O Efeito Revolucionário das
Pequenas Coisas do Cotidiano
Carlos Cardoso Aveline
Os aspectos físicos e espirituais da vida
estão ligados pela interdependência. Céu e terra são distintos, mas são
inseparáveis, e uma grande parte da bem-aventurança humana é produzida pela flora
intestinal.
A relação direta entre
felicidade e sistema digestivo não é novidade para a filosofia esotérica. Os jejuns e as dietas especiais são decisivos na
vida dos sábios de todos os tempos, inclusive Pitágoras, Jesus, Buda e Lao-tzu.
Cada célula do
organismo humano possui uma inteligência
implícita e coopera criativamente com as outras células dentro de um plano
geral de preservação da vida. O aparelho gastrintestinal influencia
decisivamente os estados de consciência. Ele ajuda a determinar o que pensamos,
o que fazemos, e quais são as nossas emoções básicas.
A ciência moderna
revela que o sistema digestivo possui um verdadeiro cérebro próprio. Durante as
24 horas do dia ele toma decisões para proteger nossa saúde, e tem plena autonomia
e independência em relação aos outros setores de coordenação inteligente do
corpo. E nem sempre o cérebro lógico, o
neocórtex, está à altura da inteligência intestinal. Grande parte das pessoas toma decisões erradas
na hora de comer, o que não só dificulta o trabalho do sistema digestivo, mas
desperdiça energia vital e ameaça a saúde geral do corpo.
A ecologia do
sistema gastrintestinal tem um equilíbrio complexo. A flora intestinal inclui uma
quantidade fabulosa de bactérias, fungos e outros microorganismos invisíveis. O
médico brasileiro Helion Póvoa explica: “Alojados no intestino grosso, também
chamado cólon e que circunda todo o intestino delgado, [os microorganismos] fazem
parte do ecossistema humano e são, portanto, fundamentais para a nossa
sobrevivência. Temos mais bactérias dentro do intestino do que células no
corpo. Um adulto pode possuir cerca de 50 trilhões desses microorganismos!”[1]
A ciência sabe há
muito tempo que a alegria de viver não ocorre por acaso. Ela depende da serotonina, substância neurotransmissora
presente no cérebro. E a produção da serotonina depende do sistema
gastrintestinal.
Helion Póvoa
escreve:
“Não é exagero
(....) afirmar que a infelicidade pode acontecer a partir de um problema gastrintestinal. E
isso ficou ainda mais evidente há poucos anos, quando alguns pesquisadores descobriram
que a serotonina não é fabricada apenas no cérebro, mas também no intestino. Na
verdade, cerca de 90% da serotonina de nosso organismo é produzida neste
órgão.” [2]
O intestino é
responsável por 80% do sistema imunológico. O plexo nervoso que envolve o
intestino conta com nada menos que cem milhões de neurônios, enquanto apenas
três mil células ligam o intestino ao sistema nervoso central, que é formado
pelo cérebro e pela medula espinhal. Os
cem milhões de neurônios garantem não apenas a inteligência, mas também a
independência operacional do intestino.
Como todo processo
ecológico, a bioquímica da felicidade humana depende de vários fatores, e alguns
deles são bem conhecidos:
* Ter uma vida
simples;
* Praticar exercícios
e conviver com a natureza;
* Pequenos jejuns
ajudam a purificar o organismo;
* O consumo de
açúcar deve ser reduzido.
Esse último item merece
atenção especial. O hábito de comer doces transforma cidadãos orgulhosos da sua independência pessoal em escravos
subconscientes de um hábil germe intestinal cujo nome científico é Clostridium difficile.
O Clostridium é astucioso. Interessado em
alimentar-se de açúcar, ele manda das tripas para o nosso cérebro um certo tipo
de toxinas que inibe a produção de serotonina. Em seguida, a falta de
serotonina provoca em nós uma sensação de falta de felicidade e nos induz ao
desejo de “compensar isso” comendo doces. E doces são o lanche preferido do Clostridium, que prolifera com a farta
alimentação e, assim, é capaz de mandar toxinas em quantidade maior, para
inibir ainda mais a presença de serotonina em nosso cérebro.
