O Ser Humano é o
Universo Consciente
Teixeira de
Pascoaes
A poesia de Pascoaes tem
muito em comum com a teosofia clássica
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Nota Editorial de 2016:
Teixeira de
Pascoaes (1877 - 1952) é um poeta e
escritor
português, principal representante do Saudosismo. O
culto da Saudade
que ele defendeu se refere a um sentimento
de “saudades do
infinito”. O ser humano é parte do todo
universal, embora
possa sentir-se momentaneamente separado
dele. O saudosismo
é assim uma “ânsia nostálgica” da unidade
do material com o
espiritual, e da parte com o todo. É fácil
reconhecer a
afinidade dos versos a seguir com os temas clássicos
da teosofia
original, inclusive nas obras de Helena Blavatsky.
O poema “O Homem” é
reproduzido de “Obras Completas de
Teixeira de
Pascoaes - Poesia”, Livraria Bertrand, Portugal,
volume II, 235
pp., pp. 133-137. A ortografia foi atualizada.
(Carlos Cardoso
Aveline)
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I
O homem é o Universo consciente.
Pelos seus lábios fala a pedra, o nevoeiro…
Por isso o que ele mais ocultamente sente,
O que nele é mais vago, é o que é mais verdadeiro…
O ser humano, como tudo, principia
Em noturna matéria que termina
Num éter, numa luz, numa harmonia,
Numa nuvem astral, numa emoção divina…
Num sentimento infindo e misterioso,
Num sensível clarão,
Num fluido transcendente etéreo e luminoso,
Como a matéria ideal que forma uma visão.
Sua carne termina em alma; e o seu olhar
Em luz de esperança e dor,
Como em nuvem, o mar
E uma semente, em flor…
Sou a visão, o sonho, o inatingível…
E o mundo de amanhã, não revelado ainda,
É o mundo do Invisível,
Impalpável Criação, escura luz infinda!
As formas não são mais que sombras projetadas
Sobre os nossos sentidos…
São fragmentos de sol e restos de alvoradas
Em florestas, em água e pedras convertidos.
A forma é a aparência…
Transitório clarão que ilude olhos banais
Que não conseguem ver a sempiterna essência,
O espírito que anima os astros imortais!
Somente a alma existe.
E sonha a mesma alma em cada criatura…
Olhai como tão bem se casa o luar triste
Com a noite emotiva e cheia de ternura!
No fundo do meu ser, no meu distanciamento,
Vagueiam, a sonhar, almas desconhecidas…
Vozes confusas como a voz do vento…
Pelos seus lábios fala a pedra, o nevoeiro…
Por isso o que ele mais ocultamente sente,
O que nele é mais vago, é o que é mais verdadeiro…
O ser humano, como tudo, principia
Em noturna matéria que termina
Num éter, numa luz, numa harmonia,
Numa nuvem astral, numa emoção divina…
Num sentimento infindo e misterioso,
Num sensível clarão,
Num fluido transcendente etéreo e luminoso,
Como a matéria ideal que forma uma visão.
Sua carne termina em alma; e o seu olhar
Em luz de esperança e dor,
Como em nuvem, o mar
E uma semente, em flor…
Sou a visão, o sonho, o inatingível…
E o mundo de amanhã, não revelado ainda,
É o mundo do Invisível,
Impalpável Criação, escura luz infinda!
As formas não são mais que sombras projetadas
Sobre os nossos sentidos…
São fragmentos de sol e restos de alvoradas
Em florestas, em água e pedras convertidos.
A forma é a aparência…
Transitório clarão que ilude olhos banais
Que não conseguem ver a sempiterna essência,
O espírito que anima os astros imortais!
Somente a alma existe.
E sonha a mesma alma em cada criatura…
Olhai como tão bem se casa o luar triste
Com a noite emotiva e cheia de ternura!
No fundo do meu ser, no meu distanciamento,
Vagueiam, a sonhar, almas desconhecidas…
Vozes confusas como a voz do vento…
Sinto na minha vida várias vidas!
Sinto bem minha alma dividir-se
Em muitas almas íntimas, secretas,
Como quem vê, no espaço, repartir-se
Uma névoa em milhões de estrelas e planetas!...
Ó almas que formais uma alma só,
Se vos desagregardes, de repente,
Deixais cair um corpo em frio pó,
Mas vós continuais sonhando eternamente!
Existe para vós a Eternidade,
Embora seja eu
A vã fragilidade…
Se uma estrela é imortal, é transitório o céu!...
Voltais a reunir-vos com amor,
E outra alma mais perfeita ides formar…
E assim de morte em morte e assim de dor em dor
A perfeição suprema a Vida há de alcançar!...
Sinto bem minha alma dividir-se
Em muitas almas íntimas, secretas,
Como quem vê, no espaço, repartir-se
Uma névoa em milhões de estrelas e planetas!...
