O Prefácio e o Primeiro
Capítulo da Obra Clássica de H. P. B.
Helena P. Blavatsky
Helena P. Blavatsky
Helena Blavatsky em seu
escritório em 1887
Nota Editorial de 2017:
O
movimento teosófico possui no século 21 o mesmo potencial sagrado, e enfrenta
os mesmos desafios que enfrentava quando “A Chave da Teosofia” foi publicada no
final do século 19.
Tudo indica que, no fundamental, isso não se alterará
nos próximos séculos. No entanto, houve mudanças significativas no plano
externo e organizacional, e a velha “Sociedade Teosófica” dos anos 1880 já não
existe mais.
A Sociedade Teosófica original foi fundada em 1875 por
H. P. B. com ajuda de Henry Olcott, William Judge e outros. Poucos anos depois
da morte de H. P. B., em 1891, a Sociedade original perdeu o rumo e começou a
fragmentar-se.
Na primeira parte do século 21, existem diversas
propostas de ação e de pensamento teosófico ativas de modo internacional. Uma
delas é a Loja Independente de Teosofistas, LIT, que procura estimular, sem burocracia
e sem distorções, o estudo e a vivência da proposta original do movimento.
A LIT é a única proposta teosófica organizada em mais
de um idioma que adota as Cartas dos Mestres de Sabedoria e as Cartas dos
Mahatmas como fontes prioritárias de inspiração.
Devido à diversidade organizativa e de ideias que
caracteriza o movimento teosófico desde a primeira metade do século vinte, é
importante lembrar - sempre que HPB se refere nesta obra à “Sociedade
Teosófica” - que ela pensava no conjunto do movimento. Naquele tempo todo o
movimento convivia com grande pluralidade dentro da mesma instituição informal que
ela fundara. Aquela Sociedade não existe mais: o que há hoje é um amplo movimento
teosófico, marcado pela descentralização, e pela necessidade de renovar-se.
(Carlos Cardoso Aveline)
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A Chave da Teosofia
Uma Exposição Clara, na Forma de Perguntas e Respostas,
Sobre
ÉTICA, CIÊNCIA E FILOSOFIA,
PARA CUJO ESTUDO FOI FUNDADA A SOCIEDADE TEOSÓFICA
Helena P. Blavatsky
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Edição original: “The Key to
Theosophy”,
Theosophical Publishing
Company, London,
and W. Q. Judge, New York, 1889, 310 pp.
Traduzido ao português por associados da Loja
Unida de Teosofistas, a partir da edição fac-similar
da edição original de 1889, publicada pela
Theosophy Co., em Los Angeles, EUA, em 1987.
Todas as notas numeradas são de H.P. Blavatsky,
a menos que se indique expressamente sua autoria.
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Esta obra é dedicada por “H. P.
B.” a
todos os seus alunos, com
votos de que
eles possam aprender e, por
sua vez, ensinar.
PREFÁCIO DE 1889
O propósito deste
livro está descrito com precisão no seu título, “A CHAVE DA TEOSOFIA”, e não
necessita muitas palavras de explicação. Ele não é um manual completo ou
exaustivo sobre teosofia, mas apenas uma chave para abrir a porta que leva a um
estudo mais profundo. Ele estabelece as linhas gerais da Religião da Sabedoria
e explica os seus princípios fundamentais.
Ao mesmo tempo, examina as várias objeções levantadas pelo estudante
ocidental, e faz um esforço para apresentar conceitos desconhecidos em uma
forma e uma linguagem tão simples e tão claras quanto possível.
Seria esperar
demasiado querer que este livro torne a teosofia compreensível sem necessidade
de esforço mental da parte do leitor.
Mas espera-se que a dificuldade de entender esteja no conteúdo, e não na
linguagem, e seja resultado de profundidade, não de confusão.
Para os que são mentalmente
preguiçosos ou pouco inteligentes, a teosofia deve permanecer necessariamente
como um enigma, porque no mundo mental, assim como no mundo espiritual, cada
ser humano deve progredir por seus próprios esforços. A autora não pode pensar
pelo leitor, e o leitor não seria beneficiado em coisa alguma se um tal
pensamento vicário fosse possível. A necessidade de uma exposição como esta tem
sido sentida há muito tempo entre aqueles que se interessam pela Sociedade
Teosófica e seu trabalho, e espera-se que ela dará informação − tão livre
quanto possível de complicações técnicas − aos muitos indivíduos cuja atenção
foi despertada, mas que, até agora, ficaram apenas intrigados, e não chegaram ainda
a uma opinião clara.
