Apotegmas dos Padres do
Deserto, Com Comentários de 2025
um anônimo, e trasladadas ao Latim por
São Martinho Bracarense, bispo de Dume.
Carlos Cardoso Aveline - atualizada e comentada
com apoio editorial de outros estudantes da LIT.

no século 4. (A fonte da imagem é indicada ao final do texto.)
Nota Editorial de 2025
O texto a seguir é reproduzido do livro “Vida e Opúsculos de Martinho Bracarense”, impresso em 1803 por cuidado e ordem do Arcebispo Primaz Caetano Brandão, em Lisboa, na Typografia da Academia Real das Sciencias, com licença do Desembargo do Paço. O volume tem 285 páginas.
As Sentenças dos Padres do Egito são ali apresentadas em dois idiomas, latim e português, ocupando desde a página 257 até à 282.
Os “Padres do Egito” são os Padres do Deserto, que nos primeiros séculos da era cristã iam viver nas regiões áridas seguindo a tradição dos Essênios e do próprio Jesus. Veja “Jesus, um Sábio do Deserto”.
Martinho Bracarense
O religioso e filósofo S. Martinho Bracarense viveu na cidade de Braga, no Reino Suevo, no século seis da era cristã. Nasceu na Europa Central em torno do ano de 520, e viveu até 580. Martinho é um dos Pais da Igreja que viveram na Península Ibérica. Hoje Braga pertence a Portugal, mas a maior parte do antigo reino suevo pertence atualmente à Espanha.
Martinho foi influenciado pelas ideias de João Cassiano (cerca de 360 - cerca de 435), um dos principais estudiosos da sabedoria dos Padres do Deserto. [1] Os escritos de ambos têm forte valor teosófico. Cassiano é considerado um semi-pelagiano porque destaca a importância da autonomia do aprendiz, reconhecendo o fato de que é preciso avançar por decisão própria no caminho espiritual.
Outra influência significativamente teosófica nos escritos de Martinho Bracarense é a do filósofo romano Lúcio Sêneca, nascido na Espanha em torno do ano quatro antes da era cristã. Martinho Bracarense, também conhecido como Martinho de Braga, exemplifica pessoalmente a vasta influência do pensamento estoico sobre o cristianismo original.
Ortografia Atualizada
O leitor do século 21 deve ter em conta que “Deus” é uma palavra vaga e abrangente que pode representar muitas coisas. Entre elas, o mundo divino como um todo, a lei universal, o Logos solar da estrela em torno da qual o nosso planeta gira, e o eu superior ou alma espiritual de cada membro da humanidade terrestre.
Jesus Cristo é um sábio imortal, mas também personifica a alma espiritual de cada indivíduo. Sobre o significado místico e teosófico de certos termos cristãos, veja o artigo Notas Para um Dicionário Teosófico da Mística Cristã.
A ortografia do texto a seguir foi atualizada. Em alguns casos, termos antigos foram substituídos por sinônimos da linguagem atual. Em outras ocasiões a ordem das palavras foi adaptada para ficar conforme o estilo de hoje. Vejamos por exemplo uma destas frases, antes do trabalho editorial de 2025:
“Se tiveres a Deos diante de teus olhos sempre ou estejas levantado, ou andes, ou estejas sentado…”.
E depois do trabalho editorial:
“Se tiveres Deus sempre diante de teus olhos, quer estejas levantado, ou andes, ou estejas sentado…”
Levamos em conta como apoios para consulta comparativa não só a versão em latim do opúsculo, mas também a sua versão em inglês, de Claude W. Barlow.[2] Acrescentamos comentários em itálico ao final de alguns dos Apotegmas.
A Introdução ao opúsculo das Sentenças deixa em aberto a autoria da tradução desde a língua grega. Fica de pé a possibilidade de que o tradutor seja Pascásio de Dume, trabalhando sob as ordens e a supervisão de Martinho Bracarense.
(Carlos Cardoso Aveline)
NOTAS:
[1] Veja-se o ensaio de Maria João Toscano Rico intitulado “A projecção da Obra de João Cassiano na Península Ibérica”.
[2] “Iberian Fathers”, volume I, Martin of Braga, Paschasius of Dumium, Leander of Seville, Translated by Claude W. Barlow, The Catholic University of America Press, Washington, DC, EUA, copyright 1969, 261 páginas, ver pp. 17-34.
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Introdução ao Opúsculo das
Sentenças dos Padres do Egito
O primeiro que deu à luz o Opúsculo das Sentenças dos Padres do Egito, traduzidas do grego, foi Rosweide no Apêndice da sua Coleção das Vidas dos Padres, com este título: Egyptiorum Patrum Sententiae, Auctore Graeco incerto, Martino Dumiensi Episcopo Interprete: = quas (diz o mesmo Rosweide Prolegom., 25.) ex Codice Bibliothecae Toletanae excerptas ex Hispania ad me transmisit R. P. Christophorus à Castro Sacrarum Litterarum in Collegio nostro Salmanticensi Professor. Quas etiam reperi in Codice pervetusto S. Floriani è Germania mihi suppeditato. = E Bivar (sobr. Maxim. pag. 517.) cita outro Mss. do seu Mosteiro Nucalense: e Henschenio outro muito antigo. Em dois dos que viu Rosweide a Tradução vem atribuída a S. Martinho, como ele atesta no lugar citado; e diz, que por isso a publica com o nome do Santo, embora pareça natural que o Tradutor fosse o mesmo Pascásio, a quem é sabido que S. Martinho mandou traduzir outra Obra semelhante, que o mesmo Rosweide publicou também no Liv. VII. das Vidas dos Padres, e da qual damos um Extrato na Vida do nosso Santo. Fors idem Paschasius (são as palavras de Rosweide) et baec ejus rogatu transtulit. Quia tamen Martini nomine in duobus manuscriptis inveniuntur, et ipse asserit se Collectionem Orientalium Canonum emendasse et ad Graecum textum rursus contulisse... potuit ipse è Graeco et baec transtulisse. Deste mesmo Opúsculo deu outra edição Fr. Henrique Flores no Tom. XV. da sua España Sagrada pag. 434, e seguintes.
(Caetano Brandão, Arcebispo Primaz, na edição de 1803)
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Sentenças dos Padres do Egito
1. Dizia o Abade João a seus Discípulos: “Os Padres comendo só pão e sal se fizeram fortes na obra de Deus à medida que restringiam a si mesmos. Limitemo-nos, pois, ao mesmo pão e sal. Porque convém que os que servem a Deus se limitem a si mesmos, uma vez que o Senhor disse: ‘Estreito e apertado é o caminho que conduz à vida’ (Mt. 7:14).”
Comentário:
Cada um decide como aplicar à sua vida diária o princípio básico da renúncia ao que é secundário. Quando você reduz voluntariamente as liberdades do seu eu inferior, você aumenta as possibilidades da alma espiritual. Esta é uma das numerosas vantagens da austeridade. Através da autodisciplina, alcança-se a liberdade interior. (CCA)
2. Ao mesmo Ancião, um monge fez a seguinte pergunta: “Qual é o resultado dos jejuns e vigílias que praticamos?” Respondeu: “Eles fazem com que a alma se torne humilde. Porque está escrito: ‘Olha para a minha humildade e para a minha tribulação, e perdoa todos os meus pecados.’ Porque se nisto a alma padece, Deus se compadece dela, e se condói.”
