Três Elementos Centrais no
Caminho da Sabedoria
William Q. Judge
Estes
três - meditação, concentração, vontade -
talvez tenham chamado a atenção dos
teosofistas mais do que quaisquer outros três temas. Uma amostragem das
opiniões existentes provavelmente revelaria que a maior parte dos membros do
nosso movimento que leem e pensam gostariam de ver estes temas discutidos, e de
ler instruções definidas sobre eles,
mais do que quaisquer outros, em todo o campo teosófico.
Eles dizem que devem meditar, afirmam que têm um desejo de obter
concentração, que gostariam de ter uma
vontade poderosa, e anseiam por instruções claras, que sejam compreensíveis até
pelo mais tolo dos teosofistas. Este é
o desejo ocidental de ter um currículo, um curso, um caminho delimitado, uma
linha e regras com precisão de milímetros. No entanto o caminho já foi esboçado
e descrito há muito tempo, e suas instruções podem ser lidas por qualquer um
cuja mente não tiver sido parcialmente arruinada pela falsa educação moderna, e
cuja memória não tiver sido desorientada pelos métodos superficiais de uma
literatura sem profundidade, e por uma vida moderna totalmente vã.
Vamos dividir a meditação em dois tipos. Primeiro está a meditação
praticada em um horário estabelecido, ou praticada ocasionalmente, seja de modo
planejado ou por uma idiossincrasia fisiológica. Em segundo lugar está a
meditação de uma vida inteira, aquele fio único de intenção, disposição e
desejo que flui ao longo dos anos, desde
o berço até o túmulo. Em relação à primeira, pode-se verificar que os Aforismos
de Patañjali dão todas as regras e detalhes necessários. Se os Aforismos são
estudados e não esquecidos, então a prática deve dar resultados. Quantos,
daqueles que repetem os pedidos por instruções, leram aquele livro, deixaram-no
de lado, e nunca mais voltaram a ele? O número é excessivamente grande.
O fio sutil e misterioso da meditação de uma vida é aquela meditação
praticada a cada hora pelo filósofo, pelo místico, santo, criminoso, artista,
artesão e comerciante. Ela é posta em prática em relação a aquilo para o qual o
coração está voltado; ela raramente perde força; às vezes, enquanto o
meditador corre gananciosamente atrás de
dinheiro, fama e poder, ele olha brevemente para o alto e suspira por uma vida
melhor durante um breve intervalo, mas a imagem de um dólar ou libra esterlina
que passam como relâmpago faz com que recupere os seus sentidos modernos, e a
velha meditação recomeça. Como todos os teosofistas estão aqui neste redemoinho
social a que me refiro, cada um deles
pode aplicar estas palavras a si mesmo como quiser. Certamente, se a meditação
da vida deles estiver fixa em um nível inferior e próximo ao chão, os
resultados que fluirão para eles serão fortes, muito duradouros, e relativos ao
baixo nível em que eles operam. As meditações semiocasionais dessas pessoas
darão resultados precisamente semiocasionais, na longa sucessão de
renascimentos.
“Mas então”, diz outro, “como fica a concentração? Devemos tê-la. Nós a
queremos e a necessitamos.”
Será que a concentração é uma mercadoria que se pode comprar, segundo
você pensa, ou algo que virá até você, só porque você a deseja? Impossível. Do mesmo modo como nós dividimos acima a meditação em dois
tipos, também podemos dividir a concentração.
Uma concentração consiste no uso, em uma ocasião fixa, de uma força já
adquirida; a outra concentração consiste na prática profunda e constante de uma
força que se veio a possuir.
A concentração não é memória, já que, como se sabe, a memória atua sem
que nos concentremos em nada, e sabemos que séculos atrás os antigos pensadores
chamavam a memória de fantasia, e com razão. Mas, devido a uma peculiaridade da
mente humana, a parte associativa da memória é despertada no mesmo instante em que
se tenta estabelecer a concentração. É isso que cansa os estudantes e que
termina por afastá-los da busca da concentração. Um homem senta-se para concentrar-se na ideia
mais elevada que ele é capaz de conceber, e, como relâmpagos, batalhões de
lembranças e todo tipo de assuntos, velhos pensamentos e impressões aparecem em
sua mente, afastando o grande objeto que ele havia selecionado inicialmente, e
a concentração termina.
