26 de setembro de 2014

A Vida de Boris de Zirkoff

O Notável Editor que Compilou as Obras de Helena
Blavatsky Nunca Foi à Escola, e Nunca Teve um Emprego 

Carlos Cardoso Aveline

Boris de Zirkoff (1902-1981)



“Devemos fazer o possível para conviver
bem com os outros. Isso pode ser conseguido
de modo mais fácil, e mais digno, se olharmos para
os outros como fragmentos da Vida Una Universal.”

(Boris de Zirkoff)



Um dos principais teosofistas do século 20, Boris de Zirkoff foi sobrinho-bisneto de Helena P. Blavatsky e editou os “Escritos Reunidos” dela (os “Collected Writings”) em 15 volumes. [1]

Nascido na Rússia em 7 de março de 1902, Boris mostrou desde cedo uma afinidade com a teosofia. Em suas notas autobiográficas, ele conta:

“Aos nove anos de idade, vi com nitidez o olhar preocupado de minha mãe quando disse a ela que um homem com cerca de 30 centímetros de altura, que usava roupas coloridas e uma touca de dormir, costumava sair da lareira para brincar comigo. Nós conversávamos sobre o fogo e os galhos pequenos que estavam na lareira. Eu queria conhecer outros gnomos ou salamandras, mas ele nunca trouxe nenhum.” [2]

Durante a primeira guerra mundial, Boris tinha 14 anos de idade quando o Carma da velha Rússia imperial se acelerou de modo fora do comum. Ele escreve:

“Em 16 de dezembro de 1916, Rasputin foi assassinado, e este acontecimento pareceu precipitar grande quantidade de mudanças. Pouco depois os revolucionários promoveram várias ações violentas (...). Finalmente, o czar teve que abdicar para atender às exigências de uma mudança constitucional, e o poder passou às mãos de um governo provisório.” [3]

Em 1917, Boris e sua família deixaram a Rússia. Em 1923, ele vivia em Estocolmo, na Suécia, quando entrou em contato com o movimento teosófico. Depois de uma reunião com Katherine Tingley - a líder da Sociedade Teosófica de Point Loma/Pasadena - ele transferiu sua residência para Point Loma, na Califórnia. Ingressou na Sociedade Teosófica de Point Loma em janeiro de 1924. No mesmo ano, aos 22 anos de idade, percebeu qual seria a tarefa da sua vida:

“… Tomei a decisão de compilar as obras de H. P. B. em uma edição uniforme de muitos volumes como material que servisse de fonte para o trabalho teosófico no futuro. Conhecendo bem os volumes de HPB que estavam publicados naquele momento, eu percebi em seguida que havia grande quantidade de material disponível para uma compilação, e que seriam necessários muito tempo e muito esforço para organizá-los por ordem cronológica.  Só então seria possível avaliar a dimensão das suas obras, e do seu conteúdo.  Creio que foi em dezembro de 1924 que comecei a compilar os escritos dela.” [4]

Em Point Loma, Boris realizava tarefas variadas:

“Às vezes eu conduzia visitantes até o Templo e assinalava o lugar em que eles deviam sentar. Cumpria meu turno atendendo no balcão da lanchonete e também lavando pratos. Desde uma alta escada, podava com uma serra curva as folhas mortas das palmeiras; recolhia tudo o que havia sido cortado e o queimava em um lugar especialmente destinado para isso. (.....)  O período mais agradável foi quando eu ajudava na atividade florestal, e passava a maior parte do dia podando, cortando, queimando, e irrigando.” [5]

Durante a década de 1940, Boris foi morar em Los Angeles.

Dia 12 de dezembro de 2005, um teosofista da Califórnia, experiente e bem conhecido, escreveu algumas linhas sobre a vida de Boris. Em seu testemunho, que menciona o autor teosófico   Sven Eek [6], ele diz o seguinte:  

“… Boris viveu com a família de Sven Eek em Los Angeles durante pelo menos dez anos. A vida de Boris foi algo fora do comum, porque ele nunca foi a uma escola, nunca teve um emprego, nunca teve carteira de motorista, nem cadastro social, ou número de CPF, e não pagou impostos. Do ponto de vista oficial, ele não existiu. Sua vida foi unicamente teosofia. Ele viveu em vários lugares a partir de 1958, sobrevivendo apenas graças a doações e vivendo de modo extremamente frugal.” [7]

Além de editar os Escritos Reunidos (“Collected Writings”) de H.P. Blavatsky, Boris de Zirkoff editou a revista “Theosophia”, que lançou em 1943.  Boris escreveu numerosos textos sobre teosofia e o movimento esotérico. Em um deles, publicado em 1962, ele examina o dever teosófico de colocar em prática a fraternidade universal:

“Devemos fazer o possível para conviver bem com os outros. Isso pode ser conseguido de modo mais fácil, e mais digno, se olharmos para os outros como fragmentos da Vida Una Universal.”

