveu sobre Amônio na Edinburgh Encyclopaedia  não saiba do que está falando; mas esta pessoa está descrevendo também os teosofistas modernos, as suas crenças e o seu trabalho, quando afirma,  falando do Teodidata: “Ele adotou as doutrinas que foram recebidas no Egito (das quais as esotéricas eram da Índia) sobre o Universo e a Divindade considerados como sendo um grande Todo; e sobre a eternidade do mundo (.....); e estabeleceu um sistema de disciplina moral que permitia às pessoas em geral viver de acordo com as leis dos seus países e com os ditados da natureza, mas exigiam dos sábios que elevassem suas mentes através da contemplação.”

[5] O erudito autor de “The Eclectic Philosophy”, Professor Wilder, membro da Sociedade Teosófica, descreve a  “fotografia espiritual” da seguinte maneira:  “A alma é a câmara fotográfica na qual os fatos e os eventos, futuros, passados e presentes, estão igualmente fixados; e a mente se torna consciente deles. Além do nosso limitado mundo cotidiano, tudo é um só dia, ou estado, com o passado e o futuro incluídos no presente.”  (.....) A morte é o último êxtase na terra. Depois dela a alma está livre das restrições do corpo, e a sua parte mais nobre é unida à natureza superior e se torna participante da sabedoria e presciência dos seres mais elevados.” A verdadeira teosofia é, para os místicos, aquele estado de consciência que Apolônio de Tiana, segundo relatos, descreveu assim:  “Posso ver o presente e o futuro como em um claro espelho. O sábio não necessita  esperar pelos vapores da terra e pela corrupção do ar para prever eventos. (.....) Os theoi, ou deuses, veem o futuro; os homens comuns veem o presente; os sábios veem aquilo que está por ocorrer.”  A “teosofia dos deuses”, sobre a qual ele fala, está bem descrita na afirmativa “O reino dos céus está dentro de nós”.


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Final do Capítulo I.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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