Foi dada alguma
atenção à tarefa de identificar o que é verdadeiro e o que é falso nos
ensinamentos espíritas sobre o pós-morte, e à tarefa de mostrar a verdadeira
natureza dos fenômenos espíritas. Explicações
anteriores, feitas com o mesmo objetivo, despertaram muita raiva contra esta devotada autora. Como tantos outros, os espíritas preferiam
acreditar no que é prazenteiro e não no que é verdadeiro, e ficavam muito
irritados com qualquer um que destruísse uma ilusão agradável. No ano que
passou, a teosofia tem sido alvo de todo tipo de dardo venenoso vindo do
espiritismo, como se aqueles que possuem uma
meia-verdade sentissem mais rivalidade, em relação aos que possuem a
verdade inteira, do que aqueles não têm parcela alguma da qual se possam
envaidecer.
A autora deve
sinceros agradecimentos a muitos teosofistas que mandaram sugestões e
perguntas, ou que contribuíram de outras maneiras durante a redação deste
livro. Graças à ajuda deles, este livro será mais útil, e esta será a sua
principal recompensa.
H. P. B.
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A CHAVE DA TEOSOFIA
I
A Teosofia e a Sociedade Teosófica
O SIGNIFICADO DO NOME
PESQUISADOR:
Frequentemente, a teosofia e as suas doutrinas são descritas como uma nova
religião. Isso é verdade?
TEOSOFISTA: Não.
Teosofia é conhecimento divino ou ciência divina.
PESQ.: Qual é o
verdadeiro significado do termo?
TEOS.: Sabedoria
Divina. “Theosophia” significa sabedoria dos deuses, assim como “Teogonia”
significa genealogia dos deuses. A
palavra “theos” significa um deus, em grego, um dos seres divinos, e certamente não significa “Deus” no sentido
que se dá atualmente ao termo. Portanto, ela não é “Sabedoria de Deus”, como
alguns traduzem o termo, mas aquela Sabedoria Divina que pertence aos
deuses. O termo existe há muitos milhares de anos.
PESQ.: Qual é a
origem do nome?
TEOS.: Ele vem dos filósofos de Alexandria, os
chamados amantes da verdade, Filaleteus, de “Fil” (amar) e “Aleteia” (verdade).
O nome “teosofia” data do século três da nossa era, e começou a ser usado por
Amônio Saccas e seus discípulos [1],
que criaram o sistema Teosófico Eclético.
PESQ.: Qual era o
objetivo deste sistema?
TEOS.: Em primeiro
lugar, transmitir algumas grandes verdades morais a seus discípulos, e a todos
os que eram “amantes da verdade”. Disso surgiu o lema adotado pela Sociedade
Teosófica: “Não há religião mais elevada que a verdade”.[2] O principal objetivo dos fundadores da Escola
Teosófica Eclética era um dos objetivos da sua sucessora moderna, a Sociedade
Teosófica, isto é, reconciliar todas as religiões, seitas e nações sob um
sistema comum de ética, com base em verdades eternas.
PESQ.: Que meios você tem de mostrar que isto não é
um sonho impossível, e que todas as religiões do mundo estão baseadas em uma única e mesma verdade?
TEOS.: O estudo e
a análise comparada das religiões. A “Religião da Sabedoria” era uma só, nos
tempos antigos. A unidade da filosofia religiosa primitiva está comprovada pela
identidade das doutrinas ensinadas pelos Iniciados nos MISTÉRIOS, uma prática
que, naqueles tempos, era adotada universalmente. “Todas as velhas formas de
adoração indicam a existência de uma só Teosofia anterior a elas. A chave que
abre uma deve abrir todas; caso contrário não poderá ser a chave correta.”
(“Eclectic Philosophy”)
O PROGRAMA DE AÇÃO DA SOCIEDADE TEOSÓFICA
PESQ.: Na época de
Amônio, havia várias grandes religiões antigas, e as seitas no Egito e na
Palestina eram numerosas, sem pensar em outras regiões. De que modo ele poderia conciliá-las?