Esse problema só pode ser corrigido pela prática, pela assiduidade, e pela
continuação. Não são necessárias quaisquer instruções estranhas e
complicadas. Tudo o que devemos fazer é
tentar e continuar tentando.
O assunto da Vontade não tem sido muito abordado em obras
teosóficas, antigas ou recentes. Patañjali não se refere de modo algum a
Vontade. Ela parece ser tratada
implicitamente por ele em seus aforismos. A Vontade é universal, e pertence não
só a homens e animais, mas também a todos os outros reinos da natureza. Tanto
o homem bom como o homem mau têm vontade; inclusive a criança e o velho, o sábio e o
louco. Ela é, portanto, uma força destituída em si mesma de qualidade
moral. Essa qualidade deve ser
acrescentada pelo ser humano.
Então a verdade é que a vontade atua de acordo com o desejo, ou, como os
pensadores antigos costumavam dizer, “atrás da vontade, está o desejo”. É por isso
que a criança, o selvagem, o louco e o homem mau frequentemente
demonstram ter uma vontade mais forte
que outros. O homem mau tem seus
desejos intensificados, e com eles sua vontade.
O louco tem poucos desejos, e coloca toda sua força de vontade neles; o
selvagem está livre das convenções, das várias ideias, leis, regras e
suposições às quais está sujeita a pessoa civilizada, e nada distrai sua
vontade.[1] Assim, para tornar nossa
vontade forte, devemos ter menos
desejos. Que nossos desejos sejam altos, puros, e altruístas; assim eles nos
darão uma vontade forte.
A mera prática, seja qual for, não desenvolverá a vontade em si, porque
a vontade existe desde sempre e para sempre, plenamente desenvolvida em si
mesma. Mas a prática desenvolverá em nós o poder de evocar aquela vontade que é
nossa. A Vontade e o Desejo estão na
porta que se abre para a Meditação e a Concentração. Se desejamos a verdade com a mesma intensidade
com que antes desejávamos sucesso, dinheiro ou gratificação pessoal, nós rapidamente
alcançaremos a meditação e possuiremos concentração. Se fizermos todas as
nossas ações, grandes e pequenas, pelo bem de toda a humanidade como
representação do que é Supremo, então cada célula e fibra do corpo e o ser
humano interno estarão voltados para a mesma direção, e isso resultará em
perfeita concentração. Isso é dito no
Novo Testamento através da afirmação de que se o olhar é um só, todo o corpo
estará cheio de luz, e no “Bhagavad Gita” isso é colocado de forma ainda mais
clara e ampla ao longo dos diferentes capítulos. Num deles, essa ideia é
belamente expressada como o ato de acender em nós Aquilo que é Supremo, e que
assim se torna visível. Devemos meditar no que está dentro de nós como o Eu
Mais Elevado, e concentrar-nos nele, e ter a vontade de trabalhar por ele como por
algo que está presente em cada coração humano.
( Publicado pela primeira vez em “Irish Theosophist”, 15 de Julho de
1893.)
NOTA DO EDITOR, EM 2014:
[1] Esta afirmativa só
pode ser correta se aplicada aos selvagens urbanos dos tempos modernos. As nações indígenas das diferentes regiões do
mundo tinham regulamentações éticas e sociais bem definidas pelo menos até
entrarem em contato com as potências coloniais e seus sacerdotes assalariados. Há
exemplos notáveis de sabedoria nas tradições indígenas da América do Sul, da América Central e da América do Norte, da
África e da Oceania - para não falar da
Ásia. (Carlos Cardoso Aveline)
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Traduzido
de “Theosophical Articles”, William Q. Judge, dois volumes, Theosophy Company,
Los Angeles, 1980, volume I, pp. 316-318.
Título original: “Meditation, Concentration, Will”.
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Sobre
o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição
luso-brasileira de “Luz no Caminho”,
de M. C.
Com
tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos,
85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The
Aquarian Theosophist”.
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