17 de julho de 2021

Velhas Árvores Mortas Estupidamente

 A Relação Interna Entre a
Alma Humana e a Alma das Árvores

Henrique Luiz Roessler
 
Bosque de pinheiros em Canela, RS, Brasil
 
 
 
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Nota Editorial de 2021:
 
A Teosofia ensina que o espírito da vida universal está
presente em todos os reinos da natureza, unindo por exemplo a
pedra, a árvore, o animal, o homem e as inteligências divinas. No
texto a seguir, um dos grandes pioneiros da ecologia no Brasil conta
fatos que ilustram esta relação de almas entre bosques e humanos.
 
Cabe lembrar que um posteiro é um empregado que mora junto
ao limite de uma fazenda. Sua função é cuidar das cercas, para
que não haja invasão das terras da fazenda por gado dos vizinhos.
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
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No rancho junto ao grande pinhal da Fazenda, morava há muitos anos o velho posteiro Francisco.
 
Várias vezes ele viu chegarem os doutores filhos do patrão, que moravam longe, na capital, acompanhados duns homens estranhos, os quais queriam comprar os pinheiros que o pai queria conservar, porque neles via uma imensa fortuna.
 
O posteiro ficava apreensivo com as insistências dos madeireiros, porque amava a floresta, que lhe dava todo o conforto - caça, lenha para os frios invernos, a água límpida da fonte, sombra e proteção dos ventos, o cantar dos passarinhos.
 
O patrão, muito bondoso, o tranquilizava, dizendo:
 
“Nunca os pinheiros serão cortados e tu serás guarda deles para sempre.”
 
Mas inesperadamente o fazendeiro faleceu e logo a desgraça caiu sobre o pinhal.
 
Os herdeiros materialistas, loucos por dinheiro para continuar com sua vida de luxo, venderam as árvores por cem cruzeiros cada, preço em 1942. Hoje [1962] valeriam dez mil cruzeiros. Casos dessa natureza acontecem frequentemente em muitas famílias cujos filhos só esperam a morte do pai para avançar nos seus bens.
 
Quando foram marcados os 8 mil pinheiros, destinados à morte, o velho posteiro se tomou de coragem e pediu aos herdeiros que deixassem a ponta do capão junto ao seu rancho, lembrando-os da promessa do seu pai.
 
A resposta chocante foi esta:
 
“Você está louco, homem, nada temos com promessas feitas pelo falecido. Em todo caso vamos deixar fora de venda aquele grande pinheiro que faz sombra ao seu rancho.”
 
Iniciou-se a derrubada. Ouvia-se incessante bater dos machados, o sibilar das serras mecânicas, o roncar dos tratores e de vez em quando o fragoroso estraçalhar das grandes copas batendo no chão, seguidos dos gritos vitoriosos dos cortadores. Tudo devastado e o mato baixo todo quebrado e recortado de picadas dos arrastos, a turma cercou o último pinheiro, o reservado para o posteiro.
 
Ao primeiro golpe de machado, este se lançou de joelhos na frente dos homens e suplicou-lhes com lágrimas nos olhos:
 
“Pelo amor de Deus, não matem o ‘meu’ pinheiro.”
 
Veio o capataz, enfurecido e insensível por terem os cortadores, penalizados, atendido a desesperada súplica, agarrou o velho Chico e dando-lhe um empurrão, gritou: “Afaste-se, seu velho bobo caduco”, e aos homens ordenou: “Continuem”.
 
O posteiro, estarrecido, se encostou no seu rancho e assistiu o assassinato da árvore amiga de longos anos, sem poder salvá-la. Depois viu seguirem os brancos cadáveres florestais com destino à Serraria. Chico não falava mais com ninguém e mal se alimentava. Foi visto sentado no banco do rancho, com a cabeça apoiada nas mãos, muito triste. Certa manhã o encontraram morto, deitado do lado do cepo do “seu” pinheiro. O fato não impressionou ninguém, nem sequer comoveu os diretamente responsáveis. Dizem que o velho Chico morreu de saudades, de coração partido. Que estranho sentimento de amor pela natureza num homem simples e incompreendido.
 
Esta história não é ficção. Aqui a registramos como uma homenagem. 
 
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O artigo “Velhas Árvores Mortas Estupidamente” foi publicado nos websites associados em 17 de julho de 2021.
 
A narrativa faz parte de um texto maior, publicado no jornal “Correio do Povo”, de Porto Alegre, Brasil, em 14 de setembro de 1962 e mais tarde reproduzido na obra “O Rio Grande do Sul e a Ecologia”, de Henrique Luiz Roessler, Martins Livreiro Editor, Porto Alegre, RS, 1986, 220 pp., ver pp. 52-53.
 
O dia e o mês da primeira publicação de “Velhas Árvores Mortas Estupidamente” coincidem com a data de fundação da Loja Independente de Teosofistas, que aconteceu décadas mais tarde em 14 de setembro de 2016.

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Sobre a presença do espírito universal em todas as coisas, veja os artigos “As Encarnações de Um Poema” e “Um Cosmo Em Cada Feto Humano”.
 
Leia mais:
 
 
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