Agora Não Procuro Convencer
Ninguém Por Meio de Palavras
Celso de Magalhães
Há
quem diga que a humanidade do futuro deixará o raciocínio,
Celso de Magalhães

como
forma inferior, e passará a adquirir conhecimentos apenas pela intuição
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O texto a seguir reproduz a primeira
parte do capítulo final da obra “Filosofia
da Vida”,
de Celso de Magalhães, Rio de
Janeiro, 1948, Ed. Jornal do Commercio,
175 pp. O capítulo é intitulado “Minha Filosofia”.
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O mal
do homem está em queixar-se demais. Claro que nem tudo no mundo são flores; mas
em toda coisa ruim há, pelo menos, um lado bom; vista por esse ângulo, a coisa
deixa de ser ruim.
A
queixa constante revela fraqueza e debilita o organismo. O esforço, a atitude
mental, durante as queixas, provocam o esgotamento nervoso e estragam a saúde.
A
vida não deve ser tomada muito a sério; encarar a vida com muita gravidade é
prejudicial: males sempre existiram e continuarão a existir. Por mais que as
coisas melhorem, nós e os das gerações mais próximas não as veremos muito
diferentes do que são agora. A seriedade, a gravidade no encará-las, de nada
adianta. O povo já diz que choros não pagam dívidas.
As
modificações sociais se processam como as modificações biológicas: o homem, na
maior parte das vezes, quase nem se apercebe de como elas ocorreram. Não é sua
vontade que muda a estrutura moral do mundo, que reorganiza desta ou daquela
forma os grupos, as multidões, as massas. Tudo se passa conforme as forças que
atuam na evolução do mundo, entre as quais se conta a atividade do próprio
homem, mas onde existem também muitas outras que ele não conhece nem dirige.
A
felicidade consiste em procurar obter o máximo de proveito das coisas que nos cercam; se essas
coisas forem boas, melhor; se forem más, aproveitemo-las no que oferecem de
útil. Lembremo-nos do inglês da anedota: perdeu o dinheiro mas ganhou a lição.
A
vida deve ser comparada a uma disputa esportiva como, por exemplo, uma partida
de futebol. Quando um time entra em campo, seu objetivo é vencer; mas ele sabe
que também pode ser derrotado. Se ganhar, exulta, expande-se, mas não subestima
o adversário porque sabe que, amanhã, o derrotado de hoje poderá ser o
vencedor. Se perder, não se queda a lastimar: procura descobrir o motivo da
derrota, para corrigi-lo, na certeza de que, da próxima vez, poderá
ganhar.
A
vida é um esporte; nela são igualmente possíveis as vitórias e as derrotas. A
vitória de um dia não deve justificar a imprevidência que pode levar à derrota
de amanhã; a derrota de hoje não deve provocar o desânimo, pois não impede a
vitória do dia seguinte.
O
principal fator para a conquista da felicidade é o cultivo da alegria
esportiva. Mas só pode ser alegre quem sabe perder; logo, não pode ser feliz
quem se desanime com as derrotas. Qualquer que seja a situação da vida, é
possível conservar a alegria esportiva, desde que se substitua o infortúnio
pela convicção da melhoria futura.
Não
convém ter inveja de ninguém. Se um indivíduo possui mais dinheiro que outro, e
já se julga por isso um príncipe, não é razão para que o outro se considere
diminuído, humilhado, infeliz. Procure descobrir no homem de dinheiro algum
traço de inferioridade; forçosamente haverá de tê-lo: veja como anda, como
fala, qual a sua cultura, seu estado de saúde, sua compleição física, etc. Numa coisa qualquer haverá de ser inferior ao
pobre e, descoberta essa inferioridade, já não terá importância seu ar
principesco, porque decairá na admiração do pobre.
Não
há ninguém que seja superior aos outros em todas as coisas ou qualidades. Cada
um de nós terá pelo menos uma superioridade sobre os que se julgam superiores.
Explore essa superioridade e não se sentirá mais inferior ou desprezível. A inveja
desaparecerá, voltando a paz de espírito.
Porque
um é chefe e outro subordinado; porque um é oficial e outro soldado; porque um
é branco e outro preto; porque um é doutor e outro analfabeto…, isso não
importa: o subordinado, o soldado, o preto [1],
o analfabeto, hão de ter coisas que o chefe, o oficial, o branco, o doutor,
gostariam de possuir. Não há diferenças absolutas, totais; elas são sempre
relativas, dependendo do ponto de observação.
Muito
interessante será aprender a olhar para baixo, para ver quanta gente há de
menos importância social, econômica, física, ou seja de que outra ordem for;
quanta gente há mais infeliz.
O
ser absolutamente miserável não existe; o pensamento mal dirigido é que o faz
sentir-se como tal.
Quando
se faz o bem a outrem, deve-se fazê-lo desinteressadamente, por instinto de
solidariedade social. Não se devem buscar agradecimentos, esperar gratidão,
seja de quem for. Se, por acaso, vierem, convém recebê-los, como se recebe um
prêmio de loteria: pura sorte. Exigi-los, porém, é provocar, quase sempre,
dolorosa decepção. É preciso não esquecer que quem protege humilha e, por isso,
desgosta.
