Falso Clarividente Afirma
Haver
Matado Pessoas de “Raças
Inferiores” no Brasil
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline
O Brasil
tem orgulho da sua miscigenação racial
O primeiro objetivo do movimento
teosófico - fundado em 1875 por Helena Blavatsky - é a vivência da fraternidade
universal, independentemente de raça, classe, sexo, casta ou religião.
Embora
o ensinamento original e os setores autênticos do movimento esotérico sejam
antirracistas, existe um desrespeito irremediável em relação a negros e índios
em vários livros de Charles Leadbeater, o bispo da chamada “Igreja Católica
Liberal” que viveu até 1934 e é o autor mais “importante” da pseudoteosofia
ritualista promovida pela Sociedade de Adyar.
É
verdade que, desde a vitória da democracia na segunda guerra mundial, os livros
de Leadbeater vêm sendo gradualmente deixados de lado. A tendência é saudável,
mas tem avançado de modo demasiado lento.
Falso
clarividente, Leadbeater foi expulso da Sociedade Teosófica em 1906 pelo seu
presidente fundador, Henry Olcott.
Por
uma coincidência estranha e lamentável, Olcott morreu poucos meses depois - e
Leadbeater de imediato voltou a dominar a Sociedade, criando ritualismos e
organizando uma paródia da volta de Cristo. No século 21, a situação é outra.
Cresce o número de pessoas que compreendem o alerta feito pelo fundador de Loja
Unida de Teosofistas, Robert Crosbie:
“Leadbeater
queria ser reconhecido como um grande instrutor, e para chegar a outros reinos
da natureza ele usou os meios mais abomináveis - magia negra, na realidade.” [1]
A
denúncia das ideias leadbeaterianas é particularmente importante no Brasil,
porque o país é multicultural e multirracial, e a sua legislação define racismo
como crime. Divulgar as ideias de Leadbeater contraria a lei vigente. Os
membros e líderes da Sociedade de Adyar são pessoas sinceras, mas nem sempre
estão bem informados, e são, às vezes, vítimas de medo supersticioso. Nos
tempos atuais, com acesso mais fácil aos fatos, eles podem e devem ampliar seu
contato com a realidade, optar pelo bom senso, e impedir a lamentável
divulgação de ideias fascistas em nome da teosofia.
Leadbeater Afirma Haver Matado
Brasileiros
No artigo “O Racismo em Nome da Teosofia”, que está disponível em nossos websites, analisamos principalmente o livro “O Homem Visível e Invisível”, de Charles Leadbeater. Ali mostramos que este autor expressa a ilusão - supostamente “clarividente” - de que os brancos são superiores aos negros e aos indígenas. Vejamos agora mais especificamente o que Leadbeater afirma em outra obra, em relação ao povo brasileiro.
No
prefácio do seu livro “The Perfume of
Egypt” [2], ele escreve que “as
histórias contadas neste livro são verdadeiras”. O conto mais longo da obra
descreve, sob o título “Salvo Por Um
Espírito”, as supostas experiências de C. W. Leadbeater no Brasil em torno
de 1860.
Cabe,
inicialmente, perguntar: quem afirma que se trata de fato do Brasil? No texto,
C. W. L. só menciona “América do Sul”. É C. Jinarajadasa, protagonista da história
e suposto irmão de C. W. Leadbeater, quem escreve que os acontecimentos
ocorreram no Brasil. Jinarajadasa afirma:
“A
história da minha prévia (e gloriosa) morte no Brasil está narrada no capítulo
‘Salvo Por Um Espírito’, em ‘The Perfume of Egypt’, de C. W.
Leadbeater.” [3].
No
Brasil, a obra de Leadbeater foi publicada com o título geral de “Salvo Por Um Espírito”. Jinarajadasa
acrescenta que, pouco depois de morrer como irmão biológico mais moço de C. W.
Leadbeater, ele nasceu de novo no Sri Lanka. Alguns anos mais tarde Leadbeater
foi a Sri Lanka e o teria “reconhecido” como seu irmão em seu novo corpo.
A obra
“A Gnose Cristã”, de Leadbeater, inclui uma pequena biografia do autor. Em uma
nota de pé de página para a edição brasileira da Ed. Teosófica de Adyar [4], há a afirmação, com base em “The
Theosophical Yearbook of 1937”, p. 219, de que Leadbeater veio ao Brasil quando
tinha 13 anos de idade, junto com seu pai e seu irmão Gerald. A nota acrescenta
que os acontecimentos narrados em “Salvo
Por Um Espírito” ocorreram na Bahia.
