5 de janeiro de 2015

Autodomínio Pelo Controle do Pensamento

Rompendo Com a Hipnose
do Sofrimento Desnecessário

Carlos Cardoso Aveline

A imaginação é comparável a um cavalo:
precisa ser treinada para levar-nos onde queremos




A mente humana é mais ampla do que o cérebro, seu principal instrumento no plano físico. Com um quilo e meio de peso e 14 bilhões de células, o cérebro tem uma possibilidade quase infinita de conexões e percepções. Ainda assim, é apenas uma ferramenta. A mente está presente em todo o corpo e sabe se expressar também de modos não-cerebrais. As células do corpo inteiro têm suas formas próprias de inteligência. [1] Os músculos guardam memórias emocionais, e a postura corporal pode ser determinante para o estado de espírito.

Há na mente humana algo como uma tela receptiva por onde desfilam imagens e pensamentos. Algumas dessas imagens são de produção própria, outras apenas repetições. O grau de criatividade ou repetição varia conforme o momento e o temperamento da pessoa. Em todos os casos cada ideia que passa por essa tela consciente traz consigo certa quantidade de energia e causa uma determinada impressão sobre o nosso estado de espírito. Esse, por sua vez, influencia o funcionamento de todo o corpo.

Estes fatos são motivo suficiente para que tratemos de observar, selecionar e dirigir o processo pelo qual as imagens mentais são produzidas em nossa consciência. É bom lembrar que, mesmo quando permanecem subconscientes, as ideias e impressões que habitam nosso mundo interior estabelecem relações invisíveis com o mundo psicológico das outras pessoas. E o fato é recíproco. Existe um intercâmbio involuntário de emoções e pensamentos. 

Conscientes ou subconscientes, as imagens felizes fazem com que nos sintamos física e emocionalmente bem. Elas nos conectam com mais força aos outros seres, desfazem nossos muros, despertam otimismo e nos possibilitam viver plenamente. Já as imagens negativas são úteis como indicações de que há sentimentos ou situações que devemos observar e compreender, e depois abrir mão deles.  

O ser humano tem a liberdade de controlar seus estados de espírito. A lei do Carma ensina que cada homem é o absoluto legislador e diretor do seu destino. Há milhares de anos o indivíduo humano busca o autoconhecimento e aprimora suas técnicas de autocontrole para alcançar uma felicidade estável, que não dependa dos altos e baixos externos da vida.  A religião, a filosofia, a arte e a psicologia vêm buscando essa meta há muito tempo e com êxito lentamente crescente.

A filosofia esotérica ensina a alcançar este objetivo por um caminho mais direto.  Em 1887, quando morava em Londres, a teosofista Helena Blavatsky ditou a um dos seus discípulos um Diagrama de Meditação. A técnica faz parte do aprendizado da Raja Ioga. Seu praticante deve imaginar constantemente que está na presença do tempo eterno e do espaço infinito.

“Eu sou todo o Espaço e todo o Tempo”, diz, mentalmente, o estudante. A prática, unida ao estudo das verdades universais, dissolve gradualmente as preocupações pessoais que produzem o sofrimento. Medos e ansiedades desaparecem através da autoidentificação com o absoluto.  Essa é uma forma de autodomínio através da autossugestão.[2]

Evitando o Pesadelo da Hipnose

No início do século vinte, depois de estudar os processos hipnóticos, o psicoterapeuta Émile Coué escreveu um livro sobre a autossugestão consciente.  A técnica da autossugestão tem uma relação com os processos da hipnose por dois motivos. Primeiro, o estado hipnótico é uma espécie de sono em que só recebemos as sugestões do hipnotizador. Em segundo lugar, porque, mesmo quando está acordado, o ser humano mantém a maior parte do seu ser interior adormecido, e recebe, o tempo todo, sugestões e impressões inconscientes que vêm das mais variadas fontes, inclusive de si mesmo. O método de Émile Coué ensina a provocar um processo consciente de sugestão, ou programação, sobre o nosso ser instintivo. Neste sentido, não sofre das graves contraindicações da hipnose, que é fortemente desaconselhada em teosofia porque suprime a autonomia do aprendiz.

