A Identidade das Populações
Britânicas com a Casa de Israel
Visconde de Figanière
Atrás da Esfinge
vemos a pirâmide de Quéops,
a Grande Pirâmide do
Egito, no planalto de Gizé
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Nota Editorial de
2020
O autor do texto a seguir é o principal pioneiro
da teosofia moderna em língua portuguesa, e
também um de seus pioneiros no idioma inglês.
De família judaica, o Visconde de Figanière
(1827-1908) foi amigo pessoal e aluno de Helena
Blavatsky. Diplomata português, nasceu nos Estados
Unidos. Morou no Brasil, na Rússia, na Inglaterra, na
Espanha e na França. Escreveu entre outros livros a
obra “Submundo, Mundo, Supramundo”, de
1889.
Reproduzimos “O
Restabelecimento do Reino
de Israel” do diário “Jornal do Commercio”,
de Lisboa, edição da quarta-feira, dia 16 de junho
de 1880, página 01. A ortografia foi atualizada.
Quando necessário para a compreensão do texto,
substituímos algumas palavras hoje em desuso por
seu equivalente no vocabulário empregado atualmente.
Alguns dos parágrafos mais longos foram divididos
em parágrafos menores. Acrescentamos notas numeradas.
O leitor constata facilmente que caso este artigo
seja somado às obras referidas pelo Visconde,
pode funcionar como um curso sobre aspectos
importantes da história da humanidade, e um curso,
aliás, que não
é dos menores. Apesar disso, o artigo
foi apresentado
com toda humildade pelo seu autor.
(Carlos Cardoso Aveline)
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Sr.
Redator.
Com
referência a um dos negócios de que se diz ser incumbido Mr. Goschen [1], novo embaixador inglês em
Constantinopla - o restabelecimento do reino de Israel nos territórios a leste
do rio Jordão - não é geralmente sabido entre nós (ao menos não tenho visto
alusão ao fato na imprensa portuguesa) que existe em Inglaterra, há bastantes
anos, uma associação ou seita, hoje numerosa, com ramificações nos Estados
Unidos e no Canadá, a qual é diversamente conhecida pelos nomes de “The
Identity”, “Modern Israel” ou “Identity of Israel”, cuja doutrina, fundada em
profecias bíblicas, se pode sumariar assim:
Identidade
das raças britânicas e da casa de Israel, ou das “dez tribos perdidas” isto é,
do que ficou das onze tribos depois da passagem da tribo de Benjamin para a de
Judá. Os judeus de hoje são a descendência da casa de Judá e dos Levitas. No
seu regresso definitivo para a Palestina, os judeus serão não somente
acompanhados da casa de Israel, senão que esta (ou por outra, a nação
britânica) é destinada a ser o meio da recondução daqueles, e do
restabelecimento do reino.
O
fim da era atual, o começo do intervalo de grandes sofrimentos universais que irá
preceder o completo restabelecimento do “reino de Israel”, deve verificar-se em
tempo muito próximo a nós; a data não é precisamente determinada, mas a de 1881
ou 1882 é a mais aceita. [2]
É
tendência já muito antiga entre as nações aplicar cada qual a si os textos
bíblicos, e aos acontecimentos contemporâneos dos intérpretes, e não valeria
talvez a pena demorar-se muito tempo em considerar a doutrina dos
“Identificados” (que julgam acomodado à Grã Bretanha o célebre texto do
capítulo 18 de Isaías, que o nosso padre António Vieira, na História do Futuro, aplicou à colônia
portuguesa do Brasil, onde julgava achar o povo terrível, a gente pisada, e, au besoin, a gente sem pelo, mais
particularmente no Maranhão), se não fosse o fato de que a seita propagandista
de que se trata parece ter feito bastante progresso, formando uma associação
muito numerosa, com uma literatura sua especial assaz desenvolvida e avolumada.
Não
me proponho entrar no âmago da questão, para o que aliás não sou competente;
nem sequer apontar em resumo os argumentos arqueológicos, históricos, e
científicos com que os “Identificados” se esforçam em mostrar que as raças
britânicas são os verdadeiros representantes das tribos compondo o reino de
Israel, as quais foram deportadas por Salmanasar [3] para o sertão da Ásia (A.C. 718), e se conservaram sempre
distintos do outro ramo dos hebreus formando o reino de Judá, cujo cativeiro se
realizou em 587 antes da era de Cristo, sendo este, o ramo de Judá, o único
representado no regresso a Jerusalém setenta anos depois.
