Annie Besant Fez Todos os Erros
Contra
Os Quais Foi Advertida Pela Carta
de 1900
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline
Uma paisagem dos Himalaias, em quadro de N. Roerich
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O texto a seguir traz elementos
para um estudo
amplo sobre como ocorre a
verdadeira aprendizagem
espiritual. Os erros e lições que
ele aborda são, essencialmente,
universais e não pertencem apenas
ao movimento teosófico.
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A Carta de 1900 foi a última carta
recebida de um Mestre dos Himalaias e merece um estudo cuidadoso.
Dirigido
a Annie Besant, o documento contém advertências sobre os vários erros que ela
deveria evitar no futuro, especialmente como líder da escola esotérica. Besant preferiu
não evitar tais erros, mas, ao contrário, cometeu-os todos. No século 21, a mensagem
da Carta de 1900 pode ser devidamente compreendida e aceita pelo movimento
teosófico em seu conjunto.
Em
1900 Annie Besant já havia abandonado o plano de trabalho dos Mestres e navegava
nas águas da ilusão pelo menos desde 1894. Por outro lado, o texto foi escrito
por alguém que podia ver o futuro do movimento e deveria saber sem qualquer
esforço que Annie Besant não seguiria os conselhos dados ali. Por que motivo,
então, a carta foi mandada?
O conteúdo
do documento e o contexto geral da correspondência entre Mahatmas e discípulos
leigos mostram que havia diversas razões para que este “último aviso” fosse
dado, protocolarmente, naquela forma, e naquele momento.
Embora
Besant estivesse afastada dos Mestres do ponto de vista de foco e de afinidade,
os Adeptos não estavam afastados do movimento. Interessava a eles reduzir,
tanto quanto possível, a destruição ética do movimento nas décadas seguintes. Era
sua meta deixar indícios, documentos e “pegadas” que fossem úteis no tempo
certo para a reconstrução do esforço teosófico com base na sua concepção
original.
A carta de 1900 era uma última chance protocolar a Annie
Besant e, ao mesmo tempo, o documento deixava implicitamente claro que o carma
seria dela se as advertências do mestre não fossem levadas em conta. De modo
discreto mas peremptório, o Mahatma recomenda a Besant no texto que interrompa
as especulações irresponsáveis sobre o “renascimento prematuro de Helena P.
Blavatsky”. Se não fossem abandonadas, tais especulações perturbariam o
processo de pós-morte de HPB além do que o carma permitia.
A
Carta também define, reforça e destaca os elementos centrais da pedagogia oculta
dos Mahatmas.
O caráter
profético da Carta de 1900 fica especialmente claro nos trechos do documento
que foram omitidos por C. Jinarajadasa
na sua edição de “Cartas dos Mestres de Sabedoria”.
Jinarajadasa
optou por não destruir o documento e tampouco tornou totalmente ilegíveis as
partes específicas que omitiu: a carta estava destinada a ter o seu texto
resgatado na íntegra, no momento certo, para uso e estudo das gerações
posteriores de teosofistas. Em 1987, o seu texto completo foi recuperado e
publicado por Emmet Small, um teosofista e editor independente que visitava os
arquivos de Adyar.
O
texto integral da Carta discute e descreve o modo exato como ocorre a
aprendizagem espiritual e tem valor indiscutivelmente decisivo para o movimento
esotérico como um todo. Suas ideias
são coerentes com a perspectiva seguida pelos estudantes de HPB e dos Mestres,
e pela Loja Independente de Teosofistas.
Alguns
estudantes ficam impressionados ao ver que Annie Besant e seus seguidores
fizeram, ponto a ponto, exatamente o oposto do que a carta sugere.
E eles
perguntam, com razão:
“Como
é possível um tamanho absurdo? E por que os Mestres permitiram isso?”
A
explicação está no fato pedagógico de que os Mestres respeitam a autonomia de
todos. Eles jamais impõem a sua vontade a alguém. Cada aprendiz deve avançar
por mérito próprio - ou perder o rumo. A obediência cega não faz parte da
pedagogia esotérica. Annie Besant foi avisada e preferiu a busca do poder
pessoal, deixando de lado o respeito pela ética e pela verdade. O carma dessa
opção não é dos Mestres.
