Correspondência Reservada de HPB e
Judge Mostra as Pedras no Caminho
do Discipulado
Carlos Cardoso Aveline

A Loja Independente de Teosofistas afirma que todos os discípulos,
inclusive
os mais avançados como Helena Blavatsky (foto), precisam aprender com seus erros
Em 2010, os nossos websites associados compraram alguns
exemplares raros e caros de uma revista em língua inglesa pouco conhecida, “Theosophical History”.
O enfoque da revista é acadêmico.
Os exemplares adquiridos são da década de 1990 e contêm uma série de textos com
boa parte da correspondência confidencial entre Helena Blavatsky e William Judge
a respeito do trabalho e das dificuldades da escola esotérica do movimento
teosófico. O material foi então reforçado com outros textos e publicado em
inglês com comentários nossos, em 19 partes.[1]
As dezenas de cartas que
publicamos vão desde meados dos anos 1880 até o final da vida de HPB. Revelam o
sofrimento, as tensões, a decepção, a frustração e a luta pessoal tremenda que
implicava estar na liderança do movimento teosófico naqueles tempos difíceis.
Ao ver as expressões amargas
colocadas por HPB em suas cartas e o sentimento de desânimo de Judge em mais de
um momento, alguém pode pensar:
“Isso é decepcionante. Sendo
a fundadora do movimento, HPB tinha o dever de estar sempre sorrindo, posando
para fotos, distribuindo autógrafos, parecendo simpática, abençoando seus amados
alunos com um estilo cuidadosamente angelical em seu modo de expressar-se.”
Esta visão ingênua do caminho
espiritual leva à hipocrisia. A idealização fantasiosa é estimulada por organizações
que vivem de aparências e falsa espiritualidade. O fato é que o caminho
espiritual é árduo. Expressões amargas e notícias de dificuldades tampouco
faltam nas “Cartas dos Mahatmas”. Em
todas as religiões, os verdadeiros místicos têm e tiveram vidas difíceis, no
mundo exterior, ao mesmo tempo que tinham e têm acesso a bênçãos de grande
porte no plano mais elevado. A vida é simétrica, e a bem-aventurança interna do
Caminho é diretamente proporcional às suas dificuldades externas.
Trabalhar pela libertação da humanidade
implica trazer para si e enfrentar a soma do sofrimento humano, tal como
narrado simbolicamente na lenda dos evangelhos do Novo Testamento.
E isso não é fácil.
Aliás, nos evangelhos também há expressões
amargas de Jesus em relação a seus discípulos, quando eles falham nas provas e
testes.
Cabe examinar o modo como olhamos para a correspondência reservada de HPB e William Judge.
A tendência academicista, nos estudos de história do movimento teosófico, tende a esmiuçar as coisas do ponto de vista da mera curiosidade sobre fatos externos, e, especialmente, fatos de natureza pessoal. O acadêmico geralmente teme trilhar o caminho. Em função deste medo interno, ele se protege através do intelecto analítico e míope que só vê detalhes externos.
Cabe examinar o modo como olhamos para a correspondência reservada de HPB e William Judge.
A tendência academicista, nos estudos de história do movimento teosófico, tende a esmiuçar as coisas do ponto de vista da mera curiosidade sobre fatos externos, e, especialmente, fatos de natureza pessoal. O acadêmico geralmente teme trilhar o caminho. Em função deste medo interno, ele se protege através do intelecto analítico e míope que só vê detalhes externos.
“HPB e Judge estavam discutindo
sobre as decisões a tomar”, pensa ele.
“Eles estavam frustrados,
cansados, esgotados, estressados”.
“Judge tinha momentos de quase
depressão”.
“HPB estava decepcionada e hoje,
retrospectivamente, podemos ver que estava avaliando de modo ingênuo as
personalidades de algumas pessoas”.
Mas o que é, de fato,
relevante?
O relevante é que enquanto os eus
inferiores de HPB e Judge estavam submetidos a tremendas tensões e
dificuldades, o eu superior dela, sobretudo, e o eu superior dele, até certo
ponto, estavam trabalhando em níveis de consciência onde não há sofrimento. Eles
estavam construindo as bases complexas de um movimento esotérico autêntico de
longo prazo, capaz de abrir caminho para a futura religiosidade filosófica e
universal.