Comentário:
“Deus” aqui significa o eu superior, a alma espiritual, a Lei do Carma. (CCA)
3. O Abade Poemênio disse: “Não aceites em teu coração pensamentos impuros nem maus pensamentos em relação ao teu próximo; nem deixes entrar na alma o seu contágio. Porque se quiseres alimentar tais coisas no teu ânimo, em seguida sentirás o dano que elas provocam, que é instigarem para a perdição: mas aniquila o inimigo por meio da oração e das boas obras. Elimina estes pensamentos e terás descanso.”
Comentário:
O único inimigo a ser aniquilado são os maus pensamentos, os sentimentos inferiores, a falta de conhecimento espiritual. (CCA)
4. A certo Ancião um monge perguntou: “Que farei, Padre, contra as lembranças das paixões?” Respondeu: “Ora ao Senhor, para que os olhos da tua alma vejam o auxílio que vem de Deus, o qual envolve o homem e o preserva.”
5. Tendo um monge de ir ao mercado, fez a seguinte pergunta ao Abade Poemênio: “Como hei de eu vender o meu trabalho?” Disse-lhe o Ancião: “Não vendas coisa alguma por mais do que vale; antes, se fores prejudicado, fica amigo de quem violentamente te leva de mais, e vende em boa paz. Quando eu ia ao mercado, nunca quis ter grandes vantagens no preço do meu trabalho, nem que meu irmão ficasse na situação pior; tinha a esperança de que o lucro de meu irmão me daria bons frutos.”
6. Veio certo monge ter com o Abade Agaton, e lhe disse: “Padre, permite-me que eu more contigo.” E tendo aceitado o pedido, ele viu certo dia na sua mão um pouco de nitro, e lhe perguntou: “De onde te veio esse nitro?” Respondeu o monge: “Achei-o no caminho, quando vinha para cá”. Disse o Ancião: “Tu o puseste lá?” Respondeu: “Não.” E disse o Ancião: “Como, pois, vindo viver comigo, tiraste o que não havias posto? Tendo Deus diante dos teus olhos, e os seus mandamentos ‘Não cobiçarás, não roubarás’? Por ventura não sabes que quem furta coisas alheias se converte em demônio?” E disse: “Devolve isto ao mesmo lugar de onde o tiraste, e então viverás perto de mim.”
Comentário:
Uma estrita ética é necessária para que haja qualquer avanço real no caminho da sabedoria. Veja o apotegma 80 e seu comentário. (CCA)
7. Um monge fez a seguinte consulta ao Abade Sisoio: “Ficou-me de meus pais uma herança; que devo fazer com ela?” Respondeu o Ancião: “Que te direi, irmão? Se te disser: ‘Dá-a à Igreja para os Clérigos’; farão com ela banquetes. Se disser ‘Dá-a a teus parentes’; nenhuma recompensa terás. Assim, se queres o meu voto, dá-a aos pobres, e não terás preocupação.”
Comentário:
Aqui aparece a crítica dos místicos à igreja romana imperial. Sociologicamente, o cristianismo surgiu muito longe da classe dominante do império globalista da época. Após a adoção do cristianismo por parte do império, a ida para o Deserto era uma reação saudável dos verdadeiros místicos, em defesa da espiritualidade autêntica. O ato de ir para o deserto continha em si um protesto mudo contra a burocratização da igreja que agora adotava o luxo dos palácios. A meta dos padres do deserto era não só salvar a si mesmos, mas também preservar e reafirmar o ensinamento original. (CCA)
8. Foi dito pelo Abade Moisés: “A privação das coisas materiais, isto é, a pobreza voluntária e a tribulação levada constantemente, e a discrição, são os instrumentos do Monge. Pois está escrito: ‘Se existirem estes três homens, Noé, Jó e Daniel, eu viverei, diz o Senhor, e serão salvos’. Ora Noé é a figura da pobreza voluntária; Job, a figura da tribulação e da paciência; Daniel, a figura da discrição. Pelo que, se em algum homem estiverem as ações destes três santos varões, nele está o Senhor, habitando com ele, amparando-o, e desviando dele toda tentação que lhe sobrevenha da parte do inimigo.”
9. É contado pelos santos Padres o acontecimento seguinte. Concorreram três monges à ceifa de um campo por certa paga, e depois de feito o ajuste, e de o começarem a ceifar, adoeceu um deles e se recolheu à sua cela. Disseram então os outros dois monges entre si: “Nosso irmão está doente; animemo-nos nós, e esperemos que pelas suas orações possamos suprir o seu lugar na ceifa.” Por fim, tendo-a concluído e recebido por paga - segundo o ajuste - determinada quantidade de trigo, foram ter com o outro monge e lhe disseram: “Toma tu o quinhão que te cabe do pagamento.” Respondeu ele: “Que quinhão tenho eu, se não pude trabalhar?” Disseram eles: “Foi pelas tuas orações que o nosso trabalho incluiu o teu trabalho. Portanto, aceita a tua parte do lucro.” Porém ele não quis aceitar coisa alguma. Insistindo eles, e não concordando ele, foram todos ter com um Ancião, para que decidisse. Primeiramente, disse o monge que estivera doente: “Fomos nós três, meu Senhor Abade, trabalhar em um campo em sociedade; mas, passado um dia, adoecendo eu, me recolhi à minha cela; agora querem estes que eu aceite a paga do meu trabalho, que não realizei.” Responderam então os dois monges: “Ouça, nosso Pai e Senhor. Se tivéssemos estado todos os três, apenas com grande esforço poderíamos ter completado a nossa ceifa; mas, pelas orações do nosso irmão, Deus nos ajudou de sorte que ceifamos o campo todo: mas ele não quer aceitar a parte que lhe toca.” Ouvindo isto, o Ancião ficou muito surpreso e, chamando os seus monges, lhes disse: “Venham, irmãos, e ouçam hoje uma boa disputa.” Relatou logo as palavras das duas partes litigantes, e todos ficaram admirados ao ouvirem as duas alegações; um não aceitando receber coisa alguma, e os outros querendo obrigá-lo a receber o seu quinhão. E então, em presença de todos, o Ancião ordenou que o monge aceitasse a sua parte do lucro e dispusesse dela como quisesse. Foi-se ele então triste e choroso.
Comentário:
O apotegma acima mostra as relações solidárias de produção. A ideia está na raiz do cooperativismo e é central na tradição dos Amish e dos Menonitas. Faz parte das ideias do Mahatma Gandhi e de Vinoba Bhave. Veja “A Filosofia Prática dos Amish”, “Um Por Todos e Todos Por Um” e “Vinoba e a Arte de Construir”.
Os padres do deserto viam como importante o trabalho braçal e manual. Dedicavam-se à pequena agricultura, especialmente hortas: veja também o item 13. Além disso, ao mesmo tempo que oravam, produziam cestos em suas celas.
O Apotegma 109 menciona o trabalho manual. No Apotegmas 5 e 11, vemos que os padres do Deserto iam ao mercado vender aquilo que produziam enquanto oravam. O Apotegma 51, por sua vez, menciona o trabalho com folhas de palmeira, para produzir cestos. No item 103, vemos a importância de ir até o final de cada tarefa. (CCA)
10. Dizia um certo Ancião: “Se habitas com alguém, conserva-te como uma coluna de pedra, que se é atacada não se ofende, e se é elogiada, não se sente importante.”
11. O Abade Sisoio dizia: “Estando eu em certa ocasião com um irmão no mercado para vender as alcofas, vendo que vinha chegando a mim a ira, larguei tudo e fugi.”
Comentário:
Alcofas: cestas de material flexível que os monges do deserto fabricavam para vender no mercado. (CCA)
12. Dizia o Abade João: “Subindo eu em certa ocasião por um caminho do ermo da Scitia, fazendo uma tecedura, ouvi um camelário dizendo palavras vãs; e para me não irar, larguei a minha tecedura e fugi.”