A
seguir, reproduzimos trecho por trecho da versão integral da Carta de 1900,
comparando-os com as ações de Annie Besant e seus seguidores.[1]
Cada frase
da Carta está em negrito. As palavras omitidas por Jinarajadasa estão, além
disso, sublinhadas.
1) “Um sensitivo e
praticante de pranayama que se deixou
confundir pelas fantasias dos membros. A S.T. e seus membros estão lentamente
fabricando um credo. Diz um provérbio tibetano, ‘credulidade gera credulidade e
termina em hipocrisia’. Muito poucos são aqueles que podem saber qualquer coisa
a nosso respeito. Deveríamos ser venerados e idolatrados? A adoração de uma
nova Trindade, constituída pelo abençoado M., por Upasika e por você mesma, irá
substituir as crenças denunciadas? Nós não pedimos que haja uma adoração de nós
mesmos.”
O
texto do Mestre não poderia ser mais claro ou mais enfático. Apesar disso,
desde 1900, a Sociedade Teosófica de Adyar foi transformada por Besant em uma
seita semicristã, com uma maçonaria própria, uma igreja católica com seus
bispos e sacerdotes, e mesmo um novo Cristo. As religiões dogmáticas deixaram
de ser criticadas. A liberdade de pensamento foi mantida como uma fachada para
atrair o público. Os Mestres foram transformados em meros objetos de adoração
emocional. Mestres imaginários foram fabricados, com seus retratos igualmente
destituídos de valor.
2) “O discípulo
não deve ser acorrentado de modo algum.
Tenha cuidado para evitar um Papado Teosófico.”
Annie
Besant fez exatamente o que o autor da carta disse que ela não deveria fazer. Ela criou a ilusão de que os líderes da
Sociedade Teosófica de Adyar eram clarividentes, de que podiam consultar os
Mestres a qualquer momento, e de que, deste modo, podiam evitar quaisquer erros.
Assim, ela era tão “infalível” como o Papa do Vaticano. O “resultado lógico” de
tal infalibilidade era que todos deveriam obedecer a Annie Besant. Assim surgiu
um “papado esotérico” com sua “sucessão apostólica”.
3) “O intenso desejo
de alguns de ver Upasika reencarnada
imediatamente criou uma ideação Mayávica
deturpadora. Upasika tem trabalho
útil a fazer nos planos superiores e não pode retornar tão breve. A S.T. deve
ser conduzida com segurança ao novo século.”
Annie
Besant havia começado a criar uma expectativa coletiva de que H.P. Blavatsky,
que morrera em 1891, havia renascido como a filha pequena do sr. G. N.
Chakravarti. Na verdade, aquele foi o ponto de partida para o “mito
pseudoteosófico da criança divina”.
A
Carta de 1900 garantiu alguma paz à alma de HPB em seu processo pós morte. O
falatório sobre a sua “volta imediata” foi abandonado. Mas o mito neocristão e
pseudoteosófico da “criança divina” logo ressurgiria com a apresentação do
garoto Jiddu Krishnamurti como o “futuro Cristo”.
4) “Você tem
estado há algum tempo sob influências ilusórias.”
Há
aqui uma referência indireta às influências que levaram Annie Besant a
perseguir politicamente William Q. Judge em 1894-1895, e que fizeram com que
ela aderisse ao grupo mediúnico do “círculo interno” do sr. Alfred Sinnett,
conhecido por promover falsos contatos com os Mestres.[2]
As
mesmas influências a faziam seguir a liderança do sr. G. N. Chakravarti.
Crédula, vaidosa, fácil de manipular, Besant libertou-se de Chakravarti apenas
para cair nas mãos de Leadbeater.
5) “Evite o
orgulho, a vaidade e a busca de poder.”