A abstenção de
doces rompe esse círculo vicioso e facilita a obtenção da felicidade. Mas é necessário
ter uma boa dose de força de vontade para deixar de lado o açúcar e provar ao Clostridium que somos mais espertos do que
ele. Um pouco de preguiça é suficiente para fazer-nos cair na sua manipulação emocional
em favor do açúcar.
Raramente é fácil
mudar hábitos pessoais. Até costumes aparentemente sem importância resistem a
serem removidos. Às vezes a solução vem de fora, como mostra este diálogo entre
duas velhas amigas:
“Alcancei a felicidade na semana passada. Depois de 25 anos de
tentativas frustradas, consegui que meu marido parasse de roer as unhas.”
“E como conseguiu
isso?”
“Escondi a
dentadura dele.”
“Ah - parabéns.”
A falta de consciência
corporal dificulta o trabalho inteligente dos intestinos, facilitando a vida
dos vilões do sistema digestivo. O estímulo consumista ao prazer de curto prazo
não nos coloca em sintonia com nosso corpo, mas, ao contrário, nos distancia
dele. O estudo de teosofia permite ao buscador da verdade reconhecer a prática
alimentar como um campo de testes e aprendizado e uma fonte de saúde, ou de
sofrimento.
Para Helion Póvoa,
não sabemos perceber as nossas verdadeiras necessidades corporais:
“O ritmo da vida
moderna, que nos faz comer apressadamente e substituir as refeições por
lanches, é com certeza uma das razões pelas quais evitamos o diálogo com o
nosso próprio corpo. Estamos sujeitos também à publicidade maciça de produtos
alimentares, que acaba interferindo na escuta que deveríamos ter com as nossas
necessidades nutricionais. O apelo de um belo sanduíche estampado num outdoor ou um maravilhoso sorvete que
aparece na televisão é muito maior do que a autêntica reivindicação nutricional
do organismo. (...) O que podemos verificar hoje é que (...) o ato de comer
deixou de ser apenas o meio de sustentação do organismo para se transformar num
instrumento de compensação de tristezas, ansiedades e frustrações.” [3]
A pressa ao comer
produz adrenalina e outros elementos que bloqueiam a produção de serotonina. O
caminho da felicidade passa por recuperar o diálogo com nosso organismo e
reaprender a arte de identificar o que é bom para ele. Não há por que esperar
que surja uma grave doença para só então dar valor à saúde. Por isso atualmente
as práticas de alimentação saudável se multiplicam.
O valor medicinal
dos alimentos deixa de ser uma ideia antiga para converter-se em tendência de
mercado em matéria de ideias e literatura. E há modos práticos de identificar
os alimentos que previnem e curam as diferentes doenças.
Jean Carper e
outros autores dão indicações que permitem - como ensinava Hipócrates - fazer dos alimentos o nosso remédio. Esse
pode ser um plano de saúde preferível aos esquemas convencionais. Mencionemos alguns
itens que aumentam a paz do sistema digestivo e a alegria de viver.
* Cabe evitar o
consumo de carne de animais mamíferos. Esta maldição da sociedade humana é um
forte fator cancerígeno, assim como a gordura nos alimentos.
* A alimentação
vegetariana é um fator central para a manutenção da saúde e a obtenção de uma
vida longa.
* Fumo e bebidas
alcoólicas podem abrir caminho para o câncer.
* O abacate
beneficia as artérias, reduz o colesterol e dilata os vasos sanguíneos. É
antioxidante, ou seja, evita o envelhecimento e melhora o estado geral da
saúde.
* O açúcar deve
ser usado com moderação, porque é desmineralizante e reduz as defesas do
organismo. Também está ligado ao ciclo da depressão e da tristeza.