TEOS.: Fazendo o
que estamos tentando outra vez agora. Os neoplatônicos eram numerosos, e
pertenciam a várias filosofias religiosas. [3]
O mesmo acontece com os nossos teosofistas. Naquele tempo, o judeu Aristóbulo dizia
que a ética de Aristóteles representava os ensinamentos esotéricos da Lei de Moisés; Filo Judeu se esforçava por
reconciliar o Pentateuco com a filosofia pitagórica e platônica; e Josefo
comprovava que os essênios de Carmelo eram simplesmente os copistas e
seguidores dos terapeutas egípcios (os curadores). O mesmo ocorre em nossos dias. Nós podemos
mostrar a origem e a trajetória de cada grupo cristão, incluindo a menor das
suas seitas. As seitas são os ramos menores nascidos dos galhos maiores da
árvore; mas ramos e galhos surgem do mesmo tronco: a RELIGIÃO DA
SABEDORIA. A meta de Amônio era provar
isso. Ele se esforçava por induzir gentios e cristãos, judeus e idólatras, a deixar de lado suas disputas e brigas,
lembrando apenas que todos possuíam a mesma verdade sob diferentes vestimentas,
e eram todos filhos de uma mesma mãe.[4]
Esta é também a meta da teosofia.
PESQ.: Com base em
que autoridades você faz estas afirmações sobre os antigos teosofistas de Alexandria?
TEOS.: Um número
quase incalculável de escritores bem conhecidos. Mosheim, um deles, diz o
seguinte:
“Amônio ensinava
que a religião das multidões avançava lado a lado com a filosofia, e
compartilhava com ela o destino de ser corrompida e obscurecida por meras vaidades,
mentiras e superstições humanas; que a religião deveria ser, portanto, trazida
de volta para a sua pureza original, expulsando dela o lixo e expondo-a com
base em princípios filosóficos; e que Cristo tinha como objetivo restabelecer e
restaurar na sua integridade primitiva a sabedoria dos antigos; colocar certos
limites à influência dominante da superstição; e, em parte, corrigir, em parte
eliminar, os vários erros que haviam aparecido nas diferentes religiões
populares.”
Isto é
precisamente o que os teosofistas modernos dizem. A única diferença é que o grande filaleteu
era ajudado e apoiado, no programa de ação que ele seguia, por dois padres da
igreja − Clemente e Atenágoras − e por
todos os rabinos instruídos da sinagoga, da Academia e dos bosques, e ensinava uma doutrina comum
a todos; enquanto que nós, que seguimos a mesma linha de ação, não recebemos
reconhecimento, mas, ao contrário, somos alvos de insultos e perseguição.
Assim, podemos ver que 1500 anos atrás as pessoas eram mais tolerantes do que
neste século iluminado.
PESQ.: Amônio era
encorajado e apoiado pela igreja porque, apesar das suas heresias, ele ensinava
cristianismo e era um cristão?
TEOS.: Não, de
modo algum. Ele nasceu como cristão, mas nunca aceitou o cristianismo do igreja.
O mesmo escritor afirmou, sobre Amônio:
“Ele teve apenas
que propor as suas instruções de acordo com os antigos pilares de Hermes, que
Platão e Pitágoras conheciam antes dele, e com base nos quais eles constituíram
suas filosofias. Encontrando a mesma ideia no prólogo do evangelho segundo São João,
Amônio naturalmente supôs que o propósito de Jesus era restaurar aquela grande
doutrina de sabedoria em sua integridade primitiva. As narrativas da Bíblia e
as histórias dos deuses eram vistas por Amônio como alegorias ilustrativas da
verdade, ou então fábulas a serem rejeitadas.”
Além disso, como afirma a Edinburgh
Encyclopaedia, “ele reconhecia que Jesus era um excelente homem, e “amigo de Deus”, mas alegava
que ele não pretendia abolir inteiramente a adoração de demônios (deuses), e
que sua única intenção era purificar a religião antiga.”
A RELIGIÃO DA SABEDORIA ESOTÉRICA, EM TODAS AS ERAS
PESQ.: Se Amônio
nunca escreveu nada, como podemos ter certeza de que estes eram os seus
ensinamentos?
TEOS.: Tampouco Buddha, Pitágoras, Confúcio, Orfeu,
Sócrates, ou mesmo Jesus, deixaram quaisquer escritos. No entanto, na maior parte dos casos eles são
personagens históricos, e os seus ensinamentos sobreviveram. Os discípulos de
Amônio (entre eles Orígenes e Herênio) escreveram tratados e explicaram a sua
ética. Certamente estes tratados têm uma origem historicamente tão comprovada quanto
a origem dos escritos apostólicos, ou mais. Além disso, os seus alunos −
Orígenes, Plotino, Longinus (conselheiro da famosa rainha Zenobia) − todos
deixaram registros volumosos sobre o Sistema Filaleteu; e isso pelo menos em
seus aspectos públicos, porque a escola estava dividida em ensinamentos
exotéricos e esotéricos.