Comentário:
A região de Scitia ou Scete é um vale nos desertos do Egito onde se concentravam Padres do Deserto nos séculos III e IV. Em francês, a região é chamada de Scétis or Skétis, e também de Ouadi Natroun. Em inglês, Scete. Em espanhol, Scetis, Scete, Escete ou ainda Scitia (como em “Las Sentencias de los Padres del Desierto”, Recensión de Pelágio y Juan, Ed. Desclée De Brouwer, Bilbao, pp. 209, 210, etc.). A palavra tem origem grega. Viveram nesta região alguns dos Padres do Deserto que são hoje mais famosos.
Sobre as três regiões do Egito em que floresceu o movimento, veja “Apotegmas de los Padres del Desierto”, Ed. Lumen, Colección Ichthya, Buenos Aires, 1990, 206 pp., direção editorial de Luis Glinka (O.F.M.), pp. 13-14. (CCA)
13. Este mesmo Ancião, enquanto trabalhava na colheita, ouviu certo monge que dizia com ira a outro: “E falas tu?” E, deixando, o campo, fugiu.
14. Perguntou certo monge ao Abade Poemênio: “Qual é o significado do que diz o Senhor: ‘Ninguém tem maior caridade que aquele que interpõe a própria alma pelo seu amigo’; e como se pode fazer isto?” Respondeu o Ancião: “Se alguém ouve uma má palavra do seu próximo, e podendo-lhe retrucar com outra semelhante, batalha contudo no seu coração para expulsar a mancha da amargura, e força a si mesmo a não responder mal e não molestar outro, este oferece a sua própria alma pelo bem do seu amigo.”
15. Foi dito pelo Abade Macário: “Se nos lembramos das maldades que sofremos dos homens, perdemos a virtude da lembrança de Deus: se, porém, repararmos nos males com que nos assaltam os demônios, andaremos sem perturbação.”
16. Dizia o mesmo Abade: “É considerado erro de um monge, quando é ofendido ou injuriado por seu irmão, se ele não for o primeiro a purificar o seu coração com amor fraterno. Sulamita só mereceu ter em sua casa Eliseu por não haver tido demanda com ninguém. A Sulamita era símbolo da alma, e Eliseu símbolo do Espírito Santo; só a alma pura merece receber o Espírito de Deus. A ira inveterada cega os olhos do coração e aparta da oração a alma.”
17. Perguntaram certos monges, ao Abade Poemênio, sobre outro monge que jejuava perfeitamente seis dias na semana, mas tinha grandes sentimentos de raiva; por que padeceria ele disto? Respondeu o Ancião: “Quem aprende a jejuar seis dias e não aprende a vencer a ira, faria melhor se dedicasse o tempo a trabalhar um pouco.”
18. Vivia com o Abade Poemênio no recinto da sua cela um monge que tinha contenda com outro irmão, o qual vivia fora do seu Mosteiro. E lhe disse Poemênio: “Vizinho e Irmão meu, não quero que tenhas demanda com alguém que esteja fora do nosso Mosteiro.” Mas ele não o atendeu. Saiu então o Abade Poemênio, foi ter com outro grande Ancião e lhe disse: “Um irmão vizinho meu anda em contenda com outro de fora do nosso Mosteiro; e não temos sossego.” Disse-lhe o Ancião: “Poemênio, pois então tu ainda estás vivo? Ora, vai para a tua cela e supõe por um ano que estás na sepultura.”
Comentário:
O buscador da sabedoria divina está convidado a morrer para os assuntos mundanos e questões pessoais.
A morte é um símbolo da experiência iniciática, isto é, de uma expansão radical da consciência.
Morto agora ou morto daqui a cem anos, qual a diferença? Melhor morrer agora mesmo para o que não é essencial, preservando por algum tempo o corpo para aprender o que for possível da sabedoria eterna. Um koan da tradição zen pergunta: “Qual era o teu rosto 200 anos antes de nasceres?” O teosofista pode perguntar-se também: “Qual será o meu estado de consciência dentro de três séculos? O que posso fazer hoje, que siga tendo valor dentro de 400 anos?”
O sentido dos pequenos aborrecimentos da vida diária está em testar a nossa resolução de viver corretamente, sem perturbar-nos por coisas pequenas. Cabe tornar-se psicologicamente invisível para as ninharias. São Francisco de Assis afirmou: “É morrendo que se nasce para a vida eterna”. (CCA)
19. Estando em certa ocasião na cela o Abade Poemênio, discutiram muito dois monges um com outro; e o Ancião não lhes dizia palavra. Entrando então o Abade Pafnúcio os achou discutindo, e disse para Poemênio: “Porque os deixas assim, e não lhes dizes que deixem de incomodar?” Respondeu-lhe Poemênio: “São irmãos, logo fazem as pazes.” “Que quer dizer isso? (tornou a perguntar Pafnúcio.) Vês que têm renhido até quase chegarem à violência, e dizes que eles logo fazem as pazes?” Disse-lhe então Poemênio: “Supõe, Irmão, que eu não vivo aqui.” Tão quieto, calado, e caridoso era o Abade Poemênio!
20. Vieram em certa ocasião uns hereges ter com o Abade Poemênio, e começaram a falar mal do Arcebispo de Alexandria; e o Ancião sempre calado. O que fez foi chamar um discípulo seu e dizer-lhe: “Põe a mesa, e faze-os comer; e deixa-os assim ir em paz.”
21. Um monge perguntou ao Abade Poemênio: “Como se deve viver na cela?” Respondeu: “A vida na cela, quanto ao exterior, é trabalhar com as mãos, e meditar na palavra de Deus, e estar em paz, e comer solitariamente só pão; e quanto ao aproveitamento interior, o solitário deve apertar sempre mais consigo mesmo, repreendendo-se, e em qualquer parte que vá, deve cumprir com a reza das Horas Canônicas, e não afrouxar no espírito, mas meditar; para concluir, deve ter bom comportamento, e fugir do mal.”
Comentário:
As horas canônicas são os momentos fixos durante o dia em que se devem praticar certas orações pré-determinadas. A prática tem origem no judaísmo. (CCA)
22. Um monge consultou certo Ancião dizendo: “O meu coração é duro e não teme a Deus: o que devo fazer para que possa temer a Deus?” Respondeu: “Eu entendo que questionando-se o homem sempre a si mesmo no seu coração, chega ao temor de Deus.” “E o que é questionar a si mesmo?” (perguntou o monge.) Respondeu o Ancião: “É ser exigente em todos os casos em relação à sua própria alma, dizendo-lhe que é preciso andar na presença de Deus, e outra vez dizer: ‘por que iria eu querer ser mau para homem algum?’ Julgo, pois, que se perseverar nestas disposições, entrará em sua alma o temor de Deus.”
Comentário:
Desde o ponto de vista teosófico, o temor de Deus é a lembrança do fato de que a Lei do Carma registra cada ação nossa para futuro débito ou crédito. Longe de ser eterna, nossa vida física é breve. Estar vivos é uma oportunidade dada durante algum tempo. Se queremos obter antes da nossa morte uma vivência da sabedoria imortal, não há motivo para desperdiçar a ocasião. Este princípio corresponde a um aforismo famoso da filosofia estoica que diz: “Viva cada dia como se fosse o último.” (Marco Aurélio, “Meditações”, Ediouro, Capítulo VII, aforismo 69.) Mesmo que cheguemos a mais de cem anos de idade, um século passa rápido enquanto o aprendizado espiritual é lento. O “temor de Deus”, ou seja, a noção do perigo de morrer antes de aprender o suficiente, estimula no peregrino o uso correto da energia vital. (CCA)
23. O Abade Macário dizia: “O Monge para quem o desprezo passou a ser visto como louvor, a pobreza como riquezas, e a fome como iguarias, nunca morre. Pois é impossível que o que bem crê e piamente honra a Deus caia em paixão imunda e no erro dos Demônios.”
