O Ser Humano Não Pode
Ser Feliz Longe da Natureza
Ser Feliz Longe da Natureza
Henrique Luiz Roessler

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Nota Editorial de 2021:
Segundo a Teosofia,
o caminhante espiritual deve
transcender a “Doutrina
do Olho”, que vê as aparências, para
alcançar a “Doutrina
do Coração”, que enxerga a essência.[1]
No artigo a seguir, Henrique Luiz Roessler (1896-1963) examina
estes dois conceitos e discute a escolha necessária entre eles. Para isso
usa os termos “Razão do Cérebro” e “Razão do Coração”. Roessler
aplica a Doutrina do Coração à realidade social e ambiental do mundo
contemporâneo. Ele denuncia o cérebro mecânico, em grande parte
desligado da alma. A avaliação severa que Roessler faz do carma humano na
sociedade industrial coincide essencialmente com a visão de Helena Blavatsky.
O texto, de 1961, é
um convite para enxergar a história humana em
profundidade, e
para deixar de lado o pesadelo do materialismo cego.
Embora alguns dos
fatos sociais descritos por Roessler já não pareçam
os mesmos quando
olhados desde um ponto de vista superficial, o quadro
geral permanece
idêntico e a análise feita pelo ecologista continua certeira.
(Carlos Cardoso
Aveline)
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Não há razão de muita euforia,
quando o homem pensa na sua origem.
O verdadeiro ancestral da humanidade foi o
macaco CHIMPANZÉ, do qual evoluiu através de milhares de séculos, passando pelo
homem da caverna - que já conhecia o fogo e comia carne -, o atual HOMO
SAPIENS, informado por um princípio imaterial que se chama alma.[2]
Portanto, o homem não passa de um animal
aperfeiçoado, mas seu livre arbítrio é uma ilusão, pois seu espírito não se
desenvolveu como seu corpo, ficando estacionado, como prova o fato de que, com
toda sua inteligência, suas atitudes quase que não diferem das dos brutos.
Foi pela evolução da “razão do cérebro”
que lhe foi possível construir estradas e colocar trilhos, drenar banhados,
edificar cidades e fábricas, conceber invenções fantásticas, para proporcionar
conforto e espaço vital para sempre maior número de habitantes do globo.
Mas todo este progresso foi conseguido
pela destruição das riquezas naturais do universo, principalmente a devastação
das florestas e o massacre dos animais silvestres, seus irmãos de origem, sob a
capa de exigências da ciência e da técnica.
Estamos dentro desse processo. O animal
superior homem se tornou dono de tudo que lhe oferece vantagens no mundo,
inclusive dos irracionais, que considera como objetos, coisas e não seres
vivos.
Observamos este desenvolvimento com
apreensões, porque temos mais pendores para a “razão do coração”, para o
respeito à vida e à conservação das riquezas naturais, sem nos considerarmos
por isso retrógrados.
Provas do atraso mental do homem são
estas:
Antes vivia feliz e com saúde, em plena
liberdade na quietude dos campos, trabalhando a terra para o sustento de uma
vida simples, mas espiritualmente rica. Mas descontente com poucos haveres
materiais, foi atraído pela quimera do luxo e divertimentos dos grandes centros
urbanos, para ambiente mais civilizado, mas que lhe é hostil.
O homem da atualidade, motorizado e
materialista, com este ato precipitado, desligou-se completamente da natureza.
Como castigo, agora sofre profunda nostalgia, por ter ficado privado de suas
belezas e benefícios, mas não tem a força moral de voltar atrás.
Hoje vive nos formigueiros humanos dos
arranha-céus ou nas malocas imundas dos arrabaldes, no forno de cimento armado,
no trepidante e ensurdecedor borborinho citadino. Aspira o ar impuro, saturado
de monóxido de carbono dos motores, da poeira das ruas, dos gases envenenados e
da fumaça expelida pelas chaminés das fábricas e milhares de fogões domésticos.
Vê seus filhos definharem pelas doenças e na miséria.
