Memórias da
Reencarnação de uma Planta
Afonso Lopes
Vieira
No gesto de amor
que a terra semeia,
na loura mancheia
do semeador,
- rolei para o fundo.
No escuro profundo
da sombra pesada
que lá me envolvia,
fiquei desmaiada;
julguei que morria.
A treva pesava,
húmida, dormente:
e eu, vagamente,
sofria, abafava.
Já quando, a cuidar
que ia assim ficar,
pensava em morrer,
senti-me acordar,
- reviver…
Do meu ser,
outro ser saía:
e da minha vida
perdida na sombra,
mais vida nascia…
Meu corpo engrossava
e, lá dentro, inchava
a minha alma toda…
Já também à roda
de mim, acordavam,
como eu murmuravam
outras que, como eu,
morriam num sono
de frio abandono…
Tudo, em volta tinha
lento respirar:
E havia um calor,
um vago esplendor,
um bafo que vinha
de cima, do ar!
que a terra furando
nos ia chamando,
com luz norteando
nosso germinar!...
000
Da obra “Ar Livre”, de Afonso Lopes Vieira, Livraria Editora Viuva Tavares
Cardoso, Lisboa, Portugal, 1906, 211 pp., pp. 111-113. O poeta viveu de 1878 a 1946
e esteve ligado ao movimento cultural Renascença
Portuguesa, na cidade do Porto, no início do século 20.
000
Sobre o lado místico do simbolismo
da semente, veja em nossos websites o artigo “O Novo Paradigma”, de Jerome Wheeler.
000