A
narrativa de “Salvo Por Um Espírito”
é surpreendente em vários sentidos. O autor descreve da seguinte maneira o povo
brasileiro, à página 109 da edição da Ed. Pensamento:
“Primeiro,
vêm os descendentes dos conquistadores espanhóis e portugueses - raça
orgulhosa, indolente, elegante e hospitaleira, de forma alguma destituída de
boas qualidades, mas, ainda assim, tendo como sua mais forte característica um
imensurável desprezo (ou a afetação disso) por todas as outras raças, fossem
elas quais fossem.”
Há
muitos erros nestas poucas linhas.
Em
primeiro lugar, os espanhóis nunca foram “conquistadores” do Brasil. Por outro
lado, os povos português e espanhol não podem ser descritos como uma “raça”.
Muito menos como uma “raça indolente”. Em terceiro lugar, os portugueses não
demonstravam de modo algum “imensurável desprezo” por outras “raças”.
Mas, no
parágrafo seguinte, Leadbeater fica ainda mais longe da realidade: “Depois,
vinham os Índios Vermelhos”, diz ele. Como se sabe, nunca houve “índios
vermelhos” no Brasil. No entanto, a expressão “índios peles-vermelhas” é comum
nas histórias de bangue-bangue do faroeste norte-americano.
C. W. L.
continua:
“Dessas
tribos, muitas tinham adotado um tipo de esquálida semicivilização, mas muitas
outras ainda eram selvagens, indomadas e indomáveis - homens que viam o
trabalho, fosse de que espécie fosse, como a mais profunda degradação, e que
odiavam o homem branco com um ódio tradicional, inflexível, e que (estranho
como possa parecer) iam ainda além da reciprocidade do infinito desprezo dos
fidalgos espanhóis de sangue azul. Será, sem dúvida, incompreensível para
muitos de nós que um selvagem seminu possa manter qualquer outro sentimento que
não seja o da inveja pela nossa civilização superior, por muito que não gostem
de nós, mas só posso dizer que o mais autêntico e natural sentimento do Índio
Vermelho para com o homem branco é puro e implacável desprezo.” [“Salvo Por Um Espírito”, p. 109.]
O
ódio racial brilha tanto quanto a ignorância, nesta passagem infeliz. Três
aspectos devem ser ressaltados:
1)Temos
aqui novamente os “fidalgos espanhóis”, que parecem estar governando o Brasil,
um país independente de Portugal desde 1822, e que nunca teve uma classe dominante
“espanhola”.
2)Vemos
no trecho mais uma vez os “Índios Vermelhos”.
3)A
verdade é que os povos indígenas no Brasil tinham menos ódio que amizade pelas
pessoas brancas. Predominavam a integração e a cooperação. Na ausência delas,
havia submissão.
Assim,
esses parágrafos não são de modo algum verdadeiros em relação ao Brasil, ou ao
estado da Bahia. Mas Charles W. Leadbeater prossegue:
“Em
terceiro lugar vinha a raça negra - parte não pequena da população, em sua
maioria em estado de escravidão, embora o Governo estivesse fazendo tudo quanto
podia para afastar aquela maldição de seus territórios. Por fim, vem o pior, os
chamados mestiços, meio sangue - raça mesclada que parecia, como às vezes
acontece com esse tipo de raça, combinar todas as piores qualidades das raças
de ambos os progenitores. Os índios, os espanhóis, os negros, todos eles os
desprezavam, e eles, por sua vez, olhavam todos os demais com virulento
rancor.” [“Salvo Por Um Espírito”,
metade superior da p. 110.]
O
trecho faz uma defesa aberta do racismo.
Ainda
que a narrativa não se referisse ao Brasil, e mesmo que ela possa ser vista
apenas como uma ficção de péssima qualidade, o tom racista presente no texto é
enfático, inegável e inaceitável.
Estas
ideias são radicalmente opostas à filosofia teosófica, e antecipam a ideologia
nazista da “raça superior”.