Apesar desta vantagem relativa da autossugestão, Émile Coué considera como principal algo que é importante, mas secundário: a existência de uma natureza receptiva em nossa consciência. A tarefa central não é fazer com que nossa natureza hipnotizável receba sugestões positivas: é desenvolver uma vontade elevada, que amplie nosso autocontrole consciente e elimine a possibilidade de sermos hipnotizados por qualquer fonte externa de sugestões. Assim nada suspenderá nosso discernimento independente e a nossa autorresponsabilidade diante da vida ganhará força. [3]

Há em nós níveis de consciência bastante diferentes entre si. Um deles é supraconsciente e divino, e está acima da nossa consciência verbal. Outro é subconsciente, pertence ao mundo animal, e funciona como o centro da nossa inteligência emocional. Nosso “eu” racional deve ser capaz de manter um pleno contato com o mundo subconsciente e com o mundo supraconsciente. E deve poder alimentar com ideias e emoções positivas o nível subconsciente do mundo psicológico.  Deste modo evitará cair em armadilhas.

O autocontrole raramente é fácil. Quando aceitam uma vida de rotina e sem vontade firme, as pessoas tornam-se médiuns de seus próprios hábitos. O fortalecimento da vontade espiritual permite vencer o problema. A humanidade enfrenta em seu estágio atual fortes nuvens de ignorância e negatividade criadas por ela própria no passado. Cada indivíduo deve ter o talento e a determinação necessários para abrir um espaço luminoso em torno de si, que se somará à energia construtiva de outros.

Émile Coué destaca que a vontade humana é útil para guiar o mundo consciente, mas que o mundo subconsciente é guiado pela imaginação. E, quando há conflito, a imaginação sempre predomina sobre a vontade consciente. Se imaginarmos que uma coisa é impossível, não obteremos êxito, por mais vontade que tenhamos. Se imaginarmos que a meta é alcançável, chegaremos a ela com naturalidade. Quando predomina a ignorância, a imaginação pode ser como um cavalo desgovernado que segue seus impulsos caóticos. Mas, com habilidade, podemos colocar um freio e conduzir para onde quisermos a imaginação. E só a vontade elevada é criativa e transcendente a ponto de dirigir a imaginação.

“O subconsciente é a coisa mais maravilhosa da mente humana, e talvez de todo o mundo que conhecemos, porque é a parte onipotente do homem”, escreveu David Bush. Um exemplo prático disso é alguém que vai dormir desejando acordar em uma determinada hora e acorda, de fato, exatamente no horário. 

Algo semelhante ocorre quando vamos dormir pensando em um problema e, ao acordar na manhã seguinte, a solução surge pronta em nossa mente. Fatos como esses ocorrem graças à parte onisciente do homem, segundo Bush: “A mente subconsciente sabe tudo, embora, é claro, ela deva ser adequadamente dirigida.”

Passividade É Arma de Falsos Gurus

Pensadores como Jiddu Krishnamurti parecem depender da expansão da natureza receptiva das pessoas para exercer sobre elas uma influência semi-hipnótica, que alguns consideram “espiritual” mas paralisa o uso do discernimento e da tomada responsável de decisões, impedindo o funcionamento de Antahkarana, a ponte entre o eu inferior e o eu superior.

O hipnotismo pseudoespiritual de tais gurus nega a importância da lei do carma e não dá atenção à ética. Eles não sabem que todo verdadeiro ensinamento espiritual é inseparável da arte de viver corretamente e de uma compreensão do modo como funciona a lei do carma. A busca da verdade nada tem a ver com os gurus que vendem ensinamento e ignoram a lei do carma para obedecer às leis do mercado.

O autocontrole é o oposto da passividade.

Quando o subconsciente não é alimentado de modo consciente e adequado, ele passa a acumular preocupações, sugestões negativas, ideias rancorosas e visões pessimistas. Em seguida, o indivíduo vê nascer em si um comportamento destrutivo, impulsivo e cego.  

A lei da vida é que colhemos o que plantamos, e cada pensamento é uma semente. Cada imagem mental tem importância para nosso comportamento e nosso destino. É nossa tarefa zelar pela higiene da nossa “alma involuntária” para que ela seja uma fonte de saúde e bem-estar, não só para nós, mas para os seres com quem nos relacionamos.