Nos
anos seguintes, Annie Besant concentrou em suas próprias mãos todo poder da ST
de Adyar. Ela era a presidente da ST, a Chefe Externa da Escola Esotérica, a
líder da instituição pseudomaçônica controlada pela ST, responsável pelo “Rito
Egípcio” criado pela ST de Adyar, e assim sucessivamente. Apesar das
aparências, ela dependia da “clarividência” de C.W. Leadbeater para tomar
qualquer decisão real.
6) “Não seja levada
pelas emoções, mas aprenda a manter-se de pé
sozinha. Seja exata e crítica, ao invés de crédula. Os erros do passado
nas velhas religiões não devem ser encobertos com explicações imaginárias. A E.E.T. deve ser reformada de modo que seja
tão não-sectária e livre de credos quanto a S.T. As regras devem ser poucas e simples e
aceitáveis para todos.”
Como
nos pontos anteriores, ocorreu o oposto do que foi aconselhado. A S.T. de Adyar
é que foi reformada para que pudesse ser verticalmente obediente e submissa,
assim como a escola pseudoesotérica.
Annie
Besant não aprendeu a manter-se de pé sozinha e usou a adoração emocional como
mecanismo de poder.
Com a
frase sobre os erros das velhas religiões, a Carta claramente retoma a ideia da
carta de Prayag, uma mensagem recebida dos Mestres através de HPB, e que hoje
constitui a carta número 30 de “Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett” (Ed.
Teosófica, Brasília). É assim destacada a necessidade de discutir os erros das
religiões dogmáticas, causas de guerras e intolerância.
7) “Ninguém tem o
direito de reivindicar autoridade sobre um estudante ou sobre sua consciência.
Não lhe pergunte em quê ele acredita. Todos os que são sinceros e de mente
pura devem ser admitidos. A crista
da onda do progresso intelectual deve ser influenciada e guiada para a
Espiritualidade. Não se pode forçá-la a adotar crenças e adoração emocional. A
essência dos pensamentos mais elevados dos membros em seu conjunto deve guiar
toda a ação na S.T. e na E.E. Nunca tentamos submeter a nós próprios a
vontade de outros. Em períodos favoráveis, liberamos influências elevadoras que
impressionam várias pessoas de diferentes maneiras. É o aspecto coletivo de
muitos destes pensamentos que pode dar o rumo correto à ação. Não temos
favoritismos. A melhor maneira de corrigir o erro é um exame honesto e com a
mente aberta de todos os fatos, subjetivos e objetivos.”
Vemos
aqui a denúncia da crença cega e da adoração emocional, que destroem a
autonomia do aprendiz, anulam sua capacidade de pensar por si mesmo e impedem a
autorresponsabilidade.
As frases
acima contêm um conselho essencial para as décadas e os séculos posteriores a
1900. Elas anunciam que a etapa de contato verbal e visual com os Mestres
estava terminada a partir daquele momento, mas que um contato interno ainda
seria possível em um plano sutil e não-verbal. Na primeira metade do século 21,
estas mesmas frases mostram ao estudante um caminho do meio entre dois extremos
que são igualmente ilusórios. Um extremo é a ideia de que os Mestres estão
completamente fora de alcance. O outro, a ideia de que eles podem ser
contactados de modo verbal ou visual.
8) “O segredo
enganoso tem dado o golpe mortal em numerosas organizações. O falatório
acerca dos ‘Mestres’ deve ser silenciosa mas firmemente eliminado. Que a
devoção e o serviço sejam somente por aquele Supremo Espírito do qual cada um é
uma parte. Nós trabalhamos anônima e silenciosamente, e a contínua referência a
nós mesmos e a repetição dos nossos nomes gera uma aura confusa que atrapalha o
nosso trabalho.”
E nisso
também Annie Besant fez exatamente o oposto. Orientada por Leadbeater, ela usou
o segredo enganoso como mecanismo de poder e fez uso dos nomes dos Mestres para
concentrar o poder em suas mãos. Como uma última advertência, a carta indica o
rumo correto:
9) “Você terá que
deixar de lado boa parte das suas emoções e da sua credulidade, antes de tornar-se uma líder segura em meio
às influências que irão começar a operar no novo ciclo. A S.T. foi
concebida para ser a pedra angular das futuras religiões da humanidade. Para
realizar este objetivo, aqueles que a lideram devem deixar de lado suas frágeis
predileções pelas formas e cerimônias de qualquer credo particular, e
demonstrar que são verdadeiros teosofistas, tanto no pensamento interno quanto
no comportamento externo.”