Provoca seu lento suicídio bebendo álcool
e fumando nicotina, venenos fortíssimos que minam o organismo e são
responsáveis pelas maiores desgraças da humanidade. É um escravo da luta pelo
dinheiro, seu supremo ideal de riqueza, sofrendo insanáveis males no seu corpo
e na sua alma. Trabalha como prisioneiro entre quatro paredes, com a exclusiva
preocupação pelos assuntos comerciais, industriais e financeiros, padecendo
inúmeros incômodos com o fisco e os operários, que o levam infalivelmente ao
colapso cardíaco.
É um sistema de vida que os animais
desconhecem.
Sacrifica sua paz de espírito, metendo-se
em política, para complicar ainda mais a sua existência e a dos seus semelhantes
e comete coisas incrivelmente imorais, que os irracionais nunca seriam capazes
de praticar.
Quando os grandes potentados se
desentendem, não fazem como os animais rivais, brigando pessoalmente, mas sim
obrigam seus subordinados ou correligionários a se baterem e morrerem por
alguma coisa muitas vezes absurda ou sem importância.
Lembrem-se da loucura e horrores das
guerras. A flor da juventude é obrigada a se tornar assassinos contra os
mandamentos divinos. Entram cantando para a luta, abençoados de ambos os lados
por sacerdotes e poucas horas depois são recolhidos mortos, feridos ou
aleijados por toda vida, tudo para beneficiar os fazedores de guerras. A
humanidade hoje vive em constante medo das bombas atômicas, que de um momento
para outro podem acabar com o mundo. Fabricadas com o sacrifício dos povos, com
esses engenhos de guerra os governos estão gastando fantásticas verbas, que
melhor seriam empregadas em escolas e hospitais.
O homem moderno não tem mais tempo para
meditar. Seu interesse máximo é enriquecer o mais rapidamente possível. Não tem
mais tempo para procurar contato com a mãe natureza, que cura todos os males. À
procura de distração, às vezes corre como louco pelas estradas poeirentas, dirigindo
seu carro a toda velocidade, sempre sujeito a acidentes, sem olhar para os
lados e só fica satisfeito quando na volta de longe vê no horizonte aparecerem
as chaminés da sua cidade, sinal de progresso material. Não tem mais tempo de
cuidar de sua família. Não tem mais interesse pelas coisas simples e
estimulantes da vida, como o amor da esposa e dos filhos; como acariciar um
animal; como descansar na beira dum murmurante arroio; deitar-se na relva,
debaixo de uma grande árvore; como passar uma noite estrelada, ao pé do fogo,
junto à barraca; como ouvir os hinos da passarada ao alvorecer do novo dia;
como remar por um grande rio marginado de mato, onde cantam milhares de
cigarras; como beber um copo de água cristalina de uma fonte, etc.
Vocês nem imaginam o que estão perdendo.
Como são invejáveis os animais silvestres.
NOTAS:
[1] Veja a respeito o Fragmento
(ou Parte) II de “A Voz do Silêncio”, de Helena
P. Blavatsky, e especialmente as primeiras páginas dele. O Fragmento II começa
à pagina 16. (CCA)
[2] O ser humano tem
uma origem complexa, material e espiritual. A divindade da alma humana ainda
está amplamente adormecida. Veja “A Doutrina Secreta”, de Helena
P. Blavatsky. Leia o artigo “As Três Proposições Fundamentais”.
(CCA)
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O artigo “A Razão do Coração” está disponível nos websites associados desde o
dia 18 de julho de 2021. Título original: “Bicho
Estúpido e Feroz”.
O texto foi publicado pela primeira
vez no jornal “Correio do Povo”, de
Porto Alegre, Brasil, em 13 de outubro de 1961. Mais tarde foi reproduzido na
obra “O Rio Grande do Sul e a Ecologia”,
de Henrique Luiz Roessler, Martins Livreiro Editor, Porto Alegre, RS, 1986, 220
pp., ver pp. 78-80.
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