PESQ.: Como os
princípios esotéricos chegaram até os nossos dias, já que, segundo você afirma,
aquilo que é propriamente chamado RELIGIÃO DA SABEDORIA era esotérico?
TEOS.: A RELIGIÃO
DA SABEDORIA foi sempre a mesma, e como ela é a última palavra em termos do máximo
conhecimento humano possível, ela foi, portanto, cuidadosamente preservada. Ela
existe desde longas eras anteriores aos teosofistas de Alexandria. Ela chegou à
era moderna, e irá durar até depois de qualquer outra religião e filosofia.
PESQ.: Mas onde, e por quem ela foi preservada?
TEOS.: Entre os Iniciados de cada país. Entre os que
se dedicam profundamente à busca da verdade − seus discípulos. E naquelas
regiões do mundo onde tais assuntos sempre foram valorizados e investigados: a
Índia, a Ásia Central e a Pérsia.
PESQ.: Você pode
dar algumas provas da existência deste esoterismo?
TEOS.: A melhor
prova é o fato de que em todo culto religioso − ou melhor, filosófico − da antiguidade havia um ensinamento secreto,
ou esotérico, e uma adoração exotérica (para o público externo). Além disso, é
bem conhecido o fato de que os MISTÉRIOS dos antigos se dividiam em todos os
países em MISTÉRIOS “maiores” (secretos) e “menores” (públicos): por exemplo,
nas celebradas solenidades chamadas Eleusínia,
na Grécia. Desde os hierofantes da Samotrácia, no Egito, até os brâmanes
iniciados da Índia, passando pelos rabinos hebreus, mais recentes, todos
preservaram em segredo, por medo de profanação, as suas crenças que dependiam
de boa fé. Os rabinos judeus chamavam a sua série secular de ensinamentos religiosos
pelo nome de Mercavá (o corpo externo), “o veículo”, ou a cobertura que contém a alma oculta −, isto é, o conhecimento mais
elevado e secreto. Nenhuma das nações antigas jamais transmitiu às massas, através
dos seus sacerdotes, os seus verdadeiros segredos filosóficos. Transmitiram,
publicamente, apenas a casca externa. O budismo do norte tem o seu veículo
“maior” e o seu veículo “menor”, conhecidos como as escolas Mahayana,
esotérica, e Hinayana, exotérica. Você não pode criticá-los por um tal segredo:
seguramente você não pensaria em alimentar um rebanho de ovelhas com elevadas
dissertações sobre botânica, ao invés de dar-lhes capim. Pitágoras chamava a
sua Gnose de “o conhecimento das coisas que são”, e preservou aquele
conhecimento apenas para os seus discípulos que haviam feito votos solenes:
para aqueles que podiam digerir um tal alimento mental e sentir-se satisfeitos
com ele. E ele exigia deles o compromisso do segredo. Os alfabetos ocultos e
cifras secretas surgiram a partir dos antigos escritos hieráticos do Egito, cujo segredo estava, nos tempos antigos, em
poder apenas dos hierogramatistas, os sacerdotes egípcios iniciados. Amônio
Saccas, segundo seus biógrafos, exigia um juramento dos seus discípulos no
sentido de que não divulgariam as suas
doutrinas mais elevadas exceto para aqueles que já haviam sido instruídos
em níveis preliminares de conhecimento, e que também deviam assumir um
compromisso solene. Finalmente, será que
nós não encontramos a mesma coisa no cristianismo primitivo, entre os
gnósticos, e mesmo nos ensinamentos de Cristo?
“A vocês”, diz ele, “é dado conhecer os mistérios do reino dos céus; mas
para eles que estão fora, todas estas coisas são dadas em parábolas” (Evangelho
segundo Marcos, 4: 11). “Os essênios da
Judéia e de Carmelo faziam distinções similares, dividindo os seus membros
entre os que eram neófitos, os que eram irmãos, e os que eram perfeitos, ou iniciados” (“Eclectic
Philosophy”). Há exemplos disso em cada
país.
