Avaliando o Dia-a-Dia da Caminhada
Espiritual
Carlos Cardoso Aveline
Pergunta:
De tempos em tempos, todos enfrentamos dificuldades pessoais
e profissionais. O que a teosofia tem a dizer sobre os desafios práticos e específicos
da vida diária?
Comentário:
A teosofia clássica confia na autonomia de cada estudante.
Ela o estimula a tomar suas próprias decisões, sugerindo que observe os
resultados e tire lições da experiência acumulada. A teosofia ensina uma visão
de universo e de ser humano. Ela dá elementos para o despertar autônomo e
fraterno da consciência da alma imortal. Os desafios da vida diária são apenas
o carma maduro, que deve ser enfrentado a partir de um pensamento correto, um
esforço consciente e uma motivação definida.
Pergunta:
De que modo o estudo de
filosofia amplia concretamente a nossa visão da vida?
Comentário:
A filosofia esotérica nos volta para as grandes questões
do universo e isso provoca reações no mundo das rotinas pessoais. Em cada
aspecto da vida, há sempre um eixo simétrico: se algo se amplia, alguma outra
coisa deve diminuir. Cresce a alma imortal, e o eu inferior fica mais reduzido.
Daí a necessidade de renúncia e desapego por parte do eu inferior e emocional.
Só assim ele poderá enfrentar os testes, as provações e a perda de coisas e
situações a que ele se apegava. À medida que a alma imortal se amplia, o eu
inferior é crucificado, na pior das hipóteses: ou, na melhor das hipóteses, ele
é reduzido, simplificado, e se coloca a serviço do eu superior, da alma
imortal. Ninguém trilha impunemente o caminho espiritual autêntico. Mas quando
abrimos mão do que é pequeno, descobrimos a libertação nas grandes verdades
universais. A causa do medo e do sofrimento vai perdendo força até
desaparecer. O medo profundo da morte e
o medo da solidão são finalmente desmascarados como farsas criadas pela falta
de informação sobre o Caminho.
Pergunta:
É verdade que todo aspirante
à sabedoria teosófica estará sozinho e acompanhado, ao mesmo tempo?
Comentário:
Sim. À medida que o estudante aprende a pensar por si
mesmo, ele rompe com os mecanismos da ignorância coletiva e isso o lança a uma
relativa solidão. Quem pensa por si mesmo deve abrir caminho novo. Por outro
lado, o estudante descobre que tudo no universo está inter-relacionado e alcança
uma nova percepção da unidade da vida, de modo que a solidão que sente é
superficial, mas a plenitude é profunda. O estudante, como o poeta, conversa
com as estrelas sem necessidade de palavras.
Para o cidadão que não estuda a sabedoria, pode ocorrer o
contrário. Superficialmente ele está acompanhado. Aparentemente tem muitos
amigos, mas há uma solidão interior que
o ameaça, uma perda de significado da qual não consegue fugir por muito tempo.
Pergunta:
Muita gente tem sofrimentos e preocupações na área
familiar. Qual é o ponto de vista correto para encará-los?
Comentário:
A família é um campo de testes. O trabalho, igualmente. Tudo na vida são lições. A simplicidade conduz à
sabedoria. Cada obstáculo é uma aula, e a
nossa função como aprendizes é saber ler os vários aspectos da vida, percebendo-os como expressões
do ensinamento universal.
Pergunta:
Isso não surge gratuitamente. É preciso estudar e aprender a pensar. E como
se pode criar a paciência necessária para ler todos os textos de teosofia? Nem
sempre eles são fáceis.
Comentário:
Basta perceber a inutilidade de todos os interesses
de curto prazo.
A maior parte das coisas urgentes são, na verdade, destituídas
de importância. Quase todas as coisas realmente importantes não parecem ser
urgentes. Compreender esta diferença é suficiente para mudar a vida de qualquer
um.
Se alguém pretende estudar teosofia com verdadeira paz-ciência,
é preciso ter a coragem de deixar de lado as coisas urgentes que não são
importantes, para abraçar a busca da
Verdade, que é de importância fundamental, mas não parece urgente.
É morrendo para os assuntos mortais que se nasce para o
mundo imortal.
Pergunta:
Entendo que além de paciência o estudante deve possuir humildade.
Comentário:
Sem dúvida. O mesmo vale para o professor, aliás: e na
escola da vida somos todos alunos e professores ao mesmo tempo. Perceber isso
nos liberta da fantasia da importância pessoal.
A vaidade é uma prova de que o indivíduo não convive com
as inteligências divinas. O contato interno e real com o eu superior e outras
instâncias de consciência elevada desperta inevitavelmente o prazer de ser um
grão de areia à beira do Oceano. É esta satisfação individual de ser uma parte
pequena de um todo maior que nos permite aprender algo da sabedoria universal.
Os sentimentos fazem parte da caminhada, tanto quanto os
pensamentos e as ações, e a humildade é uma virtude emocional. Há uma clara
emoção implícita na famosa frase de
Sócrates: “Só sei que nada sei”. A palavra filo-sofia quer dizer
“amor à sabedoria”, e também “amor à verdade”. A verdade só é encontrada por
alguém que a ama em si mesma e incondicionalmente. Neste contexto, o estudante
deve olhar para seus próprios sentimentos e avaliar se eles são verdadeiros.
