21 de outubro de 2012

A Pedagogia Teosófica

Uma Reflexão Sobre Como Caminhar

Carlos Cardoso Aveline




O que possibilita o verdadeiro caminho espiritual não é a crença, mas o aprendizado.  As duas coisas levam a situações muito diferentes.   

Uma crença que não pode ser questionada é algo cômodo, confortável, estático e sem vida. Conduz apenas à ampliação da ignorância, que pode ocultar-se sob um elegante palavreado espiritual. O aprendizado, em compensação, é dinâmico, estimulante, incômodo, desafiador, frequentemente dolorido, e leva à sabedoria. 

O dicionário define “pedagogia” (do grego “paidagogia”) como teoria e ciência da educação e do ensino. E pelo menos quatro ideias devem ser acrescentadas a esta definição:

Primeiro, que o centro de todo processo pedagógico é a aprendizagem. Segundo, que a aprendizagem autêntica só pode ocorrer na medida em que o estudante pensar com  independência. Terceiro, que todos  ensinamos uns aos outros o tempo todo;  e, quarto, que ensinamos e aprendemos tanto pelo exemplo quanto pelas palavras.

O verdadeiro aprendizado teosófico não tem como base a memorização nem a imitação. A prioridade não é ser politicamente correto, mas seguir a voz da consciência. O caminhante passa a assumir a responsabilidade por tudo o que faz. Não perde tempo ou energia rejeitando os fatos e circunstâncias. Ele adota um Ideal e trabalha à luz da sua Meta. Está disposto a identificar, enfrentar e corrigir os seus próprios erros. Sabe que precisa desenvolver virtudes opostas e complementares. Entre elas estão a audácia e a prudência; a coragem e o bom senso; a perseverança e a humildade; a confiança e o discernimento; o autoconhecimento e o autoesquecimento.   

A discussão pedagógica estimula a observação crítica do processo da aprendizagem e constitui um tema central na agenda teosófica. Os fatores pedagógicos são constantemente abordados nas Cartas dos Mahatmas.  

Por outro lado, a marca registrada da pseudoteosofia e do pseudoesoterismo é que eles não colocam em discussão nem aceitam questionamentos sobre os seus processos de pesquisa, ensino e aprendizagem. Eles necessitam obter a crença cega por parte dos seus seguidores, e isso se deve a um motivo muito simples: a sua pedagogia e o seu suposto conhecimento não resistem a um exame crítico.     

Um dos principais erros pedagógicos da espiritualidade desinformada é, portanto, imaginar que um indivíduo espiritualizado deve “acreditar” nisso ou naquilo. Outra ilusão é pensar que o aprendiz precisa transformar-se num robô sorridente e tratar de “ouvir o tempo todo apenas o seu eu superior”.   

Helena Blavatsky, a fundadora do movimento esotérico moderno, não adotava a pose externa de alguém que representa o papel de sábio. Ao contrário, ela deixava seus erros humanos à mostra. Ela parecia frequentemente impaciente e excessivamente emocional. Igual despreocupação com sua “imagem” era vivida por Damodar K. Mavalankar e outros discípulos avançados do século 19.  Nas Cartas dos Mahatmas, podemos ver que nem sequer os Mestres de Sabedoria se apresentam como seres “perfeitos” ou como objetos de adoração pessoal.

O que os discípulos e aspirantes ao discipulado fazem, isto sim, é observar suas motivações na vida, purificá-las, e VIVER PARA BENEFICIAR A HUMANIDADE.  Isso os liberta da hipocrisia e da insinceridade, e é mais do que suficiente para começar a aprender. O aprendiz sensato pratica a moderação no eu inferior, vivencia os preceitos éticos, e abre espaço para o ponto de vista da alma imortal em cada aspecto da vida.