* O alho combate
parasitas intestinais, é antibiótico, diminui a pressão arterial e afina o
sangue, evitando a formação de coágulos. Previne doenças cardíacas, ajuda a
curar a gripe e a prevenir o câncer, e aumenta as defesas do organismo.
* A aveia reduz o
colesterol, tem efeitos antidepressivos e é um forte estimulante das funções
intelectuais.
* O azeite de
oliva protege as artérias e reduz o colesterol ruim.
* A berinjela
reduz o colesterol.
* O brócolis tem
alta ação anticancerígena, especialmente contra câncer de pulmão, de cólon e de
mama. É melhor comê-lo cru ou levemente cozido.
* Cebola é
antioxidante, anticancerígena, anti-inflamatória e antibiótica. Combate a
bronquite e outros problemas pulmonares. Melhora o sangue, combate o mau
colesterol e aumenta o bom colesterol. Deve ser ingerida crua, ou quase.
* A cenoura é um medicamento
poderoso. Antioxidante e anticancerígena, ela protege as artérias. Em jejum, ajuda
a eliminar parasitas intestinais. Combate a dor no peito (angina), melhora a
visão, diminui o mau colesterol e aumenta a imunidade.
* A couve combate e
previne o câncer, é antioxidante e afasta diversas doenças.
* O espinafre,
além de antioxidante, é um dos vegetais que previnem o câncer com mais
eficácia. Combate o mau colesterol. Deve
ser comido cru ou levemente cozido.
* O gengibre ajuda
nas doenças nervosas, afasta a dor de cabeça, a congestão do peito e o reumatismo.
Elimina a dor de garganta. É antioxidante e anticancerígeno. É antidepressivo, elimina
sentimentos ou pensamentos negativos e protege inclusive de maus pensamentos
alheios.
* Lactobacilos e iogurte
são benéficos para a vida do intestino.
* O queijo, o
leite, a manteiga e toda gordura de origem animal aumentam o perigo do câncer e
não fazem bem às artérias.
* Laranja e lima
purificam o sangue e protegem a saúde.
* Originário da
Ásia, mais precisamente da região que fica entre a Índia e o sudeste dos
Himalaias, o limão é grande purificador do sangue. Tem poder curativo sobre
numerosos aspectos da vida humana: previne gripes, combate a obesidade, auxilia
o fígado, a vesícula e os olhos. É bom para os pulmões, os rins e a bexiga. Cura
doenças de pele e ajuda decisivamente os sistemas digestivo e cardiovascular. [4]
* Maçã reduz o
colesterol e contém agentes anticancerígenos.
* O mel é
antibiótico e tranquilizante. Bom para o coração.
* As nozes
previnem o câncer e protegem o coração.
* A pimenta evita
coágulos sanguíneos e combate a dor de cabeça. É antiexpectorante e
descongestionante.
* A soja tem
efeito preventivo em relação ao câncer de mama e de próstata. Diminui o colesterol,
e ajuda a impedir e dissolver os cálculos renais.