Comentário:
Quando o buscador da sabedoria tem o foco da sua consciência firmemente instalado no eu superior ou alma imortal, ele vê o desprezo como louvor, a pobreza como riqueza e a fome como iguarias; e portanto não morre. (CCA)
24. Dizia certo Ancião: “Se tiveres Deus sempre diante de teus olhos, quer estejas levantado, ou andes, ou estejas sentado, ou fazendo qualquer coisa, em nada te poderá assustar o inimigo. E se esta consideração permanece no homem, estará unida a ele a virtude de Deus.”
Comentário:
Veja “A Prática da Presença Divina” e “A Presença Sagrada Junto a Nós”. (CCA)
25. Certo monge disse ao Abade Pedro: “Enquanto estou na cela, minha alma está em paz; mas quando saio da cela, se ouço algum irmão dizendo algo, me desassossego.” O Ancião respondeu: “A tua chave abre a porta alheia”. “E que quer dizer isso?” (retrucou o monge.) Respondeu o Ancião: “Quer dizer que as tuas perguntas abrem a porta para as palavras dele, e ouves o que não queres.” “Mas que havemos de fazer (perguntou o monge) quando aparecer um irmão? Que devemos dizer-lhe?” Respondeu o Ancião: “O recolhimento é doutrina para todos. Onde não há recolhimento, não pode haver observância.”
Comentário:
A tua curiosidade, quando voltada para o mundo, te faz sofrer. Se dás demasiada atenção à realidade terrestre, não participas da vida celestial. (CCA)
26. Perguntou um monge ao Abade Sisoio: “Depois de quanto tempo deve o homem arrancar de si as paixões?” O Ancião respondeu: “A qualquer hora que vier a paixão, arranca-a, porque a alma é frágil: é melhor uma alma armada, que contaminada.”
27. Certo monge procurou o Abade Agathon para dizer-lhe: “Não me largam as paixões.” Respondeu-lhe o Ancião: “As armas delas estão dentro de ti. Dá-lhes garantias de que renunciaste a elas, e fugirão de ti.”
28. Foi certo monge ter com um Anacoreta; e recebendo-o este com caridade, ao despedir-se o monge disse: “Perdoa-me, Padre, por vir tirar-te da tua vida costumeira”. “A minha vida costumeira, meu irmão (respondeu o Anacoreta), é refazer a paz de quem vem aqui, e quando se vai, despedir-me com caridade.”
29. A certo Ancião, um monge propôs esta dúvida: “Como acontece que Deus promete bens à alma através das Sagradas Escrituras, e a alma não quer desfrutar deles, mas se inclina a coisas transitórias e imundas?” Respondeu o Ancião: “É porque a alma ainda não provou a doçura das coisas celestiais, buscando Deus com todo o coração; e eis aí por que ela se volta tão rapidamente para coisas sujas.”
Comentário:
A decisão prática de buscar a felicidade durável do mundo divino depende do eu inferior, e ele precisa fazer por merecer. Cabe enxergar um fato básico: é a renúncia a todo apego material que permite nascer para a plenitude do espírito. (CCA)
30. A certo Ancião um monge fez esta pergunta: “Como pode ser que a alma se deleita nas paixões?” Respondeu: “A alma pode deleitar-se nas paixões, mas é o Espírito de Deus que contém a alma. Devemos portanto chorar, e examinar o que há em nós de imundo, rogando a Deus, que em tudo é poderoso, que arranque de nós as sementes malignas. Assim como ocorreu com Maria, que chorou inclinando-se sobre a tumba e o Senhor logo apareceu diante dela, o mesmo acontece também à alma que ama as lágrimas.”
31. Disse um monge a um certo Ancião: “Fala-me, Abade, alguma palavra de salvação.” Respondeu: “Vai, roga a Deus que te conceda teres compunção e humildade; e vigia sempre os teus pecados.”
32. Diziam do Abade Poemênio que, quando tinha de sair da sua cela para ir à congregação na Igreja, se punha primeiro por espaço quase de uma hora a discernir em si mesmo os seus próprios pensamentos; e então ia.
33. Certo monge perguntou a um Ancião: “Que devo fazer em relação a meus pecados?” Respondeu: “Quem se quer ver livre dos pecados, que com o pranto se liberte deles: e quem quer edificar em si as virtudes, que as edifique com pranto. Porque a própria Escritura é pranto. E isto é o que diziam nossos Pais a seus discípulos: ‘Chorai’. Não há outro caminho para a vida, senão esse.”
Comentário:
O pranto é bem visto e bem-vindo não só entre os padres do deserto, mas em toda a mística cristã. Leia por exemplo o texto “A Ciência das Lágrimas”, do pensador oratoriano Manuel Bernardes, que nasceu em 1644.
Aceitar como parte da realidade a dor que não pode ser evitada não é um ensinamento exclusivamente cristão. A primeira das quatro nobres verdades ensinadas por Gautama Buddha afirma que a vida implica Dukkha, ou seja, Dor, Aflição, Desconforto. (CCA)
34. A outro Ancião um monge perguntou: “Que devo eu fazer, Padre?” Respondeu ele: “Abraão, quando entrou na terra da promissão, a primeira coisa que adquiriu foi o sepulcro, e por causa do sepulcro herdou a terra.” “E que coisa é o sepulcro?”, perguntou o monge. Respondeu ele: “É o lugar das lágrimas, e do luto.”
35. Dizia o Abade Moisés: “Se as ações não concordam com a oração, em vão trabalha o homem: porque quando alguém ora por si mesmo, para que lhe sejam perdoados os pecados, guarde-se de os cometer outra vez. Quando porém deixou a vontade de pecar, e se conserva no temor de Deus, a este receberá logo o Senhor com alegria.”
Comentário:
A necessidade de coerência e integridade na alma é um princípio universal ensinado pelas diferentes religiões e filosofias. O zoroastrismo da antiga Pérsia recomenda que os seguintes votos sejam feitos pelos seus seguidores: “Estou de acordo com bons pensamentos, e não estou de acordo com maus pensamentos. Estou de acordo com boas ações, e não estou de acordo com más ações. Estou de acordo com a obediência (aos preceitos éticos e morais), e não estou de acordo com a desobediência (aos preceitos). Estou de acordo com pessoas corretas, e não estou de acordo com pessoas indignas ou sem ética.” (Do artigo “A Força de um Compromisso Sagrado”.) (CCA)
36. A certo Ancião, um monge fez esta pergunta: “Que deve fazer o homem em toda tentação que lhe sobrevém, e em todo o pensamento sugerido pelo Inimigo?” “Deve chorar (respondeu ele) à vista da bondade de Deus, para que lhe acuda com socorro. Porque está escrito: ‘O Senhor é o meu ajudador; e eu terei vingança de meus inimigos’.”
Comentário:
O Senhor é naturalmente, o eu superior, a alma espiritual. Os inimigos do buscador da verdade são os seus demônios, isto é, os maus sentimentos e maus pensamentos, as energias sutis negativas. Seus amigos incluem os anjos dos bons sentimentos, dos bons pensamentos, da intenção de acertar, e os anjos dos bons hábitos. (CCA)
37. Outro monge perguntou a um Ancião: “Castiga um homem a seu servo devido à culpa por um erro que cometeu; e que dirá então esse servo ao Senhor?” Respondeu: “Se o servo não é mau, dirá ao Senhor: ‘Pequei, tem compaixão de mim’; e nada mais. Mas conhecendo ele assim o seu pecado, e confessando que pecou, lhe perdoa o Senhor.”
