A Febre Alquímica nos Círculos
Esotéricos
Carlos Cardoso Aveline

Como o caminho da sabedoria inclui desafios e
oportunidades, a humildade constitui um ponto essencial.
É preciso ver os erros, antes de corrigi-los. E é
inevitável corrigir os erros, antes de libertar-se das derrotas que eles
causam.
A aparente morte da ética em setores significativos do
movimento esotérico não constitui um fato isolado. [1] Tampouco surge por acaso.
Enfrentar o oposto da inteligência espiritual é o preço a
pagar quando se evoca os níveis mais elevados da natureza humana. A ideia de que
“tudo é agradável” no caminho da sabedoria constitui uma armadilha e leva à
derrota. A alquimia da busca do conhecimento divino só pode ser vivida em altas
temperaturas. Em grupos, assim como em indivíduos, a ignorância deve passar por
uma espécie de febre. A ingenuidade e o egoísmo precisam ferver durante algum
tempo para que a sua forma líquida evapore e se transforme em lições de
sabedoria que as pessoas possam compreender.
A febre causada pelos ensinamentos sagrados na natureza
interior dos círculos esotéricos pode curar a doença da ignorância. E também pode
destruir os grupos cujo metabolismo não é capaz de resistir à febre. A competição,
aberta ou disfarçada, produz nos grupos filosóficos uma inveja ativa, e também
má vontade, falsidade, injúria e ações traiçoeiras. E de onde surge a
competição?
Os estudantes ingênuos de teosofia, mal orientados por
uma pedagogia superficial e por falsos ensinamentos, podem ter em seus corações
uma vaga boa vontade em relação à civilização humana. A admiração que sentem
por seres sábios e instrutores sagrados (em alguns casos imaginários) está
misturada com a expectativa de que eles próprios serão levados à condição de
grandes sábios, passando a ser admirados por muitos.
À medida que são pressionados pelos fatos a ver que tais
ilusões não têm base real, eles se tornam amargos em relação ao progresso feito
por seus colegas de caminhada, e começam a comemorar secretamente as dificuldades
e falhas dos seus irmãos. [2]
O antídoto deste veneno mortal para os grupos teosóficos
está na criação de uma atmosfera em que o ritualismo e o amor por posições de
poder são calma e severamente desmascarados, assim como as poses de sábio, a
política de aparências, a manipulação de dinheiro e outras formas sutis de
poder ilegítimo.
Como no caso da Medusa da mitologia grega, a prática da
hipocrisia e do fingimento adota inúmeras formas diferentes. Elas devem ser
sucessivamente identificadas, desmascaradas e derrotadas até que seja destruída
sua causa central: a ignorância.
A tarefa individual de construir Antahkarana, a “ponte”
para nossa própria alma espiritual, está entre as principais fontes para a
legitimidade de qualquer associação teosófica.
A inveja, a competição e formas semelhantes de má vontade
operam como extintores de Antahkarana. O pensamento negativo destrói as
associações teosóficas de dentro para fora, deixando em bom estado apenas as
máscaras psicológicas e os prédios materiais. Por esse motivo, os sentimentos de
raiva e má vontade devem ser identificados desde o início. A competição hostil é
um obstáculo para os tolos e os desinformados, e fecha diante deles as Portas
do verdadeiro Conhecimento.
A inveja implica um desejo de roubar do outro, ou de
negar o seu progresso. É um sinal seguro de problemas na ligação do indivíduo
com o seu próprio eu superior. Um sentimento de cobiça nasce dos aspectos
negativos do mundo animal: a fraternidade, por outro lado, surge dos aspectos
positivos e sua substância essencial é divina.
Quando um indivíduo está em contato interior com algo
sagrado, ele sofre ao ver os erros dos outros, e fica contente ao perceber a
vitória dos seus semelhantes. Alguém que tem interesse em aprender buscará a
amizade daqueles que podem saber mais do que ele, e sentirá gratidão. A admiração
sincera leva o aprendiz a ter devoção e expande de modo radical a sua
capacidade de compreender a vida.
A saúde de um grupo teosófico e de todo grupo de
idealistas depende da combinação individual de altruísmo com realismo; de
generosidade com vigilância; de otimismo e rigor. Um conhecimento eficiente do
mundo divino opera lado a lado com um conhecimento dos impulsos egoístas e uma
compreensão da habilidade que eles possuem de disfarçar-se como se fossem
nobres. Deste modo são afastados os aspectos mais perigosos da febre
probatória.
Quando a correta combinação alquímica do céu e da terra ocorre
no plano do indivíduo, o seu equilíbrio criativo pode ser compartilhado com
outros, em meio ao inevitável processo de testes cármicos. A harmonia vigilante
se transforma então gradualmente em um elemento cultural e num fator vivo da
construção de um movimento teosófico que será cada vez melhor, mais forte, e
mais útil à humanidade.
NOTAS:
[1] A Sociedade Teosófica de Adyar e as outras principais correntes do
movimento teosófico nominal enfrentam uma crise ética e institucional na
primeira metade do século 21.
[2] O estágio final do caminho para o fracasso é a prática de deliberadamente
colocar obstáculos no Caminho dos seres a quem se tem o dever de ajudar.
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Foi incluída no artigo acima a maior parte da breve nota “A Inveja e a Admiração”, da edição de
abril de 2015 de “O Teosofista”. Embora
escrita pelo mesmo autor, a nota foi publicada de modo anônimo em “O Teosofista”.
Sobre o mistério do despertar individual
para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.

Com tradução, prólogo e notas de Carlos
Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014
por “The Aquarian Theosophist”.
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