7 de novembro de 2014

Meditação, Concentração, Vontade

Três Elementos Centrais no Caminho da Sabedoria

William Q. Judge 




Estes três  - meditação, concentração, vontade - talvez tenham chamado  a atenção dos teosofistas mais do que quaisquer outros três temas. Uma amostragem das opiniões existentes provavelmente revelaria que a maior parte dos membros do nosso movimento que leem e pensam gostariam de ver estes temas discutidos, e de ler instruções definidas sobre eles,  mais do que quaisquer outros, em todo o campo teosófico. 

Eles dizem que devem meditar, afirmam que têm um desejo de obter concentração,  que gostariam de ter uma vontade poderosa, e anseiam por instruções claras, que sejam compreensíveis até pelo mais tolo dos teosofistas.   Este é o desejo ocidental de ter um currículo, um curso, um caminho delimitado, uma linha e regras com precisão de milímetros. No entanto o caminho já foi esboçado e descrito há muito tempo, e suas instruções podem ser lidas por qualquer um cuja mente não tiver sido parcialmente arruinada pela falsa educação moderna, e cuja memória não tiver sido desorientada pelos métodos superficiais de uma literatura sem profundidade, e por uma vida moderna totalmente vã.

Vamos dividir a meditação em dois tipos. Primeiro está a meditação praticada em um horário estabelecido, ou praticada ocasionalmente, seja de modo planejado ou por uma idiossincrasia fisiológica. Em segundo lugar está a meditação de uma vida inteira, aquele fio único de intenção, disposição e desejo que flui ao longo dos anos,  desde o berço até o túmulo. Em relação à primeira, pode-se verificar que os Aforismos de Patañjali dão todas as regras e detalhes necessários. Se os Aforismos são estudados e não esquecidos, então a prática deve dar resultados. Quantos, daqueles que repetem os pedidos por instruções, leram aquele livro, deixaram-no de lado, e nunca mais voltaram a ele? O número é excessivamente grande.

O fio sutil e misterioso da meditação de uma vida é aquela meditação praticada a cada hora pelo filósofo, pelo místico, santo, criminoso, artista, artesão e comerciante. Ela é posta em prática em relação a aquilo para o qual o coração está voltado; ela raramente perde força; às vezes, enquanto o meditador  corre gananciosamente atrás de dinheiro, fama e poder, ele olha brevemente para o alto e suspira por uma vida melhor durante um breve intervalo, mas a imagem de um dólar ou libra esterlina que passam como relâmpago faz com que recupere os seus sentidos modernos, e a velha meditação recomeça. Como todos os teosofistas estão aqui neste redemoinho social a que me  refiro, cada um deles pode aplicar estas palavras a si mesmo como quiser. Certamente, se a meditação da vida deles estiver fixa em um nível inferior e próximo ao chão, os resultados que fluirão para eles serão fortes, muito duradouros, e relativos ao baixo nível em que eles operam. As meditações semiocasionais dessas pessoas darão resultados precisamente semiocasionais, na longa sucessão de renascimentos.

“Mas então”, diz outro, “como fica a concentração? Devemos tê-la. Nós a queremos e a necessitamos.” 

Será que a concentração é uma mercadoria que se pode comprar, segundo você pensa, ou algo que virá até você, só porque você a deseja?  Impossível. Do mesmo modo como  nós dividimos acima a meditação em dois tipos, também podemos dividir a concentração.  Uma concentração consiste no uso, em uma ocasião fixa, de uma força já adquirida; a outra concentração consiste na prática profunda e constante de uma força que se veio a possuir.

A concentração não é memória, já que, como se sabe, a memória atua sem que nos concentremos em nada, e sabemos que séculos atrás os antigos pensadores chamavam a memória de fantasia, e com razão. Mas, devido a uma peculiaridade da mente humana, a parte associativa da memória é despertada no mesmo instante em que se tenta estabelecer a concentração. É isso que cansa os estudantes e que termina por afastá-los da busca da concentração.  Um homem senta-se para concentrar-se na ideia mais elevada que ele é capaz de conceber, e, como relâmpagos, batalhões de lembranças e todo tipo de assuntos, velhos pensamentos e impressões aparecem em sua mente, afastando o grande objeto que ele havia selecionado inicialmente, e a concentração termina.