Sem
me ocupar pois desta parte do assunto, apontarei apenas algumas, entre muitas,
condições da Grã-Bretanha a que eles aplicam os textos, os quais, a seu modo de
ver, corroboram aqueles argumentos. Ver-se-á também que não poucos destes
textos são os mesmos que o padre Vieira empregou ao seu propósito;
limitar-me-ei a citá-los, porque reproduzi-los na íntegra seria dar a esta
comunicação proporções indevidas.
Eis
pois aqui algumas das condições que, conforme os textos, devem acompanhar os “representantes
modernos de Israel” às quais se aplicam à Grã-Bretanha, a saber: existirem como
nação (Jer. XXXI 36); como nação insular (Ibid. 10); acharem-se a N.O. da
Palestina (Ibid. III, 12, XXII 8; Isa. XXIV 15, LIX 19); apertados nas suas
ilhas (Isa. XLIX 19); terem experimentado este inconveniente mais do que uma
vez (Ibid. 20); serem governados por monarca (Ibid. 23); sair deles outra nação
independente (Ibid. 20; Gen. XLVIII 19); possuírem inúmeras colônias (Isa. XLIX
8, LIV 3); terem a supremacia no mar (Gen. XXII 17, XXXV 11); triunfarem com
pequenos exércitos (Lev. XXVI 8); serem poderosos por toda a terra (Isa. XLI
8-12; Mich., V 8); cingirem a terra por suas possessões (Deut. XXXII 8, 9; Jer.
XXXI 7); serem a nação mais opulenta (Deut. VIII 18); emprestarem a outras
nações, sem nunca tomar-lhes emprestado (Deut. XV 6); serem como Hebreu nisto,
que (todo o inglês) possa viver seguro “debaixo da sua videira e debaixo da sua
figueira” (Reis IV 25, Zach. III 10) - e assim por diante. E quanto a questões
do dia temos: abolirem o tráfico de escravos (Isa. LVIII 6); serem potência do
Oriente, assim como do Ocidente (Ibid. XLI 2-25, XLV 6, LIX 19; Hos. XI 10);
ser ouvida a sua voz na questão do Oriente (Sl. LX 9-12, LXVIII 35; Isa. XLIX
9, 23-26) - e assim outros exemplos do mesmo gênero. Cumpre notar, quanto ao
último, que em linguagem dos Identificados, o Edom do salmo LX significa a Rússia.
Pretendem
também provar que por Inglaterra está cumprido, ou quase cumprido, aquele texto
do Gênesis, cap. XXII ver. 17: “… e tua semente possuirá em herança as portas
de seus inimigos”. As portas, já
adquiridas, são: Perim, Gibraltar, Malta, Canal de Suez, Aden, Socotorá,
Bombaim, Madras, Calcutá, Peshawar, Rangun, Singapura, Hong-Kong, Cabo da Boa
Esperança, Natal, Castelo da Costa, Serra Leoa, Mombaça - ao que sem dúvida
terão acrescentado Chipre; pois que, tendo, nestes dois últimos anos, perdido o
assunto de vista, ignoro em que altura estará hoje a exegese dos
“Identificados”.
Quanto
à data em que se irá consumar a grande obra, além de outros subsídios,
socorrem-se também, e principalmente, das revelações da grande Pirâmide do
Egito, cuja construção é, quanto a eles, simbólica. O padrão do sistema métrico
piramidal é, no interior, a polegada; padrão que também se manifesta
exteriormente no cubito sagrado de 25 polegadas. A polegada piramidal foi deduzida das medidas determinadas na Câmara
Real, contendo unicamente um cofre em granito sem tampa, entre cujas dimensões
e as da própria câmara, existem relações científicas muito notáveis, e de alta
significação.