Cabe lembrar que HPB era um ser
humano, e que os Mestres de Sabedoria não a protegiam de seus próprios erros.
Esta é a pedagogia de todo verdadeiro Mestre. Um discípulo, por mais avançado
que seja, erra e deve aprender com suas próprias falhas.
Pensar que um discípulo é “protegido
pelo Mestre” para que não erre constitui uma ilusão que ocupa lugar de destaque
entre as fraudes e falsificações produzidas pela pseudoteosofia.
Uma vez que o discípulo é
sincero, honesto e autêntico, ele deve observar seus erros e tirar lições. E
quem não é sincero não chega perto de qualquer coisa parecida com aprendizado
esotérico. A sinceridade fará com que seus acertos sejam maiores que seus
erros, mas os fracassos são valiosos como fontes de lições, e fazem parte da
caminhada.
É neste contexto realista que
podemos compreender as dificuldades humanas de HPB, os fracassos de William Judge,
e as suas discussões difíceis sobre como liderar melhor a escola esotérica
e a instância confidencial do movimento. São diálogos circunstanciais, sobre
decisões de curto prazo, nos anos 1880 e início dos anos 1890. Envolvem eus
inferiores de diferentes pessoas e o aspecto mais árduo de um trabalho
sagrado.
O verdadeiro movimento teosófico
ocorre nos planos superiores de consciência, mas para que isso seja possível se
paga um preço.
Todo estudante deve ser informado
da verdade: há no Caminho da Sabedoria um processo de provação ocorrendo incessantemente
nos planos inferiores. Isso é algo que podemos ver, por exemplo,
estudando a vida lendária de São Francisco de Assis, ou os Evangelhos cristãos
(também lendários), e examinando as vidas de Paracelso, de Lúcio Sêneca, de São
João da Cruz, William Wilberforce, Marco Aurélio, Musônio Rufo, Epicteto e outros
grandes filósofos e místicos.
Uma bênção invisível da Loja Independente
de Teosofistas está no fato de que ela aponta para o ensinamento e para o poder
transformador que este ensinamento tem sobre a vida do estudante; ela não aponta
líderes supostamente infalíveis como pessoas. A vivência do ensinamento
teosófico nos dá o ponto de vista a partir do qual podemos compreender corretamente
as limitações humanas e circunstanciais.
Fundada em 2016, a Loja
Independente visa operar acima das preocupações pessoais e lutas de poder, e
perto daquele estudo transcendente e profundo em que ocorrem dois processos
inseparáveis: o autoconhecimento e o autoesquecimento.
Esquecendo de si mesmo, porque já
se conhece, o estudante lembra de trabalhar pela humanidade, e alcança
gradualmente a libertação.
Helena Blavatsky cometeu erros,
mas cabe acrescentar que os erros dela ocorreram principalmente no modo como
avaliava pessoas. Ela não previu a tempo a traição de Annie Besant, por
exemplo. Ela tendia inevitavelmente a julgar os outros do ponto de vista da sua
própria lealdade e devoção à verdade.
Assim, de um lado ela idealizava
excessivamente alguns. De outro, ela se decepcionava em excesso com outros.
Este tipo de erro é comum em quem
vive em níveis altruístas de consciência. Ao desenvolver o discernimento das
coisas espirituais, perde-se o discernimento para as coisas inferiores,
assim como a lente de um telescópio adequada para ver as coisas do céu não é
eficiente para ver as coisas da terra a curta distância.
Disso decorre sofrimento, e HPB
sofria.
Estes fatos são fontes de lições.
Ao analisar os erros e acertos do movimento ao longo da história, aprendemos o
que deve ser feito e o que deve ser evitado. Deste modo o nosso esforço avança
orgânica e criativamente como um processo vivo, e melhorando sempre.
NOTA:
[1] Veja em
nossos websites a série de 19 artigos intitulada “Letters Between Blavatsky and
Judge”.
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Uma versão inicial do texto acima foi publicada na
edição de dezembro de 2010 de “O
Teosofista”, sem indicação de autor e sob o título “Desmistificando o Esforço Espiritual”.
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Em 14 de setembro de 2016, depois de cuidadosa análise
da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes
decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, LIT, que tem como uma das suas
prioridades a construção de um futuro
melhor nas diversas dimensões da vida.
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