Não
se deve fazer o bem indistintamente; quem não faz por si não deve ser auxiliado
pelo próximo. A ajuda deve caber apenas ao que se esforça para normalizar sua
situação pessoal. Há muita gente que não merece, socialmente falando, o auxílio
que recebe; deixá-lo só com suas tragédias, ou lhe fará o bem de o regenerar,
bem condicionando-o, ou fará bem à sociedade, liquidando-o de vez. Ninguém
lucra em conservar no mundo seres imprestáveis: a vida é luta constante, e quem
não possui forças para lutar, deixe a arena e saia do mundo. [2]
Sou
amigo de todas as religiões. Nunca procuro desviar um indivíduo desta para
aquela religião, porque estou convencido de que todas são igualmente úteis à
sociedade.
Quando
deparo com um sectário de qualquer religião, interessa-me verificar se ele age
de acordo com os mandamentos da religião que abraçou; se não o fizer,
mostro-lhe a incoerência em que vive. Nos preceitos morais, todas as religiões
civilizadas se equivalem. Convém considerar, antes de pertencer a uma religião,
se os mandamentos dela podem ser facilmente obedecidos. É preferível ficar do
lado de fora do que levar uma vida de hipocrisia. A dissimulação constrange,
perturba os nervos, faz mal à saúde.
Gostaria
de encontrar uma religião que não falasse em dores, sofrimentos, pecados. Não
creio que a noção de Deus seja incompatível com a alegria de viver. Creio mesmo
que a satisfação da vida decorre, por imperativo natural, da certeza de que
existe um Deus de bondade, de amor e de sabedoria [3]. Por que não se tenta uma religião assim?
Já
gostei muito de discutir; mas foi noutro tempo. Agora não procuro convencer
ninguém por meio de palavras. Se o assunto for de natureza científica, poderá
haver acordo entre os homens; quando se tratar de matéria experimental, é certo
que o haja. Em assunto de livre opinião, subjetivo, porém, discutir é inútil:
cada qual conserva seu ponto de vista e o palavrório se eterniza, com o
consequente acompanhamento de gestos e de atitudes que só servem para dividir e
escandalizar a assistência. Em casos destes convém calar e permitir ao
interlocutor que guarde sua ideia.
Nunca
se exaspere. Qualquer que seja a situação, o uso de palavras ásperas, de nomes
feios, de gestos grosseiros é ridículo.
Não
costumo negar aquilo que não compreendo e não explico. O fato de muitas coisas
escaparem ao meu entendimento não significa que elas não sejam possíveis.
Prudência em aceitar como verdade o que se afirma sem provas é necessária; mas
a repulsa à afirmativa de outrem só porque não se conhece a explicação dos
fatos é estulto. Há muita coisa no mundo que o homem ainda não descobriu, mas
cuja influência há de sofrer.
Não
é apenas pelo raciocínio e pelos sentidos que o homem adquire conhecimentos. Há
provas inúmeras de que muita coisa a humanidade aprendeu por meios ainda hoje
ignorados. Chama-se a isso conhecer por intuição. A própria ciência está cheia
de fatos que corroboram essa afirmativa: a simultaneidade de descobertas, as
ideias geniais que surgem no momento crítico das experiências, o chamado dom profissional...
As
mulheres são férteis em intuições admiráveis; os homens sabem disso,
principalmente se já foram amados por alguma. Há quem diga que a humanidade do
futuro deixará o raciocínio, como forma inferior, e passará a adquirir
conhecimentos apenas pela intuição.
NOTAS:
[1] “Preto”. O autor se refere ao indivíduo de pele
negra como alguém cuja situação social é inferior. De fato, o racismo era um sério problema no Brasil nos anos 1940. Do
ponto de vista teosófico, qualquer povo perseguido ou desprezado - como os
povos indígenas, os negros e os judeus - é moralmente superior aos ignorantes
que os desprezam. A filosofia esotérica original ensina que todos os seres
humanos são iguais perante a lei do carma e ninguém é superior a ninguém; mas
os opressores e causadores de injustiça ficam, moralmente, em uma situação
inferior aos oprimidos. (Carlos Cardoso Aveline)
[2] Neste
ponto, à p. 155, omitimos um trecho do capítulo que tem menos interesse
teosófico. O próximo parágrafo
corresponde ao parágrafo inferior da p. 159. Nossa transcrição avança então até
o primeiro parágrafo da p. 162. (CCA)
[3]
Escrevendo pioneiramente na década de 1940, Celso de Magalhães deixa claro que
não acredita no deus católico. De fato, segundo a filosofia esotérica não há
deuses monoteístas exceto na imaginação dos ingênuos e dos sacerdotes. Existe a
lei universal do equilíbrio. O universo inteiro, com todos os seus níveis de
consciência, é divino. A ignorância e a dor presentes na natureza e na
humanidade são apenas a energia divina, adormecida. Cabe despertar. A palavra “Deus” produz mais
confusão e controvérsia do que paz e esclarecimento. (CCA)
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Capa
do livro “Filosofia da Vida”, de
1948, de onde foi reproduzido o texto acima.
Celso de Magalhães, o autor, tinha 50 anos quando a obra foi
publicada. Ele nasceu em 1898 e viveu
até 1964.
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Sobre
o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição
luso-brasileira de “Luz no Caminho”,
de M. C.

Com
tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos,
85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The
Aquarian Theosophist”.
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