O Homem é Dominado por uma Inquietação,
Ele Busca um Aperfeiçoamento Sempre Maior
Jean
des Vignes Rouges

… Educar a vontade consiste, antes de tudo,
em determinar de que modo você se comportará
na vida, e depois, em produzir automatismos capazes
de colocar em prática fielmente essa decisão.
A sua vontade funciona como a vontade de um chefe que nunca sai do seu posto de comando e permanece dando ordens o tempo todo?
Se for assim, sua vida será um inferno repleto de esforço e preocupações. Você vai sucumbir à tarefa! Quem quer fazer o papel de anjo, termina se comportando como uma fera. Ao querer demais, acabamos sendo incapazes de querer.
Dê, portanto, à sua vontade, auxiliares nos quais ela possa confiar. Se ela tiver um exército de subordinados à sua disposição, você será um general poderoso. Esses servidores da vontade são os seus automatismos.
No artigo sobre “hábito” [1], eu digo como você pode recrutar e treinar esse exército; mas é importante que você saiba como lidar com ele.
Esses automatismos são como trabalhadores especializados que conhecem bem a sua missão e não gostam que o chefe esteja constantemente interferindo no que fazem.
Você sabe que esse tipo de monitoramento excessivo e irritante tem o efeito de prejudicar o desempenho. O mesmo ocorre com os seus hábitos profundamente enraizados; toda intervenção inoportuna da consciência pensante perturba o trabalho deles. Por exemplo, você precisa ter uma conversa importante na qual deve demonstrar facilidade, inteligência, educação e autoridade? Se você quiser controlar cada palavra, cada tom de voz, cada gesto, é muito provável que pareça desajeitado, sem graça, indelicado e brutal. Você terá perturbado o funcionamento dinâmico dos seus reflexos.
O acrobata, o ginasta, o ciclista, o esgrimista, a boa trabalhadora com tricô, etc., conhecem bem esse fenômeno, por isso evitam pensar nos detalhes de seus movimentos. Faça como eles. Com uma condição, porém; os seus automatismos devem estar bem treinados, bem amestrados, e em boa forma.
Ao confiar assim em seus hábitos da mesma forma que um general confia em seus soldados e oficiais, você fará uma notável economia de esforços. Se, por exemplo, você desenvolveu uma reação automática ao catarro, você permanecerá calmo não importa o que aconteça, sem precisar ranger os dentes ou ficar tenso. Da mesma forma, todas aquelas atitudes mentais e corporais que chamamos de prudência, concentração, ordem, moderação, honradez, severidade ou tolerância, etc. serão mecanismos sempre prontos para funcionar se você tiver tido o cuidado de “estabelecê-los” de modo correto em sua alma. Eles estão em posição de sentido, aguardando as ordens da sua vontade, e prontos para entrar em ação ao menor sinal.
Melhor ainda, pode acontecer que esses automatismos tomem a iniciativa de entrar em ação quando necessário. O boxeador, alvo de um ataque repentino, se vê em “posição de combate” e dando socos antes que sua consciência tenha tempo de deliberar.
Da mesma forma, os automatismos que o levam a ser leal, orgulhoso, metódico, dedicado, engenhoso, etc. não esperarão ordens da sua vontade para se colocarem em movimento quando as circunstâncias o exigirem; eles “avançarão” por conta própria, rapidamente, sem perda de tempo.
Por que os automatismos terão esse zelo e essa vivacidade? Porque, na intimidade das células nervosas que constituem o seu sistema fisiológico, os impulsos nervosos se acumularão, impacientes para serem libertados; as suas virtudes precisarão expressar-se na prática, assim como o campeão de futebol precisa chutar uma bola. Exatidão no modo de agir, economia de esforço, ação mais rápida, desempenho quase instantâneo - esses são os benefícios que você obterá com o bom funcionamento dos seus automatismos.
É por isso que eu digo a você de novo: educar a vontade consiste, antes de tudo, em determinar de que modo você se comportará na vida, e depois, em produzir automatismos capazes de colocar em prática fielmente essa decisão. Se você tivesse êxito completo nesse treinamento aconteceria que, a longo prazo, você não precisaria mais desejar; toda a sua personalidade, corporal e espiritual, passaria a ser a sua vontade encarnada.
Na realidade, porém, o homem é dominado por uma inquietação que o impele a superar-se. Ele busca uma perfeição sempre maior, de modo que a tarefa de produzir novos automatismos não é completada jamais.
Por outro lado, por mais bem treinados que sejam os seus automatismos, você ainda precisa exercer vigilância para que eles não se tornem rotina [2], o que é sempre a tendência.
A vontade, portanto, nunca deve abdicar completamente do seu poder. O papel da vontade é comandar sem intransigência, sem abuso, sem brutalidade ou gritos incessantes, mas também sem indolência. Ela fica feliz em deixar os detalhes da execução para os automatismos, porque sabe que uma tarefa tediosa e pouco importante deve ser feita pelo soldado de segunda classe e não pelo general; mas ela verifica de vez em quando se essa tarefa foi realmente feita.
Em outras palavras, é correto ver os seus automatismos como instrumentos para obter os seus objetivos. Use-os, confie neles. Isso libertará sua vontade, que assim terá tempo para pensar em seu aperfeiçoamento. Mas, enquanto olha a paisagem e reflete sobre o seu destino futuro, mantenha a mão no volante da direção e o pé no acelerador.
NOTAS:
[1] Veja “O Hábito, a Intenção e a Vontade”.
[2] Veja a palavra “Routine” em «Dictionnaire de la Volonté».
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O artigo acima foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia 18 de março de 2025. Trata-se de uma tradução do livro «Dictionnaire de la Volonté», de Jean des Vignes Rouges, Éditions J. Oliven, Paris, 320 pp., 1945, pp. 35-37. O artigo original em francês está disponível online: “Automatisme - les Subordonnés de Votre Volonté”. Tradução: Carlos Cardoso Aveline.
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Jean des Vignes Rouges é o pseudônimo literário do militar e escritor francês Jean Taboureau (1879-1970).
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