Os Criminosos Nazistas Tentaram
Distorcer Conceitos da Filosofia Oriental
Joaquim Duarte Soares
O estudante sincero de Teosofia
tem o dever de combater a falsidade e o preconceito, ainda mais quando estão em
causa o próprio movimento teosófico e o ensinamento sagrado.
No
texto “A Teosofia e a Segunda Guerra Mundial”, de Carlos Cardoso Aveline, podemos
ler o seguinte:
“Num mundo ainda dominado em boa parte pelo
fanatismo e por religiões ritualísticas, é natural que o movimento
teosófico - funcionando como uma espécie de extintor não-violento
de ilusões - seja atacado de várias formas, desde fora, e desde dentro. Um
exemplo de tais ataques são os textos sem base que circulam acusando o
movimento teosófico de ter tido simpatia pelo nazismo ou pelo fascismo. Há
várias fontes ativas de desinformação em torno da questão da teosofia e do
hitlerismo, e parece oportuno trazer algumas evidências sobre a real relação
entre os dois, inclusive no período da Segunda Guerra Mundial.” [1]
É
conhecida dos estudantes de teosofia a apropriação indevida e o uso criminoso
de símbolos sagrados hindus por parte do regime Nazi. Como escreve Aveline:
“Os líderes nazistas praticavam algum tipo de
feitiçaria anti-humanitária, e tinham métodos essenciais em comum com o mal
disfarçado ‘misticismo de ódio e violência’ que foi, desde o século
16, cuidadosamente desenvolvido pelos jesuítas e usado pelo Vaticano.” [2]
O
exemplo mais conhecido do uso criminoso de um símbolo sagrado para fins de magia
antievolutiva talvez seja o caso da “cruz Jaina”, ou Suástica.
Este
símbolo é comentado amplamente em “A Doutrina Secreta” de Helena P. Blavatsky, sendo
classificado como antiquíssimo e profundamente místico. Foi usado na
antiguidade por todos os povos do mundo. É um dos símbolos mais sagrados na
Índia, fazendo parte das milenares tradições hinduísta e budista.
Diz
Blavatsky:
“Poucos símbolos no mundo estão tão impregnados de
verdadeiro significado oculto quanto a Suástica. É representada pelo algarismo
6; visto que, como essa cifra, aponta, na sua representação concreta - como
acontece com o ideograma desse número - para o Zênite e o Nadir, o Norte, Sul,
Oeste e Este; em toda parte encontramos a unidade, e esta unidade refletida em
todas as unidades. É o emblema da atividade de Fohat, da contínua revolução das
‘rodas’, e dos Quatro Elementos, o ‘Quatro Sagrado’, no seu sentido místico, e
não apenas no sentido cósmico; por outro lado, os seus quatro braços, dobrados
em ângulos retos, guardam íntima relação, como já demonstramos, com as escolas
Pitagórica e Hermética. Aquele que está iniciado nos mistérios do significado
da Suástica, dizem os Comentários, ‘pode perceber através dela, com precisão
matemática, a evolução do Cosmos e todo o período de Sandhya’.” [3]
A
suástica é, por excelência, o símbolo da evolução Cósmica.
É
uma imagem representada em muitos templos da Índia, do Tibete, da China e
demais países com influência hindu e budista (sendo aliás o símbolo do próprio budismo
esotérico). Além disso, está presente nas tradições dos povos nórdicos e das Américas.[4]
São
muito conhecidas as representações de Buddha com a cruz Suástica no peito, sendo
denominada de “Selo do Coração”. A suástica está presente também em várias
relíquias cristãs antigas. Sobre a sua universalidade, HPB esclarece:
“[A] cruz ansata egípcia ou Tau, a cruz Jaina ou
Suástica, e a Cruz Cristã, têm todas o mesmo significado”.[5]
Apesar
disso, ou por isso mesmo, os missionários cristãos trataram de classificar a
cruz suástica como “diabólica”, denegrindo desta forma um símbolo sagrado mais
antigo e que está na origem da “sua” cruz cristã. Reconhecer esta semelhança
seria aceitar que o cristianismo tomou emprestado, ilegitimamente, símbolos
sagrados de tradições muito anteriores.