38. A certo Ancião perguntou um monge: “Se se levantar perseguição por causa da Fé; para onde se há de fugir?” Respondeu: “Onde ouvires que há fiéis ortodoxos, vai para lá.”
39. Um monge perguntou ao Abade Poemênio: “Que devo fazer quando estando recolhido na cela me perturbam os pensamentos?” Respondeu: “A ninguém desprezes, a ninguém julgues, de ninguém fales mal, e Deus te dará quietude, e estabelecerá a tua meditação sem perturbações: porque a vigilância das palavras, a atenção sobre si mesmo e a discrição são as diretrizes da alma. Se alguém pois se entregar à presença de Deus, e se não se exaltar medindo-se com os grandes, e não procurar a satisfação da sua própria vontade, mas recolhido na sua cela conservar a sua ordem, não terá inquietação; porque estes são os instrumentos da alma. Contudo, das coisas ditas acima, empenha-te particularmente em não satisfazer a própria vontade, e terás sossego.”
Comentário:
“Não seguir a própria vontade” significa não seguir o desejo impulsivo e instintivo do eu inferior, mas seguir a vontade superior, que é compatível com a consciência divina. (CCA)
40. Um certo monge consultou um Ancião dizendo: “Atormentam-me os pensamentos; que devo fazer?” “Vai, e fala-lhes assim: ‘Dizei-me, que pretendo eu convosco, ou que tenho eu convosco?’ E ficarás em sossego. Não faças caso de ti, renuncia à tua própria vontade, não tenhas preocupação; e logo fugirão de ti as cogitações.”
Comentário:
Falar aos pensamentos errados estabelece a devida distância entre os maus pensamentos e o pensador que busca viver a verdade.
Os pensamentos indesejáveis se apresentam como se fossem nossos e como se nascessem de nós. Se falarmos a eles, deixaremos claro que eles não nos representam e estão sujeitos à nossa aprovação ou reprovação. Falar aos pensamentos indesejáveis perguntando “o que eles têm a ver conosco” significa que não entramos no jogo automático e cego a que eles poderiam induzir-nos.
A teosofia afirma que os pensamentos e sentimentos estão unidos a “elementais”, seres sutis da natureza, que os animam e são semi-inteligentes, mas podem ser “domados” e adestrados. Daí a importância de falar às emoções ou ideias que vêm a nós, ou de pensar sobre elas de modo lógico e desde o ponto de vista da boa disciplina, evitando identificar-nos instintivamente com tal ou qual inclinação surgida dos mundos inferiores.
“Renunciar à sua própria vontade”, como já vimos, é abandonar os desejos instintivos do eu inferior. (CCA)
41. Certo monge fez esta pergunta a um Ancião: “Por que razão às vezes ao dizer salmos eu estou com ânsia de chegar depressa ao fim?” Respondeu: “Como se conhecerá o homem que ama a Deus, senão quando há alguma instigação do Demônio? E então nos fazemos violência a nós, porque somos dirigidos pela caridade e pelo temor de Deus.”
Comentário:
“Demônio”, como se sabe, é a parte inferior e instintiva do eu inferior subconsciente, que boicota a caminhada espiritual do peregrino. Representa o mau carma do aprendiz. (CCA)
42. O mesmo Ancião disse: “As moscas não se aproximam da panela fervendo; mas elas pousam na panela morna. Assim, também, os demônios fogem do monge aceso no fogo do Divino Espírito; mas do monge morno elas fazem o que querem.”
43. Dizia também: “Se os adversários te perseguem, na primeira vez foge deles; na segunda foge ainda; na terceira transforma-te em uma espada contra eles, avança sobre eles e desbarata-os.”
Comentário:
Deixe o carma amadurecer, espere o adversário baixar a guarda. Prepare-se como um sereno guerreiro da verdade. Preserve a iniciativa. Decida você mesmo o momento certo do confronto, e vença. (CCA)
44. Veio certo monge buscar pelo Abade Poemênio em tempo de Quaresma, e consultando-o sobre suas cogitações, lhe disse: “Tinha dúvidas sobre vir aqui nestes dias, porque dizia comigo mesmo que talvez tu estarias fechado nos dias de Quaresma.” Respondeu o Ancião: “Nós não aprendemos a fechar a porta de madeira, mas sim a porta da língua.”
45. Foram em certa ocasião uns monges de Scete achar o Monge João sentado e trabalhando em silêncio. E tendo-o saudado, ele se voltou para o outro lado e continuou a trabalhar. Dizem-lhe os irmãos: “João, aquele que te deu o hábito de monge, por que não te ensinou a receber os irmãos e dizer-lhes: ‘orai, ou descansai’ ?” Diz João: “O homem pecador não tem folga.” A isto diz o Abade Theodoro: “Dize antes que ao homem que está em prece e em penitência, Deus não exigirá este mandamento.”
46. Consultou certo monge ao Abade Poemênio, dizendo-lhe: Padre, ensina-me o que devo fazer. Respondeu: “Está escrito: Eu confessarei a minha iniquidade; e considerarei o meu pecado.”
47. Um monge perguntou a certo Ancião: “Padre, que devo fazer?” Respondeu ele: “Vai e aplica-te a fazer força a ti mesmo, desembainha a tua espada e marcha para a guerra.” Diz-lhe o monge: “As imaginações não me deixam fazer isso.” Responde o Ancião: “Está escrito: Invoca-me no dia da tua tribulação; e eu te livrarei, e me glorificarás. Invoca pois a Deus, e Ele te livrará.”
Comentário:
A ideia do combate do peregrino contra a sua própria ignorância (e até certo ponto contra a ignorância alheia) é afirmada nas Cartas dos Mahatmas. Ali o teosofista é chamado de “guerreiro da verdade”. Por outro lado, em teosofia considera-se que “nenhum estudante sério é deixado sem ajuda”. A ajuda virá, no entanto, conforme ele mereça e não conforme ele espera. (CCA)
48. Estavam uma vez o Abade Theodoro e o Abade Or cobrindo com barro o teto da cela, e disse um para o outro: “E se Deus agora nos visitasse, que deveríamos fazer?” Então, pondo-se ambos a chorar, deixaram a obra incompleta e se recolheram cada um para a sua cela.
49. Estando o Abade Silvano recolhido na cela, e sendo tomado de êxtase, ficou suspenso; e depois de muitas horas, levantando-se, começou a chorar. Disse-lhe um seu discípulo que ali estava: “Que tens, meu Pai?” Mas ele, calado, continuava a chorar. Pressionando-o porém o discípulo para que dissesse por que chorava, obrigado a falar pela insistência, disse: “Fui levado a juízo, filho, e vi que muitos de hábito monacal iam para os suplícios, e muitos leigos iam para o Reino de Deus.”
Comentário:
Os padres do deserto estavam livres da burocracia eclesiástica e mantinham um espírito crítico em relação a ela. Dedicavam suas vidas à contemplação direta, sem envolver-se com esquemas de poder. Reveja mais acima o Apotegma sete. (CCA)
50. Indo o Abade Moisés a um poço tirar água, viu o Irmão Zacarias em oração e o Espírito de Deus descido sobre ele.
51. Contava-se do Abade João que nunca deixava entrar na sua alma pensamento ocioso, nem falava das coisas deste mundo. Tentaram-no os monges dizendo-lhe: “Damos graças a Deus, padre; porque tem chovido muito, e, com a rega, as palmeiras têm produzido folhas com as quais os Irmãos podem trabalhar.” “Assim é, Irmãos (disse o Ancião), que quando o Espírito de Deus desce aos corações dos Santos, eles logo se abrem e produzem frutos no temor de Deus.”