PESQ.: É possível alcançar a “Sabedoria Secreta”
apenas pelo estudo? As enciclopédias definem Teosofia de modo muito semelhante à definição do Dicionário
Webster, isto é, como “um suposto contato com Deus e espíritos superiores e a
conseqüente obtenção de conhecimento sobre-humano através de meios físicos e
processos químicos.” Isso é verdade?
TEOS.: Penso que não. E tampouco há qualquer
lexicógrafo que seja capaz de explicar, seja para si mesmo ou para outros, como
um poder sobre-humano poderia ser alcançado
por meios físicos ou processos
químicos. Se o dicionário Webster tivesse dito “através de processos metafísicos e alquímicos”, a definição
estaria aproximadamente correta. Assim como está, ela é absurda. Assim como os modernos, os teosofistas antigos
afirmavam que o infinito não pode ser conhecido pelo finito − isto é, não pode
ser percebido pelo Eu finito − mas que a essência divina pode ser comunicada ao
Eu Espiritual superior em um estado de êxtase. Esta condição dificilmente pode
ser obtida, como ocorre no caso do hipnotismo,
por “meios físicos e químicos”.
PESQ.: Qual é a
sua explicação para isso?
TEOS.: O
verdadeiro êxtase foi definido por Plotino como “o fato de a mente libertar-se
da sua consciência finita, tornando-se una com o infinito e identificando-se
com ele”. Esta é a condição mais
elevada, diz o professor Wilder, mas não é uma condição que dure
permanentemente, e só é alcançada por um número extremamente reduzido de indivíduos. O êxtase é, na realidade,
idêntico ao estado de consciência chamado de Samadhi na Índia. Este último é alcançado pelos Iogues, que o
tornam possível, fisicamente, através de uma abstinência extremamente rigorosa
de comida e bebida, e, mentalmente, através de um esforço incessante para
purificar e elevar a mente. A meditação é uma oração silenciosa e sem palavras; ou, como Platão afirmou,
ela é “a ardente busca do divino por parte da alma, não para pedir qualquer bem
específico (como ocorre no significado comum da palavra ‘oração’), mas pelo bem em si mesmo, pelo Bem universal
e Supremo” − do qual todos fazemos parte
na terra, e de cuja essência nós todos emergimos. Portanto, acrescenta
Platão, “permaneça em silêncio na
presença dos seres divinos, até que
eles retirem as nuvens dos seus olhos e o capacitem para ver a luz que é
transmitida por eles, e não ver o que a você parece ser bom, mas sim o que é
intrinsecamente bom.” [5]
PESQ.: Então, ao contrário do que alguns afirmam, a
teosofia não é um sistema novo?
TEOS.: Só os
ignorantes podem referir-se a ela deste modo. Ela é tão velha quando o mundo,
em seus ensinamentos e sua ética, se não em nome; assim como é, também, o
sistema mais amplo e mais católico de todos.
PESQ.: Como pode
ser, então, que a teosofia tenha permanecido tão desconhecida entre as nações
do Hemisfério Ocidental? Por que ela tem
sido como um livro fechado para as raças que são consideradas como as mais
cultas e avançadas?
TEOS.: Acreditamos que havia nações igualmente
cultas em épocas antigas, e que, sem dúvida, elas eram espiritualmente mais
“avançadas” do que nós. Mas há várias razões para esta ignorância voluntária. Uma delas foi dada por São Paulo aos cultos
cidadãos atenienses − ; a perda, durante longos séculos, da verdadeira
compreensão espiritual, e até mesmo do interesse, devido a uma devoção
excessivamente grande das pessoas pelas coisas dos sentidos, e por causa da sua
longa escravidão à letra morta do dogma e do ritualismo. Mas a razão mais forte disso está no fato de
que a verdadeira teosofia foi sempre mantida em segredo.
PESQ.: Você expôs
provas de que este segredo existe; mas qual é o real motivo dele?
TEOS.: As causas
foram as seguintes. Em primeiro lugar, a perversidade média da natureza humana, e o seu
egoísmo, sempre tendendo para a gratificação dos desejos pessoais, em detrimento dos seus semelhantes, e mesmo dos mais
próximos. A tais pessoas nunca se
poderia confiar segredos divinos. Em
segundo lugar, o fato de que não se pode confiar em que tais pessoas irão
evitar a profanação do conhecimento sagrado e divino. Foi este segundo fator
que levou à distorção dos símbolos e das verdades mais sublimes, e à gradual
transformação de coisas espirituais em imagens antropomórficas, concretas e
grosseiras −; em outras palavras, ao rebaixamento da ideia de divindade e à
idolatria.