Os
crimes perpetrados desde o século 3 e 4 pelos cristãos fanáticos, e mais tarde
retomados pelos jesuítas a partir do século 16, foram, de certo modo, intensificados
na primeira metade do século vinte pelos regimes nazista e fascista.
O
autoritarismo “cristão” submeteu e perseguiu os próprios povos cristãos e o
cristianismo místico e autêntico, enquanto fazia guerra a outras religiões. A
mesma postura de desrespeito à vida foi adotada pelos nazistas.
A
traição e a negação do Mestre e do seu ensinamento são simbolizadas nos
episódios do Novo Testamento que envolvem Pedro e Judas. Elas se concretizaram
na conduta da Igreja de Roma ao longo de quase dois milênios, e encontram um
exemplo mais no denegrir de um dos símbolos mais sagrados da Sabedoria
Esotérica. Ao mesmo tempo, o Vaticano deu apoio político implícito ao nazismo e
ao fascismo. Como constata Carlos C. Aveline:
“Naturalmente, o Vaticano sempre foi contra a
teosofia, porque a teosofia propõe a fraternidade universal e denuncia e luta
contra todas as formas de dogmatismo religioso.” [6]
O
movimento teosófico é contrário a qualquer ideologia totalitária, demonstrando simpatia
pelos processos democráticos. Num certo sentido, ele é a inspiração oculta de
movimentos que contribuem para a paz e a unidade dos povos, como é o caso das
Nações Unidas. A ONU contempla no seu espírito os ideais teosóficos de
fraternidade. [7]
O Termo “Ariano”
Outra
distorção grosseira efetuada pelo nazismo diz respeito ao uso do termo “ariano”
ou “ária”.
Esta
palavra significa “nobre” e é usada na “Doutrina Secreta” por Helena Blavatsky
para designar o quinto estágio do processo evolutivo da humanidade, que se
estende por um período de muitos milhões de anos. Daí surge a designação de “Raça
Ariana” quando é referida a quinta Raça, abarcando um vasto número de sub-raças
e ramificações. Deste modo, o termo “raça” é usado em “A Doutrina Secreta” tipificando
essencialmente um longo período de tempo evolutivo, que abarca numerosos povos
e nações, incluindo pessoas de características físicas muito diferentes entre
si.
Do
ponto de vista da filosofia esotérica, a mesma Alma Imortal, o aspecto Divino de
cada ser humano, percorre (ou reencarna em) cada uma das divisões de ciclos
evolutivos, quer sejam raças, globos, rondas ou manvântaras.
Vemos
assim que só uma deturpação falaciosa justifica que se continue a relacionar o
termo “ariano” ou “ária” com qualquer característica hereditária, etnológica ou
de cor de pele.
No
“Glossário Teosófico” encontramos as seguintes definições:
“Árya (Sânsc.)
– Literalmente: ‘Santo’. [‘Nobre’, ‘de raça nobre’. Nome de uma raça (a
ariana), que invadiu a Índia, no período védico.
Sobrenome de Agni, Indra e outras divindades.] Originalmente, era o título dos Rishis [8], que dominaram o
Aryasatyani e entraram no sendeiro Áryanimarga,
que conduz ao Nirvana ou Moksha (Libertação). Porém, atualmente, este nome
tornou-se epíteto de uma raça e nossos orientalistas, privando os brahmanes
hindus de seus direitos de nascimento, transformaram todos os europeus em Árias.