E Boris prossegue:  

“Deveríamos também lembrar que aquilo que nós vemos nos outros é frequentemente o que os outros veem em nós. Somos espelhos uns para os outros. Embora sejamos externamente diferentes,  todos partilhamos da mesma consciência fundamental - a consciência do Ser Uno Universal. Vistos deste ponto de  vista, os seres humanos são todos apenas átomos vivos de uma vasta corrente evolucionária que flui ao longo das eras.”

O artigo termina com estas palavras:  

“Sobretudo, devemos defender Princípios e não personalidades! Estas últimas são apenas ondas passageiras no oceano da vida, enquanto que os Princípios são as correntes profundas da própria vida, que avançam para metas distantes. Se quisermos crescer internamente e tornar-nos mais nobres e mais fortes, seremos necessariamente testados. Não há outra maneira de avançar. A vida provoca  um despertar após o outro, e cada despertar é um nascimento para uma esfera maior da vida.  Todo nascimento tem as suas dores. Portanto, o crescimento é frequentemente doloroso. A crisálida do eu pessoal e inferior deve ser rompida antes que a borboleta - o Eu renascido - possa emergir na liberdade ilimitada do céu.” [8]

Tendo feito uma enorme contribuição para a literatura teosófica, Boris de Zirkoff morreu nos Estados Unidos em 1981, aos 79 anos. Desde então os resultados do seu trabalho continuam ajudando estudantes de teosofia em muitos países ao redor do mundo. São milhares de leitores, que falam em diferentes idiomas em sua vida diária e pertencem a todos os setores do movimento esotérico.

NOTAS:

[1] “The Collected Writings of H.P. Blavatsky”, TPH, Wheaton, Illinois, EUA, 15 volumes.  O décimo-quinto volume é o index da coleção.  Trata-se de uma coleção de textos breves, que exclui os livros de HPB. Além disso, Boris de Zirkoff editou “From the Caves and Jungles of Hindustan”, volume de  720 páginas  que reúne os artigos de HPB publicados originalmente em jornais da Rússia. Zirkoff  fez uma edição de “A Doutrina Secreta”, fiel à edição original, que foi publicada em inglês pela Sociedade de Adyar no final da década de 1970. Deste modo, Adyar renunciou à edição adulterada por Annie Besant. No entanto, a edição adulterada por Besant ainda circula  em português e em espanhol.

[2] “The Dream That Never Dies”, Boris de Zirkoff, Compilado e editado por  W. Emmet Small, Point Loma Publications, Inc., San Diego, California, USA, copyright 1983, 232 pp., ver p. 209. Boris nasceu em 7 de Março de acordo com o calendário atual.  Segundo o velho calendário russo da Igreja Ortodoxa, trata-se de 22 de fevereiro. (Ver “The Dream That Never Dies”, p. 205.)

[3] “The Dream That Never Dies”, pp. 213-214.

[4] “The Dream That Never Dies”, p. 221.

[5] “The Dream That Never Dies”, p. 222.

[6] Sven Eek compilou e editou a importante obra “Damodar and the Pioneers of the Theosophical Movement”, publicado pela TPH, India, 720 pp., primeira edição, 1965, segunda impressão, 1978. O livro reúne dados sobre a vida de Damodar Mavalankar, incluindo os seus principais escritos e a sua correspondência com William Q. Judge, além de textos biográficos sobre outros pioneiros do movimento teosófico moderno.  O prefácio é de N. Sri Ram, pai de Radha Burnier e um dos presidentes da Sociedade de Adyar no século 20.

[7] O teosofista autorizou a publicação do seu curto testemunho em um artigo, com a condição de que seu nome fosse omitido. A mensagem está em um cartão postal no qual as palavras foram escritas com uma máquina datilográfica de letras pequenas. O atual artigo foi publicado em inglês cinco anos após o testemunho ser incluído em nossos arquivos.

[8] “The Dream That Never Dies”, p. 11.

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O texto acima foi publicado inicialmente em inglês, sob o título de “The Life of Boris de Zirkoff”, e pode ser encontrado neste idioma em nossos websites associados.

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