Para
assinalar a posição da teosofia autêntica, vejamos a carta de um Mahatma
escrita no início dos anos 1880, em que o Iogue relata a posição tomada pelo
Mestre dos Mestres, o Chohan:
“Para
alcançar o objetivo proposto [para o movimento teosófico], foi determinado que
houvesse uma convivência maior, mais sábia, e especialmente mais benevolente,
do superior com o inferior, do Alfa e do Ômega da sociedade. A raça branca deve
ser a primeira a estender a mão da fraternidade aos povos de cor escura e a
chamar de irmão o pobre ‘negro’ desprezado. Esta perspectiva pode não agradar a
todos, mas não é teosofista aquele que se opõe a este princípio.”[5]
E
H.P. Blavatsky escreveu em “A Doutrina Secreta”, referindo-se a um cientista de
nome Agassiz:
“A
unidade da espécie humana foi aceita pelo ilustre professor de Cambridge (EUA) do
mesmo modo como ela é aceita pelos ocultistas, ou seja, no sentido da
homogeneidade essencial e original, com sua origem derivada da mesma fonte: -
isto é, negros, arianos, mongóis, etc., todos surgiram da mesma maneira e dos
mesmos ancestrais. Estes últimos eram todos da mesma essência, embora
diferenciados, porque pertenciam a sete planos, que diferiam em grau, mas não
em espécie.” [6]
A
descrição feita por Leadbeater de relações inter-raciais baseadas em ódio seria
motivo de riso, se não fosse tão ofensiva. A frase em que afirma que “por fim
vem o pior, os mestiços”, assegurando que “os mestiços combinavam todas as
piores qualidades das raças de ambos os progenitores”, é digna de especial
atenção por seu tom, que antecipa a ideologia fascista.
Desde
uma perspectiva teosófica, muito pelo contrário, misturar culturas e povos de
cores de pele diferentes é parte essencial da preparação para a futura
humanidade. O primeiro objetivo do movimento teosófico - a constituição de um
núcleo da fraternidade universal sem distinção de raça, entre outros itens -
não deixa dúvidas em relação a este ponto.
A
narrativa de Leadbeater descreve uma suposta revolta organizada por “índios
ferozes” contra a construção de uma estrada de ferro, realizada pelos ingleses.
Ele afirma, comentando o momento em que a revolta imaginária estalou:
“Eu
passei a mão no meu [rifle] também - porque eu também tinha um. Naquela região
selvagem nem mesmo o pequeno Gerald jamais saiu sem seu minúsculo revólver
metido no cinto, e eu, habitualmente, levava um par de Colts, e carregava um
rifle comigo, sempre que saía para uma caminhada. E essas precauções não eram
de forma alguma desnecessárias...”
É
estranho pensar que crianças usassem “minúsculos revólveres” para defender-se;
ou que um garoto de 13 anos de idade carregasse “dois Colts e um rifle” cada
vez que saía para dar uma caminhada, conforme aparece na página 117 do livro,
na edição brasileira.
Seja
como for, Leadbeater descreve a sua situação em meio aos violentos combates
imaginários:
“Até
aquele momento havíamos escapado ilesos, enquanto um número bastante grande de
cadáveres jazia em torno da cabana, porque até Gerald havia, valentemente,
tomado parte na luta, e abatera pelo menos dois selvagens, além de ferir mais
um outro. Do meu lado, um tipo de aspecto feroz havia introduzido a boca do seu
rifle através de uma das fendas. Saltei para um lado, agarrei a arma exatamente
quando ele a descarregava e disparei meu revólver em cima dele, diretamente
para seu rosto. Ele caiu de costas com um gemido, deixando o rifle metido
através da fenda.” (página 118, na edição da ed. Pensamento)
Na
p. 120, o “bispo” C. W. Leadbeater afirma que, depois de uma pausa, aproveitou
a oportunidade para matar outros indígenas:
“...
O silêncio transformou-se num pandemônio de sons, os selvagens correndo aos
urros em direção à nossa cabana, mais uma vez, disparando louca e
incessantemente seus rifles. Eu já havia dado conta de vários dos meus
agressores quando meu pai gritou para mim, do outro lado: ‘Aqui, deste lado!
Aponte apenas para aqueles homens que trazem o tronco.’ Vi, então, que seis ou
oito dos índios estavam carregando um pesado tronco, que contavam usar, era evidente, como um aríete para derrubar
a nossa porta. (...) Concentramos o fogo dos nossos revólveres sobre os que
carregavam o tronco; assim, quando chegaram a meia distância a metade deles já
estava no chão, e os que ficaram viram que o peso era demasiado para eles.
Outros saltaram para a frente, bravamente, a fim de tomar o lugar dos caídos,
mas chegaram tarde demais para segurar o tronco que tombava, e, desde que ele
foi parar no chão, cada homem que se aproximava encontrou a morte.”