Ignorando
a mensagem do Mestre, Besant submeteu os teosofistas a variados rituais e
cerimônias, inclusive ao Rito Egípcio, a uma pseudomaçonaria leadbeateriana e
às missas enfadonhas de uma “igreja católica teosófica”. [3]
É
significativa no trecho acima a referência ao “novo ciclo”.
H. P.
Blavatsky escreveu que o ano do início da era de Aquário seria 1900.[4] Assim, a Carta de 1900 encerra a
fase preparatória do “Novo Ciclo”, definindo como será o contato com aprendizes
dali em diante. Constitui uma última indicação verbal do rumo correto, a ser
recuperado no momento certo do futuro. Em 1987, foi resgatado o texto integral
da Carta. Cabe no século 21 aprofundar a sua compreensão e agir à altura dos princípios
pedagógicos que ela reforça e estabelece.
10) “A maior das suas provações ainda está por vir. Nós estamos zelando por
você, mas você deve usar toda sua força.” (Segue-se a assinatura do Mestre.)
Podemos
ver aqui a grande bondade com que os Mestres olham aquele que perde o foco da
sabedoria.
O modo preciso como se dá o desligamento é do interesse deles, especialmente quando o fracasso
ético de um aprendiz influenciará a vida de muitos outros aspirantes à
sabedoria divina. O desligamento pode ter efeitos mais ou menos nocivos para o
trabalho dos Adeptos, e eles procuram evitar o pior.
A Carta
de 1900 constituiu um instrumento prático para evitar que o nome de H.P.
Blavatsky fosse diretamente envolvido nas fraudes e falsificações que se seguiriam. Nisso, a advertência do Mestre teve um êxito
pleno e imediato. O item não deve ser subestimado, e pode ter tido importância
central, porque era necessário zelar pelo sossego da alma de H.P.B., em seu
processo de pós-morte.
NOTAS:
[1] A Carta de 1900, tal como
publicada por C. Jinarajadasa, pode ser lida em “Cartas dos Mestres de
Sabedoria”, Ed. Teosófica, Brasília, 1996, 296 pp., ver pp. 106-107. O texto
completo foi publicado pela primeira vez em “The Eclectic Theosophist” em
setembro de 1987 pelo teosofista Emmet Small, um colega de trabalho de Boris de
Zirkoff. Boris certamente considerava a carta autêntica. No Brasil, a Carta de
1900 foi publicada na íntegra pela primeira vez na então revista impressa da ST
de Adyar, “O Teosofista”, número de abril a junho de 1989, pp. 20-21. Ela está
disponível em nossos websites também sob o título de “A Carta de 1900, na
Íntegra”, tendo como autor “Um Mestre de Sabedoria”.
[2] Veja-se a propósito o volume
“Autobiography of Alfred Percy Sinnett”, Theosophical History Centre, London,
1986, 58 pp., mais 7 páginas ao final. Ler especialmente a p. 48.
[3] Examine em nossos websites o
texto “A Fraude da Escola Esotérica”. Leia também o artigo “Krishnamurti e as
Ilusões Besantianas”.
[4] “Collected Writings of H. P.
Blavatsky”, TPH, volume VIII, p. 174, nota de rodapé. A afirmativa é parte do texto intitulado “The
Esoteric Character of the Gospels”. Veja também “Secret Doctrine Questions and
Answers”, livro de Geoffrey Barborka, Wizards Bookshelf, Califórnia, EUA, p.
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Uma primeira versão do artigo
acima foi publicada sem indicação do nome do autor na edição de novembro de
2007 do boletim “O Teosofista”. Título
original: “Advertência Sobre o Papado
Esotérico: Annie Besant Fez Todos os Erros Contra os Quais Foi Advertida pela
Carta de 1900”.
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