Adotando
aquele padrão como base, estabeleceram, por diversos cálculos, a simbologia de
diferentes partes do monumento. Assim, por exemplo, a muralha do norte da
grande galeria simboliza a data do nascimento do nosso senhor; e a dita
galeria, que dali vai subindo, para o lado do meio-dia, simboliza a era atual,
até à muralha do sul. O plano inclinado da galeria acaba na 1:813ᵃ polegada
piramidal, sendo horizontal no resto da distância, até à muralha “iminente” (impending), ou do “extremo”; e o
comprimento total é de 1:881, polegadas, segundo uns, ou de 1:881 4/10, segundo
outros. Produzem outros cálculos que se ligam ao assunto, assim como a medição
do ponto que simboliza o êxodo, os quais tendem a confirmar-se mutuamente num
todo harmônico.
Um dos
problemas a cujas soluções aplicam o padrão de medida da câmara real, ou a
polegada piramidal, é determinar o número de dias do ano solar, obtendo-se por
solução 365 242/1000 dias; e a distância do Sol da Terra, que segundo o
mesmo sistema métrico seria de 91.810.000 milhas inglesas. [4]
Não
será fora de propósito dizer, em conclusão, que cientistas da seita dos
Identificados têm achado uma relação íntima entre o sistema inglês de medidas,
tanto de sólidos como de líquidos, e o sistema métrico piramidal. Eis aqui um
dos resultados do estudo que tenho encontrado; é de um americano.
Constou-lhe,
por indagações na casa da moeda, que o peso do dólar de prata americano tinha
por razão a sua correspondência exata com o de uma moeda corrente no comércio
da Ásia Oriental; e que portanto deve ser um peso tradicional conhecido há
milhar de anos. O dólar de prata americano pesa 412 5/10 grãos ingleses [5]; o meio dólar 206 2/10 grãos, e o
quarto de dólar, 103 1/10 grãos. A sua atenção fora pois atraída a estas
particularidades pelo fato de coincidirem os três grupos de algarismos com os
das medições piramidais, sendo que a câmara real mede 412 5/10 polegadas
inglesas, e a sua largura 206 2/10 polegadas; ao passo que o número 103 1/10,
ou melhor, 103 09/1000, entra em outras computações importantíssimas relativas
à pirâmide.
Isto
posto, prossegue: a área de um quadrado, cujo lado mede 103 3/1000, iguala a
área de um círculo, tendo de diâmetro 116 26/100. Ora, havendo 360 graus na
circunferência de um círculo, o diâmetro em termos de segundos é 412: 529, e a
sua circunferência é 1290:000. O número 412 5/10 é pois a milésima parte do
diâmetro de um círculo em termos de segundos, e 1: 296, precisamente o número de polegadas numa jarda quadrada inglesa, e a
milésima parte da circunferência de um círculo em termos de segundos. Continua mostrando
que da jarda [6] se deduzem todas as
outras medidas inglesas.
É
desnecessário acrescentar que os “Identificados” condenam in limine o sistema métrico francês, como falso e indigno de
aceitação, forcejando para que os ingleses e os americanos conservem o seu
padrão atual por corresponder com o padrão piramidal.
Pondo
remate a esta comunicação, que já vai longa, direi que a doutrina da
“Identidade”, que, fato curioso, parece não ter-se originado num cérebro
britânico, mas no de um estrangeiro, o dr. Abbadie, cuja obra em quatro tomos Le Triomphe de la Providence et de la
religion [7] foi publicada em
Amsterdam há mais de um século e meio, em 1723. A doutrina, pois, da Identidade
tem tido nestes últimos tempos como apóstolos mais constantes Mr. John Wilson, Mr.
Edward Hine, e Philo-Israel, cujo verdadeiro nome ignoro; destes há muitos
escritos. Entre outras muitas obras, podem citar-se as seguintes:
Our Inheritance in the Great Pyramid, que já passou
por três edições, e cujo autor é Mr. C. Piazzi Smyth, astrônomo real da
Escócia.[8]
De
Mr. William Carpenter há The Israelites
Found in the Anglo-Saxon [9], Scientia Biblica [10], Scripture Natural
History [11], etc., é também
editor da 3ª. edição de Calmet’s
Dictionary of the Holy Bible.[12]
De Mr. Charles Casey há Philitis [13]; do reverendo F.R.A. Glover, England the Remnant of Judah and the Israel
of Ephraim [14], Jacob’s Stone [15] e outras obras.
