Examinando a
Realidade da Transição Humana
Maurício Andrés Ribeiro
A atividade humana está, inequivocamente, causando
mudanças climáticas e transformações ambientais no planeta, segundo constatou o
IPCC - Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas - em seu 4º Relatório,
de 2007.
O ser humano provoca tantas alterações no ambiente que
este período em que vivemos passou a ser designado como o antropoceno:
um período que considera a influência humana no funcionamento do planeta como
uma nova era na escala do tempo geológico.
No oráculo de Delfos, na Grécia antiga, estava inscrito:
“Oh, ser humano, conhece-te a ti mesmo e conhecerás o
universo e os Deuses!”
O autoconhecimento, valorizado em Delfos, volta a ser
crucial diante da crise ecológica, pois as ações que causam forte impacto
ambiental e social derivam de pensamentos e sentimentos, de necessidades e
carências físicas ou emocionais, desejos e crenças, de qualidades mentais e
espirituais. Esse autoconhecimento pode-se dar tanto na escala de um indivíduo,
como de um grupo social ou população, e até na escala da espécie e do gênero
Homo. As ciências humanas e sociais abordam a questão a partir dos indivíduos e
grupos sociais. Uma abordagem ecológica inclui os aspectos biológicos e das ciências
da natureza. A inscrição de Delfos sobre o autoconhecimento pode assim ser
adaptada para a época atual: “Espécie humana, conhece-te a ti mesma e
conhecerás o ambiente e o universo em que vives”.
Como espécie, quem somos nós, quais as nossas
características principais? Que imagens e percepções temos dessa espécie? Os
seres humanos, com sua consciência, capacidade de percepção e de comunicação,
descreveram de várias maneiras o gênero Homo ao qual pertencem. Compilamos
cerca de 40 delas, na expressão em latim: academicus, belicosus, beligerans, bellicus, complexus, consulens,
consumptor, corruptus, cosmicus, deletabilis, demens, erectus, ergaster, faber,
habilis, honestus, idioticus, lixus, ludens, moralis, noologicus, œcologicus, œconomicus,
pecuniosus, perfectus, planetaris, proteus, ricus, sapiens, sapiens globalis,
sapiens localis, sapiens sapiens, scientificus,
simbioticus, sportivus, stressatus, superpredator, sustentabilis,
tecnocraticus, universalis.
Fomos
designados como Homo demens: “O homem
é esse animal louco cuja loucura inventou a razão”, disse Cornelius
Castoriadis; como o Homo moralis e o Homo
honestus, um primata que coopera e que se comporta com valores éticos; o Homo sportivus e o Homo ludens, pelas características
lúdicas, que compartilha com outros animais que jogam, gostam de brincar e
fazer humor (Johan Huizinga); o Homo
corruptus, uma espécie parasita e predatória.
Temos
capacidade de autorreflexão e de saber-nos ignorantes: o Homo idioticus que se deixa enganar e ao mesmo tempo é capaz de
fazer humor e de se enxergar criticamente. É conhecida a história de dois planetas que se encontram. Coçando-se, um diz: “Estou
incomodado com essa coceira.” Pergunta o outro: “O que pode ser isso?” O
primeiro responde: “Acho que é Homo
sapiens”. O segundo finaliza a conversa: “Não se preocupe, isso passa
logo.”
O Homo bellicus
se denomina assim por seu caráter guerreiro. Ao desenvolver a tecnologia somos
os Homo tecnocraticus. O Homo economicus
e o Homo consumptor representam uma espécie composta de indivíduos egoístas
em busca de gratificação pessoal e acumulação material. Já o Homo scientificus valoriza a observação
objetiva, a classificação e a mensuração. Edgar Morin fala do Homo complexus, que lida com a
complexidade. Hoje podemos nos ver também como o Homo lixus, a única espécie animal que produz lixo: dois milhões de
toneladas por dia. E ainda como o Homo
stressatus moderno, com as consequências que o estresse acarreta para a
saúde, ansioso, com medo e preocupado com o futuro e com ameaças reais ou
imaginárias. Diegues imagina o Homo
ricus, uma parcela da humanidade que derivará da plutocracia e que se
descolará do restante da espécie, beneficiária de onerosos avanços da medicina,
que nem todos podem pagar. O Homo Consulens
trata com cuidado de sua casa e das demais espécies.