No
trecho acima, o criador da “Igreja Católica teosófica” confessa que atirava com
armas de fogo contra homens desarmados (já que tinham os braços ocupados em
carregar o tronco). Atirava, pois, a sangue frio.
Para
comprovar a falsidade da narrativa, um teosofista brasileiro solicitou a ajuda
de Edivaldo Batista de Souza, que em 1999 presidia a loja teosófica de Adyar na
cidade de Salvador, Bahia. Assim, foi obtido o testemunho de um historiador
local. O sr. Desiderio Bispo de Melo, historiador da Universidade da cidade de
Salvador, teve a assistência de Mônica Cristina da Fonseca, uma estudante do
quinto semestre do curso de História.
O
parecer de Desiderio Bispo de Melo diz que uma estrada de ferro estava de fato
sendo construída na Bahia em 1860-1862; e que havia ingleses envolvidos. Mas
esclarece que não houve qualquer revolta com as características pintadas por
Leadbeater e, na verdade, não houve qualquer revolta.
O
historiador destaca o fato bem conhecido de que o Brasil, como nação, já
possuía na época um aparelho de estado completo e organizado. A Bahia era uma
das províncias mais importantes do império, e o eventual assassinato de um
cidadão inglês teria atraído atenção internacional.[7] Fica estabelecido, deste modo, que nada há de real na
fantástica e desastrada narrativa de Leadbeater. Na época, um destacado líder
da Sociedade Teosófica de Adyar no Brasil, seguidor radical de Annie Besant,
tentou argumentar:
“Bem,
o parecer do historiador mostra que os fatos não ocorreram na Bahia. Eles podem
ter ocorrido em algum outro estado...”.
A
ideia não faz sentido.
Não
há registros de revoltas importantes de índios brasileiros contra as
autoridades do país, e muito menos na segunda metade do século 19.
Os
índios brasileiros não usavam armas de fogo. Eles eram vítimas do alcoolismo, e
morriam de gripe, de doenças venéreas, de fome, subnutrição, mas não ofereciam
resistência à destruição da sua cultura.
A narrativa
de Leadbeater demonstra racismo, desprezo pela vida humana e a fantasia
irresponsável de que negros e indígenas são moralmente inferiores aos brancos.
Errar
é humano, e corrigir os erros também é humano.
A
grande oportunidade histórica que está hoje diante dos responsáveis pela
Sociedade de Adyar - e de todos os seus membros e amigos - é a de abandonar
pública e honestamente a pseudofilosofia de Annie Besant e Charles Leadbeater,
e adotar a filosofia da fraternidade universal ensinada por Helena P.
Blavatsky, Damodar Mavalankar, William Q. Judge, Robert Crosbie - e centenas de
pensadores de todos os povos e de todos os tempos.
NOTAS:
[1] “The Friendly Philosopher”,
Robert Crosbie, Theosophy Co., Los Angeles, 1946 / 2008, 416 pp., ver p. 28.
[2] A primeira edição de “The Perfume
of Egypt” apareceu em 1911. A edição brasileira deste livro de C.W. Leadbeater
saiu pela Editora Pensamento, SP, sob o título de “Salvo Por Um Espírito”.
[3] “Os Sete Véus Sobre a
Consciência”, de C. Jinarajadasa,
livro de 77 pp. editado pela Sociedade Teosófica no Brasil na década de 1960,
em SP. Veja, ali, na p. 67, a nota de pé de página escrita por C. Jinarajadasa.
[4] “A Gnose Cristã”, C.W.
Leadbeater, Ed. Teosófica, Brasília, 552 pp. A nota citada está na p. 15.
[5] Carta 1, “Cartas dos Mestres de
Sabedoria”, editadas por C. Jinarajadasa,
Ed. Teosófica, Brasília. Veja a metade inferior da p. 18.
[6] “The Secret Doctrine”, Helena
Blavatsky, Vol. II, p. 607 (nota de rodapé), Theosophy Co., 1982.
[7] Uma cópia xerox da íntegra do documento
do historiador baiano pode ser obtida entrando em contato com os editores de “O
Teosofista”.
000
Uma primeira versão do texto “Leadbeater
Diz Que Matou Brasileiros” foi publicada sem indicação de nome de autor em
“O Teosofista”, edição de dezembro
de 2008.
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Sobre o
mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição
luso-brasileira de “Luz no Caminho”,
de M. C.
Com
tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos,
85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The
Aquarian Theosophist”.
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