27 de janeiro de 2018

Modernização Política do Brasil

O Parlamentarismo Como
Instrumento Para Evitar Crises

Michel Temer




Nota Editorial de 2018:

Quando dominadas pelo egoísmo individual ou coletivo, as lutas de poder de curto prazo são uma forma de cegueira. No conflito estreito entre campanhas de propaganda míope, perde-se de vista a realidade do país. Nada se enxerga do futuro, durante a guerra das ambições inferiores: parece não haver qualquer meta nobre a alcançar. Felizmente, o que é baseado em ilusão dura algum tempo e depois se desmancha no ar.

Um país é o resultado prático da cooperação e da boa vontade entre os seus habitantes. Só se pode compreender uma comunidade - seja a associação teosófica, a cidade ou a nação - olhando para ela desde o ponto de vista da lei natural da ajuda mútua. Repetir slogans é inútil. É necessário ter uma intenção elevada, e também usar pessoalmente o raciocínio, para interpretar os fatos com lucidez.

Escrito em 2002, o artigo a seguir rompe com o imediatismo superficial e estimula a percepção do tempo histórico. Tudo ocorre na hora certa: a agenda fundamental de um país pode ter de aguardar décadas pelo amadurecimento da sua vida política. Em algum momento, as lideranças deixam de lado o egoísmo que nada enxerga e abandonam as tentativas de manipulação mental do povo. Neste processo, começam a pensar de fato no aperfeiçoamento prático da democracia.

(Carlos Cardoso Aveline)

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Modernização Política do Brasil

Michel Temer

O Brasil se arrasta, há muito tempo, em meio aos fiapos da sua crise política. Os altos e baixos do cenário político, caracterizados por períodos de estabilidade sucedendo-se a outros de instabilidade, evidenciam as bases da cultura patrimonialista de nossas tradições políticas, sustentando uma moldura institucional corroída, diante da qual se erguem as necessidades de aperfeiçoamento dos padrões políticos brasileiros.

Uma moldura política restaurada enquadraria, assim, valores ajustados aos crescentes avanços das sociedades democráticas, tais como a fidelidade partidária, o voto facultativo, a ética, a transparência, inclusive no financiamento de campanhas, e a participação do cidadão no processo de decisões. Temáticas complexas, sem dúvida, que merecem e aguardam debate aprofundado.

Nenhuma democracia ocidental atribui tanta autonomia aos políticos como em nosso País. O que se constata, a partir disso, é a ênfase ao individualismo. No Brasil, vota-se, com exceção de um ou outro partido, na pessoa, e não na entidade ou em sua doutrina. A mudança frequente de partidos, nesse sentido, solapa a noção de representação, base da democracia liberal, e contribui, sobremaneira, para a fragilidade partidária.

Defendo uma fidelidade partidária em que o indivíduo cumpra o mandato em seu partido por pelo menos até o momento das convenções partidárias, o que significa permanecer por três anos e seis meses na legenda [partidária]. Por ocasião da convenção, a lei permitiria que o candidato ou o filiado mudasse de entidade se assim julgasse coerente com seus propósitos políticos.

O voto facultativo é elemento que se coaduna, certamente, com os princípios democráticos, sendo perfeitamente justificável em democracias consolidadas. No Brasil, contudo, temo que sua implantação imediata sirva a interesses de grupos econômicos e candidatos abastados, com maior poder de mobilizar eleitores e angariar votos. Ainda é cedo para adotarmos o voto facultativo, mas trata-se de um pilar que merece ampla consideração a partir de uma conscientização do eleitor como cidadão e detentor do poder de escolha.

Há de se considerar também a necessidade da Reforma Partidária. Temos mais de 30 siglas partidárias no Brasil. O país não comporta, no entanto, mais que quatro ou cinco tendências de opinião pública. Para evitar a proliferação de legendas [partidárias], caberia impor rigorosamente cláusulas de barreira.

Atentos para esses pontos fundamentais, razoável seria também avaliar a possibilidade da experiência parlamentarista como forma de cessar o litígio permanente entre Executivo e Legislativo que caracteriza nossa vida política.

Apesar das restrições a seu uso, a Medida Provisória ainda se constitui em instrumento de domínio do Executivo. Não podemos, entre nós, deixar que o Executivo seja, ao mesmo tempo, legislador e executor de normas. A não ser que adotemos o Parlamentarismo, onde o Parlamento é responsável pela execução das normas que aprova.

A coalizão de forças dos partidos que governam seria bem mais sólida no parlamentarismo em relação ao presidencialismo, e a estabilidade, favorecida, possibilitando que crises governamentais ou divergências entre os Poderes sejam equacionados realizando-se a mudança de governo, num processo menos afeito a golpes militares ou traumas institucionais. Se o Legislativo agir irresponsavelmente, pode ser dissolvido e recomposto em nova eleição.

Nosso País clama por mudanças substantivas no campo político, que significam alterar modelos e processos já não mais satisfatórios para a sociedade por eles dirigida. Nossa crença é a de que a discussão desse conjunto de reformas abrirá portas para o Brasil adentrar, merecida e proficuamente, as trilhas da modernização institucional e política.

(Publicado pela primeira vez em 10 de outubro de 2002)

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O artigo acima é aqui reproduzido da obra “Democracia e Cidadania”, de Michel Temer, Malheiros Editores, SP, 2006, 288 páginas, ver pp. 57-58.

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