Como Funciona o Foco Central
da Mente Humana
Carlos Cardoso Aveline

Cabe
examinar a relação dinâmica entre o que chamamos de “eu” e o conjunto da nossa
mente.
A noção nítida de “eu” surge em geral entre dois e
quatro anos de idade, quando a experiência psicológica começa a ganhar peso e
densidade.
Em última instância, a noção de “eu” é algo que nasce
quando o indivíduo se insere em determinado ambiente cultural e aprende a
sobreviver nele. A filosofia esotérica considera a noção de “eu” como uma
realidade relativa, uma criação psicológica, tecnicamente “maya”, ou seja, algo
ilusório, no sentido de passageiro e impermanente.
Na vida adulta, um buscador da verdade cuja alma seja
experiente terá momentos cada vez mais profundos e frequentes em que a noção de
“eu” pessoal é transcendida ou “esquecida”. Ao longo da caminhada, a prática de
ideais nobres, o hábito do pensamento abstrato, a contemplação filosófica e o simples
amor profundo por alguém fazem com que a mente do indivíduo transcenda com
frequência a noção de “eu”.
A percepção de que existe um “eu” pessoal, e de que ele
é diferente e independente dos outros seres vivos, surge na criança ao mesmo
tempo que ela adquire uma boa coordenação
dos seus cinco sentidos, e quando ela já tem uma certa noção de “memória
pessoal”.
Assim, o “eu” poderia ser definido por nós como aquele
centro da consciência que coordena as ações concretas do indivíduo, e que faz
isso com base no funcionamento dos cinco sentidos. O “eu” coordena, pois, o uso
dos cinco sentidos e interpreta as informações vindas através deles. Além
disso, o “eu” também funciona com base na memória pessoal. É essa memória que lhe
dá um sentido de continuidade como indivíduo. A memória oferece ao eu pequeno uma
percepção de história pessoal a preservar - e a melhorar. Sem dúvida, em certos
aspectos o “eu” deseja transformar ativamente esta história, diminuindo o
sofrimento e aumentando a felicidade. Entre os enigmas que a vida coloca diante
do pequeno “eu” está o seguinte:
“Como alcançar com a maior eficiência possível a meta
de evitar o sofrimento e alcançar a felicidade?”
À medida que cresce em experiência e em compreensão da
vida, o pequeno “eu” se ampliará. Ele aprenderá a olhar por cima e para além
dos seus pequenos muros de autodefesa psicológica. Perceberá a sua silenciosa
essência interior, o “Verdadeiro Eu”, também conhecido como “eu superior” ou “alma
imortal”. E saberá que este Mestre interior é, na verdade, apenas uma “individualização”
da Lei Universal do Equilíbrio e da Verdade. Este Verdadeiro Eu está em
harmonia com todos os seres. Saber disso é inquietante e desafiador para aquele
pequeno eu que prioriza a autodefesa psicológica.
O pequeno eu impermanente aprende pouco a pouco a
ouvir a voz sem palavras do grande Eu maior e imortal. Ele se coloca a serviço
do Verdadeiro Eu e aprende que a morte não existe. Ele compreende a lei cármica
e cíclica da fraternidade universal de todos os seres. Ele descobre que, na
vida, como enunciado na lei de Lavoisier, “nada se perde, nada se cria, tudo se
transforma, tudo se recicla”.
A partir deste ponto o pequeno eu continua sendo um coordenador
das atividades “pessoais” que dependem da vida biológica e corporal, mas, conhecendo
seu papel dentro do contexto maior, ele percebe que tem uma chance única de
obter o máximo de sabedoria enquanto ainda está vivo nesta mesma existência
física.
Então o tempo que ele tem disponível passa a ser visto
como precioso. Metas pequenas, iluminadas por luzes falsas como dinheiro,
posição social, apegos familiares e coisas semelhantes perdem o charme e o encanto
“mágico” diante desse Pequeno Eu Renovado. É possível que este despertar ocorra
em meio a crises, “derrotas” e “desilusões pessoais”. O pequeno eu descobre agora
o “verdadeiro poder”: o poder que o faz “parecer nada aos olhos dos outros”, como
ensina o clássico teosófico “Luz no Caminho”.
Por que motivo é necessário este processo de perdas e
de aparente insignificância pessoal? A resposta é simples.
O fato de que o Pequeno Eu volta o seu olhar para as
coisas permanentes funciona na prática como se ele abandonasse as coisas
terrestres e pequenas; e isso provoca as perdas e desilusões ou derrotas. Ele não
está mais concentrado na tentativa de manter e preservar a vida aparente daquelas
ilusões passageiras. Seu magnetismo e sua alma vivem em outra dimensão. O processo
é normalmente doloroso, do ponto de vista do Pequeno Eu, e por isso é chamado
de “provações e testes do caminho”. Uma famosa oração atribuída a São Francisco
de Assis afirma:
“É morrendo que se nasce para a vida eterna.”
O Novo Testamento descreve o mesmo processo como se
fosse uma “crucificação”. Para o clássico cristão “Imitação de Cristo”, este é
“o caminho da cruz”.
De fato, o “eu” pequeno deve morrer para o mundo
pequeno. Assim ele pode renascer no mundo celeste, abstrato e contemplativo, e
navegar no céu grandioso daquela Verdade Universal que não oscila com as marés
do tempo de curto prazo. Isso é chamado de “ressurreição”, nas parábolas da
tradição cristã.
Quando o Pequeno Eu encontra sua felicidade no ato de participar
ativamente do Todo Maior, a sua bem-aventurança passa a ser uma realidade
durável, incondicional, e ilimitada.
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Sobre o mistério do
despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição
luso-brasileira de “Luz no Caminho”,
de M. C.

Com
tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos,
85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The
Aquarian Theosophist”.
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