Como no Esoterismo, os quatro sendeiros ou graus podem ser obtidos unicamente
através de um grande desenvolvimento espiritual e ‘crescimento em santidade’,
quando são designados pelo nome de ‘quatro frutos’. Para se chegar ao estado de
Arhat, os quatro graus são respectivamente: Srotapatti
(aquele que entrou na corrente), Sakridagamin
(que deve retornar à vida apenas uma vez), Anagamin
(que não precisa retornar à vida) e Arhat
(venerável, o quarto grau de perfeição). São as quatro classes de Áryas, que correspondem a esses quatro
sendeiros e verdades.” [9]
Para
que não restem dúvidas, vejamos o que é o “Aryasatyani”:
“Aryasatyani (Sanscr.) – As quatro verdades
sublimes ou os quatro dogmas, a saber: 1.º) Du(s)kha,
ou seja, a miséria e a dor são os companheiros inevitáveis da existência
incipiente (esotericamente, física); 2.º) Samudaya,
a verdade incontestável de que o sofrimento é intensificado pelas paixões
humanas; 3.º) Nirodha, isto é, que a
destruição e extinção de todos os sentimentos são possíveis para o Homem ‘no
sendeiro’; 4.º) Marga, o estreito
caminho ou senda que conduz a um resultado tão feliz.” [10]
Fica
evidente que “Ária” era o título daquele Sábio que, tendo percorrido o caminho
da mais estreita moralidade e serviço abnegado pela humanidade, atingia as
alturas sublimes de Sabedoria e Compaixão Divinas.
De
maneira idêntica o título de “Brâmane” era, originalmente, dado a aquele que
por mérito e pureza tivesse alcançado a condição de iniciado ou “nascido duas
vezes”, que venceu “toda tendência para o mal”. O próprio Buddha é apelidado de
brâmane. Este ideal de “virtude e conhecimento” encontra-se maravilhosamente
descrito no último capítulo do clássico budista “O Dhammapada”. Aí vemos o
Iluminado proclamar, entre outras coisas:
“Eu
chamo de brâmane aquele que é meditativo, puro, decidido; cujo dever é cumprido
e cujos vícios foram vencidos; aquele que alcançou a meta mais elevada.” [11]
Vale
a pena olhar ainda uma última palavra com o prefixo “Arya”:
“Aryavarta (Sansc.) – ‘A terra dos Aryas’, ou
seja, a Índia. Antigo nome da Índia do Norte, onde se estabeleceram
inicialmente os invasores brâmanes (desde o Oxo – atualmente Amu-Daria),
segundo os orientalistas. É errado dar esse nome a toda a Índia, pois Manu
denomina ‘terra dos Aryas’ apenas a ‘região compreendida entre as cadeias de
montanhas do Himalaia e Vindhya’, do mar oriental ao ocidental.” [12]
O nazismo
adotou os termos “ária” e “ariano” e corrompeu-os, destituindo-os assim do seu significado
real, tal como o cristianismo mais violento e mais autoritário fez ao longo dos
séculos com muitos outros termos, símbolos sagrados e relíquias das tradições mais
antigas, inclusive do judaísmo. A teosofia, por outro lado, tem afinidade com a
ação fraterna, pacífica e não-violenta dos místicos e filósofos de todos os
povos, religiões e tradições culturais.
NOTAS:
[1] O texto pode ser encontrado em nossos websites associados.
[2] No texto referido acima.
[3] “The Secret
Doctrine”, H. P. Blavatsky, Vol. II, Theosophy Company, Los Angeles, p. 587.
[4] Sendo um símbolo universal, a cruz suástica está também presente no
símbolo do movimento teosófico. A este respeito vale a pena ler o texto “O
Símbolo do Movimento Teosófico”, de Carlos Cardoso Aveline, que pode ser
encontrado em nossos websites associados.
[5] “The Secret
Doctrine”, H. P. Blavatsky, Vol. I, Theosophy Company, Los Angeles, p. 657.
[6] Veja o texto “A Teosofia e a Segunda Guerra Mundial”, citado acima.
[7] Ler o texto “Blavatsky, ONU e Democracia”, em nossos websites
associados.
[8] Os Sábios.
[9] “Glossário Teosófico”, Helena P. Blavatsky, Editora Ground, São Paulo,
3.ª edição, 1995, p. 52. Os quatro graus mencionados no texto referem-se às
quatro grandes Iniciações do hinduísmo esotérico, que encontram a sua relação
nos quatro estágios iniciáticos dos Mistérios.
[10] “Glossário”, p. 53.
[11] Esta obra clássica está publicada completa em nossos websites
associados.
[12] “Glossário”.
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