16 de janeiro de 2014

A Arte de Estudar Teosofia

Todo Ensino e Aprendizado Verdadeiros
Têm Como Base a Autonomia do Aprendiz

Carlos Cardoso Aveline




“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.”

Paulo Freire



Com frequência, estudantes escrevem aos editores dos nossos websites associados para fazer um par de perguntas cuja importância é fundamental.

Eles querem saber qual é o melhor método para estudar teosofia. Desejam conhecer a sequência mais adequada de textos, em suas leituras de filosofia esotérica.

Nem todos ficam entusiasmados com a resposta: no aprendizado, a independência é tão importante quanto a ajuda mútua. A sabedoria só pode ser alcançada por decisão própria. O poeta espanhol Antonio Machado explicou em um poema:

“Caminante no hay camino, se hace camino al andar.” [1]

De fato, não há um programa de estudos eficiente para todos. O caminho e a aprendizagem corretos são feitos “ao andar”, e acontecem a cada passo. Internamente, o caminho da sabedoria universal é um só. Mas, no mundo externo, cada estudante deve construir com independência sua própria trajetória para chegar ao conhecimento. Em “A Voz do Silêncio”, de Helena Blavatsky, encontramos esta advertência:

“Prepara-te, pois terás de viajar sozinho. O Instrutor só pode apontar o caminho. O Caminho é um para todos, os meios para chegar à meta devem variar de acordo com os peregrinos.” [2]

Assim, não é possível dizer às pessoas exatamente o que elas devem ler, ou como devem estudar. A tarefa pedagógica da teosofia original consiste em dar elementos para que cada estudante construa o seu próprio modo e método de estudo.   

Enquanto as mais diversas seitas e igrejas estimulam a crença cega, o caminho da filosofia aponta para a direção correta. Os grandes sábios de todos os povos ensinaram, e ensinam, que é necessário compreender a vida por mérito próprio. A busca da verdade deve estruturar-se de dentro para fora na mente e no coração de cada estudante. O pensador brasileiro Paulo Freire expressou o método filosófico quando escreveu:

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” [3]

E Freire acrescentou:

“O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.” [4]

A ajuda mútua é fundamental, mas, ao mesmo tempo, cada um deve saber pensar por si. Por isso um dos lemas dos nossos websites associados é “independência solidária”. No mundo teosófico não há lugar para clero, sacerdotes, rituais, gurus e mestres que pensam e decidem por seus discípulos transformados em cordeiros.  

A teosofia mostra a falsidade da figura do “intermediário”. O impulso em busca do conhecimento filosófico deve ser individual, porque a responsabilidade cármica diante da vida pertence a cada um e não pode ser transferida para alguma organização ou líder. Embora a motivação teosófica seja altruísta e solidária, a tomada de decisão e a responsabilidade devem ser predominantemente individuais.  

O estudo da filosofia teosófica provoca uma expansão de consciência que não pode ser alcançada através da crença em salvadores externos. O ponto de vista correto para compreender o ensinamento surge gradualmente. A intenção eficiente emerge ao lado do discernimento. A habilidade de diferenciar o verdadeiro do falso resulta da prática de “tentar repetidamente o melhor, aprendendo com a observação dos resultados”.

Ao entrar em contato com nossos websites associados, o estudante deve ler livremente o que mais chama a atenção. É correto observar quais são os textos e autores que despertam em sua consciência um sentimento de proximidade interior. As decisões sobre o rumo do estudo devem ser guiadas pelo critério da afinidade.  

Para que a informação se transforme em conhecimento, ela deve ser testada e confirmada vivencialmente. A preguiça mental é um dos obstáculos a serem vencidos, mas há também a preguiça emocional. É preciso estabelecer uma relação transformadora entre a leitura e a vida diária do estudante, e isso ocorre pouco a pouco. É deste modo que o indivíduo vê abrir-se, diante de si, o caminho do autoconhecimento, da autodisciplina e da autolibertação.

Ao estudar teosofia, devo perguntar-me de que modo ela muda a minha vida para melhor. A resposta nem sempre será óbvia, porque o progresso é homeopático e, no começo, quase imperceptível.

A teosofia ensina a viver com sabedoria, mas o despertar acontece pouco a pouco. Progressos espetaculares são enganosos. É útil comprar um caderno para fazer anotações e registrar a data em que cada reflexão é feita. Com o tempo, será possível observar um aprendizado real, que na maior parte das vezes não tem nada de espetacular, mas cura e liberta. Vale a pena examinar regularmente quais princípios e preceitos já são sabidos e praticados; e quais, entre eles, são já compreendidos, mas ainda falta vivenciar. A aprendizagem interior ocorre em silêncio, e os desafios e obstáculos são mais fáceis de ver do que o progresso durável que está sendo feito.

É indispensável pensar no significado da expressão “colocar algo em prática”. Nem tudo que é real ocorre no plano físico. O calmo estudo das leis universais é algo muito prático, embora não pareça. A reflexão filosófica deve ser realizada diariamente, porque torna possível a abertura de circuitos mais amplos de percepção e ação cerebral. Ela capacita o indivíduo para ouvir e compreender a sua própria alma imortal, cuja voz silenciosa não necessita de palavras.

Cabe a cada estudante de teosofia evitar as receitas prontas. Quais são os livros e artigos de teosofia que despertam o melhor e o mais elevado dentro de si? Pode ser o “Dhammapada” budista. Ou talvez os Aforismos de Ioga de Patañjali, ou os textos curtos de H. P. Blavatsky, Robert Crosbie, John Garrigues e William Judge. Talvez a consciência seja mais fortemente ampliada pela leitura dos artigos sobre a mudança planetária; ou sobre a história do movimento teosófico. Estas e outras áreas temáticas são objetos de estudo diário no e-grupo SerAtento. Todas elas são necessárias: mas o estudante deve perceber qual é, para si mesmo, a sequência natural de prioridades. Deste modo ele cria o seu jeito próprio de buscar a verdade através da teosofia clássica.

A filosofia esotérica original apenas indica o caminho em termos gerais. Ela dá a chave-mestra para abrir a porta que leva à sabedoria. Ela permite chegar a um ponto de vista a partir do qual é possível compreender as filosofias e tradições culturais de todos os povos e de todas as épocas. Neste processo, é válido o método Paulo Freire da autonomia do aprendiz.

Cada um deve ser, basicamente, seu próprio mestre e seu aluno. Aprender e ensinar são dois processos inseparáveis, e eles acontecem graças à solidariedade natural que existe entre todos os seres.

Ninguém sabe tanto que já não precise aprender algumas lições fundamentais sobre a arte de viver. Ninguém é tão ignorante que não tenha algo de valioso para ensinar aos outros. Mas é recomendável examinar a seguinte pergunta:

“O que é mais importante para mim: aquilo que penso que já sei, ou aquilo que ainda não sei, mas posso aprender?”

A teosofia flui livremente para os que aprendem por mérito próprio, compartilhando com os outros as lições da caminhada.  

NOTAS:

[1] “Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao andar.”

[2] Ver o segundo parágrafo do Fragmento III (Parte III) de “A Voz do Silêncio”. A obra, traduzida e comentada por H. P. Blavatsky, está disponível em PDF em nossos websites.

[3] “Pedagogia da Autonomia”, Paulo Freire, Ed. Paz e Terra, nona edição, 1998, edição de bolso, 165 pp., ver p. 52.

[4] “Pedagogia da Autonomia”, Paulo Freire, p. 66.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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