52. A certo Ancião um monge fez esta pergunta: “Que significa o que disse o Senhor: Eu estava no cárcere, e me viestes visitar?” (Mateus, XXV, 36.) Respondeu: “Ainda que o Senhor veja isto como feito a Ele na pessoa dos próximos, contudo, como a habitação da cela é um cárcere, se algum recolhido na cela tiver sempre a lembrança de Deus, bem poderá dizer: Eu estava no cárcere, e me viestes visitar.”
Comentário:
A cela do monge é fundamentalmente a sua própria aura. Nela ele vive sozinho perante sua consciência. A cela corresponde ao seu carma, o seu mundo pessoal, que pode ser tanto um refúgio e uma bênção como talvez uma prisão, dependendo do seu estado de consciência. Veja o artigo O Monastério Invisível. (CCA)
53. Um monge consultou o Abade Besarion dizendo: “Que devo fazer diante da perturbação que me causam os pensamentos?” Respondeu: “Acomoda-te tu e não te compares com os grandes, mas recolhe-te em silêncio ao teu coração.”
Comentário:
Deixa de lado a sensação de autoimportância. Lembra do que é eterno e não morre jamais. Descansa, confia, eleva-te, e aceita a paz. (CCA)
54. Ao Abade Antônio, um monge perguntou: “Em que consiste um homem considerar que é nada?” Respondeu: “Ter-se por semelhante aos jumentos irracionais, ao não discernirem as coisas, segundo está escrito: ‘Eu me tornei qual um jumento na tua presença, mas sempre unido a ti’.”
Comentário:
A compreensão e aceitação da nossa insignificância pessoal é fonte de bênçãos e nos dá ânimo para agir corretamente aqui e agora, sem cogitações egoístas. (CCA)
55. Perguntou o Abade Pambo ao Abade Antônio: “Que hei de fazer metido na cela?” Respondeu: “Não confies no merecimento da tua justiça, não cuides das coisas transitórias, e mortifica a língua, e o ventre.”
56. Certo monge perguntou a um Ancião: “Julgas bom ser bem estimado entre os homens?” Respondeu: “Esse tipo de estima nada tem de virtude, portanto não busques a estima do teu irmão, mas antes foge dela.”
57. A certo Ancião um monge perguntou: “O que é humildade?” Respondeu: “Quem faz bem a quem lhe faz mal tem humildade perfeita.” Diz-lhe o monge: “Mas quem não puder chegar ao ponto de fazer isso?” Respondeu: “Fuja, e recolha-se.”
58. Um irmão perguntou a um Ancião: “O que é o progresso do monge?” “A humildade”, respondeu o Velho. “Pois quanto mais alguém se inclina humildemente, mais se eleva em direção ao céu.”
59. A outro Ancião, perguntou um monge: “Como pode a alma desenvolver a humildade?” Respondeu: “Esquadrinhando sempre os seus próprios males.”
60. Dizia o Abade Poemênio suspirando: “Todas as virtudes entraram na minha cela, exceto uma, a qual, se for cultivada, permitirá que o homem se conserve sem queda.” Perguntaram-lhe os irmãos que virtude era aquela. Respondeu o Ancião: “Repreender-se o homem sempre a si mesmo.”
61. Certo monge fez um convite a um Ancião dizendo: “Vem à minha cela, se o mereço, para que eu te lave os pés.” Mas ele não quis. Disse-o segunda, e terceira vez, e ele não foi. Por fim foi à cela do Ancião; e prostrando-se como penitente diante dele, lhe rogou que viesse à sua cela. Levantou-se então o Velho, e enquanto vinha com ele, o monge disse: “Porque não vieste das outras vezes, quando foste solicitado?” Respondeu o Velho: “Enquanto o dizias só com palavras, não satisfizeste ao meu coração de modo que me fizesses vir: porém quando vi em ti o ato de um monge na humildade, logo vim com gosto.”
62. Disse um Ancião: “Aquilo que um homem nem aprendeu, nem observou, como o pode ensinar a seu próximo? Sê, pois, sempre humilde para aprender.”
Comentário:
Reveja o apotegma 35. (CCA)
63. Disse um Ancião: “A virtude do Monge está em arguir [acusar] a si mesmo o tempo todo.”
64. Disse um Ancião: “O homem não pode ver os seus pensamentos exteriormente; mas sim quando se lhe levantam no interior; e aquele que é guerreiro os dissipa.”
Comentário:
Coerência interior. Reveja os Apotegmas 43 e 47. Examine o artigo Jesus Cristo, o Guerreiro da Verdade. (CCA)
65. Disse um Ancião: “É tarefa do Monge divisar de longe os seus pensamentos.”
66. Disse um Ancião: “A causa ou motivo que não se prevê não dá lugar a que nos melhoremos.”
Comentário:
É recomendável olhar na frente. Devemos estar preparados para diferentes possibilidades. Prevenir é melhor que remediar. (CCA)
67. Disse um Ancião: “Não te regules por ti mesmo, mas vai atrás de quem pratica o bem.”
Comentário:
Não faças de conta que sabes tudo. Procura quem sabe mais do que tu e é confiável. Segue um ideal. Obedece a um ensinamento espiritual elevado. (CCA)
68. Disse um Ancião: “Em toda coisa que o homem não cortou e não apartou de si, ele se torna outra vez a enredar.”
69. Disse um Ancião: “Todo trabalho ou dificuldade que sobrevém ao homem é uma vitória para ele.”
70. Disse um Ancião: “Todo deleite carnal é uma abominação diante de Deus.”
Comentário:
“Deus” é a Lei, o mundo divino, a alma espiritual.
A incompatibilidade entre a vida celeste e a vida terrestre ocorre na medida em que haja um desvio do foco da alma desde o mundo do espírito para o mundo físico, de modo que a alma se torna dependente de uma satisfação física desnecessária. O foco da alma voltada para a plenitude do espírito é muito diferente do foco da alma voltada para a satisfação física.
Colocando este ensinamento no contexto do movimento teosófico e do devoto leigo, que tem vida familiar, cabe levar em conta estas palavras de um Mestre de Sabedoria:
“… Onde um amor verdadeiramente espiritual busque consolidar-se através de uma união pura e permanente de duas pessoas, no sentido terreno, não há pecado nem crime aos olhos do grande Ain Soph (o princípio supremo universal), pois esta é somente a repetição divina dos princípios masculino e feminino - o reflexo microcósmico da primeira condição da Criação. Diante de uma tal união os anjos bem poderão sorrir!” (“Cartas dos Mestres de Sabedoria”, Ed. Teosófica, Segunda Série, Carta 19. Veja “O Casal Como Centro da Civilização”.)
A sacralidade do casal humano ocorre no aspecto interno e essencial do casamento. (CCA)
71. Disse um Ancião: “Se te vier pensamento que favoreça a concupiscência carnal, e te tocar primeira, segunda, e terceira vez, não lhe dês ouvidos.”
Comentário:
Reexamine o item 43. (CCA)
72. Disse um Ancião: “Se o homem não disser em seu coração: ‘neste mundo não há nada mais que Deus e eu’; não terá sossego.”
