3 de outubro de 2012

A Biblioteca da Alma

Uma Prática Diária Dos Que Buscam a Sabedoria

Carlos Cardoso Aveline





Segundo a tradição esotérica, as palavras mais importantes não estão escritas em papel. Elas não estão online, e não podem ser encontradas na memória eletrônica de um computador. 

O sábio grego Platão escreveu que as melhores palavras são registradas na alma. 

Em seu diálogo “Fedro” [276], ele aborda o nível de consciência em que a verdade pode ser realmente compreendida.  E Platão descreve deste modo um diálogo entre Sócrates e Fedro:

“Sócrates - Eu me refiro a uma palavra inteligente, gravada na alma do aprendiz, uma palavra que pode defender a si mesma e que sabe quando falar e quando permanecer em silêncio.”

“Fedro - Você se refere à palavra viva do conhecimento que possui uma  alma, e da qual a palavra escrita é apenas uma imagem?” 

“Sócrates - Sim, é a ela que me refiro.”

Séculos depois de Platão, Lúcio Sêneca, o filósofo do mundo romano, escreveu:

“O estudante tem de dedicar-se a alguns autores escolhidos, alimentar-se da sua substância, para que alguma coisa fique gravada na alma.” [1]

A mesma ideia ocorre no Velho Testamento, onde Ezequiel, 3:10, recomenda:

“Guarda no coração todas as palavras que te hei de falar, e ouve-as com os teus ouvidos.”

E no Novo Testamento vemos estas palavras de Paulo em 2 Coríntios, 3:

“Porque já é claro que vocês são a carta de Cristo (....) escrita não com tinta, mas com o Espírito (....) vivo; não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração.”

Platão, Sêneca, Ezequiel e Paulo não estão sozinhos ao falar de ensinamentos que são registrados na alma do aprendiz. De algum modo, a memória humana pode conter uma estante de livros. Desde a antiguidade, os estudantes orientais e ocidentais de filosofia costumam criar uma espécie de “biblioteca portátil” em suas mentes e a levam consigo onde quer que estejam nas 24 horas do dia. A força maior ou menor desta biblioteca depende do grau de compromisso do estudante com a sabedoria, e com a vitória da sua própria alma.

A prática milenar da memorização de livros e ensinamentos é cada vez mais necessária no século 21. Graças a ela, em qualquer momento de pausa o estudante atento impede que sua mente fique ociosa. Durante a espera em uma fila de banco, quando o sinal está vermelho no trânsito, em um engarrafamento ou na fila do caixa do supermercado, o buscador da verdade chama a si, para reler, algumas das ideias principais que estão escritas na sua alma. Ele as repassa, as recita mentalmente, e as observa. Ele as emite repetidamente no plano da mente, como um mantra, e o mantra o protege e o fortalece, enquanto atrai bom carma.  

O estudante também pode redigir em sua mente ideias adequadas para os desafios de  cada momento. Deste modo, mantém sua mente concentrada e assume uma responsabilidade crescente sobre tudo o que passa por sua consciência, e tudo o que lhe acontece. 

Ele já não precisa agarrar fisicamente um livro, ou visitar nossos websites  associados, para “ler” sobre teosofia.  Ele memoriza as frases e ideias que considera fundamentais para o momento atual do seu esforço e reflete demoradamente sobre elas, percebendo a força de autodeterminação que emerge deste fato. 

Ele percebe novas nuances nas mesmas ideias fundamentais. Ao longo do dia, ele cria oportunidades para voltar a estes princípios inspiradores, esvaziando sua mente de assuntos mundanos. A prática tem efeitos positivos sobre a qualidade do seu sono e de seus sonhos, sobre seus relacionamentos pessoais e sua eficiência no trabalho. Com o despertar da vontade espiritual, sua mente fica clara e suas emoções se purificam. Ele vivencia então diretamente o fato de que felicidade interior é algo que se planta, muito antes de colher.

NOTA:

[1] “Conversas na Biblioteca, um diálogo de 25 séculos”, Carlos Cardoso Aveline, Ed. Edifurb, Blumenau, SC, 170 pp., 2007, ver pp. 30-31.

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Uma versão inicial do texto acima foi publicada no boletim “O Teosofista”, em 
agosto de 2008,  sem indicação de  nome de autor. Título original: “Estudante Pode Criar Biblioteca Portátil”.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.



Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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