Ao ocuparmos todo o planeta, nos vemos como Homo planetaris; ao viajarmos no espaço,
somos os Homo cosmicus e o Homo
universalis. Transumanistas, que trabalham com a perspectiva de um ser
evolutivo, acenam com o surgimento do Homo
perfectus que atua por meio do uso ético das tecnologias para estender as
capacidades humanas. Ou o Homo
noologicus, que sabe das consequências de seus atos.
Em diferentes momentos, distintas qualidades da espécie
foram percebidas e expressas por tais definições ou designações, e cada uma
delas corresponde a uma parcela da realidade acerca desse ser que apresenta
grandezas e misérias. Cada uma dessas categorias reconhece uma faceta e uma
característica e se baseia em atributos variados. Todas expressam uma parte da
realidade, mas nenhuma esgota a descrição desse ser complexo e
multidimensional. Assim, podemos observar que algumas definições enfatizam
nossos defeitos e deficiências, outras realçam nossas boas qualidades e
virtudes; outras, ainda, enxergam aspectos físicos, sociais, espirituais.
Algumas expressam uma visão crítica e autocrítica. Outras têm uma conotação
humorística; outras, ainda, expressam uma percepção das potencialidades, de uma
visão ideal ou de um desejo de quem as formula; ainda há aquelas que procuram
expressar o que seus proponentes visualizam como a verdade ou a realidade sobre
as facetas da espécie. Muitas focam mais nas qualidades da consciência do que
em diferenças biológicas ou genéticas.
A variedade de definições filosóficas parte de distintas
concepções e modelos mentais. Algumas
definições enfatizam o pensamento (Descartes: “Penso, logo existo”); outras nos
definiram como animal racional, enfatizando a razão. Aristóteles nos definiu
como animais políticos. Outros, como Hobbes, realçaram nossa característica
predatória: “O homem é o lobo do homem”.
A tradição hindu enfatiza nosso caráter divino, como um
corpo de luz, com desidentificação e abstração do corpo. Outras explicitam
nosso caráter falível: “Errar é humano”. Nossas várias designações como espécie podem espelhar como nos vemos em
nossas características e papéis sociais e individuais. Freud observou que “Quando
Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”. Assim, quando
alguém diz que o ser humano não tem jeito, que é como uma praga e que a
natureza humana é vil, aquela pessoa pode estar projetando uma característica
que enxerga em si para toda a espécie. Passamos a saber mais sobre quem
expressa essa percepção do que sobre a própria espécie humana.
No contexto da evolução, são também variados os papéis
que essa espécie tem exercido e pela qual tem sido designada: gestora da
evolução, senhora do clima (Tim Flannery); engenheira de manutenção do planeta
(James Lovelock), degradadora, exterminadora e predadora de outras espécies;
construtora e facilitadora da evolução.
A consciência humana é uma força poderosa. Caso seja
colocada a serviço de práticas construtivas e orientada para desenvolver
relações ecológicas harmônicas de simbiose e cooperação baseadas em valores
éticos, pode ajudar a regenerar e restaurar o oásis Terra em que vivemos. Caso
seja colocada a serviço de valores destrutivos e desenvolva relações
desarmônicas de predatismo, parasitismo e canibalismo de uns contra os outros,
pode acelerar colapsos e destruição ecológica, social, econômica, política.
Cabe à consciência de cada um de nós e à consciência
coletiva discernir entre o que deve, pode e precisa ser feito, para a partir
disso orientar nossas ações. O rumo que tomará o desenvolvimento e a evolução
da matéria e da vida no planeta será influenciado por esse discernimento. A
ecologia do ser é um caminho para desenvolver o autoconhecimento e para dar
respostas à atual crise da evolução.
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Maurício Andrés Ribeiro é autor das obras “Ecologizar” e
de “Tesouros da Índia”. Visite o website www.ecologizar.com.br.
Contato: ecologizar@gmail.com.
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O texto acima foi publicado pela primeira vez na edição de
fevereiro de 2012 de “O Teosofista”.
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Em setembro de 2016, depois de
cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de
estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como
uma das suas prioridades a construção
de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
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