Do Dr. George Moore, The Lost Tribes and the Saxon of the East and of the West [16]; do cônego Titcomb, The Anglo-Israel Post Bag. [17]
Há
ainda outros muitos eruditos e cientistas que têm publicado escritos sobre a
matéria, como a sra. Cockburn-Muir, o professor Tanner, Protheroe Smith,
coronel Gawler, St. John Vincent Day, Groom Napier, etc. A Identidade tem
diversos jornais que se publicam semanalmente, sendo os principais The Banner of Israel [18], Israel’s Identity Standard, e The
Nation’s Glory Leader.
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Se
v. julgasse o assunto de suficiente interesse para dar cabida a esta carta ou a
extratos dela nas colunas do seu jornal, ter-se-ia por muito lisonjeado quem é
de v., etc.,
Visconde de Figanière
(Lisboa,
26 de maio de 1880.)
NOTAS
DE 2020:
[1] Sir William Edward Goschen, durante algum
tempo embaixador britânico em Constantinopla, nasceu em 18 de julho de 1847 e
viveu até 20 de maio de 1924. (CCA)
[2] Em 1882 completou-se o primeiro ciclo de
sete anos após a fundação do movimento teosófico moderno em Nova Iorque em sete
de setembro de 1875, ou, exotericamente e de modo público e oficial, no dia 17
de novembro de 1875. (CCA)
[3] Salmanaser V ou Salmanasar V, rei da
Babilônia e da Assíria. (CCA)
[4] A ciência do século 21 afirma que a
distância média entre Sol e Terra é de cerca e 92.955.000 milhas. (CCA)
[5] O grão (grain) é uma unidade de medida de massa. Antigamente, grãos de
cereais eram usados para balancear o peso do ouro. Fonte: Wikipédia. (CCA)
[6] A jarda equivale a 91,4 centímetros.
(CCA)
[7] Os quatro volumes da obra “Le Triomphe de
la Providence et de la religion”, do Dr. Abbadie, foram impressos em Amsterdam
em 1723 e têm cópias digitalizadas que fazem parte da biblioteca da Loja
Independente de Teosofistas, LIT. (CCA)
[8] Uma cópia digital de “Our Inheritance in
the Great Pyramid”, de C. Piazzi Smyth, pertence à biblioteca da Loja
Independente de Teosofistas, LIT. (CCA)
[9] A LIT possui uma cópia digital do livro
“The Israelites Found in the Anglo-Saxon”, de William Carpenter. (CCA)
[10] A LIT possui uma cópia digitalizada
de “Scientia Biblica”, de William Carpenter. (CCA)
[11] A biblioteca da LIT dispõe de uma
versão digital de “Scripture Natural History”. (CCA)
[12] A LIT possui cópia digital do
“Calmet’s Dictionary of the Holy Bible”. (CCA)
[13] A biblioteca da LIT tem versão digitalizada
do livro “Philitis”, de Charles Casey. (CCA)
[14] Uma cópia da obra “England the
Remnant of Judah and the Israel of Ephraim”, de F. Glover, pertence à
biblioteca da LIT. (CCA)
[15] “Jacob’s Stone”. Trata-se de um
texto publicado em várias partes na revista “Life from the Dead”. A biblioteca
da LIT possui uma cópia da publicação. (CCA)
[16] Uma cópia da obra “The Lost
Tribes and the Saxon of the East and of the West”, de George Moore, pertence à biblioteca
da LIT. (CCA)
[17] “The Anglo-Israel Post Bag, or
How Arthur Came to See It”, obra escrita pelo Rev. J.H. Titcomb. Uma cópia deste
livro pertence à LIT. (CCA)
[18] A biblioteca da LIT possui uma
cópia do volume V, de 1881, da revista “The Banner of Israel”. (CCA)
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O artigo “O Restabelecimento do Reino
de Israel” foi publicado nos websites associados dia 11 de agosto de 2020.
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Em 14 de setembro de 2016, depois de uma análise da situação do movimento
esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu criar a Loja Independente de Teosofistas. Duas
das prioridades da LIT são tirar lições práticas do passado e construir
um futuro saudável.
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Clique para ler a
biografia do Visconde de Figanière, escrita pelo autor português Pinharanda
Gomes: “Gnose e Liberdade”.
Veja nos websites
associados a obra clássica do Visconde de Figanière “Submundo, Mundo, Supramundo”,
de 1889.
Examine outros
escritos do Visconde de Figanière, em português e em inglês.
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