* A uva tem função
anticancerígena e antioxidante, e aumenta o colesterol bom.[5]
Assim como tudo o
que está no alto depende do que está embaixo, também o cérebro e o coração de
cada um necessitam do bom trabalho da flora intestinal. O que é grande reflete o
que é pequeno, e o que é pequeno reflete o que é grande. O todo está eternamente
contido em cada uma das suas partes. [6]
A plenitude não
resulta do exagero, portanto. Ela surge, isso sim, da moderação e do equilíbrio
que acompanham a sabedoria. O
clássico do taoismo chinês “Wen-tzu” afirma:
“As pessoas que
alcançaram o Caminho não conquistam ganhos equivocados e não passam problemas
para os outros. Não abandonam o que é seu e não pegam o que não é seu. Essas
pessoas estão sempre plenas, mas nunca passam dos limites; estão sempre vazias,
e com pouca coisa já têm o suficiente. Por isso, quando nos adaptamos às
medidas corretas através das artes do Caminho, comemos o suficiente para satisfazer
a fome e vestimos roupas suficientemente boas para evitar o frio, e assim damos
calor e saciedade suficientes para o corpo. Se não temos as artes do Caminho
para avaliar as medidas apropriadas e queremos nobreza e posição social, todo o
poder e toda a riqueza do mundo não serão suficientes para nos tornar contentes
e felizes. Assim, os sábios têm a mente equânime e tolerante. O espírito vital
deles é guardado no interior e não se ilude com as coisas.” [7]
Viver é algo que
se deve fazer com calma, e os pequenos mistérios bioquímicos - como a silenciosa
digestão dos alimentos - são quase sempre mais importantes que os grandes
eventos espetaculares. Os pacifistas do início do século 20 gritavam:
“Mais pão e menos
canhão!”
E eles estavam
certos. As pequenas coisas do cotidiano possuem um efeito silencioso e
revolucionário. O pão é preferível ao canhão, e hoje podemos acrescentar que o
limão e o abacate são preferíveis às usinas nucleares.
A cenoura, o brócolis
e a cebolinha verde são melhores que os mísseis balísticos intercontinentais. O
alho, a couve, a rúcula e a berinjela devem substituir os submarinos equipados
com armas atômicas. O amor, a alface e os morangos devem ser escolhidos para o
lugar do ódio, da inveja e da corrupção na política. O renascimento da
civilização humana ocorre a partir das opções de cada indivíduo. O milagre da satisfação
interior combina a ética, a chuva, o vento, o olhar sereno e o afeto, e tem
como sua base o sol, as nuvens, o respeito pela verdade e as folhas verdes que
crescem do solo.
NOTAS:
[1] “O
Cérebro Desconhecido”, de Helion Póvoa, Ed. Objetiva, RJ, 2002, 222 pp., ver p.
37.
[2] “O
Cérebro Desconhecido”, obra citada, p. 56.
Veja também as páginas anteriores.
[3] “O
Cérebro Desconhecido”, obra citada,
pp. 162 e 163.
[4] “O
Poder de Cura do Limão”, de Conceição Trucom, Editorial Estampa, Lisboa, 2010,
215 pp. Edição brasileira, Ed. Alaúde.
[5] Veja
a obra “Alimentação Que Pode Prevenir e Curar o Câncer” (pp. 113 a 137) e
também o livro “Alimentação Que Pode Prevenir e Curar Doenças Cardiovasculares”
(pp. 117 a 142). Os dois volumes são de Jean Carper e foram publicados por Alegro/Campus/Elsevier, RJ, 2004. São indispensáveis os clássicos de Alfons Balbach intitulados “As
Hortaliças na Medicina Doméstica” e “As Frutas na Medicina Doméstica”, Edições
“A Edificação do Lar”, SP.
[6]
Veja a este respeito o texto “A Tábua de Esmeralda”, de Carlos Cardoso Aveline.
O artigo está disponível em nossos websites associados.
[7]
Do livro “Wen-tzu - A Compreensão dos Mistérios”, de Lao-tzu, Ed. Teosófica,
Brasília, p. 144.
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Uma versão inicial do artigo acima foi
publicada em julho de 2004 pela revista “Planeta”, de São Paulo.
A respeito da relação entre o corpo e o
espírito, veja o capítulo 14 da obra “Três Caminhos Para a Paz Interior” de
Carlos Cardoso Aveline, Ed. Teosófica, Brasília. O título do capítulo é “O
Corpo Inseparável da Alma”.
Leia os artigos “A Ética da Alimentação Vegetariana”,
e “70 Itens Para Uma Vida Natural”, do mesmo autor. Os dois textos estão
disponíveis em nossos websites associados.
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Sobre o processo do despertar individual
para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
Com
tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos,
85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The
Aquarian Theosophist”.
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