Uma Oportunidade Diante
De Quem Tem Olhos Para Ver
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline
Cedo ou tarde o estudante de teosofia ganha consciência plena da luta
entre aquilo que em sua vida é iluminado e aquilo que fica nas sombras e
boicota o avanço na direção da luz.
E o estudante se pergunta:
“Como é possível lidar com a sombra e transmutá-la em luz?”
A resposta a esta pergunta não é sempre a mesma. Ela evolui e se
transforma à medida que o peregrino avança pelo caminho.
Como lidar
com a sombra passa a ser uma questão urgente porque a ignorância parece ficar mais
forte a partir do momento em que o peregrino decide com firmeza buscar a sabedoria.
A luz da verdade ilumina tudo, inclusive o acerto, o erro, a vitória, a derrota
e a deslealdade, própria ou alheia. O pensamento negativo pode hipnotizar, caso
não haja vigilância suficiente.
A respeito do paradoxo entre luz e sombra, a filosofia esotérica ensina:
“Quando tiveres encontrado o começo do caminho, a estrela da tua alma
mostrará sua luz; e por esta luz perceberás como é grande a escuridão em que
ela brilha. A mente, o coração e o cérebro permanecem escuros até que a
primeira grande batalha tenha sido vencida. Não fiques assustado nem
aterrorizado por esta visão; mantém os teus olhos fixos na pequena luz e ela
crescerá.” [1]
Esta é a grande arma do estudante. A contemplação do mundo
espiritual permite a inofensividade e a liberdade em relação à dupla infeliz
chamada medo / raiva. E também abre
espaço para a felicidade, a plenitude, a humildade e a paz.
A chave da vitória está em manter o foco fundamental no que é bom, e,
secundariamente, olhar os defeitos e erros com a firme intenção de
corrigi-los.
Tudo depende da intenção: queremos realmente o bem? Que possamos,
então, buscar em todas as ocasiões o que é belo, justo e verdadeiro.
O foco mental elevado nos permite perceber que, saibamos ou não
saibamos, estamos o tempo todo ao lado de uma energia divina.
A presença sagrada é essencialmente Atma-Buddhi, a Lei Universal, o
Mestre interno, a alma imortal, o eu superior. Dormindo ou acordados, atentos
ou desatentos, os seres humanos estão sempre diante ou ao lado desta força divina
multidimensional. Não há nome ou termo adequado para mencioná-la. A
prática da presença divina consiste na lembrança constante de que,
como seres humanos, estamos 24 horas por dia na presença da lei eterna e da inteligência
infinita. A ideia é pitagórica e foi absorvida mais tarde pela tradição mística cristã.
Não é fácil lembrar da inteligência divina ao nosso lado. Mesmo
esquecida, a presença sagrada continua ativa na aura do indivíduo e “fotografa”
o tempo todo os fatos, agradáveis e desagradáveis. Tudo é registrado pelo carma
para o débito e o crédito futuros, segundo escreveu um Mestre.
Alguns estudantes procuram manter a lembrança constante do caráter
essencialmente correto do seu próprio ser, que está, num plano secundário, sujeito
a erros e ilusões. Eles lembram durante algum tempo da presença divina e depois
esquecem; e relembram outra vez;
e assim vão lutando. A cada erro, aprendem mais. Passo a passo,
aprendem a receber as vitórias com humildade e as derrotas com autoconfiança. Deste modo os altos e baixos da “maré cármica”
deixam de atingir o caminhante. No entanto, o avanço é de longo prazo. Uma vida
inteira não é suficiente para a tarefa. Algumas
encarnações são necessárias para que nasça no Coração e na Mente do caminhante
a percepção constante e “instintiva” da presença divina. Então
ocorre o amanhecer.
Durante palestra na década de 1990, um teosofista europeu falou sobre a
existência na alma humana de um “homing instinct”, um “instinto de volta
para casa”. O que significa a palavra “casa” nesta frase? A Alma
Imortal é a Casa. É da alma espiritual que sai o raio de luz iniciador de cada
nova encarnação. E é para a alma espiritual que a alma mortal volta
“instintivamente” após a morte do corpo físico. Na alma imortal o eu inferior
descansa, e nela ele se dissolve em paz enquanto dorme como um bebê dorme nos
braços amorosos da sua mãe.
O caminho teosófico faz com que
no tempo certo a “volta para casa” ocorra durante a vida física e
enquanto o estudante dispõe de boa saúde, através da descoberta profunda da sabedoria divina no seu próprio coração e
na sua mente. Assim a mente se coloca “instintivamente” a serviço do Coração,
que representa em pequena escala o Sol.
Na filosofia esotérica e na astrologia, o coração é uma miniatura do centro
do nosso sistema solar. Quando a mente se une ao coração, ambos passam a representar
o sol. A auréola dourada em torno da cabeça dos antigos Iniciados
Orientais, adotada mais recentemente pelos pintores de santos
ocidentais, simboliza este fato - conforme um Mestre de Sabedoria assinala
nas Cartas dos Mahatmas.
De que modo o peregrino pode evitar o perigo da sombra gerada pela luz do pequeno
sol de sua alma?
Não há necessidade de alimentar medos supersticiosos. A
sombra é apenas a lição ainda não aprendida. A sombra é a madrugada que promete
o amanhecer. Ela é também a intuição espiritual. É a véspera da luz. Tudo
é luz no universo, seja manifestada ou potencial. A “noite escura da
alma”, sobre a qual S. João da Cruz escreveu, constitui a madrugada da
iluminação espiritual.
É verdade que toda luz deve enfrentar desafios. Eles são superados mais facilmente graças à ajuda
mútua entre os peregrinos.
Uma vela talvez produza uma sombra se não estiver bem colocada; mas
quando temos várias velas acesas, todo o ambiente fica iluminado e não
há sombras significativas. Por isso vale a pena juntar as
luzes de diferentes pessoas confiáveis e manter o foco combinado dos pequenos
sóis individuais em sintonia com a fonte universal do saber.
NOTA:
[1] “Luz no
Caminho”, de M. C., um tratado clássico sobre o despertar da sabedoria.
Tradução, notas e prólogo de Carlos Cardoso Aveline. Publicado por The Aquarian Theosophist em Aveiro, Portugal, 2014, 85 pp., ver p. 26.
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Uma versão inicial do artigo acima foi publicada na edição de fevereiro de 2008 de “O Teosofista”. O texto foi publicado como item independente em setembro de 2014.
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Leia mais:
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Sobre
o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição
luso-brasileira de “Luz no Caminho”,
de M. C.

Com
tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos,
85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The
Aquarian Theosophist”.
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