TEOSOFIA NÃO É BUDISMO
PESQ.: Vocês são
frequentemente chamados de “budistas esotéricos”. Todos vocês são, então, seguidores de Gautama
Buddha?
TEOS.: Não somos,
assim como nem todos os músicos são seguidores de Wagner. Alguns são budistas;
no entanto há muito mais hindus e brâmanes do que budistas entre nós, e mais
europeus e norte-americanos que nasceram cristãos, do que budistas convertidos. O erro surgiu a partir de uma compreensão
equivocada do real significado do título do excelente livro do sr. Sinnett,
“The Esoteric Buddhism” (“O Budismo Esotérico”), cuja última palavra deveria
ter sido escrita com um só “d”, e não
com dois “d”. Deste modo, “Budhism”
teria o significado que era a intenção produzir; apenas “Sabedor-ismo” (de Bodha, bodhi, “inteligência”,
“sabedoria”), ao invés de “Buddhism”, a filosofia religiosa de Gautama
Buddha. A teosofia, como já foi dito, é
a RELIGIÃO DA SABEDORIA.
PESQ.: Qual é a
diferença entre o budismo entendido como a religião fundada pelo príncipe de
Kapilavastu, e o budismo como “sabedor-ismo”,
que você afirma ser sinônimo de Teosofia?
TEOS.: É a mesma
diferença que existe entre os ensinamentos secretos de Cristo, que são chamados
de “mistérios do Reino dos Céus”, e o ritualismo e a teologia dogmática das
igrejas e das seitas, que surgiram mais tarde.
Buddha significa “o Iluminado”
por Bodha, ou compreensão, Sabedoria. Isso foi passado integralmente para os
ensinamentos esotéricos que Gautama
transmitiu apenas aos seus Arhats
escolhidos.
PESQ.: Mas alguns Orientalistas afirmam que Buddha
jamais ensinou qualquer doutrina esotérica.
TEOS.: Da mesma forma eles poderiam afirmar que a
Natureza já não tem segredo algum para os cientistas. Provarei este ponto mais
adiante através da conversa de Buddha com seu discípulo Ananda. Os ensinamentos
esotéricos de Buddha eram simplesmente o Gupta
Vidya (conhecimento secreto) dos antigos brâmanes, cuja chave os seus
sucessores modernos, com poucas exceções, perderam completamente. E este Vidya passou a ser o que agora é
conhecido como os ensinamentos internos da
escola Mahayana do Budismo do Norte.
Aqueles que negam isso são simplesmente ignorantes que pretendem ser Orientalistas.
Aconselho ler a obra Chinese Buddhism,
do Rev. Mr. Edkins, especialmente os capítulos sobre as escolas e os
ensinamentos exotéricos e esotéricos
− e então comparar com os testemunhos de todo o mundo antigo sobre o
assunto.
PESQ.: Mas a ética da teosofia não é idêntica à
ética ensinada por Buddha?
TEOS.: Certamente,
porque as duas éticas são a alma da Religião da Sabedoria, e foram antigamente
um patrimônio comum dos iniciados de todas as nações. Mas Buddha foi o primeiro
a incorporar esta ética elevada em seus ensinamentos públicos, e a fazer deles
a base e a própria essência do seu sistema público. Nisso se mostra uma imensa
diferença entre o budismo exotérico e qualquer outra religião. Porque enquanto
nas outras religiões o ritualismo e o dogma estão colocados em primeiro lugar e
na posição central, no budismo é a ética que sempre tem recebido o maior
destaque. Isto explica a semelhança , chegando quase a uma identidade, entre a
ética da teosofia e a ética da religião de Buddha.
PESQ.: Há algum
ponto importante de diferença?