Quando um indivíduo tem o privilégio de conhecer e adotar uma pedagogia espiritual autêntica, ele não tenta fazer o papel teatral de santo perante os outros ou perante si mesmo. Ele dedica sua existência a um ideal nobre. Ele sabe que o autoaperfeiçoamento é algo cujo resultado se dá ao longo de diversas encarnações, mas também percebe que cada pequeno avanço interno, obtido aqui e agora, conta muito.   

Entre a credulidade e o ceticismo, a opção do bom senso e do equilíbrio é o caminho probatório, isto é, o caminho experimental. O aprendizado filosófico correto reúne o sonho mais elevado e a prática mais concreta. Nele, o aprendiz testa e é testado. Tudo deve ser examinado a cada passo. Quando a pedagogia é legítima, o aprendiz cria gradualmente sua própria gramática para compreender melhor o caminho espiritual. Ele aprende a olhar para a vida desde o ponto de vista do seu carma e do seu dharma individuais, isto é, das suas condições objetivas e do seu potencial sagrado. 

Assim, para praticar o ensinamento, o aprendiz não deve fazer mecanicamente isso ou aquilo. Ele deve promover a expressão do ensinamento no dia-a-dia da sua vida e perceber pouco a pouco o que é possível fazer, o que é mais útil, e como obter níveis crescentes de coerência. Ele observa os seus próprios erros e acertos sem desânimo ou euforia. Ele aprende também com os erros e acertos dos outros. Ele discute o caminho com seus colegas de caminho. Ele estuda. Ele abandona aquilo que já sabe que é ilusão.

Na busca autêntica da verdade, não há espaço para pensar: “Já aprendi o suficiente”. Quanto mais o estudante aprende, mais é capaz de aprender. Ao progredir, ele se sente mais humilde, mais grato, e se torna mais disposto a aprender novas lições, mesmo que elas sejam desconfortáveis. 

A aprendizagem em teosofia é muito mais ampla, portanto, e mais dinâmica e desafiadora do que alguma coisa baseada em mera obediência. Pensar que existe uma opção simples e definitiva entre espiritualidade e materialismo constitui uma fuga do esforço necessário para compreender a vida em sua complexidade.  

Tentativas de negar o caráter dinâmico e contraditório da existência humana estão ligadas a um determinado nível de preguiça mental, mas isso não é tudo.  O ato de fugir também é alimentado pela falta de coragem para assumir uma responsabilidade mais séria diante da sua própria vida. Outro fator é o medo de confrontar o fato da sua inevitável morte física em algum momento futuro, e a necessidade e a oportunidade de compreender e vivenciar a Vida Maior, antes que isso ocorra.  A situação provoca uma tensão criativa.

A caminhada em busca da sabedoria eterna gera áreas de intenso desconforto na alma mortal. Como lidar, por exemplo, com a ansiedade que surge ao ver uma distância apreciável entre o Ideal e a Prática? 

Este tipo de desconforto é um bom sinal, se for acompanhado de calma e de bom senso.   Quem adota um ideal elevado, que requer várias encarnações para ser alcançado, deve estar disposto a enfrentar uma distância entre o ideal e a prática que será, inicialmente, muito significativa.

É preciso enfrentar uma certa dificuldade de caminhar na direção desejada, porque toda meta valiosa é, por definição, relativamente distante. Caso contrário, não teria valor alcançá-la. Mas uma longa caminhada começa com o primeiro passo e, entre os primeiros passos do caminhar teosófico, podemos destacar estes dois:

A) Adotar uma meta de vida clara e nobre;

B) Caminhar para a meta escolhida com paz-ciência e determinação, através de um esforço calmo, durável, e apontando para o longo prazo, mas valorizando cada ciclo de 24 horas.

Não há nada como um dia depois do outro, para o aprendiz da sabedoria universal, porque os ciclos curtos contêm as sementes dos ciclos longos, e cada dia equivale a uma pequena encarnação.  

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Uma versão inicial do texto acima foi publicada sem indicação de autor na edição
de abril de 2010 de “O Teosofista”.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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