A Consciência Instintiva é Apenas Um
Instrumento Básico a Serviço da Vida
Espiritual
Carlos Cardoso Aveline
A vida é feita de interação,
e o ser humano age de um modo que é em grande parte instintivo. Suas ações
espontâneas têm bases subconscientes. Expressam posturas adquiridas ao longo do
tempo e consolidadas pela repetição.
Nossas
atitudes automáticas têm diversas
origens. Algumas delas são heranças de vidas anteriores ou resultam da carga genética. Em muitos casos, decorrem da formação emocional na infância: e
também resultam do treinamento e da educação.
Durante
a infância, ocorre uma recordação subconsciente do carma de vidas passadas. Nos
primeiros anos de vida, a experiência de encarnações anteriores passa por uma recapitulação inconsciente e uma atualização. O modo espontâneo como a
criança interage com as circunstâncias resulta do encontro do carma remoto com
o carma imediato, do cenário inicial da encarnação.
Disso
surge o caráter.
Todos
os aspectos da vida humana envolvem repetição, hábito e instinto. Eles estão
carmicamente interligados: atuam em conjunto. Desde a etapa intrauterina, a
vida inclui um jogo de reações rápidas em circunstâncias sempre mutáveis.
À
medida que o indivíduo se fortalece, ele constrói atitudes repetitivas, com as
quais se identifica e nas quais confia. Ele passa a dispor de um pequeno acervo de hábitos e posturas que usa de
modo natural em diferentes ocasiões, e nas quais se refugia.
Uma
série de atitudes e ações típicas expressam o seu “modo afetivo e simpático” de
funcionar. Outras diversas modalidades
de autoexpressão correspondem ao “modo defensivo-ofensivo” de perceber a vida e
interagir com ela. Há também o modo expansivo-amigável,
o modo abstrato-reflexivo, e assim
sucessivamente.
O
indivíduo adota “gatilhos” e mecanismos específicos pelos quais ele vai de um
estado de espírito para outro. Códigos internos subconscientes regulam, na
consciência individual, a mudança de estado mental. Fazem a transição, por exemplo,
desde uma atitude solidária e afetiva
para uma postura defensiva-ofensiva. As
mudanças de estado emocional podem ser rápidas ou lentas, harmoniosas ou não.
Na
maior parte dos casos, as nossas reações diante do mundo externo são
automáticas ou semiautomáticas.
Muitos
não se atrevem a ser lentos nas suas respostas à vida. Um dos motivos para isso
está na “necessidade defensiva” de parecer inteligente aos olhos dos outros.
De
acordo com este jogo de interações, é preciso ter respostas instantâneas para
tudo. É assim que surgem as pessoas
superficiais. Elas constroem um arsenal de respostas automáticas e concentram
sua mente no nível instintivo e defensivo (ou ofensivo) de interação,
suprimindo as respostas mais lentas e mais profundas. A vontade de “parecer esperto” - e às vezes de “dominar os outros” -, impede a opção por ações verdadeiramente inteligentes.[1]
Deste
modo o tempo pode passar em vão. A verdade, porém, é que a vida biológica e
instintiva existe como base e como instrumento da vida do espírito. É para isso
que ela existe. É um desperdício suprimir a vida do espírito para obedecer ao
jogo dos automatismos.
A
teosofia valoriza a vida instintiva. A ação automática é indispensável para manter
o equilíbrio quando andamos de bicicleta. É necessária quando dirigimos um
carro ou digitamos um texto. Treinamos o nosso corpo físico para que ele
trabalhe para nós sem necessidade de pensar. Ensinamos isso às nossas crianças,
e a atitude está correta. O corpo físico é o nosso melhor amigo. Os aspectos
externos da vida instintiva, quando bem dirigidos, são saudáveis. Eles são a
substância dos bons hábitos.
Outra
coisa, muito diferente, é agir de modo cego nas questões emocionais, na vida
profissional e no relacionamento com os colegas e familiares, e no rumo que
escolhemos (ou deixamos de escolher) para a nossa vida. Em todos os momentos e
aspectos sérios da existência, devemos pensar antes de agir, e avaliar bem os vários
lados da realidade, para só depois tomar uma decisão.
Adulto
é aquele que deixa de lado a relativa irresponsabilidade da infância para
enfrentar voluntariamente o carma que resulta de suas vidas passadas, assim
como o carma herdado da sua civilização, de seu país, da cidade em que vive, e
de sua família. A tarefa é criar carma novo e melhor, conscientemente. Cabe
transformar o resultado das vidas anteriores e plantar por decisão própria as
sementes da sabedoria para a velhice e as vidas futuras.
Várias
formas de psicologia ética resgatam o material emocional da infância, trabalham
com ele, e ao fazer isso redirecionam o carma de vidas passadas. O
autoconhecimento obtido através do estudo de filosofia esotérica autêntica
permite ao cidadão fazer o mesmo.
O enfoque
vivencial da teosofia clássica faz com que o buscador da verdade tenha diante
de si, a cada momento, vivas, dinâmicas, as mais diferentes fases da sua
existência. Sua infância o acompanha a cada passo. Quanto mais ele avança no
caminho evolutivo, mais ele se parece ao mesmo tempo com uma criança, um adulto
e um velho. Ele se identifica com as diferentes faixas etárias. O passado para
ele é fonte de lições: o futuro consiste de sementes. Ele procura plantar da
maneira mais correta possível.
Desenvolvendo
o autoconhecimento e o autocontrole, o peregrino adota uma nova atitude. A mudança
interior não surge subitamente devido à leitura de algum texto. Emerge pouco a
pouco, como resultado de ondas sucessivas
de reflexão sobre a vida. É alimentada por exercícios no início muito
modestos de fortalecimento da vontade espiritual.
A
meta do teosofista é renunciar aos erros, plantar o bem, e mudar a si mesmo na
direção do ideal de autoaperfeiçoamento humano.
Gradualmente,
as ações automáticas se tornam mais coerentes. As reações ao mundo externo
perdem intensidade imediata e ganham força interior. À medida que suas ações
espontâneas passam a ser instrumentos eficazes de expressão da alma, a ponte
para a consciência do eu superior se expande vigorosamente, e o indivíduo
percebe que está em uma etapa menos preliminar do Caminho.
NOTA:
[1] Veja o artigo “Um Elogio aos Idiotas”, de Carlos Cardoso Aveline, que está
disponível em nossos websites.
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Uma versão inicial
do texto acima foi publicada de modo anônimo na edição de fevereiro de 2015 de
“O Teosofista”, sob o título de “A
Consciência do Automatismo” (pp. 9-10).
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Sobre o mistério do despertar individual
para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
Com tradução, prólogo e notas de Carlos
Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014
por “The Aquarian Theosophist”.
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