TEOS: Uma grande
diferença entre a teosofia e o budismo exotérico
é que este último, representado pela igreja do sul, nega inteiramente (a) a existência de qualquer Divindade, e (b)
qualquer vida consciente no pós-morte, ou mesmo qualquer individualidade
autoconsciente que sobreviva no homem. Este, pelo menos, é o ensinamento da
seita tailandesa, considerada hoje a forma mais pura de budismo exotérico. E isso é verdade, se considerarmos apenas os ensinamentos públicos do
Buddha. Explicarei mais adiante a razão
desta reticência da parte dele. Mas as escolas da igreja budista do norte,
estabelecidas nos países para os quais os iniciados Arhats se retiraram após a
morte do Mestre, ensinam tudo o que agora é chamado de doutrinas teosóficas,
porque elas fazem parte do conhecimento dos iniciados − o que comprova que a
ortodoxia excessivamente zelosa do budismo do sul sacrificou a verdade para
beneficiar a letra morta. Porém, mesmo em sua letra morta, este ensinamento é
imensamente maior e mais nobre, mais filosófico e mais científico, que o
ensinamento de qualquer outra igreja ou religião. No entanto, teosofia não é
budismo.
NOTAS DE HPB:
[1] Também chamados de Analogistas. O Prof. Alex Wilder,
em seu texto “Eclectic Philosophy”, explica que eles eram chamados assim porque
interpretavam todas as lendas, narrativas, mitos e mistérios sagrados por uma
regra ou por um princípio da analogia e da correspondência, de modo que fatos
que eram narrados como tendo ocorrido no mundo externo eram vistos como
descrições de operações e experiências da alma humana. Eles eram chamados
também de neoplatônicos. Embora a teosofia, ou sistema Teosófico Eclético, seja
geralmente atribuída ao século três, ainda assim, se devemos dar crédito a
Diógenes Laércio, a sua origem é muito anterior, já que ele atribui o sistema a
um sacerdote egípcio, Pot-Amun, que viveu nos primeiros dias da dinastia
ptolomaica. O mesmo autor afirma que o nome é copta, e significa alguém
consagrado a Amun, o deus da sabedoria. O termo “teosofia” é equivalente a
Brahma-Vidya, “conhecimento divino”.
[2] A Teosofia Eclética se dividia em três aspectos: (1)
A crença em uma essência infinita ou Divindade absoluta, incompreensível e
suprema, que é a raiz de toda a natureza e de tudo o que existe, visível ou
invisível. (2) A crença na natureza eterna e imortal do homem, porque, sendo
uma radiação da alma universal, tem sua essência idêntica a ela. (3) A teurgia,
o “trabalho divino”, ou a produção de um
trabalho dos deuses; a palavra combina theoi,
“deuses”, com ergein, “trabalho”. O
termo é muito velho, mas, como pertence ao vocabulário dos MISTÉRIOS, não era
de uso popular. Ele se refere a uma
crença mística − comprovada na prática por Adeptos Iniciados e sacerdotes − no
sentido de que, tornando-se tão puro quanto seres incorpóreos, isto é,
retornando à pureza prístina da sua própria natureza, o homem podia fazer com
que os deuses lhe transmitissem mistérios Divinos, e até mesmo conseguir que
eles se tornassem ocasionalmente visíveis, seja subjetivamente, seja
objetivamente. Esse foi o aspecto transcendental daquilo que é hoje chamado de
espiritismo; mas, tendo sido distorcido e sofrido abusos pela população
ignorante, tinha que ser visto como necromancia, e foi, geralmente, proibido.
Uma versão distorcida da teurgia de Jâmblico existe ainda na magia cerimonial
de alguns cabalistas modernos. A teosofia moderna evita e rejeita estas duas
espécies de magia e “necromancia”, porque são muito perigosas. A real teurgia divina requer uma pureza e uma sacralidade de vida quase
sobre-humanas; caso contrário, degenera em mediunidade e magia negra. Amônio
Saccas era chamado de Teodidata − instruído pelos deuses
−; e seus discípulos imediatos, tais como Plotino e o seu seguidor Porfírio,
rejeitaram a teurgia no início, mas mais adiante se reconciliaram com ela
através de Jâmblico. Um livro sobre
teurgia foi escrito por Jâmblico e intitulado “De Mysteriis”. O livro foi
atribuído ao próprio mestre de Jâmblico, um famoso sacerdote egípcio chamado
Abammon. Amônio Saccas era filho de pais cristãos, e, sentindo aversão desde a
infância pelo cristianismo dogmático, tornou-se um neoplatônico. Conta-se que
Amônio, como Jacob Boehme e outros grandes videntes e místicos, teve a
sabedoria divina revelada a ele em sonhos e visões. Daí o seu título de Teodidata. Ele decidiu reconciliar todos os sistemas
religiosos, demonstrando a sua origem idêntica, para estabelecer um sistema
universal baseado na ética. Sua vida foi tão impecável e pura, o seu
conhecimento tão profundo e vasto, que
vários Padres da igreja eram seus discípulos secretos. Clemente de Alexandria fala dele com grande
admiração. Plotino, o “São João” de Amônio, também era um homem universalmente
respeitado e estimado, e tinha grande conhecimento e integridade. Com trinta e
nove anos de idade, ele acompanhou o imperador romano Gordiano e seu exército
ao Oriente, para ser instruído pelos sábios da Báctria e da Índia. Ele manteve
uma Escola de Filosofia em Roma. Seu
discípulo Porfírio, cujo verdadeiro nome era Malek (um judeu helenizado),
recolheu todos os escritos do seu mestre. Porfírio foi, ele próprio, um grande
autor, e deu uma interpretação alegórica a algumas partes dos escritos de
Homero. O sistema de meditação dos Filaleteus apontava para o êxtase, e era
semelhante à prática indiana de Ioga. O que se sabe da Escola Eclética vem de
Orígenes, Longinus e Plotino, os discípulos imediatos de Amônio. (Veja
“Eclectic Philosophy”, de A. Wilder.)