Será que os seus sentimentos estão sempre à altura das verdades e dos conceitos
que ele estuda em filosofia esotérica?
A humildade natural do eu inferior permite transferir o
foco da consciência para os níveis superiores de consciência, e para os assuntos universais que dizem
respeito a eles. Mas em tudo é preciso vigilância: humildade não implica falta
de firmeza nem abandono do discernimento próprio. Humildade e firmeza não são
opostos. É necessário um equilíbrio correto entre a coragem e a renúncia, entre
a capacidade de avançar e a de ficar imóvel, entre a palavra correta e o
silêncio correto, entre a autoconfiança e a humildade. Uma rocha, por exemplo, é tão firme e consistente quanto humilde e destituída de vaidade.
Pergunta:
A simplicidade é importante. As plantas, as flores e a
natureza proporcionam iluminação espiritual?
Comentário:
Sim, e o convívio direto com a
natureza faz parte da vida filosófica. Os seres da natureza não são apenas
nossos irmãos. Eles são também nossos professores. A filosofia esotérica é a
filosofia da natureza, e o universo físico é inseparável do universo espiritual.
Pergunta:
Diga alguma coisa sobre os “saltos
adiante” e os “retrocessos” no caminho espiritual.
Comentário:
É verdade que pode ocorrer algo parecido com um salto
adiante no caminho espiritual, mas ele não deve ser buscado. Querer ou buscar
saltos súbitos é um sintoma de ansiedade e de falta de paz-ciência. Os retrocessos
são frequentemente resultado da ansiedade, e pressa e a ansiedade são péssimas conselheiras.
O esforço intenso e o entusiasmo são importantes, porém ao lado deles deve
haver uma profunda despreocupação em relação a quaisquer resultados visíveis de
curto prazo.
Pergunta:
Fala-se de “teosofia autêntica”. De fato, o movimento
esotérico ou teosófico é grande, possui diversidade, e, como diz o ditado, “nem
tudo que reluz é ouro”. Como diferenciar uma escola autêntica de uma escola
falsa?
Comentário:
O uso do adjetivo “autêntico”, no caso do caminho
proposto pela Loja Independente de Teosofistas e seus websites associados, traz
consigo uma afirmação implícita. Se há uma teosofia autêntica, então
deve haver uma teosofia falsa.
Há nisso um convite para que cada estudante pense por si
mesmo. Ele deve usar seu discernimento para identificar o falso e o verdadeiro.
Isso vale para todos os aspectos da caminhada, incluindo a literatura e as
agrupações teosóficas.
A teosofia autêntica, inspirada pela literatura clássica
de H. P. Blavatsky e outros autores, estimula a autonomia; mas a falsa teosofia
estimula a crença. A teosofia autêntica não propõe rituais: a falsa teosofia,
usa-os, mantendo, porém, uma filosofia aparentemente teosófica como fachada. A
teosofia autêntica discute transparentemente a sua pedagogia e não se
burocratiza; a teosofia falsa usa a pedagogia da confiança cega e do poder “institucional”,
e cria burocracias. O estudante deve zelar pelo seu espírito crítico; mas deve
colocar seu espírito crítico a serviço da percepção da unidade de todos os
seres. Entre os dois extremos da crença cega e do ceticismo automático que
tampouco enxerga coisa alguma, o caminho teosófico autêntico é o caminho do estudo,
da reflexão e da investigação. É o caminho da tentativa, do erro e da correção
do erro. É o caminho da independência com solidariedade.
Pergunta:
A paciência leva à liberdade, assim como a ansiedade é
uma prisão?
Comentário:
Sim, e a vitória nesta área surge gradualmente. Em 2008,
uma estudante escreveu:
“Não estou mais ansiosa pelas descobertas, nem pelos
resultados. Penso apenas em seguir adiante, na velocidade que puder, cumprindo
com ações que considero corretas. O medo e a culpa diminuem sensivelmente. A
vida fica mais leve.”
Pergunta:
Tenho estudado teosofia no SerAtento há um ano. Tenho percebido mais paciência em mim, embora ainda
esteja longe do ideal. Até para a escolha das horas de estudo, foi necessário
passar por um teste de paciência. Estou vivendo a mudança em minha vida. Meu
dia a dia foi mudado, há uma nova arrumação no quarto, com saída da TV, nova
estante, pastas etiquetadas das seções do website, tenho aprendido muito de
internet. Há muito para contar...
Agora, já posso dizer que estou ficando mais calma... passei momentos de muita ansiedade. Mas já
percebo uma autodisciplina. Até hábitos alimentares foram modificados pela
atenção ao ensinamento. Sinto um contentamento interior que não sei definir. A
parte ética foi reavivada, mas de forma branda, sem desejar sair mudando na
marra ... Do fundo de meu coração, quero ser solidária e riscar o egoísmo de
minha personalidade. Este é o caminho certo?
Comentário:
Sim. A partir de um certo momento, o contato direto com a
filosofia esotérica passa a transformar cada aspecto da vida cotidiana. A
transformação é espontânea, surge de dentro para fora, sem pressa mas definitivamente.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da
situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu
formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas
prioridades a construção de um futuro
melhor nas diversas dimensões da vida.
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