A Relação Entre Gratidão e Ajuda
Mútua
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline
Há
uma prática do altruísmo que é espontânea. Ela brota natural e até
inevitavelmente na consciência de alguém que possui uma concepção mais ampla da
vida.
Um pai, por exemplo, cuida da criança e dá elementos para que ela
cresça mesmo quando ela não entende o
processo nem sabe o que está
acontecendo. O papel do pai é cuidar, e ele tem prazer nisso. O papel da
criança é ser cuidada, e não é entender nem valorizar a ação do ser mais velho
e mais experiente. É precisamente nisso que consiste o fato de ser criança, no
plano psicológico ou espiritual.
A compreensão do mistério do altruísmo surge quando se amplia a noção de
tempo.
A verdade é que alguém deve haver “cuidado” do pai quando ele era mais
novo e não sabia das coisas. Assim, o
jeito dos mais jovens retribuírem à vida, quando eles finalmente têm
experiência suficiente para entender o que receberam, está em ajudar outras
tantas e novas crianças ao longo do
caminho da aprendizagem, que é trilhado por todos, “mestres” e “discípulos”
igualmente.
Cada geração planta o que a próxima geração irá colher, e assim se
completa o círculo virtuoso da sustentação da vida. Este é um círculo que se
renova constantemente, que não teve início e não terá fim.
Três fatores reforçam o fato de que a vida é um treinamento constante em
desapego e em impessoalidade:
1) O fato de não entendermos bem o que recebemos na primeira etapa da
vida ou da caminhada;
2) Mais tarde, o fato de não podermos retribuir diretamente a quem nos
ajudou;
3) Do ponto de vista da alma mais experiente, o ato de cuidar do
crescimento do outro sem exigir “compreensão” ou “gratidão”.
Na verdade, essa “ajuda” aparentemente unilateral só parece algo “sem
retorno” enquanto não se percebe que, mais do que quaisquer “relações pessoais”,
o nosso único e grande relacionamento é com a Vida mesma, toda ela em seu
conjunto; e que este relacionamento com a Vida se dá ATRAVÉS das pessoas que
conhecemos. A qualidade dos relacionamentos “pessoais” na verdade depende da
qualidade do relacionamento com a Vida Em Geral.
Ao “ajudar” alguém, pois, não devemos ter a intenção de retribuir algo
que essa pessoa específica já fez por nós, nem devemos esperar que essa mesma pessoa
retribua, agora ou mais adiante. É com a Vida como um todo que a contabilidade
é feita. E podemos confiar, com toda
tranquilidade, no fato de que as nossas futuras colheitas corresponderão, com
justiça, ao que nós realmente plantamos.
O primeiro desafio é, pois, saber plantar, antes de querer colher. O
segundo desafio é saber esperar até que as boas ações frutifiquem. O terceiro desafio
consiste em saber que, enquanto esperamos, devemos continuar plantando.
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