Ó almas que formais uma alma só,
Se vos desagregardes, de repente,
Deixais cair um corpo em frio pó,
Mas vós continuais sonhando eternamente!
Existe para vós a Eternidade,
Embora seja eu
A vã fragilidade…
Se uma estrela é imortal, é transitório o céu!...
Voltais a reunir-vos com amor,
E outra alma mais perfeita ides formar…
E assim de morte em morte e assim de dor em dor
A perfeição suprema a Vida há de alcançar!...
No meu peito que um santo amor deslumbra,
Descubro um mundo cheio de segredos!
Vejo através de minha carne - essa
penumbra,
Palpitações de luz e sombras de
arvoredos!...
Da noite primitiva
É feita a sombra que nas coisas eu
projeto…
Sinto que veste minha carne viva
Da velha Humanidade o trágico
esqueleto!...
Impressiona, às vezes, meus ouvidos
Confusa voz remota
Que atravessa, vibrando, os séculos perdidos
Dentro em mim acendendo uma impressão
ignota!...
E através de minha alma, onde latejam
Originárias almas precursoras,
Claridades de espíritos alvejam,
Novas almas acordam, como auroras!...
Sei que todo o meu ser secretamente
Comunica com mundos radiosos;
E que todo ele vibra e canta heroicamente,
Sob influências astrais e beijos
misteriosos!...
Cada ser, cada coisa é uma Lira bendita.
Suas cordas faz vibrar o vento do
Mistério…
A vida é uma harmonia, absoluta, infinita,
São o homem e a pedra o mesmo canto
etéreo!
Homem, ouve esse canto…
Ouve tua própria voz e a do Universo
inteiro…
E aprenderás então a ser piedoso e santo
E justo e verdadeiro!...
Pelos meus olhos uma estrela consciente
Vê seu próprio fulgor…
E no meu coração a Essência transcendente
Viu que era a luz do Amor!...
Nos meus claros ouvidos,
A si mesma se ouviu a voz universal…
E, através do clarão sem fim dos meus
sentidos,
Contemplou-se a si próprio o mundo
material.
Do Universo sem fim que à Perfeição aspira
Eu sou a negra cruz…
Ó Sírius, Orion, Vênus, Trapézio e Lira,
Eu sou a vossa luz!...
Sou tua miséria, Deus. [1]
Sou o que há de anjo em vós, ó tigres e
leões!
E é um resumo dos céus
Minha pupila a arder no incêndio das
visões!...
Ó ferro em brasa, sob os golpes do
martelo,
Eu sou o teu martírio!
Sou a vossa dureza, ó pedras de um
castelo,
E o teu perfume, ó lírio!...
II
Homem, tu és a luz da Esperança e da Dor…
És a lira de Deus que o sonho faz vibrar!
Os teus olhos trespassa um clarão interior
Que dimana de um foco imenso de luar!
Vê-se através da carne o espírito imortal.
Um fulgor de alma sai dos rochedos
obscuros…
Numa nuvem germina a seara do Ideal,
Bate as asas para Deus o lodo dos
monturos!...
Homem, tu és o sonho enorme da Matéria,
A falar pela boca augusta de Jesus! [2]
És estátua de pó onde uma luz etérea
Se transformou, morrendo, em sempiterna
luz…
A matéria que forma o teu corpo grosseiro
Já foi incandescente; o espaço iluminou.
Noutros mundos floriu talvez um ermo
outeiro…
Quantas lágrimas já tua carne evaporou!...
Foste doce luar boiando sobre um lago…
Os vales sem ninguém cobriste de saudade,
E, entrando pelo olhar de um ser confuso e
vago,
Numa alma acendeste o luar da Piedade!...
Já foste uma fogueira, a errar, no
Firmamento.
Teu calor aquecia os nus e os pobrezinhos…
E o que hoje em ti é alma, amor e
pensamento
Já compôs para um bosque a música dos
ninhos…
Tu que já foste bom, quando tua boa alma
Era parte ideal do Espírito infinito,
No tempo em que viveste a vida etérea e
calma
Do luar que enternece as rochas de
granito,
Agora deves ser a Bondade consciente,
A Justiça e o Amor, com olhos e razão,
Para que o mundo alcance a Paz eternamente
E seja um Paraíso eterno a Criação!...
NOTAS:
[1] Em teosofia, a palavra “deus” pode
significar a Lei Universal do Equilíbrio e da Justiça, e também a alma imortal
de cada indivíduo. A filosofia esotérica ensina que os deuses monoteístas são
uma ilusão medieval fabricada por sacerdotes desinformados. (CCA)
[2] Jesus, um Iniciado, um dos seres
Iluminados que guiam a evolução da nossa humanidade. (CCA)
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