Comentário:
Em Raja Ioga e no cristianismo, a concentração produz paz. (CCA)
73. Disse um Ancião: “A peregrinação é guardar silêncio.”
74. Disse um Ancião: “Quem encurta as notícias humanas, e a gula, tem quietude.”
75. Disse um Ancião: “Convém que o Monge tenha o coração forte diante de qualquer coisa; e será salvo.”
Comentário:
Coração forte significa coragem. (CCA)
76. Disse um Ancião: “Se vires ou ouvires alguma coisa, não a contes a teu irmão; porque com isso se nutrem contendas.”
77. Disse um Ancião: “A vontade própria e o ócio, e a continuação destas duas coisas, derrubam o homem.”
Comentário:
Sobre vontade própria, leve em conta o item 67. (CCA)
78. Disse um Ancião: “A caridade, o silêncio, e a meditação oculta produzem a pureza.”
79. Disse um Ancião: “Todas as coisas que excedem a justa medida são de demônios.”
Comentário:
Sobre demônios, veja o item 41. (CCA)
80. Disse um Ancião: “De que serve edificar a casa alheia, arruinando a própria?”
Comentário:
Fale do caminho sagrado apenas naquilo que você vivencia diretamente. Um Mestre de Sabedoria oriental escreveu: “…Antes de sair pregando com um coração e uma vida prática que contradizem seu discurso - bendiga o raio que cause a sua morte, pois cada palavra irá acusá-lo no futuro.” A recomendação está no artigo “A Regra da Sinceridade”. (CCA)
81. Disse um Ancião: “Entre Deus e o homem, qualquer que este seja, se mete de permeio, como muro de bronze e como pedra, a vontade própria. Assim, se o homem vencer a sua vontade, pode com toda verdade dizer: ‘E com o socorro do meu Deus, saltarei o muro’.”
82. Disse um Ancião: “Nós deixamos a estrada direita e clara para caminharmos pela escabrosa e escura, isto é, deixamos de nos chorar a nós próprios e os nossos pecados, e estamos sempre com os olhos nas negligências dos próximos.”
83. Disse um Ancião: “Não é monge o que murmura de outro: não é monge o que responde ao mal com o mal: não é monge o iracundo; não é monge o cobiçoso, o soberbo, o avarento, o altivo, o falador; mas o verdadeiro monge é humilde e pacífico e cheio de caridade, tendo o temor de Deus sempre em seu coração.”
Comentário:
Procure viver a essência oculta da dedicação ao mundo divino, e não as suas aparências. A árvore se conhece pelos frutos. Tenha presente o apotegma 80 e seu comentário. (CCA)
84. Disse um Ancião: “Não desprezes o irmão que te assiste; pois não sabes se o Espírito de Deus está em ti, ou se está nele.”
Comentário:
Em outras palavras: “O teu aluno e o teu ajudante talvez tenham almas mais sábias que a tua”. (CCA)
85. Disse um Ancião; “A humildade, a castidade e o temor de Deus são superiores a todas as virtudes.”
86. Disse um Ancião: “Para o monge é contenda igual querer brigar com quem o ofendeu, ou com o Diabo.”
Comentário:
Na vida como um todo, a melhor maneira de derrotar o mal não é o conflito, que em geral cria ou reforça laços de unidade entre os adversários. A maneira mais eficiente é a construção de bons hábitos e a criação de bom carma, de modo que o erro perde força e fica à margem dos acontecimentos. O confronto aberto é necessário em certas circunstâncias, mas deve ser evitado sempre que possível. Quando indispensável, deve ser breve e seletivo. A vida implica combate, mas a paz interior deve ser preservada sempre, e deve ser mais forte e mais importante que o conflito. (CCA)
87. Disse um Ancião: “Desde a menor ação até a maior que o homem faz, tudo se lhe lança na sua conta, sejam pensamentos, ou obras.”
Comentário:
Numa Carta de um Mestre, podemos ler: “…O Carma representa um Livro de Registros no qual todos os atos do homem, bons, maus ou indiferentes, são cuidadosamente anotados para seu débito e crédito - por ele mesmo, digamos, ou mais precisamente pelas próprias ações dele.” (“Cartas dos Mahatmas”, Ed. Teosófica, Brasília, vol. I, Carta 68, p. 310)
Pensamentos são ações no plano mental, sentimentos são ações no plano emocional. Todos eles implicam responsabilidade. (CCA)
88. Disse um Ancião: “A humildade nunca é suntuosa, mas, antes, serve de tempero em toda suntuosidade.”
89. Disse um Ancião: “Humilhar-se, e ter-se em conta de desprezível, é uma muralha de defesa para o monge.”
90. Disse um Ancião: “Quem quer edificar uma casa procura muitas coisas necessárias para acabá-la. Assim, também, o monge deve fazer cuidadosas preparações para poder aperfeiçoar as obras de Deus.”
91. Disse um Ancião: “Bem-aventurado aquele que suporta as dificuldades e agradece.”
92. Disse um Ancião: “Não há virtude mais forte do que não desprezar ninguém.”
93. Disse um Ancião: “Exercer cada um em todas as coisas força sobre si mesmo, esse é o caminho de Deus, e a obra do monge.”
Comentário:
Um Mestre escreveu, citando palavras de Alfred Tennyson: “Autorrespeito, autoconhecimento, autocontrole, só estes três dão à vida um poder soberano.” (“Cartas dos Mestres de Sabedoria”, Carta IV para Laura Holloway, p. 148.)
A auto-observação e o controle de si mesmo têm importância central em Raja Ioga e na tradição mística cristã. (CCA)
94. Disse um Ancião: “Aquele que faz violência a si por amor de Deus é semelhante ao homem que confessa.”
95. Disse um Ancião: “O homem que coloca diante de si a toda a hora a lembrança da morte, este vence a pusilanimidade.”
Comentário:
Tenha presente o apotegma 22. (CCA)
96. Disse um Ancião: “Que ao falar sejas livre, e não escravo.”
Comentário:
Livre dos impulsos inferiores como medo, raiva, ambição e outros semelhantes. (CCA)
97. Disse um Ancião: “É impossível que um homem sem o controle da língua tire proveito de uma só virtude que seja; pois a primeira virtude é o controle da língua.”
98. Disse um Ancião: “De três coisas tenho eu medo, a saber: de que minha alma saia do corpo; de aparecer na presença de Deus; e de que uma sentença condenatória seja proferida contra mim.”
Comentário:
“A alma sair do corpo” significa morrer. Como preparar-se para isso? A purificação da alma durante a vida física beneficia fortemente o processo pós-morte.
A expressão “sair do corpo” como sinônimo de morrer é frequente entre os místicos do deserto e está tecnicamente correta. A alma humana não morre: apenas a sua vestimenta material é que perde a vida quando a alma “sai” definitivamente dela. A alma sai mas segue vivendo nos níveis não-materiais de consciência. Leia Jesus Ensinou Sobre Reencarnação, A Reencarnação Segundo o Cristianismo, O Processo Entre Duas Vidas, e Como Ajudar Quem Partiu. (CCA)
99. Disse um Ancião: “Quando habitares em qualquer lugar, não olhes por aqueles que estão remediados, mas sim pelo necessitado, ao qual falta o pão, ou o descanso.”
100. Disse um Ancião: “Se tendo tu um sofrimento e não cuidando dele oras ao Senhor por outra coisa, não serás ouvido; mas pede primeiro pela tua tribulação, e depois de bateres à porta e entrares, então farás pelos outros alguma súplica.”

Visão parcial de pintura representando Santo Antão do
Deserto e São Paulo de Tebas. Do pintor Diego Velásquez (1638).