A mente subconsciente é diferente da mente cerebral porque ocupa todo o corpo humano. Ela inclui a vitalidade de cada uma das suas células, e também tem consigo o poder da intuição e da criatividade.

Através de decisões corretas, sugestões construtivas e ações acertadas, essa mente é alimentada e dirigida pelo caminho da autolibertação.

Qualquer imagem, pensamento, ideia ou padrão vibratório introduzido “automaticamente” no subconsciente é uma sugestão. Mas também uma ação concreta e definida tem poder sugestivo. Cada vez que cumpro o meu dever, fica registrado no meu subconsciente o fato de que sou vitorioso em relação às tarefas que assumo como minhas.  Porque as ideias não surgem apenas de outras ideias.  Surgem também de ações. Os hábitos são fatores determinantes de nossos estados de espírito.  Quando é impressionado por ações, palavras ou imagens, o subconsciente segue o plano definido no reino da imaginação. Usando as suas várias inteligências involuntárias, ele cria formas e imagens em cada instância da nossa vida conforme as orientações que recebe no plano imediatamente mais sutil.  

O sentimento de medo, por exemplo, é fonte de grande número de sugestões. Os medos da velhice, do desemprego, da doença, da solidão e da morte são responsáveis por enorme quantidade de impressões psíquicas negativas, produtoras de sofrimento, e estas, por sua vez, levam a ações erradas.  O estudo da filosofia, a meditação, a prática do altruísmo, a busca da sabedoria e o desenvolvimento do poder do otimismo geram sugestões positivas que são reforçadas no dia-a-dia pela autossugestão consciente e pela ação baseada na sabedoria teosófica.  A confiança na vida sugere que para cada problema há várias boas soluções. A vida é fundamentalmente eterna e só secundariamente cíclica ou intermitente.

O Autocontrole Como Caminho do Bem-Estar

Desde um ponto de vista prático, como podemos praticar a autossugestão e o autocontrole, purificando e dirigindo com eficiência especial a nossa mente subconsciente?

Cada indivíduo deve criar seus próprios métodos. 

Estudar e contemplar os princípios e axiomas da sabedoria teosófica e universal é um método geral eficaz que o estudante deve ajustar com criatividade para a sua vida.

A técnica recomendada por Émile Coué pode ser tomada como exemplo e é radicalmente simples. A mente subconsciente não aceita complicações. Segundo Coué, o praticante deve pegar um cordão e dar vinte nós nele. O cordão permitirá contar facilmente até vinte. À noite, no momento de dormir, e pela manhã, logo ao acordar, o indivíduo deve dizer vinte vezes a seguinte frase:

“A cada dia, de todos os pontos de vista, estou cada vez melhor.”

Para Coué, como as palavras “de todos os pontos de vista” abrangem tudo, não há necessidade de fazer autossugestão para casos específicos. A frase deve ser dita em voz alta, se possível, ou mentalmente, se não houver outro jeito.

Coué afirma:

“Essa autossugestão deve ser feita da maneira mais simples, mais infantil, mais maquinal possível, e portanto sem o menor esforço. Em uma palavra, a fórmula deve ser repetida no tom em que se rezam as ladainhas. Assim, consegue-se introduzi-la mecanicamente no inconsciente, pelo ouvido, e tão logo penetre nele, ela age. A pessoa deve seguir esse método durante toda a vida, porque não é só curativo, mas também preventivo.” [4]

A adoção de uma frase fixa durante muito tempo tem fortes contraindicações.

Melhor será criar diferentes frases contemplativas durante o dia e ao longo dos momentos de vigília, conforme as necessidades do momento.  Frases diferentes que apontam na mesma direção manterão a criatividade e a vigilância presentes, evitando a rotina cega e fortalecendo a vontade própria na relação com as influências (densas e sutis) do mundo externo.

A leitura de obras de filosofia esotérica clássica permite escolher ideias-chave que o estudante deve contemplar um número indefinido de vezes a cada dia, combinando repetição e criatividade, perseverança e renovação.

Haverá obstáculos. A repetição contemplativa de frases axiomáticas enquanto o estudante está na fila do banco ou caminhando para o trabalho pode parecer ridícula para um praticante inexperiente. Os hábitos mentais nocivos e outras forças magnéticas negativas, ao serem ameaçados de expulsão da aura do indivíduo, tentarão desmoralizar a nova prática despertando a sensação de que se trata de algo inútil ou absurdo: ou provocarão pressões para que o foco central da mente fique disperso diante de determinados “fatos novos” e “acontecimentos interessantes”.