[3] Foi sob o governo de Filadelfo que o
judaísmo se estabeleceu em Alexandria, e logo em seguida os professores
helênicos se tornaram perigosos rivais do Colégio de Rabinos da Babilônia. O
autor de “Eclectic Philosophy” está muito correto ao destacar: “naquele tempo,
os sistemas budista, vedanta e zoroastrista eram ensinados lado a lado com as
filosofias da Grécia. Não era nada
extraordinário homens estudiosos pensarem que a guerra de palavras deveria
terminar, e considerarem possível produzir um sistema harmônico a partir destes
vários ensinamentos (.....). Paneno,
Atenágoras e Clemente foram amplamente instruídos na filosofia platônica, e
compreenderam a sua unidade essencial com os sistemas orientais.
[4] Diz Mosheim, sobre Amônio: “Considerando que não só
os filósofos da Grécia, mas também todos os filósofos das diferentes nações
bárbaras estavam em perfeita unidade uns com os outros em relação a cada ponto
essencial, ele adotou como seu objetivo expor os milhares de princípios de
todas estas várias seitas, de modo a mostrar que elas tinham surgido todas a
partir da mesma origem, e tendiam em direção a uma mesma meta.” Talvez
quem escreveu sobre Amônio na Edinburgh
Encyclopaedia não saiba do que está
falando; mas esta pessoa está descrevendo também os teosofistas modernos, as
suas crenças e o seu trabalho, quando afirma,
falando do Teodidata: “Ele adotou
as doutrinas que foram recebidas no Egito (das quais as esotéricas eram da
Índia) sobre o Universo e a Divindade considerados como sendo um grande Todo; e
sobre a eternidade do mundo (.....); e estabeleceu um sistema de disciplina
moral que permitia às pessoas em geral viver de acordo com as leis dos seus
países e com os ditados da natureza, mas exigiam dos sábios que elevassem suas
mentes através da contemplação.”
[5] O erudito autor de “The Eclectic Philosophy”,
Professor Wilder, membro da Sociedade Teosófica, descreve a “fotografia espiritual” da seguinte
maneira: “A alma é a câmara fotográfica
na qual os fatos e os eventos, futuros, passados e presentes, estão igualmente
fixados; e a mente se torna consciente deles. Além do nosso limitado mundo cotidiano,
tudo é um só dia, ou estado, com o passado e o futuro incluídos no
presente.” (.....) A morte é o último êxtase na terra. Depois dela a alma está
livre das restrições do corpo, e a sua parte mais nobre é unida à natureza
superior e se torna participante da sabedoria e presciência dos seres mais
elevados.” A verdadeira teosofia é, para os místicos, aquele estado de
consciência que Apolônio de Tiana, segundo relatos, descreveu assim: “Posso ver o presente e o futuro como em um
claro espelho. O sábio não necessita
esperar pelos vapores da terra e pela corrupção do ar para prever
eventos. (.....) Os theoi, ou deuses,
veem o futuro; os homens comuns veem o presente; os sábios veem aquilo que está
por ocorrer.” A “teosofia dos deuses”,
sobre a qual ele fala, está bem descrita na afirmativa “O reino dos céus está
dentro de nós”.
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Final do Capítulo I.
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Sobre o mistério do despertar individual
para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
Com tradução, prólogo e notas de Carlos
Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014
por “The Aquarian Theosophist”.
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