101. Disse um Ancião: “Estas três coisas são decisivas: o temor de Deus, a oração assídua, e fazer bem ao próximo.”
Comentário:
Sobre o temor de Deus, leve em conta o item 22. (CCA)
102. Disse um Ancião: “Assim como se não vive sem a respiração que sai pelo nariz, assim também o homem deve sempre ter em si o temor de Deus, e a humildade.”
103. Disse um Ancião: “De que serve começar a produzir um utensílio sem aprender a aperfeiçoá-lo? Nada vale, pois, o que se começa e não se acaba.”
Comentário:
Tanto no plano material como no plano espiritual, devemos fazer o possível por completar nossas tarefas e cumprir até o fim o nosso dever. (CCA)
104. Disse um Ancião: “Se um homem não satisfaz o teu coração, não compartilhes com ele o conhecimento do teu coração.”
Comentário:
A confiança é o alicerce da sinceridade; e ser confiável abre as portas da confiança. (CCA)
105. Disse um Ancião: “Decide contigo mesmo não fazer mal a ninguém jamais; mas ter um coração puro para com todo ser humano.”
106. Certo monge disse a um Ancião: “Se eu vir entre os irmãos algum descuido, mandas que eu os repreenda?” Respondeu: “Se forem mais velhos, ou da tua idade, adverte-os humildemente sem repreensão, de modo que mesmo nisso te mostres humilde.”
107. A certo Ancião um monge propôs o seguinte: “Habitam comigo outros irmãos, e querem que eu os ensine. Que mandas que faça?” Respondeu: “Faze tu o mesmo que ensinas, de modo que não só lhes dês os ensinamentos, mas também o exemplo.”
Comentário:
Tanto a tradição pitagórica como a mística cristã mandam ensinar pelo exemplo. Santo André Avelino escreveu:
“Peça a Deus que me tire o entendimento e me seque a mão antes que eu aconselhe a alguém, de palavra ou por escrito, algo que eu não pratique ou não tenha vontade de praticar.” (No livro “S. Andrés Avelino, Clérigo Regular”, A. Veny Ballester, Editorial Vicente Ferrer, Barcelona, 1962, 639 pp., ver p. 33.)
Leve em conta ainda os Apotegmas 35 e 80. (CCA)
108. Diziam do Abade Macário, o Velho, que assim como Deus protege o mundo todo e suporta os pecados dos homens; assim Macário, imitando a Deus no comportamento para com os irmãos, encobria os seus delitos; e em relação às coisas que via ou ouvia, se comportava como se não visse, nem ouvisse.
109. O Abade Moisés fez a seguinte pergunta ao Abade Silvano: “Pode o homem começar de novo a cada dia?” Respondeu Silvano: “Se é operário, pode recomeçar a cada dia. Convém que cada um desenvolva um pouco de todas as virtudes. Todos os dias, pois, levantando-te ao amanhecer, vê como o começo toda virtude e cada mandamento de Deus, com grande paciência e magnanimidade, com temor e amor de Deus, com humildade de alma e de corpo, com muito sofrimento, com tribulações, no recolhimento da cela, em oração e súplica, com gemido, com pureza de coração e de olhar, com controle da língua e das palavras, renunciando às coisas materiais e aos desejos do corpo físico, na batalha da cruz, isto é, no tormento e na pobreza de espírito, na continência espiritual, no ardor de luta, na penitência e no luto, na simplicidade da alma e no silêncio, no jejum e nas vigílias noturnas, e no trabalho manual, segundo o que ensina o Apóstolo S. Paulo, dizendo (1.Cor 4:12): ‘Trabalhando com nossas próprias mãos, com fome, com sede, com frio e nudez, enfrentando dificuldades e tribulações, com necessidades e angústias e perseguições, em covas, grutas e cavernas da terra. Que sejas um executor da palavra e não só um ouvinte’, lucrando em dobro com o talento, tendo a veste nupcial, estando estabelecido sobre pedra firme, e não sobre areia. Não te desamparem a esmola e a fé, considerando que não há dia que não seja próximo da morte; e como se já estivesses encerrado no túmulo, que a nada te apegues deste mundo. Que a abstinência das comidas e a humildade e o encerro não se apartem de ti em momento algum. Porque está escrito: Pelo teu temor, Senhor, recebemos no ventre e tomamos as dores, e produzimos o espírito de salvação. A respeito destas virtudes e de qualquer outra, se é que há alguma outra, permanece alerta e não te compares aos grandes, mas convence-te de que és inferior a toda criatura, isto é, pior que qualquer homem por pecador que ele seja. Que tenhas prudência, observando a ti mesmo, e não julgues o próximo, nem repares nos delitos alheios, mas chora os teus pecados e que não te importem as ações de homem algum. Que tenhas ânimo manso e não iracundo. Que não decidas nada de mau no teu coração contra alguém, nem conserves inimizade em teu coração, nem ódio contra quem é teu inimigo sem causa; nem te irrites pela sua inimizade; nem o desprezes na sua necessidade e tribulação, nem respondas ao mal com o mal, mas sê pacífico com todos, porque esta é a paz de Deus. Não confies em quem faz o mal, nem te comprazas com quem faz mal ao seu próximo. Não murmures contra ninguém; porque Deus conhece tudo e vê cada um. Não acredites no murmurador nem festejes as suas más palavras. A ninguém rejeites por causa do seu pecado; porque está escrito: ‘Não julgueis, e não sereis julgados’: nem desprezes o pecador, mas ora por ele, para que o Senhor o converta com paciência e tenha misericórdia dele; porque o Senhor é poderoso para isso. E se ouvires de alguém que erra, responde: ‘Sou eu juiz porventura? Sou homem pecador, morto debaixo dos meus pecados; tenho de chorar os meus próprios males, e um morto não pode tratar dos problemas dos outros’. Assim, quem considera e procura todas estas coisas é um realizador de toda justiça, pela graça e virtude do nosso Senhor.”
110. O Abade Moisés disse ao Abade Poemênio as sete Sentenças seguintes, as quais, se alguém colocar em prática, seja no Convento, na solidão ou mesmo na vida secular, poderá ser salvo. 1. Primeiro que tudo, segundo está escrito, deve o homem amar a Deus com toda a alma e com toda a sua inteligência. 2. O homem deve amar ao próximo como a si mesmo. 3. Deve o homem abster-se de todo mal. 4. Não deve o homem julgar o seu irmão em caso algum. 5. Não deve o homem fazer mal a outrem. 6. Antes que saia do corpo, o homem deve purificar-se de toda mácula da carne e do espírito. 7. O homem deve ter sempre o coração contrito e humilhado. Isso pode ser cumprido por aquele que sempre considera os seus pecados e não os do próximo, com ajuda da graça de N. Senhor Jesus Cristo, que vive com Deus Pai e com o Espírito Santo, e reina por todos os séculos dos séculos.
Amém.
Comentário:
No item seis deste apotegma 110, as palavras “antes que saia do corpo” significam “antes de morrer”. Leve em conta o apotegma 98 e seu comentário. (CCA)
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O texto acima está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 01 de dezembro de 2025.
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A imagem de abertura, mostrando Macário de Alexandria, é reproduzida da obra “Les Vies des Pères des Déserts D’Orient”, Nouvelle Édition, Michel-Ange Marin, Tome Premier, Louis Vivès Libraire-Éditeur, Paris, 1886, 478 páginas, ver p. 416.
Cabe registrar que há no século IV - sob o mesmo nome de Macário - dois padres do deserto contemporâneos. Um deles é Macário de Alexandria, chamado de O Moço. O outro é Macário do Egito, chamado de O Velho.
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Outros textos para estudar:
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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