Com a prática diária do autocontrole, obstáculos que antes não nos chamavam atenção passam a ficar, para todos os efeitos práticos, maiores do que eram antes. Dificuldades até agora subconscientes saltam para o consciente e será preciso enfrentá-las. Disso emerge o velho ditado popular: “quanto mais eu rezo, mais assombração aparece”.

A resposta certa é a combinação criativa de fatores como continuidade e renovação. A calma decisão de obter uma vitória sem derrotados aumenta a afinidade pessoal com a energia da bem-aventurança e do desapego, dois fatores inseparáveis. A paciência e a perseverança irão produzir frutos. Um saudável otimismo purificará a vida mental. As oportunidades positivas se multiplicarão e os novos desafios serão de um nível cada vez mais elevado. Em qualquer situação, a força consciente da boa vontade anula as sugestões negativas.    

Pensamentos Úteis Para o Despertar Individual

Cada ser humano está imerso nas ondas mentais e emocionais de seu país, de sua família, dos colegas de trabalho e do subconsciente coletivo. A mente subconsciente troca mensagens telepáticas o tempo todo com a alma subconsciente de outros indivíduos. Para usar um termo sânscrito, navegamos em um mar de skandhas ou “registros de ações passadas”, nossas e de outras pessoas. Esses skandhas produzem sugestões psíquicas, isto é, nos estimulam o tempo todo a organizar nossa consciência deste ou daquele modo, e a agir dessa ou daquela maneira.  A decisão, porém, é nossa. Através das nossas ações físicas, emocionais e mentais, criamos a cada instante novos skandhas ou registros cármicos que provocarão outras tantas sugestões no futuro.

Assim funciona a lei do Carma.

Cada pensamento elevado gera efeitos positivos e aumenta nossa autonomia pessoal. Em momento algum a nossa mente necessita estar ociosa ou aberta a distrações. Escolhendo e memorizando pensamentos inspiradores, podemos meditar sobre eles a qualquer momento, aumentando a nossa vitalidade psicológica.

Estes são alguns exemplos de pensamentos úteis:

* Sou o capitão da minha alma e o senhor do meu destino.

* Estou livre de dor, tristeza, apego e rejeição. Do passado, tiro lições: estou na presença do tempo eterno e do espaço infinito.

* Existo em unidade com a Fonte ilimitada da vida do universo. Sua energia flui através de cada célula do meu corpo. 

* O Espírito do bem e da justiça ilumina e protege meu caminho.  

* Renuncio agora a preocupações pequenas ou pessoais e me concentro naquilo que vale a pena porque é eterno.

Outras tantas frases podem ser criadas pelo praticante. É recomendável evitar formulações específicas. Visualizar a obtenção de metas pessoais é prática nociva para si mesmo e para os outros.   

Nossos desejos pessoais são frequentemente equivocados, e a vida nos mostra que o melhor para nós nem sempre é aquilo que desejamos. Além disso, as formulações específicas atuam no mundo concreto, e sua energia densa não tem eficácia.

A formulação genérica é eficaz porque confia na Vida, expande a influência da alma imortal na existência diária, e não pretende manipular os planos inferiores do Carma ou destino. Ela gera imagens positivas abstratas, que se materializarão conforme a lei da justiça, no tempo e na forma adequados. 

NOTAS:

[1] Veja, por exemplo, o artigo “A Consciência do Estômago”, de Carlos Cardoso Aveline, que está disponível em  nossos websites associados. 

[2] Veja o Diagrama de Meditação de Helena Blavatsky, completo e com comentários, no livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, Carlos Cardoso Aveline, Ed. Teosófica, Brasília, 2002, pp. 178-181.

[3] “How to Put the Subconscious Mind to Work”, David Bush, Kessinger Publishing, Montana, EUA, 459 pp., ver pp. 7 e 8.

[4] “O Domínio de Si Mesmo Pela Auto-Sugestão Consciente”, de Émile Coué, Ed. Martin Claret, SP, 144 pp., ver p. 39.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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