Esse problema só pode ser corrigido pela prática, pela assiduidade, e pela continuação. Não são necessárias quaisquer instruções estranhas e complicadas.  Tudo o que devemos fazer é tentar e continuar tentando.

O assunto da Vontade não tem sido muito abordado em obras teosóficas,  antigas ou recentes.  Patañjali não se refere de modo algum a Vontade.  Ela parece ser tratada implicitamente por ele em seus aforismos. A Vontade é universal, e pertence não só a homens e animais, mas também a todos os outros reinos da natureza. Tanto o  homem bom como o homem mau  têm vontade;  inclusive a criança e o velho, o sábio e o louco.  Ela é, portanto,  uma força destituída em si mesma de qualidade moral.  Essa qualidade deve ser acrescentada pelo ser humano.

Então a verdade é que a vontade atua de acordo com o desejo, ou, como os pensadores antigos costumavam dizer, “atrás da vontade, está o desejo”.  É por isso  que a criança, o selvagem, o louco e o homem mau frequentemente demonstram ter uma vontade mais forte  que outros.  O homem mau tem seus desejos intensificados, e com eles sua vontade.  O louco tem poucos desejos, e coloca toda sua força de vontade neles; o selvagem está livre das convenções, das várias ideias, leis, regras e suposições às quais está sujeita a pessoa civilizada, e nada distrai sua vontade.[1] Assim, para tornar nossa vontade forte, devemos  ter menos desejos. Que nossos desejos sejam altos, puros, e altruístas; assim eles nos darão uma vontade forte.

A mera prática, seja qual for, não desenvolverá a vontade em si, porque a vontade existe desde sempre e para sempre, plenamente desenvolvida em si mesma. Mas a prática desenvolverá em nós o poder de evocar aquela vontade que é nossa.  A Vontade e o Desejo estão na porta que se abre para a Meditação e a Concentração.  Se desejamos a verdade com a mesma intensidade com que antes desejávamos sucesso, dinheiro ou gratificação pessoal, nós rapidamente alcançaremos a meditação e possuiremos concentração. Se fizermos todas as nossas ações, grandes e pequenas, pelo bem de toda a humanidade como representação do que é Supremo, então cada célula e fibra do corpo e o ser humano interno estarão voltados para a mesma direção, e isso resultará em perfeita concentração.  Isso é dito no Novo Testamento através da afirmação de que se o olhar é um só, todo o corpo estará cheio de luz, e no “Bhagavad Gita” isso é colocado de forma ainda mais clara e ampla ao longo dos diferentes capítulos. Num deles, essa ideia é belamente expressada como o ato de acender em nós Aquilo que é Supremo, e que assim se torna visível. Devemos meditar no que está dentro de nós como o Eu Mais Elevado, e concentrar-nos nele, e ter a vontade de trabalhar por ele como por algo que está presente em cada coração humano.

( Publicado pela primeira vez em “Irish Theosophist”, 15 de Julho de 1893.)


NOTA DO EDITOR, EM 2014:

[1] Esta afirmativa só pode ser correta se aplicada aos selvagens urbanos dos tempos modernos.  As nações indígenas das diferentes regiões do mundo tinham regulamentações éticas e sociais bem definidas pelo menos até entrarem em contato com as potências coloniais e seus sacerdotes assalariados. Há exemplos notáveis de sabedoria nas tradições indígenas da América do Sul,  da América Central e da América do Norte, da África  e da Oceania - para não falar da Ásia. (Carlos Cardoso Aveline)

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Traduzido de “Theosophical Articles”, William Q. Judge, dois volumes, Theosophy Company, Los Angeles, 1980, volume I,  pp. 316-318. Título original: “Meditation, Concentration, Will”.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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